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TUTELA PROCESSUAL
DE PROTEÇÃO AMBIENTAL

7.1 INTRODUÇÃO

A Declaração do Rio, de 1992, constituindo um dos mais importantes documentos da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assevera no Princípio 10 que:

[...] deve ser proporcionado acesso aos procedimentos judiciais e administrativos, incluindo compensação e reparação.

Tendo em conta a já demonstrada importância da proteção do meio ambiente para a própria sobrevivência da humanidade, verifica-se também, segundo José Afonso da Silva,1 que o ordenamento jurídico – competente para tutelar o interesse público – há que dar resposta coerente e eficaz para essa nova necessidade social. Em decorrência, portanto, deste novo anseio comunitário e universal acabou sendo reconhecido um novo direito fundamental, tendo como objeto justamente a proteção jurídica do meio ambiente na condição de bem fundamental.

Assim, pelo prisma constitucional, o ambiente constitui-se em bem jurídico tutelado pela nossa Constituição Federal. Tendo em conta a sua expressa presença no texto constitucional, mas fora do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), passamos a buscar uma fundamentação jurídico-constitucional adequada para que possa, na esteira do que já vem entendendo boa parte da doutrina2 e jurisprudência3, ser a proteção do meio ambiente reconhecida como direito (e também como dever) fundamental da pessoa humana na nossa ordem constitucional.

A Carta Federal de 1988, em seu artigo 225, por meio de mandamento expresso pela soberania popular, impôs ao legislador e, principalmente, ao aplicador do Direito, uma vez que o intérprete é o último sujeito a positivar a norma, conforme o dizer de Freitas,4 a dar concretude ao disciplinado pela norma disposta no caput do artigo 225 da Constituição:

O intérprete constitucional, ao realizar a exegese das normas fundamentais, deve levar em consideração o sentido atual e vigente do disposto na Constituição, uma vez que sua função ao interpretar a norma é assegurar a sua efetividade social.

Ao incluir o meio ambiente como um bem jurídico passível de tutela, o constituinte delimitou a existência de uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista ser no meio ambiente o espaço em que se desenvolve a vida humana. Nesse contexto, os direitos e garantias fundamentais encontram seu fundamento na dignidade da pessoa humana, mesmo que de modo e intensidade variáveis.5

Dessa forma, a proteção ao Ecossistema no qual estamos inseridos, e dele fazemos parte,6 foi concebida para respeitar o processo de desenvolvimento econômico e social, ou seja, com o escopo de conservação/alterações produzidas por decisão democrática socioindividualmente constituída para que o ser humano desfrute de uma vida digna, e somente assim deve ser interpretado. Juarez Freitas7 disciplina de forma clara a questão, ao dispor que o intérprete do direito deve procurar aglutinar os melhores princípios e valores da sociedade no período temporal vigente.

Conclui-se, portanto, que toda a matéria relacionada, direta ou indiretamente, com a proteção ao meio ambiente, projeta-se no domínio dos direitos fundamentais. Esta vinculação ocorre não somente pela inserção sistemática do meio ambiente no âmbito dos direitos fundamentais, mas, principalmente, por ser o Estado Democrático de Direito a garantia, a promoção e a efetivação desses direitos.

Podemos qualificar o direito à proteção ambiental como um legítimo direito fundamental, uma vez que diz diretamente com a própria dignidade8 da vida. Ingo Sarlet9 acrescenta que os direitos fundamentais integram um sistema no âmbito da Constituição, salientando que os direitos fundamentais são, na verdade, concretizações do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, consagrado expressamente em nossa Carta. Assim, como legítimo protetor da dignidade da pessoa humana e, muito além, como legítimo protetor da dignidade da vida como um todo, o direito à proteção ambiental é, indubitavelmente, um direito fundamental em nosso Ordenamento Jurídico.

7.2 A TUTELA PROCESSUAL

Por tratar-se o meio ambiente de direito fundamental de terceira dimensão, bem de uso comum do povo, de titularidade difusa, transindividual, de dupla funcionalidade, também deverá receber uma tutela processual diferenciada. O escopo deste capítulo é despertar o leitor para a rica pesquisa e discussão em torno da tutela processual constitucional coletiva que visa proteger bens tão relevantes como o meio ambiente ou as relações de consumo.

