Novo método de fechar e conservar objetos pequenos destinados a exame microscópico*
O método de conservar objetos para o exame microscópico entre lâmina e lamínula está tão generalizado que ninguém cogita a possibilidade de substituí-lo. De fato, é melhor quando se trata de cortes microscópicos ou de corpos chatos. Quando, porém, os objetos são mais espessos, empregam-se células ou lâminas escavadas, aparecendo, então, inconvenientes que são perceptíveis sobretudo nos casos de conservação em meios líquidos. O principal deles se manifesta no caso de muitos organismos pequenos e consiste no fato de assumirem eles, quer vivos, quer mortos, uma determinada posição dependente da sua forma. Ora, muitas vezes é desejável examinar tais organismos em diferentes posições, o que só é conseguido com grande dificuldade. Em todo caso, o objeto só pode ser examinado numa dada posição, que não é suscetível de ser mudada em uma preparação fechada em definitivo.
Senti esse inconveniente logo na primeira pesquisa científica, realizada há 42 anos, e que constituiu um trabalho de concurso versando sobre os crustáceos cladóceros dos arredores de Berna. Para bem determinar os caracteres morfológicos dos pequenos organismos pertencentes a esse grupo, torna-se necessário examiná-los em diferentes posições, enquanto, em razão de sua forma, eles tendem a apresentar sempre a face lateral, o que constitui grave inconveniente à observação.
Lembrei-me, então, de fechá-los em pequenos tubos capilares de vidro, cuja rotação permitiria examiná-los em qualquer direção. Achei que quando o capilar é colocado em cima de uma lâmina, os objetos incluídos só podem ser examinados com aumentos muito fracos. Ao passar por meio de refringência diferente e de espessura desigual, os raios de luz são quebrados, graças à refração, de um modo irregular, o que não permite a formação de uma imagem correta. Além disso, os defeitos do vidro e a reflexão da luz incidente perturbam a nitidez da imagem. Para remediar esses inconvenientes me ocorreu, aliás mui naturalmente, emergir os capilares em um meio líquido. Deste modo a refração dos raios se acha tão diminuída que torna possível o emprego de aumentos mais fortes. A camada líquida contida em um pequeno cristalizador de fundo chato tem uma espessura uniforme, sendo o único desvio que sofrem os raios, causado pela diferença de refração dos meios atravessados, que nesse caso consistem das seguintes camadas:
1° Vidro cristalizador;
2° Líquido no qual está imerso o capilar;
3° Parede inferior do capilar;
4° Líquido incluído nele;
5° Parede superior do capilar;
6° Líquido de imersão que cobre o capilar;
7° Camada de ar existente entre a superfície da camada líquida e a lente focal da objetiva.
Quando a luz que atravessa essas camadas é refletida por um espelho plano, toma uma direção quase perpendicular aos meios atravessados, fato este que exclui um desvio acentuado. Este só é apreciável sobre as superfícies curvadas internas e externas do capilar. Todavia, a diferença de refração no vidro e em vários meios líquidos não é muito grande, sendo muito inferior à que se nota destes meios, ou do vidro, para o ar. Por esse processo as irregularidades do vidro e a reflexão no capilar ficam reduzidas ao mínimo, permitindo obter imagens claras dos objetos quando estes não se acham em contato íntimo com as paredes laterais do capilar. (Figuras 1 e 2)
Fig. 1 – Larva de Dermatobia cyaniventris, saída do ovo, conservada em ácido fênico e fotografada no capilar, aumento 1:100. No original é perfeita a nitidez das partes focalizadas.
Fig. 2 – O mesmo objeto com retoque do negativo para remover traços que marcavam paredes laterais do tubo.
A fim de demonstrar tal diferença é suficiente colocar um tubo de vidro vazio dentro de um cristalizador igualmente vazio; aparece, então, mui claramente. O mesmo sucede quando o capilar cheio de ar é submerso em uma camada de líquido. O capilar cheio de ar torna-se muito pouco visível no fundo do cristalizador, sendo coberto por uma camada de água.
