19
William estava sentado à secretária, aguardando nervosamente pelo seu destino. Enquanto lia sobre os últimos desenvolvimentos no caso do Picasso do Período Azul, Lamont entrou de rompante na sala.
— Qual foi o desfecho ontem? — foram as primeiras palavras do inspetor-chefe.
William respirou fundo.
— O Amhurst foi condenado a um ano, mas o juiz suspendeu a pena por dois.
— Não podia ter sido melhor — disse Lamont, esfregando as mãos de contente.
— O que quer dizer com isso? — perguntou William.
— Que ganhei a aposta da brigada. Um ano e pena suspensa — respondeu ele, ao mesmo tempo que Jackie entrava na sala.
— Quem ganhou o jackpot? — perguntou, ainda antes de ter tirado o casaco.
— Eu — disse Lamont.
— Bolas!
— E qual foi a tua previsão? — perguntou-lhe William.
— Seis meses e pena suspensa. Sendo assim, não só perdi, como também me levaste a melhor, seu filho da mãe sortudo.
— O que queres dizer com isso?
— O juiz rejeitou o meu primeiro caso e recambiou-me para fora da sala de audiências. Como me esqueci de uma prova crucial no carro, o arguido foi libertado antes ainda de se ter sentado no banco das testemunhas.
William desatou a rir.
— Muito bem — disse Lamont. — Toca a voltar ao trabalho. Jackie, preciso que me dê os pormenores da operação de amanhã à noite para poder dar-lhe finalmente luz verde.
Ela aproximou-se rapidamente da sua secretária e pegou no dossiê em causa.
— Quanto a si, William, a cópia do Rembrandt encontra-se guardada numa carrinha trancada que irá encontrar no parque automóvel. Vá buscar as chaves à receção e ponha-se a caminho, muito embora ninguém tenha apostado que consiga passar para lá do portão.
— O Faulkner sempre apanhou o avião para Monte Carlo ontem? — perguntou ele.
— Sim, aterrou em Nice por volta do meio-dia e só deve voltar daqui a um mês, pelo menos.
O comandante Hawksby assomou à porta.
— Então, qual foi o veredito?
— Um ano e pena suspensa — respondeu Lamont.
— Bolas!
— Não sei se me atrevo a perguntar… — disse William.
— Cinquenta horas de serviço comunitário — ripostou Hawksby.
— Eu e a inspetora Roycroft podemos ir falar consigo quando tivermos finalizado os pormenores para a «Operação Período Azul»? — indagou Lamont.
— Sim, claro, Bruce. E boa sorte com a senhora Faulkner, William.
William apresentou-se na receção e recolheu as chaves da carrinha, dirigindo-se depois para o parque automóvel subterrâneo. Confirmou que a caixa de madeira que continha o quadro estava devidamente acondicionada na parte de trás da viatura, antes de sair da Scotland Yard e entrar na Broadway Street. Durante a viagem até Limpton, reviu as partes A, B e C do seu plano, ciente de que podia estar de volta à Scotland Yard daí a uma hora, caso não conseguisse passar da porta de entrada.
Quando se despedira de Beth naquela manhã, tinha prometido que voltaria a horas de jantar.
— Com os seis síndicos em segurança na parte de trás da carrinha — gracejou ela.
Preocupado com o quadro que transportava, William nunca ultrapassou o limite de velocidade. Lamont avisara-o de que, caso não fosse devolvido em perfeitas condições, não chegariam ao final da semana sem que o advogado Booth Watson exigisse que o seu cliente fosse indemnizado.
Quando chegou à pitoresca aldeia de Limpton, em Hampshire, não foi difícil perceber onde os Faulkners moravam. Limpton Hall perfilava-se orgulhosamente numa colina que dominava a paisagem. William seguiu uma placa que o levou por uma sinuosa estrada rural durante mais três quilómetros e, por fim, parou junto a um portão de ferro com uma coluna de pedra encimada por leões agachados de cada lado.
Saiu do carro e aproximou-se do portão, deparando-se com duas campainhas embutidas no muro. Uma tinha uma placa que dizia «Limpton Hall» e a outra, por baixo, dizia «Vendedores». Premiu o botão de cima e arrependeu-se imediatamente da sua decisão, pois talvez tivesse mais hipóteses de entrar se tivesse optado pela outra campainha. Uma voz no intercomunicador perguntou rispidamente:
— Quem é?
— Tenho uma entrega especial para o senhor Faulkner.
Susteve a respiração e, para sua surpresa, o portão abriu-se.