A proteção processual patrimonialista individual prevista e tutelada no Código Processual Civil brasileiro não se presta para aplicação imediata à proteção do meio ambiente como bem jurídico fundamental, por exemplo. Desta feita, outras formas de tutela processual devem ser buscadas para a proteção da flora, da fauna, das estruturas abióticas, do ambiente artificial, do próprio homem.

Souza defende que

“O sistema jurídico clássico construído para a tutela dos direitos individuais não conseguiu mais dar respostas completas às complexas relações sociais travadas por esta nova sociedade, competitiva, confusa, desigual, exigindo a construção de uma nova ordem jurídica. Esta, por sua vez, passou a proteger, de forma diferenciada, os direitos difusos, coletivos e os individuais homogêneos, criando novas formas de tutela, capazes de dar respostas a essas novas demandas da sociedade.”10

Na realidade, estamos em busca dos instrumentos postos à disposição da coletividade e do próprio Estado para a proteção do ambiente, seja em face da coletividade ou mesmo do próprio Estado. As ações coletivas protegem direitos e bens jurídicos que, em virtude da dimensão de seus titulares e indivisibilidade de seu objeto, não conseguiam obter uma real e justa tutela jurisdicional, uma vez que o aparato processual disponível para tutelar tais bens se mostrava incapacitado. Souza bem traduz a complexidade da situação, ou o sistema é protegido ou a vida será comprometida.11 Destacamos:

AÇÃO

DIPLOMA LEGAL

Ação Popular

Lei n.º 4.717/1965

Ação Civil Pública

Lei n.º 7.347/1985

Mandado de Segurança

Lei n.º 12.016/2009

Mandado de Injunção

Segue a regulamentação do MS

Tutela Específica do CPC

Art. 461 do CPC

7.2.1 Ação popular

A ação popular é um dos maiores instrumentos de democracia que possuímos como forma de ação. Trata-se de um remédio constitucional que é disponibilizado a todo cidadão, ou seja, a todo aquele que possua título de eleitor e que esteja em dia com os seus direitos políticos, para controlar o bem público ou mesmo a administração pública. No caso do meio ambiente, em tudo aquilo que a administração pública venha a prejudicar os recursos naturais ou o meio ambiente como um todo. Trata-se, na realidade, da defesa da coisa pública, da defesa da coisa do povo.

Não é objeto deste capítulo analisar as origens do instituto, sejam elas próximas ou remotas. Contudo, é relevante abordar como as nossas constituições trataram a questão. A primeira Constituição brasileira a dar abrigo à Ação Popular foi a de 1934, no inciso 38 do artigo 113, que dispunha o seguinte: “Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios”.

Almeida12 assevera que a ação popular não sobreviveu ao Estado Novo. Na realidade, podemos afirmar que, com a importação de um modelo constitucional ditatorial, como foi o caso da Constituição de 1937, não havia mesmo como se sustentar uma ação que instiga a participação cidadã. Em 1946, a ação retorna a ordenamento constitucional e com o objeto ampliado, mantendo-se em 1967.

A atual Constituição Federal, de 1988, veio regular a ação popular no inciso LXXIII do artigo 5º, disciplinando que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio publico, histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.

Amaral, com quem corroboramos, assevera que, de todos os textos constitucionais, o mais avançado e mais abrangente é o atual, haja vista tenha ampliado subjetiva e objetivamente o instituto em questão.13 Podemos resumir:

Evolução Histórica

Descrição

1824 – Constituição Imperial

Omissa

1891 – 1.ª Constituição Imperial

Omissa

1934 – art. 113, n.º 38

Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios

1937 – “A Polaca”

Suprimiu-a do texto constitucional

1946 – art. 141, § 38

Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio da União, dos Estados, dos Municípios, das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista.

1967 – Art. 150, § 31

Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.

1969 – EC n.º 01 – art. 153, § 31

Qualquer cidadão será parte legítima para propor ação popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas.

1988 – art. 5.º, LXXIII

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

7.2.1.1 Requisitos

Para o perfeito ajuizamento da Ação Popular (AP) em prol da defesa do ambiente, conforme a regulamentação da Lei n.º 4.717/1965, devemos atentar para os seguintes tópicos:

Legitimidade Ativa14

Só pode ser proposta por cidadão brasileiro, ou seja, pessoa natural que esteja no gozo de seus direitos políticos. Não podem propor, portanto, estrangeiros, partidos políticos, entidades de classe, inalistáveis e pessoa jurídica.

