8
— Posso pedir o reembolso de uma despesa de cinco libras para assistir a uma palestra sobre arte no Fitzmolean?
— Está diretamente relacionado com um crime que ande a investigar? — perguntou a senhora Walters.
— Sim e não.
— Decida-se!
— Sim, está relacionado com um crime que estou a investigar, mas tenho de confessar que iria de qualquer maneira.
— Então, a resposta é não. Mais alguma coisa?
— Pode arranjar-me um bilhete para a noite de estreia do novo filme de James Bond? — perguntou William, e esperou pela explosão.
— Está diretamente relacionado com um crime que ande a investigar?
— Sim.
— Em que fila gostaria de se sentar?
— Está a brincar?
— Eu não brinco, inspetor estagiário. Qual é a fila?
— Na fila atrás do Miles Faulkner. Ele é…
— Todos sabemos quem é o senhor Faulkner. Verei o que posso fazer.
— Mas como…
— Não pergunte. E, se não tem mais nenhum pedido, toca a andar.
William chegou ao Fitzmolean com alguns minutos de antecedência. Parou no passeio de Prince Albert Crescent para admirar a mansão pseudoclássica escondida por trás do Imperial College. Estava ciente de que, desde o roubo do Rembrandt, só deixavam entrar cinquenta pessoas de cada vez, por razões de segurança. Tinha conseguido comprar o quadragésimo sétimo bilhete para a palestra do final da tarde. Se tivesse ido meia hora depois, já estariam esgotados.
Apresentou o bilhete ao guarda fardado que estava à porta e foi encaminhado para o segundo piso, onde se juntou a um pequeno grupo de admiradores que conversavam sem parar enquanto aguardavam impacientemente pela chegada do doutor Knox, a maior autoridade do país no período do Renascimento.
William estava ansioso por ouvir a palestra e esperava que o diretor tivesse até uma teoria em relação ao que acontecera ao Rembrandt desaparecido.
Quando faltava um minuto para as sete, uma mulher jovem veio até à frente do grupo, bateu palmas umas quantas vezes para chamar a atenção e disse:
— Boa noite, minhas senhoras e meus senhores. O meu nome é Beth Rainsford e sou uma das assistentes de investigação da galeria. — Esperou que se fizesse silêncio antes de prosseguir. — Lamento informá-los que o doutor Knox está com uma laringite e mal consegue falar. Ele pediu-me que vos apresentasse as suas desculpas.
Ouviu-se um murmúrio de desagrado e um ou dois mecenas começaram a dirigir-se para a saída.
— No entanto, o diretor crê que estará completamente recuperado dentro de alguns dias. Por isso, se puderem regressar na próxima quinta-feira, ele dará a palestra nessa altura. Aqueles que não o possam fazer serão reembolsados do valor do bilhete. Se houver alguém que queira ficar, terei todo o gosto em mostrar a coleção. Mas não se preocupem — acrescentou —, mesmo que fiquem, receberão o vosso dinheiro de volta.
Isto provocou uma onda de riso. Entretanto, o que começara como um grupo de cinquenta depressa ficou reduzido a uma dúzia de pessoas, entre as quais William. Mas a verdade é que ele não tinha conseguido tirar os olhos da substituta do diretor. O seu cabelo acobreado emoldurava um rosto oval que não precisava de maquilhagem para chamar a atenção. Porém, não era isso nem a sua figura esbelta que mais o cativavam, mas antes o entusiasmo contagiante com que falava dos holandeses que a rodeavam, adornados com os seus calções tufados e golas de renda. William observou-lhe a mão esquerda enquanto ela apontava para o primeiro quadro e ficou encantado ao ver que não tinha anéis no dedo que lhe interessava. Mesmo assim, pensou, uma beldade daquelas devia ter certamente namorado. Mas como havia de descobrir?
