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A COROA CONTRA FAULKNER

— Faça o favor de dizer o seu nome e profissão, para que conste — disse o doutor Booth Watson.

— Miles Adam Faulkner. Sou agricultor.

— Senhor Faulkner, o tribunal ouviu que o senhor possui uma coleção de arte impressionante, assim como casas em Nova Iorque e Monte Carlo, uma propriedade em Hampshire, um iate e um jato privado. Como é isso possível, sendo agricultor?

— O meu querido pai deixou-me a quinta em Limpton, juntamente com mil e duzentos hectares de terra.

William escreveu imediatamente uma nota e passou-a ao advogado de acusação.

— Mesmo assim, isso não é suficiente para explicar o seu estilo de vida luxuoso nem a capacidade para colecionar obras de arte valiosas.

— A verdade é que, apesar de a minha família ser proprietária de Limpton Hall há mais de quatro séculos, há uns anos o governo assinou uma ordem de expropriação das minhas terras, pois queria construir uma autoestrada de seis faixas que passava mesmo pelo meio, deixando-me a casa e apenas cerca de cem hectares. Eu contestei a ordem e levei-os a tribunal, mas, infelizmente, perdi o recurso. Contudo, aquilo que o governo acabou por me pagar a título de indemnização permitiu-me cultivar o interesse que sempre tive pela arte. E, graças a um ou dois sagazes investimentos na bolsa ao longo dos anos, consegui reunir uma coleção razoável.

William tomou uma segunda nota.

— Que pretende, sem dúvida, passar à geração seguinte — disse Booth Watson, olhando para uma lista de perguntas bem ensaiadas.

— Não, receio que tal não seja possível.

— Porquê?

— Infelizmente, a minha mulher não estava interessada em ter filhos e, como não quero dividir a coleção, decidi deixar todo o meu património ao Estado.

Miles virou-se e sorriu para o júri, tal como Booth Watson o instruíra. Foi recompensado com um ou dois sorrisos.

— Agora, gostaria de falar de um quadro em particular, senhor Faulkner, Os Síndicos da Guilda dos Fabricantes de Tecidos, da autoria de Rembrandt.

— Uma obra-prima, sem dúvida — disse Faulkner. — Admiro-a desde o dia em que a vi pela primeira vez em miúdo, quando a minha mãe me levou ao Fitzmolean.

— A Coroa quer que acreditemos que admirava o quadro de tal forma, que o roubou.

Miles riu-se.

— Admito — disse, olhando novamente para o júri — que sou um apreciador de arte, até mesmo um viciado em arte, mas não sou um ladrão de arte, doutor Booth Watson.

— Nesse caso, como explica a declaração da sua esposa, sob juramento, de que o Rembrandt está na sua posse há sete anos?

— Ela tem razão. Tenho Os Síndicos há sete anos.

O júri estava agora a olhar para o arguido com ar incrédulo.

— Está a admitir o roubo? — perguntou Booth Watson, fingindo surpresa.

O júri também parecia confuso, enquanto o doutor Palmer fazia uma expressão desconfiada. Só o juiz continuava impassível, enquanto Faulkner se limitava a sorrir.

— Não sei se estou a perceber o que está a sugerir — continuou Booth Watson, que sabia muito bem o que o seu cliente estava a sugerir.

— Gostaria de saber, Meritíssimo — disse Faulkner, virando-se para o juiz —, se me permite que mostre ao tribunal o quadro que tem estado pendurado sobre a lareira da sala de estar da minha casa em Hampshire nos últimos sete anos, para poder provar a minha inocência.

Agora, até o juiz Nourse parecia desconcertado. Olhou de relance para o doutor Palmer, que encolheu os ombros, pelo que voltou a concentrar-se no advogado de defesa.

— Doutor Booth Watson, aguardamos com interesse para descobrir o que o seu cliente nos reservou.

— Fico muito grato, Meritíssimo — disse Booth Watson.

Acenou à advogada assistente, que se tinha posicionado à entrada da sala e abriu a porta, deixando entrar dois homens bem constituídos a carregar uma grande caixa de madeira, que colocaram no chão entre o juiz e o júri.

— Meritíssimo — disse Palmer, levantando-se de um salto —, a Coroa não foi avisada pela defesa desta fantochada inesperada, pelo que peço que seja rejeitada por aquilo que é.

— E o que poderá ser, doutor Palmer?

— Isto não passa de uma manobra para tentar distrair o júri.

