Instruções para colheita e conservação de material científico para estudo*

II – Instruções para colheita e conservação de hematófagos

Dípteros

Os dípteros sugadores de sangue dividem-se em mosquitos pernilongos (culicídeos), borrachudos (gênero Simulium), maruim (mosquitos-pólvora e mosquitos-do-mangue, subfamília Ceratopogoninae) e biriguis ou tatuquiras (gênero Phlebotomus). Além destes há as mutucas (tabanídeos), uma mosca que ataca principalmente os cavalos (Stomoxys) e muitas espécies de moscas achatadas que são parasitos permanentes de pássaros e de alguns mamíferos (veado, cavalo, carneiro e morcego). Estas pertencem às Hippoboscidae ou Pupipara.

Todos esses chupadores merecem ser colecionados e estudados porque podem ser transmissores de moléstias. Devem ser procurados principalmente quando se chega a regiões pouco conhecidas, ou quando se obtém caça mais rara, viva ou morta.

Todas as moscas e mosquitos que chupam o sangue do homem, e muitas outras, podem ser apanhadas em cavalos. Para esse fim, procuram-se os animais mais mansos, que serão amarrados em lugares apropriados, como sejam a vizinhança de matas, de brejos e de rios ou córregos menores. As melhores horas são de manhã e das quatro às sete da noite. As espécies mais raras aparecem quando principia a escurecer, saindo dos seus esconderijos e invadindo mesmo o campo aberto. As diversas espécies atacam os cavalos em diferentes regiões do corpo que convém notar. Certos borrachudos penetram na orelha, outros escolhem a margem orbital, a crina ou a barriga: um grupo de pequenas mutucas de asas manchadas procura as orelhas do cavalo (e os chapéus das pessoas), outras as pernas, acima dos cascos; os mosquitos procuram muito o focinho e a barriga etc. As espécies menores (bariguis, mosquitos-pólvora) merecem atenção especial.

Barigui = mosquito-palha é díptero de preferência noturno, atacando, porém, animais e homens durante o dia em lugares de mata fechada. À noite, invade as moradias, mesmo afastadas da floresta; voa sem ruído, a luz exerce grande atração sobre ele e há um modo muito fácil de apanhar os machos, que é recolher os exemplares presos ao petróleo que ressuma dos candeeiros; os machos têm grande importância para a classificação; as fêmeas são hematófagas, podendo-se apanhálas pelo processo comum, ou então molhando pequeno pincel em álcool e aproximando-o do flebótomo, que a ele adere muito facilmente; em seguida o pincel é levado ao vidro, que contém o álcool e onde ficará definitivamente o flebótomo. Esse processo é de grande utilidade para apanhar e transportar insetos sugadores de pequeno porte, como os maruins, borrachudos etc.

Nas serras há muita probabilidade de se encontrar novas espécies de mutucas e borrachudos. Pernilongos encontram-se, de preferência, em matas com bromélias ou taquaras e em regiões pantanosas, onde convém procurar principalmente os anofelinos ou mosquitos-prego, quando se tratar de uma região com impaludismo. Estes pousam de modo a parecer-se com um pequeno prego fincado na pele. De todas estas espécies somente as fêmeas chupam sangue; os machos, que não chupam sangue, podem ser apanhados pousados em flores, em cercas ou nas janelas de casas; os dos borrachudos e pernilongos obtêm-se também por criação.

As pequenas espécies apanham-se bem com tubos de vidro quando principiam a chupar; podem ser mortas por meio de fumaça de cigarros, vapores de creosoto, benzina, xilol, éter ou clorofórmio etc. Os insetos maiores (mutucas) podem ser apanhados com a mão ou, quando são muito ariscos, com uma rede para caçar rboletas, e mortos nos vidros de cianureto ou com xilol.

