26
O telefone começou a tocar.
— Quem é que iria sequer pensar em ligar-nos no dia de Natal? — quis saber Sir Julian. — E logo quando estava prestes a trinchar o peru.
— Mea culpa — disse William. — Sou capaz de ter dito lá no trabalho onde ia estar.
— Nesse caso, é melhor ires atender enquanto nós desfrutamos do nosso almoço de Natal. Beth, preferes perna ou peito?
William dirigiu-se rapidamente para o escritório do pai e atendeu o telefone.
— William Warwick.
— Christina Faulkner. Feliz Natal, William.
— Feliz Natal, Christina. Está a ligar-me de onde?
— Monte Carlo.
— A desembrulhar presentes, com certeza.
— Não, na verdade, estou a embrulhá-los, e foi por isso que telefonei. Preciso que venha ter comigo o mais depressa possível para poder dar-lhe o seu presente, para o qual estou a olhar agora.
— Vou ter de ligar ao meu chefe — disse William, que teria saído dali imediatamente com todo o gosto. — E, desde que ele dê o seu aval, posso apanhar um voo amanhã à tarde.
— O mais tardar — disse Christina —, porque, assim que eu acabar de embalar tudo, as sessenta e nove caixas de madeira serão carregadas no iate do Miles.
— Também vai estar a bordo?
— Não, isso não faz parte do meu plano. Assim que o Christina, batizado em tempos mais felizes, partir para Southampton, apanho um avião para Heathrow. Daí, sigo para Limpton Hall, para embrulhar mais uns quantos presentes, que têm de estar prontos a tempo dos funcionários da transportadora que vão aparecer na manhã seguinte e levá-los para Southampton, onde também serão colocados a bordo do Christina. É tudo uma questão de timing.
— Posso perguntar o que acontece a seguir?
— Revelarei tudo quando me encontrar consigo amanhã em Monte Carlo. Ligue-me quando souber qual é o voo, que eu mando um carro para o ir buscar.
— Telefono-lhe depois de falar com o comandante. Adeus, Christina, e feliz Natal.
William desligou o telefone e voltou para a sala de jantar. Tinha tanta vontade de lhes contar, e a Beth em particular, que amanhã por aquela hora já poderia estar na posse do Rembrandt… Sentou-se ao lado da sua noiva e deparou-se com um prato vazio à sua frente.
— Perdeste o prato principal, meu rapaz. Mas não te preocupes, tenho a certeza de que deve ter sobrado algum pudim.
— Ignora-o — disse a mãe. — Ainda nem sequer começámos. A Joanna tem estado a contar-nos o que tem andado a fazer durante a ausência do Arthur.
William sorriu para a mãe de Beth enquanto se servia de couves-de-bruxelas.
— Quando o Arthur foi para a prisão — disse Joanna —, todos presumimos que a empresa ia fechar. Mas depressa descobrimos de que fibra era feito o Hamish quando ele continuou a gerir o escritório como se o Arthur continuasse em viagens de negócios. Entretanto, o Arthur montou escritório na sua cela em Pentonville e eu ocupei a sua secretária em Marylebone. Escrevi-lhe todos os dias, mantendo-o a par de tudo.
— Mas o que acontecia quando alguém marcava uma reunião com o presidente e descobria que ele estava preso? — perguntou Grace.
— Passado algum tempo, ocupei o lugar dele e até comecei a viajar pelo país para visitar os clientes da empresa. Fiquei agradavelmente surpreendida por tão poucos nos terem abandonado.
— Em tempos difíceis, a reputação é o escudo dos justos — disse Sir Julian.
— Quem disse isso? — perguntou William.
— Eu, filho insolente! Mas faça o favor de continuar, Joanna. Entretanto, já tinham perdido o vosso contabilista e o vosso banco também deve ter ficado apreensivo.
— O Barclays fez tudo o que pôde para ajudar — disse Joanna —, mas foi o Kleinwort Benson que veio em nosso auxílio e deu confiança aos investidores para continuarem connosco. E depois, quando menos esperávamos, tivemos um golpe de sorte.
Toda a gente que estava à mesa parou de comer.
— Como o Gary Kirkland não tinha feito testamento, o seu filho Hugh herdou tudo, incluindo o dom do pai para os números. Por isso, ocupa agora o antigo gabinete do Gary e é responsável por cada cêntimo que a empresa gasta. E antes que perguntem, ao contrário do pai, tem um casamento feliz.