— Nesse caso, vamos descobrir se o consegue, doutor Palmer — disse o juiz. — Porque desconfio que os senhores jurados estão tão curiosos quanto eu para descobrir o que está dentro daquela caixa.

Toda a gente tinha os olhos postos na caixa enquanto os empacotadores se encarregavam agora de desempacotar. Primeiro, tiraram os pregos, depois os pedaços de espuma e, finalmente, a musselina, revelando um quadro que deixou alguns boquiabertos e outros simplesmente perplexos.

— Senhor Faulkner, quer fazer a gentileza de explicar como é possível que a obra Os Síndicos da Guilda dos Fabricantes de Tecido, de Rembrandt, esteja neste tribunal — disse Booth Watson — e não, como a sua esposa declarou anteriormente, pendurada numa parede do Museu Fitzmolean?

— Não entre em pânico, doutor Booth Watson — disse Faulkner a um homem que nunca entrava em pânico. — O quadro original continua exposto no Fitzmolean. Este não passa de uma cópia de qualidade excecional, que adquiri numa galeria em Notting Hill há pouco mais de sete anos, e tenho um recibo que o comprova.

— Então — disse Booth Watson —, é este o quadro que a sua esposa tem contemplado nos últimos sete anos, sob a falsa impressão de que era o original?

— Receio bem que sim, mas a verdade é que a Christina também nunca se mostrou muito interessada na minha coleção, a não ser em saber quanto valia. Neste caso concreto, vale cinco mil libras.

— Senhor Faulkner — disse o juiz, olhando atentamente para o quadro —, como é que um leigo como eu pode ter a certeza de que se trata de uma cópia e não do original?

— Olhando para o canto inferior direito, Meritíssimo. Se este fosse o original, veria as iniciais de Rembrandt, RvR, que raramente deixava uma tela por assinar. Para ser justo, essa é outra coisa que a minha mulher desconhece.

— Embora aceite a sua explicação, senhor Faulkner — disse Booth Watson —, ainda não percebi como é que o original, que está agora de volta ao Fitzmolean, lhe foi parar às mãos.

— Para compreender isso, doutor Booth Watson, primeiro tem de aceitar que sou um colecionador muito conhecido no mundo da arte. Todos os anos, recebo centenas de catálogos não solicitados para exposições de arte, assim como vários pedidos para comprar quadros, muitas vezes de famílias nobres que não querem que ninguém saiba que estão a passar por dificuldades financeiras.

— E alguma vez compra uma obra dessas?

— Muito raramente. É muito mais provável fazer as minhas aquisições a um negociante respeitado ou a uma leiloeira com provas dadas.

— Mas isso ainda não explica como é que o Rembrandt original lhe foi parar às mãos.

— Há umas semanas, alguém se ofereceu para me vender um quadro que dizia ser um Rembrandt. Mal ouvi a descrição da obra, percebi que tinha de ser o quadro roubado do Fitzmolean.

— Como chegou a essa conclusão? — perguntou o juiz.

— É quase inédito encontrar um Rembrandt à venda, Meritíssimo. Quase todas as suas obras pertencem a museus nacionais ou galerias. Há muito poucos que continuem na mão de particulares.

— Nesse caso, se sabia que a obra era roubada — disse Booth Watson —, porque se envolveu nisso?

— Confesso que não consegui resistir a tamanho desafio. Contudo, quando me disseram que teria de viajar até Nápoles para ver o quadro, percebi que devia ter sido a Camorra que o tinha roubado. Devia ter-me afastado, mas, tal como um futebolista se convence de que está prestes a marcar o golo da vitória, segui em frente.

Booth Watson nunca gostara muito daquela metáfora, mas alinhou no jogo.

— E marcou o golo da vitória, senhor Faulkner?

— Sim e não — replicou ele. — Apanhei um voo para Nápoles, onde fui recebido por um jovem advogado elegantemente vestido, acompanhado de um par de rufiões que não abriram a boca uma única vez. A seguir, levaram-me de carro a uma parte degradada da cidade que é uma área interdita, até mesmo para a polícia. Nunca tinha visto tamanha pobreza na minha vida. E as únicas imagens que havia nas paredes daqueles autênticos cortiços eram da Virgem Maria ou do papa. Fizeram-me descer um longo lanço de escadas até uma cave mal iluminada, onde estava um grande quadro encostado à parede. Só precisei de olhar uma vez para saber que era o verdadeiro.

— E o que aconteceu a seguir?