Conduziu lentamente, admirando os carvalhos centenários que ladeavam o longo caminho da entrada enquanto pensava na parte seguinte do seu plano. Acabou por estacionar mesmo em frente de uma casa que não pareceria deslocada na capa da revista Country Life.
Quem lhe abriu a porta foi um homem alto e magro, envergando uma casaca preta e calças às risquinhas. Olhou para William como se ele tivesse aparecido na entrada errada. Dois homens mais novos desceram rapidamente os degraus e foram direitos à parte de trás da carrinha. Estava na altura de passar ao plano B.
William abriu a porta traseira da carrinha, de onde tirou um bloco de mola, enquanto os dois homens retiravam a caixa de madeira com todo o cuidado, subiam os degraus com ela e encostavam-na a uma parede no átrio. O mordomo preparava-se para fechar a porta quando William disse numa voz autoritária, esperando replicar a do seu pai:
— Preciso de uma assinatura antes de poder deixar a encomenda.
Não teria ficado surpreendido se lhe tivessem batido com a porta na cara. Mas o mordomo tirou relutantemente uma caneta do bolso interior da casaca. Estava na altura do plano C.
— Lamento, mas a nota de entrega tem de ser assinada pelo senhor Faulkner — disse William, pondo um pé a travar a porta como qualquer vendedor ambulante.
Se o mordomo lhe dissesse «É pegar ou largar», ele teria de acatar e partir sem dizer palavra.
— Pode ser pela senhora Faulkner? — perguntou uma voz ao fundo.
Uma mulher elegante de meia-idade apareceu no corredor. Vestia um roupão de seda vermelho que realçava a sua graciosa figura. Seria mesmo verdade, como Fred Yates tantas vezes sugerira, que os ricos não se levantavam antes das dez da manhã? Porém, foi o seu cabelo preto asa de corvo, a pele bronzeada e o ar de autoridade calma que deram a William a certeza de que era a dona da casa.
Assinou a nota de entrega e ele estava prestes a ir-se embora quando ela disse:
— Obrigada, senhor…
— Warwick, William Warwick — replicou, violando a regra de tentar não parecer um aluno de colégio privado.
— O meu nome é Christina Faulkner. Tem tempo para tomar um café comigo, senhor Warwick?
William não hesitou, embora isso não constasse da parte A, B ou C do seu plano.
— Obrigado — respondeu.
— Café na sala de estar, Makins — disse a senhora Faulkner. — E, depois de desembalar o quadro, gostaria que voltasse a pendurá-lo.
— Com certeza, minha senhora.
— O Miles vai ficar tão satisfeito por ver o quadro de volta ao seu lugar quando finalmente regressar… — disse a senhora Faulkner, sublinhando a palavra «finalmente», e conduziu William até à sala de estar.
Ele não conseguia tirar os olhos dos quadros magníficos que adornavam todas as paredes. Miles Faulkner podia ser um vigarista, mas não havia dúvida de que era um vigarista com bom gosto. O Sisley, o Sickert, o Matisse e o Pissarro honrariam qualquer coleção, mas o olhar de William pousou numa pequena natureza-morta representando laranjas dentro de uma tigela, de um artista que nunca vira.
— Fernando Botero — esclareceu a senhora Faulkner. — Um compatriota que, tal como eu, fugiu da Colômbia ainda jovem — acrescentou, ao mesmo tempo que o mordomo aparecia carregando uma bandeja com café e um sortido de biscoitos.
William sentou-se e olhou para o grande espaço vazio por cima da lareira onde a cópia do Rembrandt devia estar pendurada. O mordomo depositou a bandeja numa mesa de centro antiga que William pensou reconhecer, mas distraiu-se quando os dois homens mais novos entraram na sala com o quadro.
O mordomo encarregou-se de pendurá-lo e, assim que o quadro voltou ao seu lugar, fez uma ligeira vénia à senhora Faulkner e saiu discretamente.
— Terei razão em pensar que é inspetor, senhor Warwick? — disse a senhora Faulkner enquanto servia café ao convidado.
— Sim, sou — replicou William, sem acrescentar «mas não muito experiente».
— Nesse caso, será que posso pedir o seu conselho em relação a um assunto pessoal? — perguntou ela, cruzando as pernas.
Ele parou de olhar para Os Síndicos e virou-se para a anfitriã.
— Sim, claro.
— Mas, antes de fazê-lo, preciso de ter a certeza de que posso confiar na sua discrição.