— O Fitzmolean — estava Beth a dizer, com os olhos castanhos a brilhar enquanto falava — nasceu de uma ideia da senhora Van Haasen, mulher do distinto economista Jacob van Haasen. Uma mulher extraordinária, que, depois da morte do marido, reuniu uma coleção de mestres holandeses e flamengos que só é superada pela do Rijksmuseum e do Hermitage. No seu testamento, legou toda a coleção ao país, em memória do marido, devendo a mesma ser exposta na casa que tinham partilhado durante os quarenta e três anos de casados.
Virou-se e conduziu o pequeno grupo até à galeria seguinte. Parou em frente do retrato de um homem jovem.
— Frans Hals — começou — nasceu em Antuérpia por volta de 1582. A sua obra mais notável é O Cavalheiro Sorridente, que podem ver na Coleção Wallace.
William tentou concentrar-se em Hals, mas decidiu que teria de voltar na quinta-feira seguinte, na certeza de que o doutor Knox não teria o mesmo efeito distrator sobre ele. Continuou a seguir Beth até ela parar em frente de uma grande moldura dourada, com a legenda «Rembrandt, 1606-1669» inscrita numa pequena placa por baixo.
— Aqui — disse ela com reverência — é o sítio onde costumava estar exposta a obra-prima de Rembrandt, Os Síndicos da Guilda dos Fabricantes de Tecidos, antes de ter sido roubada da galeria há sete anos. Infelizmente, nunca foi recuperada.
— A galeria ofereceu alguma recompensa pela sua devolução? — perguntou uma voz que parecia oriunda de Boston.
— Não. Infelizmente, nunca passou pela cabeça da senhora Van Haasen que alguém pudesse roubar uma das suas obras-primas, possivelmente porque na altura só pagou seis mil dólares pelo quadro.
— Quanto valeria hoje? — perguntou uma voz mais jovem.
— A tela tem um valor inestimável — respondeu Beth — e é insubstituível. Os mais românticos acreditam que ainda anda algures por aí e que regressará um dia à sua verdadeira casa.
Esta declaração foi seguida de alguns aplausos. Beth continuou:
— Rembrandt era um homem ambicioso e, a dada altura, o artista mais requisitado da Idade de Ouro holandesa. Infelizmente, vivia acima das suas posses e acabou por ter de leiloar a maior parte dos seus bens, incluindo várias telas importantíssimas, para liquidar as suas dívidas. Evitou por pouco a ruína e terminar os seus dias na prisão. Depois da sua morte, em 1669, foi sepultado em campa rasa e a sua obra saiu de moda durante mais de um século. Mas a senhora Van Haasen não tinha dúvidas sobre o seu génio e fez muito para restabelecer a sua reputação como o maior dos mestres holandeses. Vinham peritos em arte de todo o mundo para ver Os Síndicos, que é considerada uma das suas obras mais emblemáticas, e a senhora Van Haasen nunca fez segredo de que era esse o quadro de que mais gostava na coleção.
Beth e o pequeno grupo passaram ao próximo quadro, e ela continuou a responder a todas as perguntas que lhe faziam, muito para lá da hora marcada. Terminou finalmente com As Bodas de Caná, de Jan Steen, descrevendo-o como «o contador de histórias dos artistas».
— Mais alguma pergunta? — inquiriu.
William decidiu não fazer a sua pergunta até o resto do grupo ter saído.
— Que apresentação fantástica! — disse por fim.
— Obrigada — replicou Beth. — Tinha alguma pergunta?
— Sim. Está livre para jantar comigo?
Ela não respondeu de imediato, mas acabou por dizer:
— Receio que não. Já tenho um compromisso.
William sorriu.
— Bem, foi uma noite memorável. Obrigado, Beth.
Ao virar-se para se ir embora, ouviu uma voz atrás dele:
— Mas estou livre amanhã à noite.
Quando William chegou ao gabinete na manhã seguinte, encontrou um post-it amarelo colado em cima dos dossiês dos seus casos.
URGENTE — Ligar à Liz, 01 735 3000.