Se o líquido do capilar e o líquido que o banha têm igual índice de refração, o capilar fica quase invisível, à semelhança de um pedaço de gelo sem bolhas de ar imerso num copo de água. Se esse líquido for, por exemplo, o óleo de cedro ou um outro óleo de imersão, a parede de um capilar fino de vidro completamente transparente não terá efeito sobre os raios luminosos e permitirá até o emprego de uma lente de imersão. Quando a distância focal não permite o emprego de aumentos mais fortes, pode-se, ainda assim, usar objetivas e oculares que aumentam centenas de vezes, sendo suficientes para verificação de detalhes mais importantes na determinação de espécies.
Quando os índices de refração dos líquidos interno e externo do capilar são idênticos, não importa serem um pouco diferentes do índice de refração do vidro que forma a parede do capilar, como o demonstram facilmente algumas experiências feitas nesse sentido. No estudo de espécimes botânicos e zoológicos pode mesmo haver alguma diferença entre os líquidos externo e interno sem que a imagem se torne menos nítida nos aumentos de uso corrente. Nestas condições, é possível servir-se de qualquer espécie de líquido dentro do capilar, como sejam, por exemplo, a água doce ou marinha e a solução fisiológica para os organismos vivos e para os mortos – qualquer fixador como o álcool, o formol em solução, a glicerina e, finalmente, os clarificadores, isto é, ácido fênico, citado no artigo precedente, óleo de cedro etc. No primeiro caso, o líquido externo será a água, que também pode ser empregada com o álcool e as soluções de formol. Para os meios de refração superior costumo empregar glicerina, que é pouco dispendiosa, não ataca a pele e é suficiente para os fins práticos; em certos casos acha-se indicada a sua substituição por óleos gordurosos e essenciais, parafina líquida etc.
Os capilares de vidro transparente existem no comércio, principalmente para o uso dos estabelecimentos vacinogênicos; podem também ser feitos estirando o vidro aquecido, como se faz na fabricação de pipetas esterilizadas. O essencial é que o vidro não tenha defeitos e que os tubos sejam de forma bem cilíndrica. A espessura das paredes é indeterminada, conquanto seja uniforme e ofereça a resistência necessária. A forma cilíndrica garante a facilidade de examinar o objeto em qualquer direção, fazendo rolar o tubo sobre o fundo do catalisador. Há, todavia, casos nos quais as formas mais achatadas, de seção retangular ou oval, oferecem maiores vantagens. O calibre do tubo não deve exceder em muito a espessura do objeto incluído. Geralmente será apenas de 1 a 5 mm, mas pode atingir o duplo para certos objetos. Além destas dimensões é preferível reduzir a espessura dos objetos por seções longitudinais. Sendo o tubo bastante grosso, poderá incluir um rótulo escrito em papel pergaminho.
Para fazer penetrar o objeto dentro do capilar faz-se uso da capilaridade ou da aspiração pela boca, ou de outro processo qualquer de sucção. A orientação do objeto incluído pode ser obtida por intermédio de cerdas, mandris de cânula de seringa ou capilares mais finos. A oclusão do capilar pode ser feita por parafina, mas em geral vale fechá-lo ao fogo. Neste caso, as extremidades devem ser arredondadas e mais finas do que o corpo capilar. A fim de facilitar a obturação, distende-se, em primeiro lugar, uma das extremidades, deixando apenas uma abertura fina. Depois da penetração do objeto no tubo, será fácil fechá-la em uma chama pequena.
