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Quando o agente Warwick saiu da estação de metro de St. James’s Park, a primeira coisa que viu do outro lado da rua foi a icónica placa triangular giratória que anunciava a New Scotland Yard. Fitou-a com respeito e apreensão, tal como um aspirante a ator ao aproximar-se do National Theater ou um artista ao entrar pela primeira vez no pátio da Royal Academy. Puxou a gola para cima, para se proteger do frio cortante, e juntou-se à debandada de gente madrugadora a caminho do trabalho.
Atravessou a Broadway Street e continuou a andar em direção à sede da Polícia Metropolitana, um edifício de dezanove pisos envolto em anos de fuligem e crime. Apresentou o cartão de identificação ao polícia que estava à porta e dirigiu-se para a receção, onde uma jovem o brindou com um sorriso.
— Sou o agente Warwick e tenho encontro marcado com o comandante Hawksby.
Ela passou o dedo pela agenda matinal.
— Ah, sim! O gabinete do comandante fica no quinto andar, ao fundo do corredor.
William agradeceu-lhe e encaminhou-se para os elevadores, mas quando viu a quantidade de pessoas que estava à espera decidiu ir pelas escadas. Quando chegou ao primeiro andar, DROGAS, continuou a subir. Passou pela divisão de FRAUDE, no segundo, e pela de HOMICÍDIOS, no terceiro, até chegar finalmente ao quinto andar, onde foi saudado pela placa que identificava a divisão como LAVAGEM DE DINHEIRO, ARTE E ANTIGUIDADES.
Empurrou a porta que dava para um corredor comprido e bem iluminado. Caminhou devagar, ciente de que ainda tinha algum tempo. «É melhor chegar uns minutos adiantado do que um minuto atrasado», de acordo com o evangelho de São Julian. Havia luzes acesas em todos os gabinetes por que passava. A luta contra o crime não conhecia horas. Havia uma porta entreaberta e William susteve a respiração quando viu um quadro que estava encostado à parede do fundo.
Dois homens e uma mulher examinavam o quadro com todo o cuidado.
— Bom trabalho, Jackie — disse o homem mais velho, com um sotaque tipicamente escocês. — Um triunfo pessoal.
— Obrigada, chefe — replicou ela.
— Esperemos — disse o homem mais novo, apontando para o quadro — que isto ponha o Faulkner atrás das grades durante seis anos, pelo menos. Deus sabe há quanto tempo estamos à espera de apanhar esse filho da mãe!
— Concordo, inspetor Hogan — disse o homem mais velho, que se virou e viu William especado à porta. — Posso ajudá-lo? — perguntou rispidamente.
— Não, senhor, obrigado. — Fred avisara-o de que, enquanto fosse um simples agente da polícia, devia tratar toda a gente por senhor e senhora. Dessa forma, era impossível enganar-se na forma de tratamento. — Estava apenas a admirar o quadro.
O homem mais velho preparava-se para fechar a porta quando ele acrescentou:
— Já vi o original.
— Este é o original — disse a mulher, parecendo irritada.
— Isso não é possível — disse William.
— Como pode estar tão certo disso? — quis saber a colega.
— O original costumava estar exposto no Museu Fitzmolean, em Kensington, até ter sido roubado aqui há uns anos. Um crime que ainda não foi solucionado.
— Acabámos de o fazer — disse ela com convicção.
— Não me parece — respondeu William. — O original estava assinado por Rembrandt no canto inferior direito com as suas iniciais, RvR.
Os três polícias olharam para o canto inferior direito da tela, mas não havia sinal de quaisquer iniciais.
— O diretor do Fitzmolean, Tim Knox, há de vir ter connosco dentro de uns minutos, meu rapaz — disse o homem mais velho. — Confio mais na opinião dele do que na sua.
— Claro — disse William.
— Faz alguma ideia de quanto vale este quadro? — perguntou a mulher.
William entrou na sala e analisou a tela com mais atenção. Achou melhor não lhe recordar as palavras de Oscar Wilde sobre a diferença entre valor e preço.
— Não sou perito — disse —, mas diria que vale entre duzentas e trezentas libras.
— E o original? — indagou a jovem num tom menos confiante.
— Não faço ideia, mas todas as grandes galerias do mundo inteiro iriam querer juntar uma obra-prima como esta à sua coleção, sem falar em vários colecionadores para quem o dinheiro não seria impedimento.
— Nesse caso, não faz a mínima ideia de quanto vale? — perguntou o polícia mais novo.
— Não, senhor. Um Rembrandt com esta qualidade raramente aparece no mercado aberto. O último a ser leiloado foi na Sotheby Parke Bernet, em Nova Iorque.
— Nós sabemos onde fica a Sotheby Parke Bernet — disse o homem mais velho, não fazendo o mais pequeno esforço para esconder o seu sarcasmo.
— Nesse caso, saberão que foi arrematado por vinte e três milhões de dólares — disse William, arrependendo-se imediatamente das suas palavras.
— Estamos todos muito gratos pela sua opinião, meu rapaz, mas não se prenda por nós, pois terá certamente coisas mais importantes para fazer — disse o outro, acenando com a cabeça em direção à porta.
William tentou bater em retirada de forma civilizada, mas assim que voltou ao corredor ouviu a porta fechar-se com firmeza atrás de si. Olhou para o relógio: 7h57. Apressou-se em direção ao fundo do corredor, não querendo chegar atrasado ao seu compromisso.