— Então, isso significa que a empresa voltou a entrar nos eixos? — perguntou Grace.
— Não, atingimos apenas o ponto de equilíbrio, mas assim que o Arthur voltar não tardaremos a ter lucros.
— Nesse caso, não me sinto nada pressionado — disse Sir Julian, ao mesmo tempo que o telefone voltava a tocar. — Será que estamos a almoçar na Torre da British Telecom? — perguntou, soltando um suspiro exagerado. — Como deve ser para ti, William, porque é que não convidas a pessoa para vir a nossa casa? Assim, pode ser que não voltem a interromper-nos.
William saiu apressadamente da sala e foi novamente até ao escritório do pai. Pegou no telefone, presumindo que seria o comandante.
— William Warwick.
— Desculpe incomodar no dia de Natal — disse uma voz que só podia ser originária de Nova Iorque —, mas preciso de falar com Miss Grace Warwick sobre um assunto pessoal.
— Posso saber quem fala?
— Leonard Abrahams.
— Espere só um momento, senhor Abrahams, que eu vou chamá-la.
William regressou rapidamente à sala de jantar.
— É para ti, mana. Leonard Abrahams?
— Grace, importas-te de dizer a quem quer que seja que gostaríamos muito de comer um prato com toda a família presente?
— Penso que é capaz de ser o professor — disse Grace.
— Nesse caso, é melhor falares imediatamente com ele — disse Sir Julian, mudando subitamente de tom.
Ela acenou com a cabeça e saiu rapidamente da sala.
— Professor Abrahams, daqui fala Grace Warwick. Desculpe tê-lo feito esperar.
— Não, Miss Warwick, eu é que peço desculpa. Nem sequer teria pensado em incomodá-la no dia de Natal se não fosse urgente, mas pensei que ia gostar de saber que vou estar em Londres amanhã.
— Isso é uma ótima notícia! Onde é que vai ficar?
— Provavelmente, numa sala de espera do aeroporto. Só tenho uma escala de quatro horas antes de apanhar o voo de ligação para Varsóvia, onde vou visitar a minha querida mãe. Os judeus são matreiros — acrescentou o professor. — Sabemos sempre quando é que vocês, os gentios, estão de férias e, desde que estejamos de volta à secretária dois dias depois do Natal, vocês nem sequer dão pela nossa ausência.
Grace riu-se.
— Teve oportunidade de ler os depoimentos que lhe enviei?
— Apenas dei uma vista de olhos, mas vou analisá-los de forma mais minuciosa durante o voo. Por isso, quando chegar a Heathrow, devo conseguir dar-lhe um parecer preliminar.
— Vou reservar um quarto no Hilton do aeroporto, para não sermos incomodados. A que horas prevê chegar?
— Saio do Aeroporto JFK no voo 716 da Pan Am, que chega por volta das dez e vinte da manhã, no vosso fuso horário.
— Nesse caso, estarei à sua espera junto à porta das chegadas.
— É muito amável. Mas como irá reconhecer-me?
— Não se preocupe. Eu li o seu livro.
— Já lá vão uns anos desde que tirei aquela fotografia — disse ele, com um risinho abafado. — Mas estou ansioso por vê-la amanhã, Miss Warwick, e peço desculpa uma vez mais por tê-la incomodado no dia de Natal.
— Não pense mais nisso. Sei que o meu pai vai ficar encantado com a notícia.
Grace voltou para a sala de jantar e sentou-se sem dizer palavra, embora William reparasse no aceno cúmplice entre os dois advogados.
— Permitam-me que vos avise — disse Sir Julian, enquanto Marjorie lhe passava a manteiga de brande — que se alguém pensar em telefonar enquanto Sua Majestade estiver a dirigir a mensagem de Natal à nação, às três da tarde, ninguém vai atender, nem que seja o arcebispo da Cantuária.
No dia seguinte, William fez o check-in em Heathrow pouco depois das nove da manhã. Não contou a Beth aonde ia e ela não perguntou. Tinha um bilhete para Nice à espera dele no balcão da British Airways.
O pai não escondera a sua reprovação quando ele ligara para a Scotland Yard poucos instantes depois de a rainha ter terminado a sua mensagem. A telefonista tinha ligado diretamente para casa do comandante.