— Começaram as negociações e, como depressa se tornou óbvio que eles queriam livrar-se do quadro, acordámos o valor de cem mil dólares. Eu sabia, tal como os ladrões, que valia cem vezes mais, mas eles não estavam a ser propriamente assediados por potenciais compradores. Disse-lhes que lhes daria o dinheiro no dia em que o quadro fosse devolvido ao Fitzmolean. Eles disseram que entrariam em contacto comigo, mas nem sequer se ofereceram para me levar de carro ao aeroporto. Tive de andar bastante até encontrar um táxi.

— E, quando chegou a casa, contou a alguém essa experiência?

— Tinha de partilhar aquilo por que tinha passado com alguém e, por isso, caí na asneira de contar à Christina. Nunca pensei que ela se aproveitasse disso e até mentisse sob juramento.

— E os cavalheiros que conheceu em Itália não cumpriram a sua parte e não devolveram o quadro ao Fitzmolean.

— A Camorra raramente sai do seu território — disse Faulkner. — Não tive notícias durante mais de um mês, pelo que presumi que o negócio tinha ficado sem efeito.

O juiz tomou uma nota.

— Mas não ficou, pois não?

— Não. Os dois rufiões que eu tinha conhecido no aeroporto apareceram na minha casa em Monte Carlo a meio da noite com o quadro e exigiram os seus cem mil dólares. Um deles brandia uma faca.

— Deve ter ficado aterrorizado.

— Se fiquei! Sobretudo quando me disseram que, se não pagasse, cortavam primeiro a garganta aos seis síndicos, um por um, e depois a minha.

O juiz tomou outra nota.

— Tinha cem mil dólares em dinheiro disponíveis?

— A maior parte das pessoas que me vende uma das suas relíquias de família não espera ir-se embora com um cheque, doutor Booth Watson.

— O que fez a seguir?

— Na manhã seguinte, telefonei ao capitão do meu iate e disse-lhe que, dentro de pouco tempo, chegaria ao cais uma grande caixa de madeira. Ele devia levá-la até Southampton e entregá-la pessoalmente ao Museu Fitzmolean, em Londres.

— E, Meritíssimo — disse Booth Watson —, se a Coroa assim desejar, posso chamar o capitão Menegatti, que irá confirmar que foram mesmo essas as instruções que o senhor Faulkner lhe deu.

— Aposto que sim — murmurou William —, se quiser manter o emprego.

— E o senhor voou para a Austrália no dia seguinte, presumindo que as suas ordens seriam cumpridas.

— Sim. Esperava que a minha mulher viesse comigo, mas ela mudou de ideias à última hora. Parece que tinha um compromisso com um homem mais novo.

William cerrou os punhos para tentar não tremer.

— Mas ela sabia perfeitamente que eu tinha bilhetes para o campeonato de críquete no dia vinte e seis, em Melbourne — prosseguiu Faulkner —, o que significava que não regressaria a Inglaterra antes do Ano Novo.

— Mas regressou a Inglaterra a meio do campeonato, certo?

— Sim, o capitão Menegatti ligou-me para o hotel em Melbourne, a dizer que a minha mulher tinha aparecido no iate, não só com a caixa de madeira de que eu lhe tinha falado, mas com toda a minha coleção da casa de Monte Carlo. A seguir, deu-lhe instruções para as levar todas para Southampton, onde iria ter com ele antes de seguir viagem para Nova Iorque.

— Como é que o senhor reagiu?

— Apanhei o primeiro avião com destino a Londres e nem precisei das vinte e três horas de voo para perceber o que ela estava a tramar. Assim que aterrei em Heathrow, meti-me num táxi e fui a minha casa, em Hampshire, ciente de que não tinha um momento a perder.

— Porque não pediu ao seu motorista que o fosse buscar? — perguntou Booth Watson.

— Porque isso teria alertado a Christina do meu regresso ao país, que era a última coisa de que precisava.

— E a sua mulher estava em casa quando lá chegou?

— Não, não estava, nem as minhas obras de arte, que se encontravam também a caminho de Southampton, como vim a descobrir. Cheguei lá mesmo a tempo de impedi-las de seguir para Nova Iorque.

— Portanto, subiu a bordo do iate e deu instruções para que as obras de arte fossem devolvidas às suas casas em Hampshire e Monte Carlo…

— Com uma exceção assinalável — interrompeu Faulkner. — Sempre tencionei devolver o Rembrandt ao Fitzmolean, independentemente das consequências. — E virou-se novamente para os jurados, brindando-os desta vez com a sua «expressão de sinceridade».