Legitimidade Passiva

A administração.

Existência de ilegalidade ou ilegitimidade do ato

O ato impugnado deve apresentar ilegalidade ou ilegitimidade na sua formação ou na sua origem.

Lesividade do ato

O ato deve ser lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Ofensa ao patrimônio

O ato deve ofender o patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, ou a moralidade administrativa, o meio ambiente ou o patrimônio histórico e cultural.

Importante lembrar:

Súmula n.º 365 do STF: pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular.

7.2.1.2 Finalidade

A Ação Popular apresenta três finalidades específicas: repressiva, preventiva e supletiva.

•  Repressiva: visa corrigir atos danosos consumados.

•  Preventiva: visa agir antes da consumação dos efeitos lesivos do ato, podendo o ato ser suspenso liminarmente, com o escopo de evitar o dano.

•  Supletiva: visa obrigar a administração, que está omissa, a atuar para evitar ou reprimir o dano.

7.2.1.3 Objeto

O objeto da Ação Popular é o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

•  Ato: a lei de efeitos concretos, o decreto, a resolução, a portaria, o contrato, o ato administrativo, ou seja, toda a manifestação de vontade da administração danosa aos interesses da comunidade.

7.2.1.4 Competência

Será determinada pela origem do ato impugnado e será SEMPRE em primeiro grau de jurisdição.

•  Originando-se de um funcionário, órgão ou entidade ligado à União, será competente o juiz da Seção Judiciária Federal do local onde o ato foi praticado.

•  Originando-se de funcionário, órgão ou entidade ligada ao Estado, será competente o juízo indicado na lei de organização judiciária estadual.

•  Se a origem do ato for municipal, será o juiz da comarca onde o ato foi praticado.

7.2.1.5 Processo e procedimento

•  A Ação Popular segue o Rito Ordinário;

•  No despacho inicial, o juiz ordenará a citação de todos os responsáveis pelo ato impugnado;

•  A citação será pessoal para os que praticaram o ato e por edital aos beneficiários;

•  A intimação do Ministério Público é obrigatória;

•  O juiz requisitará os documentos necessários marcando um prazo de 15 a 30 dias para cumprimento;

•  Possibilidade de suspensão liminar do ato;

–  Não concedida: agravo de instrumento.

–  Concedida: agravo de instrumento, correição parcial e mandado de segurança. Ou pedido de cassação de liminar dirigida ao presidente do Tribunal competente.

•  Nomeará curador especial aos citados por edital que forem revéis;

•  Prazo para a Contestação: 20 dias prorrogáveis por mais 20;

•  O prazo é comum a todos;

•  Inadmissível a reconvenção;

•  Desistência do autor: serão publicados editais, ficando assegurado a qualquer cidadão ou mesmo ao Ministério Público dar prosseguimento ao processo.

7.2.1.6 Sentença

•  Procedente:

–  O juiz deverá decretar:

-  A invalidade do ato;

-  A condenação ao ressarcimento de perdas e danos por parte dos responsáveis que tiverem agido com dolo ou culpa, assim como dos beneficiário;

-  Haverá ação regressiva contra os responsáveis que não integraram a lide;

-  A condenação abrange as custas e os honorários advocatícios.

•  Improcedente:

–  Autor vencido:

–  Fica isento das custas;

-  Fica isento do ônus da sucumbência;

-  SALVO se restar comprovada a má-fé.

7.2.2 Ação Civil Pública

A Ação Civil Pública (ACP) adveio com a Lei 7.347/1985 (LACP) e acabou por se consagrar como o instrumento processual a ser utilizado para tutelar o meio ambiente no Brasil. O preâmbulo da lei regula que esta veio para dispor acerca da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, aos consumidores, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração à ordem econômica ou urbanística. Apesar do apelido, trata-se de verdadeira ação coletiva, haja vista não se tratar apenas de uma ação pública, apesar de ser uma ação civil.