Quando Hawksby ouviu as novidades de William, disse:
— Reserve passagem no primeiro voo disponível para Nice. Se a senhora Faulkner está na posse do Rembrandt, não podemos dar-nos ao luxo de a fazer esperar. Informe-me imediatamente de tudo o que acontecer, independentemente da hora do dia ou da noite, pois não irei dormir grande coisa até saber o que se passa.
William apertou o cinto de segurança enquanto o avião rolava até à pista norte.
Grace foi deixada em Heathrow pouco passava das dez horas e, quando consultou o painel das chegadas, viu que o voo 716 da Pan Am estava atrasado vinte minutos. Comprou um exemplar do The Guardian e um cappuccino, sentou-se e esperou.
Quando a palavra ATERROU surgiu a piscar no painel junto ao voo 716, ela ocupou o seu lugar atrás de uma barreira cheia de impacientes profissionais de acolhimento.
O professor Abrahams foi dos primeiros passageiros a passar pela porta, uma vez que a sua bagagem estava a ser transferida diretamente para um voo de ligação com destino a Varsóvia. Parou e perscrutou a multidão. Quando o avistou, Grace foi apanhada de surpresa. A fotografia na contracapa do livro não revelava que ele mal media um metro e meio. Mas a sua enorme testa abaulada e os óculos fundo de garrafa tornaram-no imediatamente reconhecível, mesmo que o fato de treino amarelo e os ténis Nike do último modelo a tivessem surpreendido.
— Uso sempre um fato de treino nos voos de longo curso — explicou ele, dando-lhe um aperto de mão. — Aprendi isso com a Joan Collins, mas, ao contrário dela, não mudo de roupa para os fotógrafos antes de sair do avião.
— Pensei que podíamos ir a pé até ao Hilton — disse Grace. — Não é longe e, como há sempre uma grande fila para apanhar táxi, provavelmente chegamos lá mais depressa.
— E poupamos uns dólares — disse o professor.
Percorreram a curta distância até ao hotel, a conversar sobre tudo e mais alguma coisa, menos do único assunto que tinham no pensamento. Grace tinha reservado uma suíte durante duas horas. A rececionista entregou-lhe a chave e ficou a pensar que se tratava de um casal muito invulgar, para terem reservado um quarto àquela hora da manhã.
Enquanto Grace preparava uma chávena de café fumegante para o professor, ele tirou um dossiê da pasta e colocou-o em cima da mesa que os separava. Começou a virar as páginas, ao mesmo tempo que ia comentando os factos nelas descritos, como se estivesse numa das suas aulas a ensinar a uma aluna brilhante a maneira como a sua qualificação específica poderia — estava sempre a repetir a palavra «poderia» — ajudar no caso Rainsford. Depois de virar a última página, respondeu a todas as perguntas de Grace com uma segurança que não admitia contradição. Quando ele respondeu à última pergunta, ela soube que tinha encontrado o homem certo.
Abrahams olhou para o relógio e guardou o dossiê na pasta.
— Tenho de ir andando, se quiser chegar a tempo do voo — disse, levantando-se. — Não posso atrasar-me, por causa da minha mãe. Provavelmente, já está no aeroporto à minha espera.
Grace acompanhou-o de volta ao terminal n.° 2 e, antes de ele atravessar a porta das partidas, agradeceu-lhe uma vez mais e perguntou:
— Posso dizer ao meu pai que está disposto a testemunhar como perito, se houver novo julgamento?
— Não vos teria feito perder tempo se não estivesse disposto a fazer isso, minha jovem. Contudo, ainda preciso de ver o depoimento original de duas páginas assinado pelo Rainsford e apresentado como prova em tribunal, para saber se não estarei a perder o meu.
O professor Abrahams embarcou no seu avião para Varsóvia precisamente na altura em que William aterrava em Nice. Como apenas tinha bagagem de mão, dirigiu-se imediatamente para o controlo de passaportes e foi dos primeiros a sair para o átrio, onde foi recebido por um homem que segurava um pequeno cartaz a dizer «WARWICK».
Instalou-se no banco traseiro de um Bentley e tentou organizar os pensamentos antes de se encontrar novamente com Christina Faulkner. No entanto, o motorista tinha outras ideias.
Quando chegaram a Villa Rosa, William sabia a opinião do motorista sobre tudo, desde o Centro Pompidou, projetado por um inglês, ao Mercado Comum, a que a Grã-Bretanha nunca devia ter-se juntado. Contudo, nem por uma vez tocou no único assunto sobre o qual William gostaria de saber um pouco mais: o senhor e a senhora Faulkner.