— Claro — repetiu.
— Preciso dos serviços de um detetive privado. Alguém que seja discreto, profissional e, mais importante ainda, de confiança.
— Há uma série de agentes reformados da Polícia Metropolitana que trabalham como detetives privados — disse William — e estou certo de que o meu chefe teria todo o gosto em recomendar-lhe um deles. Oficiosamente — acrescentou.
— É bom saber isso, senhor Warwick. Contudo, gostaria de salientar que é extremamente importante que o meu marido não descubra. De momento, ele está fora e só volta daqui a um mês, pelo menos.
— Tenho a certeza de que serei capaz de encontrar a pessoa certa para si, senhora Faulkner, muito antes de o seu marido voltar. — E lançou um último olhar furtivo a um quadro que talvez nunca mais voltasse a ver.
— Gosta mesmo desse quadro, não gosta?
— Sim, gosto — admitiu William com franqueza.
— Também é um dos favoritos do Miles. Deve ser por isso que temos um igual na nossa sala de estar em Monte Carlo. Na verdade, não consigo ver a diferença entre os dois.
A mão dele começou a tremer de tal forma, que entornou algum café sobre o tapete.
— Peço imensa desculpa — disse William. — Sou mesmo desajeitado.
— Não se preocupe, senhor Warwick. Que importância tem isso?
Se soubesses a importância que tem, pensou ele, ainda a matutar nas implicações do que ela acabara de revelar.
— Poderei convencê-lo a ficar para almoçar? — perguntou a senhora Faulkner. — Assim, teria a oportunidade de lhe mostrar o resto da coleção.
— É muito amável, mas o meu chefe já deve estar a pensar onde é que eu ando. É melhor ir andando.
— Talvez noutra altura.
William acenou nervosamente com a cabeça, enquanto a senhora Faulkner o acompanhava até à entrada, onde o mordomo estava especado junto à porta.
— Foi um prazer conhecê-lo, senhor Warwick — disse ela, dando-lhe um aperto de mão.
— Igualmente, senhora Faulkner — redarguiu William, ciente de que o mordomo o observava com atenção.
Estava ansioso por voltar à Scotland Yard e dizer à equipa que a senhora Faulkner tinha deixado escapar que o original de Os Síndicos estava pendurado na mansão de Faulkner em Monte Carlo. Já imaginava Beth aos pulos de alegria quando lhe contasse a novidade. Porém, assim que o portão se fechou atrás dele, levou as mãos à cabeça e gritou:
— És um idiota!
Porque é que não aceitara o convite para almoçar? Podia ter visto a coleção completa e, quiçá, identificado outros quadros com paradeiro desconhecido.
— Idiota! — repetiu ainda mais alto.
Quando redigisse o relatório, talvez não mencionasse a Lamont a oportunidade perdida.
William saiu relutantemente de Limpton Hall, mas não sem repetir a palavra «idiota» mais uma série de vezes até chegar à autoestrada.
Quando chegou à Scotland Yard, estacionou a carrinha, devolveu as chaves e foi direito ao gabinete. Encontrou Lamont e Jackie a estudarem cuidadosamente um mapa coberto de bandeirinhas vermelhas, enquanto davam os últimos retoques à Operação Período Azul, que ele sabia estar planeada para a noite seguinte. Assim que entrou na sala, ambos levantaram a cabeça.
— Conseguiu passar para lá do portão? — perguntou Lamont.
— Não só passei do portão, como lhe posso dizer onde está o Rembrandt.
As bandeirinhas vermelhas foram abandonadas, enquanto Lamont e Jackie escutavam o relato de William. Depois de ele os ter posto ao corrente de tudo — bem, de quase tudo —, a única coisa que Lamont disse foi:
— Devíamos informar imediatamente o comandante.
Como William e Jackie presumiram que ele não estava a usar o plural majestático, seguiram-no para fora da sala e pelo corredor até ao gabinete de Hawksby.
— Angela, preciso de falar urgentemente com o comandante — disse Lamont à secretária de Hawksby assim que entrou na sala.
— Ele está com o inspetor-chefe Mullins neste momento — disse ela —, mas não creio que vá demorar muito.
— Mullins? — segredou William a Jackie.
— Drogas. Reza para não seres transferido para essa secção. Poucos são os que sobrevivem e os que conseguem nunca mais voltam a ser os mesmos.
Passados mais alguns minutos, a porta abriu-se e o inspetor-chefe saiu, acompanhado pelo comandante Hawksby.
