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— Convoquei esta reunião em cima da hora — disse Hawksby —, porque ouvi dizer que houve desenvolvimentos no caso Carter.
— E houve mesmo, senhor comandante — disse Lamont. — O Carter saiu de Barnstaple na quarta-feira de manhã cedo. O inspetor estagiário Warwick seguiu-o até Heathrow, onde ele fez o check-in para um voo com destino a Roma. O Warwick telefonou-me do aeroporto e eu disse-lhe para continuar a seguir o Carter, que levava apenas um saco de viagem. Era óbvio que não ia de férias. Vou passar a palavra ao Warwick, que pode informá-lo sobre o que aconteceu depois.
— Sentei-me três filas atrás do Carter no avião — disse William. — No Aeroporto Leonardo da Vinci, fui recebido por um tal tenente Monti, da Equipa de Investigação Especial italiana, que não podia ter sido mais prestável. O Carter apanhou um táxi e seguimo-lo até um edifício da administração pública, no centro de Roma. O Monti seguiu-o até ao interior e informou-me depois que ele tinha hora marcada no Departamento da Marinha, onde requereu uma licença de mergulho e recuperação para explorar um naufrágio ao largo da costa de Elba.
— De que anda ele à procura? — perguntou Hawksby.
— De setecentas moedas de prata espanholas do século dezoito — respondeu William. — Em 1741, durante uma tempestade particularmente violenta, um navio chamado Patrice afundou-se ao largo de Elba, afogando os seus cinquenta e dois passageiros, juntamente com nove elementos da tripulação e uma carga que incluía as moedas e outros objetos valiosos. Tenho o registo do funcionário italiano responsável à época pelos processos relativos a naufrágios, que diz: «Esta alegação foi confirmada pelo Lloyd’s de Londres, que segurou o navio e a carga pela quantia de dez mil guinéus e pagou a totalidade do montante.»
— Estou quase a chegar lá — disse Hawksby.
— Ao longo dos anos, foram feitas várias tentativas para localizar o navio naufragado e recuperar as moedas, mas sem sucesso.
— E o Carter acha que é capaz de ter sorte, contra todas as probabilidades?
— Não creio que ele esteja a fiar-se na sorte, comandante — disse Jackie. — Enquanto o inspetor estagiário Warwick andava a pavonear-se por Roma, regressei a Londres e pedi aos nossos especialistas aqui na Scotland Yard que ampliassem as fotografias que ele tinha tirado ao barracão do Carter. Houve uma coisa que eles confirmaram sem margem para dúvida: o inspetor estagiário Warwick não é nenhum David Bailey5.
Todos se riram.
— Contudo, depois de um dos nossos peritos ter analisado as fotografias mais atentamente, aventou uma hipótese muito interessante.
Jackie entregou a cada elemento da equipa uma fotografia ampliada da bancada de trabalho no barracão de Carter.
— O que devemos procurar? — perguntou Hawksby, enquanto analisava a imagem.
— Irão reconhecer certamente todo o equipamento habitual necessário ao trabalho de qualquer gravador: cinzéis de vários tamanhos, escovas de arame e até uma lima das unhas. Mas, se olharem com mais atenção, também poderão ver aquilo em que o Carter está a trabalhar.
E distribuiu três ampliações que mostravam o topo da bancada de trabalho, para a equipa analisar.
— A mim, parece uma meia coroa — disse Hawksby.
— Tem o mesmo tamanho e forma, mas um valor diferente — disse William —, tal como descobri quando visitei um numismata no Museu Britânico, que me disse ter quase a certeza de que se trata de uma moeda espanhola, que, como podem ver, data de 1649.
— E, obviamente, perguntou-lhe qual o seu valor…
— Ele não fazia ideia, mas recomendou-me que visitasse a leiloeira Dix Noonan Webb, em Mayfair, que está especializada nessa área. O senhor Noonan mostrou-me uma moeda espanhola semelhante num dos seus catálogos recentes, que foi vendida por mais de mil libras.
— Se multiplicarmos isso por setecentos — disse Lamont —, o Carter há de amealhar mais de setecentas mil libras.
— Creio que sei o que ele anda a tramar — disse William.
— Desembuche, Warwick — disse Hawksby.
— Desconfio que toda a prata antiga que ele tem comprado ultimamente foi derretida e que tem passado os últimos meses a gravar setecentas moedas espanholas recém-cunhadas.
— Se olharem com mais atenção para as fotografias, verão algo que talvez nos passasse despercebido em circunstâncias normais — disse Jackie, apontando para o canto inferior esquerdo de uma das fotos.
— Parece-me um balde de água — comentou Hawksby.
— Foi a primeira coisa que pensei — disse William —, até ter percebido qual a próxima jogada do Carter.
— Não nos deixe a todos na expectativa — disse Hawksby.
— Desconfio que ele tenciona regressar a Roma o mais depressa possível, receber a sua licença e depois ser visto a zarpar rumo ao ocaso, em busca do tesouro que está no fundo do mar. Passados uns dias, navegará de volta ao porto, trazendo um cofre de madeira cheio de moedas de prata. E, se olharem mais atentamente para a fotografia 2B, até se consegue ver o cofre que será recuperado do fundo do mar.