— O que é isto? — perguntou ele a Jackie.
— A única coisa que sei é que o Hawk disse que era urgente. Terá de anotar exatamente tudo o que a Liz disser e enviar um relatório escrito ao comandante.
— Assim farei — disse William, enquanto marcava o número; passado um momento, ouviu uma voz de mulher.
— Em que posso ajudá-lo?
— Daqui fala o inspetor estagiário Warwick, da Scotland Yard. Estou a devolver a chamada de uma tal Liz.
— E sabe o apelido ou o departamento em que trabalha?
— Não, apenas que é urgente entrar em contacto com ela e que está à espera do meu telefonema.
— Daqui fala da central telefónica do Palácio de Buckingham. Só temos uma Liz, e não me parece que esteja disponível de momento.
William fez-se vermelho que nem um tomate.
— Peço imensa desculpa — disse. — Devo ter-me enganado no número.
Assim que desligou o telefone, Jackie e o inspetor-chefe Lamont desataram a rir.
— Tenho a certeza de que ela há de ligar — disse Jackie.
— A propósito — disse Lamont —, o Hawk recebeu um telefonema do embaixador americano a agradecer-nos a devolução da poeira lunar. Bom trabalho, rapaz. Agora, talvez esteja na altura de tratar do Winston Churchill.
William abriu o dossiê identificado como «Churchill» e tentou concentrar-se, mas não conseguia tirar da cabeça a noite anterior. Não se lembrava de quando tinha sido a última vez em que uma mulher o deixara assim tão obcecado. Naquela tarde, ia sair sem dúvida antes das sete, mesmo que ainda houvesse luz por baixo da porta do comandante.
Recompôs-se enquanto lia e se inteirava do esquema engenhoso que um falsificadorzeco arranjara para complementar o seu rendimento. Quando chegou à última página, percebeu que teria de visitar uma série de livrarias no West End se quisesse apanhar o ladrão em flagrante. Avisou o inspetor-chefe Lamont, que estava preocupado em caçar um ladrão de joias internacional, de que tencionava fazer trabalho no terreno à moda antiga e era capaz de já não voltar.
William decidiu começar pela Hatchards, em Piccadilly, cujo gerente — voltou a verificar o nome —, Peter Giddy, tinha apresentado a queixa original.
Saiu da Scotland Yard e dirigiu-se para The Mall — ao passar pelo Palácio de Buckingham, não pôde deixar de se sentir envergonhado com a sua tentativa de falar com Liz pelo telefone — e depois subiu St. James’s até Piccadilly, onde passou por uma porta debaixo da qual estavam orgulhosamente expostos três alvarás reais, e perguntou à senhora que estava ao balcão se podia falar com o senhor Giddy.
Depois de ver a sua identificação, o gerente levou-o para o seu gabinete, no quarto piso, e ofereceu-lhe um café.
— O que o fez suspeitar? — perguntou William, enquanto se sentava e abria o bloco de notas.
— Inicialmente, não suspeitei de nada — confessou Giddy. — No fim de contas, Churchill era um político e, por isso, deve ter assinado um grande número dos seus livros. Porém, é bastante raro depararmo-nos com um conjunto completo da sua obra The Second World War em que todos os volumes estão assinados. E, quando vi um conjunto na Heywood Hill e, passada uma semana, outro na Maggs, comecei a ter as minhas dúvidas.
— Lembra-se de alguma coisa em particular sobre o homem que propôs vender-lhe os livros?
— Relativamente comum. Sessenta, sessenta e cinco anos, cabelo grisalho, ligeiramente curvado, altura mediana e com um sotaque que se podia cortar à faca. Na verdade, o típico cliente da Hatchards.
William sorriu.
— Presumo que não lhe tenha dito o nome.
— Pois não. Disse que não queria que os filhos descobrissem que estava a vender um bem de família.
— Mas deve ter precisado de lhe passar um cheque, não?