Bateu a uma porta que anunciava em letras douradas «Comandante Jack Hawksby» e entrou, deparando-se com uma secretária sentada a uma mesa. Ela parou de datilografar, olhou para ele e disse:
— Agente Warwick?
— Sim — disse ele com nervosismo.
— O comandante está à sua espera. Faça o favor de entrar — informou ela, apontando para outra porta.
William bateu uma segunda vez e esperou até ouvir dizer:
— Entre.
Um homem de meia-idade elegantemente vestido, com olhos azuis penetrantes e uma testa enrugada que o fazia parecer mais velho do que era, levantou-se por detrás da sua secretária. Hawksby apertou a mão estendida de William e apontou para uma cadeira do outro lado da secretária. Abriu um dossiê e analisou-o durante alguns instantes antes de falar.
— Deixe-me começar por lhe perguntar se, por acaso, tem algum parentesco com o advogado Sir Julian Warwick…
O coração de William caiu-lhe aos pés.
— É o meu pai — respondeu, presumindo que a entrevista estava prestes a terminar prematuramente.
— Um homem por quem tenho grande admiração — disse Hawksby. — Nunca viola as regras, nunca contorna a lei, mas ainda assim defende até os vigaristas mais duvidosos como se fossem santos, e não creio que santos sejam coisa que ele veja muito no exercício da profissão.
William riu-se nervosamente.
— Queria encontrar-me consigo pessoalmente — continuou Hawksby, que claramente não era homem para perder tempo com conversa fiada — por ter sido o primeiro classificado no exame para inspetor, e por uma margem considerável.
Ele nem sequer sabia que tinha passado.
— Parabéns! — acrescentou o comandante. — Também reparei que é licenciado e que optou por não tirar partido do nosso esquema de promoção acelerada.
— Não, senhor. Queria…
— Provar o seu valor, tal como eu fiz. Agora, como sabe, Warwick, se quiser tornar-se inspetor, terá de ser transferido para outro departamento. Com isso em mente, decidi enviá-lo para Peckham, para aprender os truques do ofício. Se prestar para alguma coisa, voltarei a vê-lo daqui a dois anos e, nessa altura, decidirei se está pronto para se juntar a nós aqui, na Scotland Yard, e enfrentar os criminosos da primeira divisão ou se deverá manter-se na periferia e continuar a sua aprendizagem.
William permitiu-se um sorriso e recostou-se na cadeira, mas ficou imediatamente chocado com a pergunta seguinte do comandante.
— Tem a certeza absoluta de que quer ser inspetor?
— Sim, senhor. Desde os oito anos.
— Não vai lidar com os criminosos de colarinho branco a que o seu pai está habituado, mas com a pior escumalha à face da terra. Terá de enfrentar todo o tipo de coisas, desde o suicídio de uma grávida que já não aguenta ser vítima de abuso por parte do companheiro até encontrar um jovem toxicodependente pouco mais velho do que você com uma agulha espetada no braço. Sinceramente, nem sempre irá conseguir adormecer à noite. E o seu salário será inferior ao de um gerente de supermercado.
— O senhor fala como o meu pai e ele não conseguiu dissuadir-me.
O comandante levantou-se.
— Então, que assim seja, Warwick. Até daqui a dois anos.
Voltaram a trocar um aperto de mão; a entrevista obrigatória tinha chegado ao fim.
— Obrigado — disse William.
Depois de fechar cautelosamente a porta ao sair, só lhe apetecia dar pulos e festejar, até que viu três figuras especadas no gabinete de entrada a olhar para ele.
— Nome e posto? — indagou o homem mais velho com quem falara antes.
— Warwick. Agente William Warwick.
— Certifique-se de que o agente Warwick não sai de onde está — disse o homem para a mulher jovem, antes de bater à porta do comandante e entrar.
— Bom dia, Bruce — disse Hawksby. — Soube que está prestes a deter o Miles Faulkner. Já não era sem tempo.
— Receio que não seja bem assim, mas não era por isso que queria falar consigo… — foi tudo quanto William ouviu antes de a porta se fechar.
— Quem é ele? — perguntou à mulher.
— Inspetor-chefe Lamont. Chefia a Brigada de Arte e Antiguidades e presta contas diretamente ao comandante Hawksby.
— Você também trabalha para essa unidade?
— Sim. Sou a inspetora Roycroft e o Lamont é o meu chefe.
— Estou metido em problemas?
— Até ao pescoço, agente Warwick. Digamos apenas que não gostaria de estar no seu lugar.
— Mas eu estava só a tentar ajudar…
— E, graças à sua ajuda, conseguiu comprometer sozinho uma operação de infiltração que durava há seis meses.
— Mas como?
— Desconfio que estará prestes a descobrir — disse a inspetora Roycroft, ao mesmo tempo que a porta se abria e o inspetor-chefe Lamont voltava a aparecer, fulminando William com o olhar.
— Entre, Warwick — disse ele. — O comandante quer ter uma conversa consigo.
William entrou a medo no gabinete de Hawksby, presumindo que estava prestes a ser mandado de volta ao seu trabalho como polícia de giro. O sorriso do comandante tinha dado lugar a uma expressão carrancuda e, desta vez, ele nem sequer se deu ao trabalho de apertar a mão ao agente 565LD.
— Você é uma praga, Warwick — disse —, e posso dizer-lhe desde já que não vai para Peckham.