— Bom dia, Bruce — disse Mullins, saindo da sala sem abrandar o passo.
— Espero que tenham boas notícias para mim — disse Hawksby —, porque até agora o dia tem sido péssimo.
— Um possível avanço no caso do Rembrandt desaparecido.
— Então, é melhor entrarem.
Depois de estarem todos sentados à volta da mesa no gabinete do comandante, William relatou pormenorizadamente o seu encontro com a senhora Faulkner. Ficou surpreendido com a reação imediata de Hawk.
— Não creio que «temos um igual na nossa sala de estar em Monte Carlo e não consigo ver a diferença entre os dois» tenha sido um deslize. Penso que a senhora Faulkner sabia exatamente o que estava a dizer ao jovem inspetor que convidou para tomar café com ela.
— Concordo — disse Lamont. — E, a juntar a isso, pediu o nome de um detetive privado de confiança. Não admira que tenham aberto o portão.
— Então, o que está ela a tramar? — perguntou William.
— Correndo o risco de dizer o óbvio — disse Jackie —, aposto que precisa de um detetive privado porque está a pensar divorciar-se do marido. E pôr as mãos no dinheiro resultante de um bom acordo não é suficiente. Está à procura de vingança, e haverá melhor forma de se vingar do que dizer-nos onde está o Rembrandt?
— Embora seja um jogo muito arriscado — disse Hawksby —, tendo em conta quem tem pela frente.
— Teve sete anos para pensar nisso — disse William.
— Mesmo assim, pode não ser suficiente — retorquiu Lamont.
— Tem alguém em vista para o trabalho, Bruce? — indagou Hawksby.
— A minha primeira escolha seria o Mike Harrison. Competente, fiável e de confiança. E, se ela lhe der o trabalho, é uma forma de termos alguém por dentro do que se passa.
— Marque uma reunião — disse Hawksby — e, se ele concordar, o William pode apresentá-lo à senhora Faulkner.
— Vou já tratar disso — disse Lamont.
— E bom trabalho, William, embora não vá ser fácil tirar o Rembrandt de Monte Carlo enquanto o Faulkner lá estiver. Mas, se a mulher dele está do nosso lado, talvez seja possível apanhá-lo de surpresa, para variar. Agora, tratemos de problemas mais imediatos. Jackie, está tudo preparado para a Operação Período Azul?
— Avançamos amanhã à noite. A propriedade estará tão bem cercada, que nem uma toupeira conseguiria escavar uma toca para sair de lá sem darmos por isso.
— Tem a certeza de que dispõe dos reforços necessários, Bruce?
— A polícia de Surrey não podia ter sido mais prestável. Vai facultar-nos cerca de vinte agentes, que ficarão posicionados em duas carrinhas nos pontos de entrada e saída. Só temos de esperar pelos gatunos quando deixarem a casa.
— E os proprietários?
— Estão de férias nas Seicheles, como deve ser do conhecimento do Faulkner, pelo que se encontram a salvo.
— Quando os ladrões forem detidos, liguem-me, seja a que horas for.
— É provável que seja lá para as duas ou três da manhã — disse Jackie.
— Seja a que horas for — repetiu Hawksby.
Lamont, Jackie e William levantaram-se, cientes de que a reunião chegara ao fim.
— Warwick — disse Hawksby quando eles se preparavam para sair —, será que pode ficar mais uns instantes? Gostaria de lhe dar uma palavrinha.
William achou graça ao «será que pode», embora presumisse que estava prestes a receber uma reprimenda pela sua falta de preparação no caso Amhurst.
— William — disse Hawksby, depois de Lamont e Jackie saírem —, faço questão de nunca me envolver na vida privada dos meus agentes, a menos que isso possa afetar uma investigação em curso.
Ele sentou-se muito tenso na borda da cadeira.
— No entanto, chegou ao meu conhecimento que travou amizade com uma jovem que trabalha no Museu Fitzmolean e é, por conseguinte, parte interessada no caso do Rembrandt desaparecido.
— É mais do que amizade, senhor comandante — confessou William. — Só me falta morar com ela.
— Mais uma razão para ser cauteloso. E o que vou dizer a seguir é uma ordem e não um pedido. Fiz-me entender?
— Sim, senhor.
— Não revelará, em circunstância alguma, a nenhuma pessoa fora desta unidade que talvez saibamos onde está o Rembrandt desaparecido. Na verdade, o mais sensato seria não contar mais nada a Miss Rainsford sobre a nossa investigação, e quando digo nada é mesmo nada.