— Em circunstâncias normais, seria assim, mas ele insistiu para que lhe pagasse em dinheiro. Apareceu alguns minutos antes da hora de fecho, ciente de que a caixa registadora estaria cheia.
— Por quanto venderia a série de livros não assinados?
— Cem libras, se todos eles tivessem as sobrecapas originais.
— E uma série assinada?
— Trezentas libras, talvez trezentas e cinquenta, se estivesse em perfeitas condições.
— Posso perguntar-lhe quanto pagou por eles?
— Duzentas e cinquenta libras.
— Nesse caso, o nosso homem pode ter comprado um conjunto não assinado por cerca de cem libras e, depois de lhes juntar as assinaturas, ter conseguido um lucro de cento e cinquenta libras. Não é propriamente o grande assalto ao comboio… — disse William.
— Concordo — disse Giddy, com ar de quem não achara piada nenhuma. — Mas, se algum dos nossos clientes descobrisse que lhe tínhamos vendido uma falsificação e a imprensa soubesse disso, podíamos perder o alvará real.
William acenou afirmativamente.
— Acha que ele vai voltar?
— Nem pensar! Não vai correr o risco de tentar dar o golpe uma segunda vez na mesma livraria. E, sinceramente, há por aí livrarias suficientes para ele continuar a fazer a mesma coisa durante anos.
— Então, por onde pensa que devo começar?
— Posso dar-lhe uma lista de livrarias especializadas em primeiras edições assinadas — disse Giddy, abrindo uma gaveta da secretária e entregando-lhe um folheto.
— Obrigado — agradeceu William, folheando as páginas.
— Não se preocupe, há pelo menos uma dúzia no raio de quilómetro e meio — disse o gerente, enquanto o acompanhava até ao elevador.
O inspetor estagiário Warwick passou o resto do dia a andar de livraria em livraria e não tardou a descobrir que o falsificador da assinatura de Churchill era um indivíduo muito dinâmico. Quando não estava a comprar, estava a vender. O tipo de empreendedorismo que o governo tanto gostava de encorajar.
Todos os gerentes prometeram informá-lo caso um homem que correspondesse à descrição aparecesse a oferecer-lhes a série assinada de The Second World War, de Churchill, mas todos concordaram com Giddy quanto à pouca probabilidade de ele aparecer na mesma livraria duas vezes.
— Se aparecer, faça o favor de me telefonar para a Scotland Yard, 230 1212. A minha extensão é a 2150 — dizia William, antes de passar ao estabelecimento seguinte.
William só parou as investigações quando a última porta se fechou atrás de si, às seis da tarde. Apanhou o metropolitano para Victoria e depois fez o caminho até à Trenchard House sempre a correr. Tomou um duche rápido e trocou de roupa, levando muito mais tempo do que o habitual para decidir o que vestir. Acabou por escolher um blazer azul, uma camisa branca e calças cinzentas, mas optou por não usar a velha gravata com as cores da escola.
Ao fechar a porta de casa, apercebeu-se de que teria de apanhar um táxi se não quisesse chegar atrasado; uma despesa que a senhora Walters não teria aprovado. O táxi deixou-o à porta do Elena 1, na Fulham Road, sete minutos antes da hora marcada.
— Este é um encontro muito especial para mim, Gino — disse ele, depois de o chefe de mesa se ter apresentado. — Na verdade, é uma estreia. Por isso, sou capaz de precisar da sua ajuda.
— Deixe tudo comigo, senhor Warwick. Vou sentá-lo num recanto sossegado.
— Oh, socorro, aí vem ela — sussurrou William.
— Ah, signorina — disse Gino, fazendo uma ligeira vénia antes de lhe apertar a mão. — O senhor Warwick já chegou e está sentado na mesa habitual.
William pôs-se em pé de um salto, tentando não ficar embasbacado. Ela vestia um simples vestido amarelo de ombros descaídos que lhe dava por baixo do joelho, com um lenço de seda verde-pálido e um colar de jade para complementar o conjunto.