A conservação geralmente se faz a seco, mas, quando há bastante material, convém conservar uma parte deste em líquidos (álcool, glicerina, solução de formol, ou mistura de álcool, glicerina e água em partes iguais com 1-2% de ácido fênico) contidos em tubos de vidro, nos quais se introduz o rótulo escrito a lápis. Esse processo de conservação deve sempre ser usado quando os animais estiverem repletos de sangue, e nesse caso, devem ser separados os que sugaram dos que não o fizeram. O material seco pode ser conservado em cartuchos de papel macio (papel de seda ou papel higiênico) ou espetado com alfinetes apropriados. As moscas maiores espetam-se pelo tórax, no meio ou um pouco à direita, quando há um desenho na linha mediana; os mosquitos atravessam-se no tórax de lado a lado e, havendo muito material, podem-se colocar três ou quatro no mesmo alfinete. Os exemplares muito miúdos podem ser gomados em lingüetas de papel que se espeta, ou preparados por meio de alfinetes especiais curtos e muito finos. Precisase evitar a umidade que favorece a formação de bolores e o acesso de insetos destruidores (principalmente de pequenas formigas), o que se obtém usando caixinhas bem fechadas e juntando naftalina, essência de Mirban ou formicida.

Os objetos conservados devem ser rotulados. Convém indicar o lugar e a data em que foram apanhados, como também outras observações, por exemplo, sobre as circunstâncias em que atacam os animais.

Além dos sugadores de sangue, devem-se colecionar também outros insetos que visitam os animais, seja para sugar o suor, seja para apanhar os sugadores de sangue.

Os objetos colecionados devem ser despachados na primeira ocasião oportuna em blocos, caixinhas de madeira ou de metal ou pedaços de taquaras, bastante fortes para não serem amassados. As caixinhas para insetos espetados não devem ser muito mais altas do que os alfinetes, de modo que estes não se possam desprender, se o fundo for forrado de pita ou de cortiça (de rolhas). Esses pequenos volumes devem ser embrulhados por fora com algodão, estopa ou outro material adequado e depois cobertos de papel muito forte ou de outra caixinha maior.

Para a criação de mosquitos procuram-se larvas principalmente em água de bromélias, taquaras, taboas e outras plantas que contêm água. Essas espécies serão geralmente de maior interesse, mas convém também colecionar larvas palustres, principalmente em lugares onde há febres. Nas mesmas ocasiões obtêm-se larvas de espécies de maruim. Os borrachudos desenvolvem-se somente na água corrente, por exemplo, na água agitada de pequenos córregos e nas cachoeiras e corredeiras de rios maiores. As larvas se encontram fixadas, seja em pedras, seja – o que é mais comum – em galhos secos ou verdes, em raízes ou em folhas secas, encalhadas entre as pedras. Formam no mesmo lugar casulos de seda pardoamarelada, abertos de um lado e deixando sair os fios respiratórios da ninfa; têm a forma de cartucho de papel, achatado no lado em contato. Quando o borrachudo está formado, tornam-se bastante escuros e basta, então, conservá-los em câmara úmida para obter depois de um ou mais dias o inseto perfeito.

Os ovos das mutucas são depositados de preferência em folhas verdes logo acima da água onde formam manchas pretas; devem ser conservados, se for possível, com a mutuca que os pôs.

As moscas dos pássaros são apanhadas no pássaro vivo ou morto. Se morto a tiro, o pássaro deve ser logo coberto com rede ou posto num saco, a fim de poder apanhar as moscas que logo abandonam o cadáver. Conservadas vivas, essas moscas, às vezes, põem pequenos corpúsculos em forma de sementes que são casulos ou pupas; podem também ser encontradas em ninhos de pássaros. Dessas pupas podem-se obter novas moscas depois dum pequeno número de dias.

Há também moscas, como o berne, cujas larvas vivem na pele de aves ou de mamíferos, principalmente ratos, caxinguelês e pequenos gambás ou cuícas. Quando pequenas podem ser conservadas dentro do saco da pele. Quando maduras costumam abandonar o hospedeiro e deve-se, então, procurar criá-las colocandoas em cima de areia, serragem ou farelo, onde se enterram para fazer casulos. A saída da mosca pode ser muito demorada, esperando-se dois meses ou mais; mas todas estas observações são de grande interesse.

Pulgas, piolhos etc. devem ser mantidos num dos líquidos conservadores já citados.