Os portões de ferro forjado abriram-se quando o carro ainda estava a cem metros da entrada. Viraram para um longo caminho de acesso ladeado por ciprestes altos, que terminava em frente de uma linda mansão Belle Époque que fazia Limpton Hall parecer uma casa de campo.
Quando William saiu do carro, a porta abriu-se e Christina saiu para o cumprimentar. Ele beijou-a em ambas as faces, como se ela fosse um general francês. Ela deu-lhe a mão e levou-o para um enorme átrio que estava atravancado com caixas de madeira de diferentes tamanhos. William só precisou de olhar para os contornos desvanecidos nas paredes para imaginar o que poderia ter estado ali no dia anterior. Começava a perceber por que razão Christina precisava que o marido estivesse fora um mês para conseguir executar o seu plano.
— Ainda falta embalar um — disse ela, enquanto ele a seguia até à sala de estar, onde uma única tela emoldurada permanecia no seu lugar, por cima da lareira.
William olhou com reverência para um quadro que até um amador como ele reconhecia instantaneamente como uma obra de génio. Tirou do bolso um postal do Fitzmolean e verificou o canto direito da tela para confirmar que a assinatura característica de Rembrandt, RvR, estava lá. Depois voltou a olhar para os seis pomposos síndicos, com as suas longas capas pretas e golas de renda brancas cheias de goma, a segurar chapéus pretos de abas largas ao mesmo tempo que se compraziam com a sua elevada posição enquanto membros da sociedade de Amesterdão.
— Vejo que gosta do seu presente de Natal — disse Christina.
Grace telefonou ao pai minutos depois de chegar ao seu apartamento em Notting Hill e fez-lhe um relatório pormenorizado do seu encontro com o professor.
— Creio que chegou a altura de ligar ao procurador-geral e marcar uma reunião com ele, antes que os meus colegas voltem das férias de Natal — disse Sir Julian. — Preciso que incluam uma data para o julgamento no calendário do tribunal o mais depressa possível.
— Isso é capaz de não ser assim tão fácil — aventou Grace.
— Há sempre horários cancelados que precisam de ser preenchidos. Só preciso de garantir que o meu nome está perto do topo da lista.
— Mas porque é que o procurador-geral há de escolhê-lo a si, em vez de qualquer dos outros candidatos igualmente respeitáveis?
— Eu digo-te porquê, Grace, mas não pelo telefone.
William vigiou atentamente os homens encarregados de embalar os quadros enquanto baixavam cuidadosamente o Rembrandt para a sua caixa de madeira feita à medida, carregando-a depois até à entrada para junto das suas companheiras.
Todas as caixas tinham um grande autocolante quadrado que dizia «Propriedade da senhora Christina Faulkner. Para permanecer a bordo». A única exceção era o Rembrandt, o qual ostentava um autocolante redondo ainda maior que dizia: «Propriedade do Museu Fitzmolean, Prince Albert Crescent, Londres SW7. Para ser recolhida».
— Tem a certeza de que o comandante estará no cais, à espera para dar as boas-vindas aos distintos passageiros do Christina quando estes chegarem a Southampton? — perguntou Christina.
— Será a primeira pessoa a subir a bordo logo que atracarmos, com a cavalaria logo atrás — garantiu William. — Vou ligar-lhe amanhã, assim que os quadros estiverem todos a bordo.
— Ele só está interessado num deles.
— O que vai acontecer aos restantes? — perguntou William, embora presumisse que era pouco provável que Christina revelasse o seu último destino.
— A próxima paragem é em Nova Iorque, onde se lhes juntará uma extraordinária coleção de artistas americanos modernos que residem presentemente no nosso apartamento em Manhattan.
— Mas, assim que o iate ancorar, o seu marido pode estar no cais à sua espera.
— Não me parece. Depois de Melbourne, o Miles planeia voar até Sydney para estar entre as primeiras pessoas a festejar o Ano Novo, altura em que todos os seus quadros estarão pendurados na sua nova casa… isto é, na minha nova casa.
William não perdeu o seu tempo a perguntar-lhe onde é que seria.
Grace e o pai passaram a noite enfiados no escritório dele.