Gino puxou-lhe a cadeira para trás, enquanto William esperava que Beth se sentasse.
— Este deve ser um dos seus poisos habituais — disse ela, instalando-se.
— Não, é a primeira vez. Foi-me recomendado por um amigo.
— Mas o empregado de mesa disse…
— Conheci-o há cinco minutos — confessou William.
No mesmo instante, Gino voltou a aparecer, entregando uma ementa a cada um. Beth riu-se.
— Bem, senhor Warwick, vai tomar a sua bebida habitual?
— E qual é a minha bebida habitual? — perguntou William. Gino pareceu desconcertado até ele acrescentar: — A Beth já sabe que eu nunca cá tinha vindo. O que recomenda?
— Para a linda signorina…
— Gino, não exagere.
— Não a acha linda?
— Sim, mas não quero que ela fuja antes de termos chegado ao fim do primeiro prato.
Beth levantou os olhos da ementa.
— Não se preocupe, não vou fugir. Bem, pelo menos até ter comido o segundo prato.
— E o que posso trazer-lhe para beber, signorina?
— Um copo de vinho branco, por favor.
— Traga uma garrafa de Frascati — disse William, recordando um vinho que o pai pedia com frequência, embora não fizesse ideia de quanto custava.
Depois de Gino anotar os pedidos, Beth perguntou:
— Devo tratá-lo por William ou Bill?
— William.
— Trabalha no mundo das artes ou é um fã de galerias?
— As duas coisas. Tornei-me fã de galerias ainda muito jovem, mas agora trabalho na Brigada de Arte e Antiguidades da Scotland Yard.
Beth pareceu hesitar por um momento e, por fim, disse:
— Nesse caso, a sua visita ao Fitzmolean fazia apenas parte do trabalho.
— Até tê-la visto, sim.
— Ainda é pior do que o Gino.
— E você? — perguntou William.
— Não, não sou pior do que o Gino.
— Não, não era isso que eu… — começou William, dolorosamente ciente de que passara muito tempo desde o seu último encontro romântico.
— Eu sei o que queria dizer — disse Beth, divertida. — Estudei História da Arte em Durham.
— Eu sabia que tinha ido para a universidade errada.
— Então, em qual andou? — perguntou Beth, enquanto Gino voltava a aparecer com duas tigelas fumegantes de sopa stracciatella.
— No King’s. Também estudei História da Arte. E depois de Durham?
— Fui para Cambridge e tirei um doutoramento em Rubens, o diplomata.
— Eu estive quase para fazer um doutoramento em Caravaggio, o criminoso.
— Isso explica por que razão acabou a trabalhar nas forças policiais.
— E depois disso foi logo para o Fitzmolean?
— Sim, foi o meu primeiro emprego depois de sair de Cambridge. E deve ter sido bastante óbvio que ontem à noite foi a minha primeira tentativa de dar uma palestra.
— Foi brilhante!
— Safei-me mais ou menos, o que será bastante óbvio se assistir à palestra do Tim Knox, na semana que vem.
— Nem imagino como terá sido ter de substituir o chefe à última hora.
— Foi aterrador. Bem, será que posso perguntar-lhe se está mais perto de encontrar o meu Rembrandt desaparecido?
— O seu Rembrandt?
— Sim. Toda a gente que trabalha no Fitzmolean é muito possessiva em relação a esse quadro.
— Consigo perceber porquê. Mas, ao fim de sete anos, receio que as pistas se tenham perdido.
— Mas é impossível que esteja a trabalhar no caso há sete anos…
— Estou há menos de sete semanas — confessou William. — Mas estou confiante de que o Rembrandt estará de volta ao seu lugar no final do mês que vem.
Beth não se riu.
— Ainda quero acreditar que está algures por aí e acabará por ser devolvido à galeria.