Sílvia Capelli destaca que o Ministério Público é o responsável “pela maioria esmagadora das ações em trâmite”,15 no concernente à proteção e tutela do meio ambiente. O que de fato é verídico. O papel do órgão do parquet é vital para a sobrevivência da proteção de muitas das ações e de muitos dos bens ambientais. Contudo, urge ressaltar que os demais colegitimados só não fazem mais uso desse poder imbuído pelo legislador, e aqui fazendo uma leitura empírica das proposituras das ações, em razão das dificuldades de se arcar com os valores das provas periciais. Salientamos ainda que houve uma abertura no catálogo de legitimados ativos no início do ano de 2007, concedendo-se à Defensoria Pública a capacidade de propor ações civis públicas.

Para o perfeito ajuizamento da Ação Civil Pública em prol da defesa do ambiente, devemos atentar para os seguintes tópicos:

Legitimidade Ativa

Ministério Público;

Defensoria Pública;

União, Estados, Distrito Federal e os Municípios;

Autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

Associação;16-17

Legitimidade Passiva

Qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado.

Ressaltamos que, no que concerne às associações como legitimadas ativas, deve-se observar o seguinte:

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A Ação Civil Pública tem por finalidade buscar a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:

•  Ao meio ambiente;

•  Ao consumidor;

•  À ordem urbanística;

•  A bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

•  Por infração da ordem econômica.

A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

A competência é fixada pelo lugar onde ocorreu o fato. É funcional, absoluta e improrrogável.

Art. 2.º. As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

A LACP prevê a existência e a prática do Inquérito Civil (IC) e do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O que se deve ter bastante claro para a prova é o que segue:

Inquérito Civil

Termo de Ajustamento de Conduta

Procedimento administrativo exclusivo do Ministério Público (estadual e federal).

Atividade desenvolvida pelo Ministério Público e por órgãos da administração responsáveis pela proteção do ambiente.

Inquisitorial, formal e público

Constitui título executivo extrajudicial

Art. 8.º, § 1.º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis (LACP).

Art. 5.º, § 6.° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial (LACP).

7.2.3 Mandado de Segurança

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5.º, disciplinou um dos maiores remédios constitucionais para a proteção dos direitos do cidadão e, em especial, dos direitos fundamentais. Partindo-se do caput do art. 225 da Constituição de 1988, tem-se que é direito de todos o ambiente ecologicamente equilibrado e, portanto, passível de ser protegido pelo manto do mandado de segurança.

LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

A natureza processual do MS é de uma ação constitucional de natureza civil, que tramita por rito sumário especial. Destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, por meio de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade. Ordem que deve ser cumprida pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial.

A finalidade é a invalidação de atos de autoridade ou a supressão de efeitos de omissões administrativas capazes de lesar direito individual ou coletivo, líquido e certo.

Direito individual para fins de MS é o que pertence a quem invoca e não apenas à sua categoria, corporação e associação de classe. É direito próprio do impetrante. Se o direito for de outrem, não autoriza o MS, podendo ensejar a AP ou a ACP.

Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. O direito invocado, para ser amparável por MS, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante. Se sua existência for duvidosa, se sua extensão ainda não estiver delimitada, não se aplica o MS.

Vai se exigir para a aplicação do MS fatos comprovados de plano, ou seja, junto à inicial. As provas tendentes a demonstrar a liquidez e certeza do direito devem acompanhar a inicial, por isso se exige prova pré-constituída.

O objeto da ação será sempre a correção de ao ou omissão de autoridade, desde que ilegal e ofensivo de direito individual ou coletivo, líquido e certo, do impetrante. Este ato poderá provir de autoridade de qualquer dos três poderes. Só não se admite MS contra atos meramente normativos (lei em tese), contra a coisa julgada e contra os atos interna corporis.

A competência define-se pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional.

Atenção: como é de conhecimento de todos, a regulamentação do MS foi alterada em 2009, com a edição da Lei 12.016, e, em face disso, passamos a destacar alguns tópicos.

O MS pode ser classificado como repressivo ou preventivo. Normalmente é repressivo de uma ilegalidade já cometida, mas pode ser preventivo de uma ameaça de direito líquido e certo do impetrante. Não basta a suposição de um direito ameaçado; exige-se um ato concreto que possa por em risco o direito do postulante.