Convém revistar as vidraças das janelas para apanhar nelas as moscas e mosquitos chupadores de sangue, que entram de dia ou de noite, atraídos pela luz artificial. Em lugares convenientes perto de matas ou pântanos podem-se armar aparelhos automáticos, consistindo em lanternas ou luzes protegidas por mangas e cilindros de vidro, que se põem dentro dum prato ou pequena bacia com líquido conservador, de modo que esses insetos, quando atraídos pela luz, batem no vidro, caem no líquido e aí se conservam.

Carrapatos

Os carrapatos podem ser capturados em liberdade ou quando fixados sobre animais. Os carrapatos livres são encontrados sobre as folhas de certas plantas, nos troncos das árvores, nas frestas das paredes, e em todos os lugares em que permanecem os animais por eles parasitados (currais, baias, poleiros e ninhos de certas aves).

Os carrapatos parasitam variadíssimos animais. Eles são encontrados sobre o homem, bois, cavalos, cães, caças de pêlo, aves, cobras, tartarugas, lagartos e até mesmo sobre insetos.

Devem-se procurar carrapatos sobre todo e qualquer animal, a começar pelos domésticos. Nos galinheiros existe muito freqüentemente, nas frestas das paredes e poleiros, um carrapato peculiar a essas aves, o chamado carrapato-das-galinhas, que é o transmissor da espirilose dessas aves.

Têm particular interesse para o estudo os carrapatos das caças (veados, capivaras, porcos, pacas, antas, tatus etc.), os das aves, cobras, tartarugas etc.

Nos animais parasitados os carrapatos são encontrados espalhados por todo o corpo, mais freqüentemente, porém, nas orelhas, no pescoço e em torno dos olhos. Algumas vezes estão isolados, outras reunidos em pequenos agrupamentos.

Os machos de alguns carrapatos são muito pequenos, quase sempre estão por baixo de uma fêmea que é, quando desenvolvida, muito volumosa. Sempre, por isso, que se arrancar um carrapato de um animal deve-se ter o cuidado de verificar se no lugar de onde ele saiu não ficou um outro.

Uma vez morto o animal, os carrapatos dele se desprendem em grande número. Devem ser colhidos nas caças, logo após a morte do animal, catando-os cuidadosamente, para que a colheita seja a mais abundante e variada possível. Quando um animal tiver poucos carrapatos, convém apanhar todos os existentes sobre ele. Se o número de parasitas for muito avultado é suficiente retirar uma centena deles, escolhendo-os de variado tamanho, forma e colorido.

Os carrapatos devem ser colocados em caixinha e, na falta dela, em um vidro, dentro de um tubo de bambu ou em qualquer recipiente, contanto que completamente seco; convindo sempre que possível forrar o fundo com algodão ou papel mata-borrão.

Quando possível, uma terça parte dos carrapatos apanhados deverá ser colocada em um vidro com álcool, sobretudo os que já chuparam sangue.

Não há necessidade de matar os carrapatos, nem há inconveniente em que eles fiquem completamente dessecados e encolhidos.

Os carrapatos colhidos em animais de espécie diversa devem ser acondicionados separadamente.

Enviar em álcool pequenos carrapatos vermelhos existentes sobre as folhas e conhecidos sob a denominação de mucuins ou micuins, que atacam muito as pessoas; não confundir com as larvas dos carrapatos comuns, que não possuem o colorido quase escarlate dos mucuins.

Especial atenção merecem os carrapatos encontrados nas tocas de certos mamíferos como os mocós e os denominados carrapatos-do-chão, que vivem ocultos na areia das habitações, atacando principalmente durante a noite. Esses carrapatos são muito diferentes dos conhecidos vulgarmente pelo nome de rodoleiro.

A cotia é parasitada por um carrapato de corpo mais luzidio que o carrapato comum; trata-se de espécie rara e, por isso, de muito interesse.

Em todos os recipientes contendo carrapatos é necessário colocar indicações a respeito do animal, localidade e época em que foram eles capturados.

Manguinhos – 1912