Um capilar mais fino ou uma pipeta podem servir para encher o capilar. Um processo mais simples e mais cómodo consiste, porém, em deitar o capilar em um tubo de centrifugação cheio do líquido que se deseja empregar. Uma rotação breve no aparelho centrifugador garante a expulsão do ar e a entrada do líquido. Antes de fechar o tubo expele-se o excesso do líquido por aquecimento, ou se retira este por meio de um capilar mais fino. Abaixo do ponto de fusão convém deixar um espaço de ar de 0,5 cm ou mais, no caso de líquidos inflamáveis. Quanto ao comprimento do capilar, deve regular pouco menos do comprimento de uma lâmina, o que permite colocar um ou mais capilares em pedaços de cartão branco, cortados de acordo com as dimensões das lâminas comuns empregadas em microscopia. O cartão deve ser um pouco flexível, sendo aproveitável aquele que serve ao fabrico de cartões de visita. Os capilares são fixados por meio de algumas incisões, de conformidade com o que indicam as Figuras 3 e 4; os dizeres podem ser escritos diretamente no cartão, evitando, pois, a necessidade de rótulos.
Assim preparados, os tubos podem ser guardados conjuntamente com as preparações constituídas por lâmina e lamínula. Os capilares também podem ser conservados em tubos de vidro, iguais aos tubos em que se conservam insetos, e incorporados às coleções. Sendo bem executado o fechamento, a lâmpada exclui qualquer dessecamento.
Fig. 3 e Fig. 4 – Tubos um pouco grossos contendo larvas de blefarocerídeos conservadas em ácido fênico, fixadas em cartões. (Estas preparações admitem um aumento suficiente para reconhecer todas as disposições estruturais importantes com condição de ser o tubo imerso em glicerina ou vaselina líquida.)
Se o objeto incluído não ocupar a posição desejada ou estiver por demais aproximado de uma das extremidades do capilar, pode ser a sua deslocação facilmente obtida pelo uso da centrifugação, que o faz passar de uma extremidade para a outra.
Para as preparações destinadas a serem conservadas, emprego, de preferência, um líquido conservador composto de partes iguais de água, glicerina e álcool, adicionado de uma porcentagem de ácido fênico, ou então a glicerina pura ou diluída, ou ainda o fenol puro. Quando se trata de objetos opacos, esse último patenteia grande superioridade; se se torna vermelho, pode ser substituído por guaiacol, sem que seja necessário transferir o objeto para outro tubo. Uma pequena abertura em uma das extremidades e o aparelho centrifugador são suficientes para substituir o fenol por ar e o ar por guaiacol.
Deixo de enumerar todos os pequenos artifícios usados no emprego do meu método. Mencionarei apenas que se em alguns casos é preferível fazer rolar a preparação dentro do líquido que a banha, com a polpa do dedo, para examinar o objeto incluído, é, em outros, preferível fixar o capilar ao fundo do cristalizador. Os objetos incluídos em capilares que não são demasiadamente largos não costumam deslocar-se pela rotação. Desejando-se, porém, imobilizar o tubo, pode-se fixá-lo ao fundo do cristalizador por meio de parafina ou implantar a sua extremidade em um pedaço de tubo de chumbo cheio de parafina.
Outro meio de fixar o objeto consiste no emprego da gelatina glicerinada; deste modo os objetos podem ser examinados em meio líquido, por um leve aquecimento, e fixados na posição desejada, por ligeiro esfriamento do tubo.
Resta-nos dizer, ainda, algumas palavras sobre a originalidade do presente método. Não entra nele nada de desconhecido; não obstante, tenho a certeza de nunca ter visto publicado ou ter ouvido citar o emprego sistemático de um processo análogo. Tal que o exponho já é perfeitamente aproveitável para os fins a que se destina; não duvido, entretanto, que seja fácil introduzir aí alguns melhoramentos, se me associasse a um fabricante de instrumentos óticos e objetos de vidro, a fim de aperfeiçoar o instrumental.
Larva de Curupira mochlura, com retoque do negativo para remover os traços que marcavam as paredes laterais do tubo. BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 36, pasta 247.
Larva de Curupira mochlura, saída do ovo, conservada em ácido fênico e fotografada no capilar. No original é perfeita a nitidez das partes focalizadas. BR. MN. Fundo Adolpho Lutz, caixa 36, pasta 247.