Destacamos o Mandado de Segurança Individual:

MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL

Legitimidade Ativa

•   pessoa física ou jurídica, órgão público ou universalidade legal – com prerrogativa ou direito próprio a defender e que esse direito se apresente líquido e certo ante o fato impugnado.

•   Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança.

•   O titular de direito líquido e certo decorrente de direito, em condições idênticas, de terceiro poderá impetrar mandado de segurança a favor do direito originário, se o seu titular não o fizer, no prazo de 30 (trinta) dias, quando notificado judicialmente.

Direitos Protegidos

•   proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.

Legitimidade Passiva

•   autoridade pública ou a elas equiparadas (os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições).

Sentença

•   Concedido o mandado, o juiz transmitirá em ofício, por intermédio do oficial do juízo, ou pelo correio, mediante correspondência com aviso de recebimento, o inteiro teor da sentença à autoridade coatora e à pessoa jurídica interessada.

•   Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.

Prazo de impetração

•   O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado.

Destacamos o Mandado de Segurança Coletivo:

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Legitimidade Ativa

•   partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária.

•   organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.

Direitos Protegidos

•   coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica.

•   individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.

Legitimidade Passiva

•   autoridade pública ou a elas equiparadas (os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições).

Sentença

•   fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.

Litispendência

•   não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

7.2.4 Mandado de Injunção

Alguns autores apontam a origem dessa ação constitucional no writ of injunction do direito norte-americano, que consiste em remédio de uso frequente, com base na chamada jurisdição de equidade, aplicando-se sempre quando a norma legal se mostra insuficiente ou incompleta para solucionar, com justiça, determinado caso concreto. Outros autores optam por defender a origem desse remédio constitucional mediante o legado do direito lusitano, tendo como única finalidade a advertência do Poder competente omisso. Contudo, apesar da divergência de entendimento doutrinal, seja da origem anglo-saxônica ou lusitana, o conceito, a estrutura e a finalidade do mandado de injunção que nasce na Carta de 1988 não correspondem a nem um nem outro. Cabendo, portanto, à doutrina e à jurisprudência pátrias a definição dos contornos e objetivos desse importante instrumento constitucional de combate à inefetividade das normas constitucionais que não possuam aplicabilidade imediata.

Conceito: o mandado de injunção consiste em uma ação constitucional de caráter civil e de procedimento especial, que visa suprir uma omissão do Poder Público, no intuito de viabilizar o exercício de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa prevista na Constituição Federal. Visa o combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais.18

Na Constituição Federal destaca-se o Mandado de Injunção junto ao inciso LXXI do art. 5.º:

Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

No que concerne ao cabimento, o Mandado de Injunção (MI), para ser corretamente utilizado, deverá preencher determinados requisitos:

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Quanto às características do instituto, cumpre salientar que o Mandado de Injunção pressupõe a existência de nexo de causalidade entre a omissão normativa do Poder Público e a inviabilidade do exercício do direito, liberdade ou prerrogativa.

O Mandado de Injunção não está vinculado a todas as normas constitucionais, mas tão somente àquelas de eficácia limitada que necessitam de regulamentação para alcançar a sua finalidade.

Legitimidade Ativa: o Mandado de Injunção poderá ser ajuizado por qualquer pessoa cujo exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucional esteja sendo inviabilizado, em virtude da falta de norma reguladora.

Note-se que, mesmo na ausência de expressa previsão legal na CF, é plenamente possível o MI Coletivo, tendo sido reconhecida a legitimidade para as associações de classe devidamente constituídas, nos mesmos termos exigidos para o Mandado de Segurança Coletivo. Desde 1996, a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de admitir a utilização, pelos organismos sindicais e pelas entidades de classe, do MI, com a finalidade de viabilizar em favor dos membros ou associados dessas instituições o exercício de direitos assegurados pela CF.

Legitimidade Passiva: o sujeito passivo será sempre pessoa estatal, pois somente aos entes estatais pode ser imputável o dever jurídico da emanação de provimentos normativos. Somente ao Poder Público é imputável o encargo constitucional de emanação de provimento normativo para dar aplicabilidade à norma constitucional.