— A próxima coisa que o professor Abrahams precisa de fazer — disse ela — é analisar o depoimento original de duas páginas que foi apresentado ao tribunal. Ele avisou-me que o documento também pode provar que o Arthur está a mentir e que o júri interpretou bem os factos.
— Se for esse o caso — disse Sir Julian —, a única coisa que dizemos à Joanna ou à Beth é que não conseguimos arranjar novas provas que possibilitassem requerer a reabertura do processo e novo julgamento.
— E se o Arthur estiver a dizer a verdade?
— O meu próximo telefonema será para o procurador-geral, a solicitar a reabertura do processo.
— Ainda não me disse porque é que ele daria prioridade a este caso…
— Eu e o Desmond Pannel andámos juntos em Oxford. Fui o seu gestor de campanha quando ele se candidatou a presidente da Associação de Estudantes de Direito, e nem ias acreditar se te dissesse quem era o seu principal rival. O trabalho do presidente era uma tarefa ingrata, mas o Desmond sempre gostou de levar a cabo tarefas ingratas, e foi por isso que acabou como procurador-geral. E agora, ao fim de trinta anos, tenciono pedir-lhe que me retribua o favor.
Pouco depois de se ter deitado, William ouviu a porta abrir-se. Ficou subitamente desperto. Uma figura de sílfide recortada à luz do luar deslizou pelo quarto, enfiou-se debaixo dos cobertores e começou a beijar-lhe a nuca.
Não teve muito tempo para pensar no que devia fazer a seguir. Acender a luz e pedir-lhe educadamente que se fosse embora foi a primeira coisa em que pensou, mas a segunda foi levar aquilo por diante, sem contar a Beth. Depois perguntou a si mesmo o que diria Beth se ele lhe dissesse que tinha rejeitado os avanços de Christina e sacrificado o Rembrandt. Um caso de uma noite em troca de uma obra-prima. Não tinha dúvidas sobre o que ela quereria que fizesse.
O professor Abrahams fez uma segunda escala em Londres na sua viagem de regresso a Nova Iorque e foi mais uma vez recebido por Grace na área das chegadas. Desta vez, trazia consigo aquilo a que chamava a sua caixa de truques.
Na manhã seguinte, Sir Julian e Grace acompanharam-no a uma sala na cave da Scotland Yard, onde, na presença de uma testemunha independente, passou as horas seguintes a examinar o depoimento de duas páginas que tinha sido apresentado no julgamento de Arthur.
Sir Julian e a filha regressaram ao escritório, onde aguardaram ansiosamente pelo resultado das diligências do professor. Foi Grace quem o viu a atravessar vagarosamente Lincoln’s Inn, a segurar a sua caixa de truques numa mão e uma garrafa de champanhe na outra. Ela pulou e gritou de alegria.
Depois de escutarem em silêncio as declarações do professor, ambos o bombardearam com perguntas para as quais ele tinha sempre resposta. Por fim, Sir Julian agarrou no telefone e marcou um número privado. Quando o procurador-geral atendeu, a única coisa que ele disse foi:
— Desmond, preciso de um favor.
Às nove horas da manhã seguinte, uma grande carrinha de mudanças parou à porta da Villa Rosa e os homens levaram quase duas horas a carregar as sessenta e nove caixas, que foram depois levadas em marcha lenta, muito lenta, até ao porto, onde foram precisas mais três horas para fazer a transferência para o porão do Christina. Depois de ver a porta do porão fechada e trancada, William desembarcou e telefonou ao comandante Hawksby para lhe dizer que ia voltar no próximo voo.
— Não, não vai — disse Hawksby com firmeza. — Volte para esse barco e não perca o Rembrandt de vista até ancorar em Southampton.
— Mas não devia vigiar a senhora Faulkner?
— Não. Trate de vigiar os seis síndicos de Amesterdão, que não podem voltar a desaparecer.
William não discutiu.
— Quando o iate ancorar amanhã à noite — disse Hawksby —, estarei no cais juntamente com um pequeno exército, para garantir que o quadro é devolvido em segurança ao Fitzmolean.
Christina ficou desiludida por o comandante ter insistido para que William ficasse a bordo, pois tinha esperança de que ele ficasse a vigiá-la. Ele inclinou-se sobre a amurada e disse-lhe adeus quando o iate saiu do porto. Assim que o perdeu de vista, Christina disse ao seu motorista que a levasse ao aeroporto, para poder levar a cabo a segunda parte do seu plano.