— Gostaria de concordar consigo — disse William, enquanto Gino levantava as tigelas vazias. — Mas, no meu departamento, não há ninguém que concorde comigo.
— Pensam que foi destruído? — perguntou Beth. — Não posso acreditar que alguém pudesse ser assim tão filisteu.
— Nem mesmo se isso significasse não ir parar à prisão uma série de anos?
— Quer isso dizer que sabe quem o roubou?
William não respondeu e ficou aliviado quando Gino apareceu com o prato principal.
— Peço desculpa — disse Beth. — Não devia ter perguntado. Mas, se houver alguma coisa que eu possa fazer para ajudar, diga-me, por favor.
— Na verdade, há uma coisa sobre a qual me poderá aconselhar. Encontrámos recentemente uma excelente cópia de Os Síndicos e gostaria de saber se conhece alguém especializado nesse tipo de trabalho.
— Não é a minha área — confessou Beth. — Eu lido com artistas que já morreram e, mesmo assim, só se forem holandeses ou flamengos, mas presumo que já tenha visitado a Galeria de Falsificações, em Notting Hill…
— Nunca ouvi falar em tal coisa — disse William, levando a mão ao bolso do casaco à procura de um bloco de notas, quase esquecendo que não estava de serviço.
— Têm uma série de artistas que trabalham para eles e que conseguem fazer uma falsificação do mestre que quiser, vivo ou morto.
— Isso é legal?
— Não faço ideia. Essa parte é consigo — disse Beth com um sorriso. — Mas se não passa o tempo todo a tentar encontrar o meu Rembrandt é porque deve andar empenhado em resolver alguns crimes ainda mais importantes.
— O roubo de um frasquinho de poeira lunar e vários exemplares assinados da obra de Winston Churchill, The Second World War.
— Será que pode contar-me mais sobre eles?
Beth não conseguia parar de rir quando William lhe contou tudo sobre o doutor Talbot e o subsecretário da Embaixada dos Estados Unidos. E, quando lhe falou das edições com a falsa assinatura de Winston Churchill, ela até fez uma sugestão:
— Talvez devesse procurar uma série não assinada. Assim, ficava um passo à frente do falsificador.
— Boa ideia — replicou William, decidindo não lhe dizer que tinha sido precisamente isso que fizera durante todo o dia. — Talvez fosse melhor encontrarmo-nos com alguma regularidade, uma vez que devia ter ido para inspetora.
— E você devia estar a dar palestras no Fitzmolean.
Ambos se riram.
— Os primeiros encontros são tão embaraçosos… — disse ele.
— Isto é um primeiro encontro? — perguntou ela, brindando-o com um sorriso caloroso.
— Espero que sim.
— Café? — perguntou Gino.
William não deu pelo tempo passar até Beth dizer baixinho:
— Acho que o pessoal quer ir para casa.
Ele olhou em volta e, ao perceber que eram os últimos dois clientes no restaurante, pediu rapidamente a conta.
— Mora aqui perto? — perguntou.
— Em Fulham. Divido um apartamento com uma amiga. Mas não se preocupe, posso apanhar um autocarro daqui para lá.
— Não tenho dinheiro para pagar o bilhete de autocarro — disse William, depois de olhar para a conta. — Assim sendo, será que posso acompanhá-la a casa?
— Espero voltar a ver-vos em breve, signorina — disse Gino, enquanto lhes abria a porta.
— Ainda não decidi — disse Beth, retribuindo-lhe o sorriso.
William deu-lhe a mão enquanto atravessavam a rua e não pararam de falar sobre tudo e sobre nada até chegarem à porta de casa de Beth, altura em que ele se inclinou e a beijou na face. Enquanto ela enfiava a chave na fechadura, perguntou-lhe:
— Gostaria de ir à Galeria de Falsificações comigo?
— Alguma vez está de folga, inspetor estagiário Warwick? — ripostou ela.
— Não enquanto houver uma hipótese remota de encontrar o seu Rembrandt, Miss Rainsford.