Passaram alguns instantes até Lamont indagar:
— E o balde de água?
— Água do mar — disse William.
— É claro! — exclamou Hawksby.
— Mas eu pensava que os tesouros que estão no fundo do mar eram propriedade do governo em cujas águas são encontrados — disse Lamont.
— É verdade — confirmou William. — Mas a equipa de resgate recebe normalmente uma percentagem de cinquenta por cento pela descoberta, e provavelmente foi por isso que o Booth Watson apareceu em cena.
— Ouvi bem? — perguntou Hawksby.
— Ouviu, senhor comandante. O Booth Watson entrou no edifício poucos minutos depois de chegarmos.
— Não há dúvida de que guardou o melhor para o fim, William — disse o comandante. — Faz alguma ideia do motivo para ele lá ir?
— O Monti disse que ele verificou meticulosamente a papelada antes de o Carter assinar fosse o que fosse.
— Ou seja, este pode ser apenas mais um dos muitos projetos do Faulkner — concluiu Jackie.
— Bem, o Booth Watson tem outros clientes — disse o comandante. — Mas concordo, o mais provável é ser o Faulkner, que poderá contar com cerca de trezentas e cinquenta mil libras depois de o Carter recuperar as moedas.
— Agora que sabemos quem está por detrás deste esquema, desconfio que o Carter não receberá mais do que alguns milhares — disse Lamont.
— Porque diz isso, Bruce?
— Já o prendi três vezes nos últimos dez anos, mas nunca por nada desta envergadura. E, tal como o tenente Monti descobriu, quando ele requereu a licença para procurar o tesouro naufragado, entregou mais de cinco mil libras em dinheiro ao Departamento da Marinha Italiana, embora a taxa normal seja menos de metade desse valor.
— Isso explica por que razão nunca perdia o saco de viagem de vista — disse William. — E também porque é que, segundo o Monti, o saco vinha vazio quando ele saiu do edifício.
— Devia ter esperança de que o seu requerimento passasse misteriosamente para o topo do monte — sugeriu Jackie.
— Exato — disse Lamont.
— Pode muito bem ser o caso — disse William —, mas o tenente Monti deixou claro que se quisermos que o requerimento do Carter seja retido indefinidamente, ou até mesmo rejeitado, é só pedir.
— Bruce?
— Tanto quanto sabemos, o Carter não cometeu nenhum crime em solo britânico, e a única forma de descobrir o que ele anda a fazer é dizer aos italianos que não nos opomos a que lhe concedam uma licença. Na verdade, quanto mais depressa, melhor.
— Se é assim — disse Jackie —, porque é que não o prendemos antes de ele chegar ao aeroporto e confiscamos as moedas?
— E acusamo-lo de quê? — disse Hawksby. — Com o Booth Watson ao lado, vai alegar que as moedas não passavam de reproduções que pretendia vender com um pequeno lucro. Além disso, se quisermos apanhar a pessoa que anda a financiar o Carter, temos de deixá-lo levar a cabo toda a operação. Quem quer que seja o cérebro por trás dela, há de ser alguém com imaginação, audácia e capital suficiente para levar o esquema até ao fim, e sou obrigado a concordar que isto parece cada vez mais obra do Faulkner.
— Nesse caso, com a sua permissão — disse Lamont —, vou ligar ao tenente Monti e pedir-lhe que defira o requerimento e nos vá mantendo informados. Entretanto, vou pedir ao meu contacto na British Airways que me ligue assim que o Carter reservar outro voo para Roma.
— Onde você, o tenente Monti e o inspetor estagiário Warwick estarão sentados no cais à espera dele — disse Hawksby.
— Eu não — retificou Lamont. — O Carter conhece-me demasiado bem.
Jackie pareceu esperançada.
— Nesse caso, terei de me sacrificar e ir eu mesmo — disse o comandante. — Mais alguma coisa?
— Só mais uma. Eu e o Warwick vamos a Pentonville amanhã de manhã para entrevistar o Eddie Leigh.
— O homem que o Warwick acredita ter pintado a cópia do Rembrandt?
— Sim, mas não posso dizer que esteja esperançado em sacar-lhe grande coisa. As pessoas que trabalharam para o Miles Faulkner no passado não abrem a boca, se quiserem continuar vivas.
— Ponham-no simplesmente a falar — disse Hawksby. — Pode ser que deixe escapar alguma coisa de que se arrependa mais tarde. E quando é que o Warwick vai levar a cópia de Os Síndicos a casa do Faulkner? Só pergunto porque o Booth Watson não para de me ameaçar de todas as maneiras e feitios.
— O Faulkner parte para Monte Carlo na segunda-feira de manhã — disse Lamont. — Por isso, na semana que vem.
— Ou seja, tem outra semana muito preenchida pela frente, inspetor estagiário Warwick — concluiu o comandante. — Portanto, não vou retê-lo por mais tempo.
5 Fotógrafo britânico famoso. (N. da T.)