— Mas, antes que pudesse fazê-lo, a polícia subiu a bordo, deteve-o e acusou-o de ter trocado as etiquetas das caixas, para poder continuar na posse do Rembrandt.

— Isso, doutor Booth Watson, é uma insinuação absurda por três razões. Em primeiro lugar, só estive a bordo do iate alguns minutos antes de ser detido. Por isso, é óbvio que a minha mulher já tinha informado a polícia de que o Rembrandt continuava a bordo. Em segundo lugar, deve ter sido ela que trocou a etiqueta para o Fitzmolean, antes de os quadros terem sido sequer carregados em Monte Carlo.

— Mas por que motivo haveria ela de trocar as etiquetas e depois dizer à polícia que o Rembrandt continuava a bordo? — perguntou Booth Watson com ar inocente.

— Porque, se eu fosse preso, não haveria nada que a impedisse de rumar a Nova Iorque e roubar o resto da minha coleção, coisa que obviamente tinha planeado fazer enquanto eu estivesse do outro lado do mundo.

— Disse que havia uma terceira razão, senhor Faulkner.

— Sim, há, doutor Booth Watson. O comandante Hawksby estava acompanhado por outros dois agentes. Era óbvio que tinham sido informados pela minha mulher de que o Rembrandt estava a bordo. De que valeria trocar as etiquetas se o capitão do porto tinha autoridade para abrir todas as caixas? Não, o plano da Christina era eu ser preso e ao mesmo tempo ficar sem o meu Rubens. Ela não só trocou as etiquetas, como também sabia que iria privar-me do meu quadro favorito.

— Pelo menos, o Rubens foi devolvido ao seu legítimo proprietário, juntamente com o resto da coleção, não é verdade?

William reparou no ligeiro aceno de cabeça que Booth Watson fez ao seu cliente.

— Sim, foi. O senhor Tim Knox, o diretor do Fitzmolean, aceitou que tinha havido um engano genuíno e teve a gentileza de devolver o Rubens à minha casa, em Limpton Hall. No entanto, passados alguns dias, comecei a pensar melhor no assunto. Como todos saberão, a coleção de quadros holandeses e flamengos do Fitzmolean só é superada pela do Rijksmuseum, em Amesterdão. Comecei a pensar se A Descida de Cristo da Cruz, de Rubens, não teria encontrado o seu verdadeiro lar e, depois de um exame de consciência, decidi oferecer o quadro ao Estado, para que outras pessoas possam usufruir do mesmo prazer que tive nos últimos trinta anos.

Ora aqui está um texto bem decorado, pensou Booth Watson, olhando para o júri. Estava agora convencido de que pelo menos metade dos jurados estava do lado do seu cliente.

— E, finalmente, senhor Faulkner, tenho de lhe perguntar: antes deste lamentável equívoco, alguma vez foi acusado de algum crime?

— Não, nunca! Contudo, devo confessar que, quando era aluno da escola de arte, uma vez fanei o capacete de um polícia de trânsito e usei-o no baile do Clube de Artes de Chelsea. Acabei por passar a noite na cadeia.

— A sério, senhor Faulkner? Esperemos que não tenha de passar mais noites na cadeia. Não tenho mais perguntas, Meritíssimo.

— Onde queres chegar? — perguntou Sir Julian, enquanto Grace dispunha uma série de fotografias a preto-e-branco no banco entre os dois.

— As fotografias mostram o Stern a sair do tribunal depois de tê-lo contrainterrogado.

— Isso vejo eu. Mas o que provam, além de que gosta de estar na ribalta?

— Não por muito mais tempo, desconfio. Olhe com mais atenção, pai, e há de reparar numa coisa que o Stern não queria que víssemos.

— Continuo na mesma — confessou o pai, depois de olhar uma segunda vez para as fotografias.

— O blusão de cabedal é Versace e os mocassins são Gucci, topo de gama.

— E o relógio? — perguntou Sir Julian, percebendo o que estava em causa.

— Um Cartier Tank. E não é falso, ao contrário do homem.

— Não é seguramente com a reforma de inspetor que o Stern tem dinheiro para esse tipo de luxos…

— E há mais — disse Grace, apontando para outras duas fotografias que mostravam Stern a entrar para um Jaguar S-Type e a arrancar. — O carro está registado no nome dele.