— Compreendo, senhor comandante.
— Não preciso de lhe lembrar que, enquanto agente da polícia, assinou a Lei dos Segredos Oficiais e, se fosse responsável por minar esta ou qualquer outra operação em que estivesse envolvido, poderia vir a enfrentar um conselho disciplinar, o que iria seguramente entravar a sua carreira, senão mesmo fazê-la descarrilar. Alguma pergunta?
— Não, senhor.
— Nesse caso, vai voltar para a sua unidade e não vai discutir esta conversa com ninguém, nem mesmo com os seus colegas. Entendido?
— Sim, senhor.
De volta à secretária, William olhou para o monte de casos pendentes que tinha à sua frente, mas não conseguia tirar da cabeça as palavras do comandante. De manhã, sentira receio de vir trabalhar. À noite, sentia receio de voltar para casa.
Quando Beth ouviu a porta a abrir, saiu a correr da cozinha para o corredor.
— Então? Como é que correu o encontro com a senhora Faulkner? — perguntou, antes mesmo de William ter hipótese de despir o casaco.
— Não passei para lá do portão.
— És um homem muito querido — disse ela, pondo-lhe os braços à volta do pescoço —, mas mentes muito mal.
— Não, é a mais pura verdade — protestou William.
Ela recuou e olhou-o mais atentamente.
— O que é que eles te contaram sobre mim? — perguntou, e o seu tom de voz mudou subitamente.
— Nada, juro. Nada!
E então William lembrou-se das palavras de Hawksby: «Não revelará, em circunstância alguma (…) mais nada a Miss Rainsford sobre a nossa investigação, e quando digo nada é mesmo nada.» Que circunstâncias?, pensou. E a seguir lembrou-se das palavras de Jackie quando ele comprara umas flores a Beth, antes de ir para Barnstaple: «Rainsford? De onde é que conheço esse nome?»
A primeira coisa que William fez quando chegou ao trabalho na manhã seguinte foi redigir um relatório pormenorizado da sua visita a Limpton Hall. Depois de entregá-lo a Lamont, ligou para o número privado da senhora Faulkner.
— Penso que sou capaz de ter encontrado a pessoa certa para a ajudar, senhora Faulkner. Quando gostaria de se encontrar com ele?
— Vou a Londres na próxima segunda-feira. Porque não vem almoçar comigo? Não posso correr o risco de deixá-lo vir aqui novamente.
— Porquê? — perguntou William, parecendo desapontado.
— Antes de chegar ao portão da entrada, já o Makins estaria ao telefone com o meu marido. Na verdade, o Miles ligou-me ontem à noite a perguntar porque é que o tinha deixado entrar cá em casa.
— O que lhe disse?
— Que quando devolveu o quadro deixou escapar que a investigação relativa ao Rembrandt tinha sido abandonada e relegada para a pasta de casos não resolvidos.
— Acha que ele acreditou?
— Com o Miles, nunca dá para perceber. Creio que nem ele sabe quando está a dizer a verdade. Vamos marcar para o Ritz, à uma hora? Pago eu.
Bem, quem não ia certamente pagar era a senhora Walters, pensou William ao desligar o telefone.
Mais tarde nessa manhã, juntou-se a Lamont para um almoço de tipo bem diferente: uma empada de carne, um pacote de batatas fritas e uma caneca de cerveja amarga no pub Sherlock Holmes, e ainda a oportunidade de conhecer Mike Harrison. Um polícia exemplar, foi como Lamont o descreveu, e William conseguiu ver imediatamente porquê. Era uma pessoa simples e franca, e tratou-o como igual desde o momento em que se conheceram. E o mais importante é que estava tão interessado em descobrir o Rembrandt desaparecido quanto o resto da equipa. Fazia parte da unidade quando ele tinha sido roubado, há sete anos, e por isso considerava-o um assunto inacabado.
Quando se dirigia para casa nessa noite, William comprou um ramo de flores como oferta de paz para Beth. Porém, assim que rodou a chave na fechadura, percebeu que ela não estava em casa. E depois lembrou-se: terça-feira era a Noite dos Amigos, no Fitzmolean. Sanduíches de salmão fumado, taças com frutos secos e espumante, para os fiéis benfeitores do museu abrirem os cordões à bolsa. Beth não estaria de volta antes das onze da noite. William regressou à Trenchard House pela segunda noite seguida, telefonou-lhe às dez e meia e novamente às onze, mas, como ela não atendeu, foi deitar-se.