O efeito da decisão do MI já passou por inúmeros posicionamentos junto ao Supremo Tribunal Federal. Hodiernamente, o posicionamento que se mantém é o efeito concretista geral19 em face dos Mandados de Injunção de n.ºs 670, 708 e 712, vinculados à regulamentação do direito de greve.

___________

1   J. A. da Silva, Direito Ambiental Constitucional, p. 36.

2   Dentre os doutrinadores nacionais, podemos citar P. Bonavides, I. W. Sarlet e J. A. da Silva. Na doutrina estrangeira salientamos, como exemplo, J. J. G. Canotilho, J. Miranda e J. C. Vieira de Andrade.

3   Os Tribunais brasileiros já têm respondido a demandas de caráter ambiental, por intermédio das quais a sociedade busca a proteção do meio ambiente. Como exemplo, podemos citar uma decisão do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região: “As praias são bens públicos e devem ser preservados para uso comum do povo. Todo e qualquer ato causador de degradação ao meio ambiente estará sujeito à intervenção e controle do Poder Público tal como assegura a CF em vigor (art. 225). As construções de bares sem as mínimas condições higiênicas, em plena orla marítima, não só prejudicam o bem-estar da coletividade quando degradam o meio ambiente. Padecem de nulidade os atos praticados pela Prefeitura do Município, que permitiu a edificação dos referidos bares em terrenos de marinha, pertencentes à União Federal, sem autorização legal (TRF 5.ª R. – REO AC 26.101 – PE – 3.ª T. – Rel. Juiz José Maria Lucena – DJU 10.03.1995).

4   J. Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, p. 151, no que diz “O sistema, em sua abertura (...) não prospera senão no intérprete em sua idêntica abertura e vocação para ser o positivador derradeiro do Direito”.

5   I. W. Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 81-82 e v. também J. Miranda, Manual de Direito Constitucional, v. IV, p. 181 e J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 102, quando diz que o princípio da dignidade da pessoa humana radica na base de todos os direitos fundamentais constitucionalmente consagrados.

6   Quando afirmamos que, além de estarmos inseridos no ambiente natural, fazemos parte dele, significa dizer que o homem não está desvinculado ou apartado, o homem faz parte do meio tal como um igual, é parte da teia da vida.

7   J. Freitas, Op. cit., p. 152.

8   Cumpre destacar: “(...) sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental indicia que não mais está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral constitua, em última análise, exigência da vida humana e vida humana com dignidade” (Ingo Sarlet).

9   I. W. Sarlet, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 73.

10   SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. “A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia” in LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo, Aspectos Processuais do Direito Ambiental, p. 231.

11   SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. “A tutela jurisdicional do meio ambiente e seu grau de eficácia” in LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo, Aspectos Processuais do Direito Ambiental, p. 231.

12   ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 383.

13   AMARAL, Gregório Assagra, Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 385.

14   Há quem sustente que a legitimidade para a AP tenha sofrido uma ampliação com o advento da Constituição de 1988. É certo que, hodiernamente, não se pode mais resumir o cidadão ao que se encontra alistado junto à Justiça Eleitoral, é muito mais do que isso. Contudo, em que pese posições contrárias, corroboramos o entendimento de Paulo Affonso Leme Machado ao afirmarmos que a legitimidade ativa é a do cidadão considerado pela alistabilidade eleitoral.

15   CAPELLI, Sílvia, “Acesso à Justiça, à Informação e Participação Popular em Temas Ambientais no Brasil” in LEITE, José Rubens Morato; DANTAS, Marcelo Buzaglo. Aspectos Processuais do Direito Ambiental, p. 297.

16   Conforme asseveram MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; e CAPELLI, Sílvia. Direito Ambiental. Porto alegre: Verbo Jurídico, 2008, p. 214: “atualmente, por força da interação do Código de Defesa do Consumidor e da Ação Civil Pública, até os entes despersonalizados da administração pública têm legitimidade para propô-la nas ações de proteção ao consumidor”.

17   Ainda no que concerne às associações, importante frisar que o requisito de estas estarem há pelo menos 1 (um) ano legalmente constituídas, pode ser relativizado como dispõe o art. 18 da LACP.

18   MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 164.

19   Ou seja, o efeito da decisão do mandado de injunção é “erga omnes”, independente de quem tenha sido o autor da ação.