— Penso que está na altura de apresentar um requerimento a um juiz e descobrir se ele estará disposto a deixar-nos inspecionar as contas bancárias do Stern.

— Acha que o júri acreditou numa palavra daqueles disparates? — perguntou William, depois de o juiz Nourse ter anunciado uma pausa.

— Não tenho a certeza — disse Hawksby. — Mas não ajuda nada que a senhora Faulkner estivesse nitidamente a planear roubar a coleção de arte do marido. Por isso, o júri terá a pouco invejável tarefa de decidir qual deles é o mais mentiroso. Como vão as coisas na sala de audiências vinte e dois?

— Vou agora mesmo ter com a Beth para descobrir. A propósito — acrescentou William, baixando a voz —, aqueles dossiês que lhe deixei na secretária do seu gabinete têm-se revelado muito úteis.

Quando William entrou na sala de audiências 22, a primeira coisa que viu foi Arthur Rainsford a descer os degraus que levavam do banco dos acusados às celas lá em baixo, acompanhado por um polícia.

— Por hoje, acabou — disse Beth, enquanto ele se sentava ao lado dela. — Por isso, o melhor é irmos para casa.

William pensou em dar uma palavrinha ao pai, mas viu que ele estava embrenhado numa conversa com Grace e decidiu não os interromper. Beth deu-lhe a mão, mas não disse palavra até terem saído do edifício e estarem na rua.

— A tua irmã foi magistral no interrogatório ao professor Abrahams — disse ela enquanto atravessavam a rua.

— O meu pai deixou que a Grace interrogasse a testemunha principal? — perguntou William, incrédulo.

— E o Abrahams foi tão convincente, que o advogado de acusação nem sequer se deu ao trabalho de contrainterrogá-lo.

— Mais uma vez, subestimei o velhote — disse William. — Mas a Grace conseguiu provar que havia uma página em falta?

— Quando o professor Abrahams saiu do banco das testemunhas, até o advogado principal da Coroa aceitou que o depoimento tinha três páginas — disse Beth, enquanto se juntavam à fila para o autocarro.

— Isso são ótimas notícias. E os juízes? No fim de contas, as opiniões deles são as únicas que interessam.

— Não há forma de saber. Tal como jogadores de póquer experientes, não deixam transparecer nada.

— Quem é o próximo a ser trucidado pelo meu pai? — perguntou William, depois de entrarem para o autocarro.

— O inspetor Clarkson, o antigo parceiro do Stern.

— Ele é mais fraco do que o Stern, por isso é muito bem capaz de ceder sob pressão.

— Como é que sabes?

— Quem me dera que tivesses visto o Hawksby no banco das testemunhas — disse William. — Até o júri ficou impressionado.

Beth percebeu a mensagem e não insistiu.

— Então, o Booth Watson não lhe fez a vida negra?

— Não, nem sequer o contrainterrogou. Já devia ter decidido que não ganhava nada com isso.

— E que tal o testemunho do Faulkner?

— Impressionante — admitiu William —, ainda que não tenha sido completamente convincente. Pareceu tudo demasiado ensaiado e ele não parou de culpar a mulher.

— Com certeza que o júri não vai gostar disso.

— Ontem, o Booth Watson arrasou a Christina. — William arrependeu-se imediatamente de ter dito «Christina» e prosseguiu rapidamente. — E hoje o Faulkner ajudou à festa. E também fez uma promessa que nos apanhou a todos de surpresa, embora não me pareça que faça tenção de cumpri-la.

— Que ia oferecer o Rubens ao Fitzmolean?

— Como sabias disso?

— Telefonei para a galeria durante a pausa do almoço e o Tim Knox disse-me que o Booth Watson tinha ligado para lhe dizer que o Faulkner ia doar o Rubens assim que o julgamento terminasse.

— Isso soa nitidamente a suborno — disse William, ao mesmo tempo que o autocarro parava na Fulham Road. — Com certeza que o júri vai perceber isso, não?

— Talvez devesses dar o benefício da dúvida ao Faulkner, para variar.

— Receio que seja exatamente isso que o júri vá fazer. Mas vai ser preciso muito mais do que isso para me convencer de que ele não teve o Rembrandt consigo nos últimos sete anos.

— Achas que alguma vez iremos conseguir passar um dia inteiro sem discutir um dos casos?

— Isso vai depender de o teu pai ser libertado e de o Faulkner ficar preso durante muito tempo.

— Mas e se for ao contrário?