Conclusão

Como conclusão, gostaríamos de apresentar simplesmente as três observações seguintes:


1ª) A concepção do Ego que propomos nos parece realizar a liberação do Campo transcendental ao mesmo tempo que sua purificação.

O Campo transcendental, purificado de toda estrutura egológica, recobra sua limpidez primeira. Em um sentido é um nada, uma vez que todos os objetos físicos, psicofísicos e psíquicos, todas as verdades, todos os valores estão fora dele, já que meu Moi cessou, ele mesmo, de fazer parte dele. Mas esse nada é tudo, pois é consciência de todos esses objetos. Não há mais “vida interior”, no sentido em que Brunschvicg[70] opõe “vida interior” e “vida espiritual”, porque não há nada mais que seja objeto e que possa ao mesmo tempo pertencer à intimidade da consciência. As dúvidas, os remorsos, as denominadas “crises de consciência” etc., em suma, toda a matéria dos diários íntimos, tornam-se simples representações. E talvez se pudesse tirar daí alguns sãos preceitos de discreção moral. Mas, além disso, é preciso notar que, desse ponto de vista, meus sentimentos e meus estados, meu Moi inclusive, deixam de ser minha propriedade exclusiva. Precisemos: até que fazia-se uma distinção radical entre a objetividade de uma coisa espaçotemporal ou de uma verdade eterna, e a subjetividade dos “estados” psíquicos. Parecia que o sujeito tivesse uma posição privilegiada em relação a seus próprios estados. Quando dois homens, de acordo com essa concepção, falam de uma mesma cadeira, eles estão falando certamente de uma mesma coisa; essa cadeira que alguém pega e levanta é que outra pessoa vê; não se trata apenas de correspondência de imagens, mas de um só objeto. Mas parecia que, quando Paulo tentava compreender um estado psíquico de Pedro, ele não podia atingir esse estado, cuja apreensão intuitiva pertencia apenas a Pedro. Ele podia apenas considerar um equivalente, criar conceitos vazios que tentassem inutilmente atingir uma realidade subtraída por essência à intuição. A compreensão psicológica se fazia por analogia. A fenomenologia veio nos ensinar que os estados são objetos[71], que um sentimento enquanto tal (um amor ou um ódio) é um objeto transcendente e não poderia contrair-se na unidade de interioridade de uma “consciência”. Consequentemente, se Pedro e Paulo falam ambos do amor de Pedro, por exemplo, não é mais verdade que um fala cega e analogicamente de algo que o outro apreende plenamente. Eles falam da mesma coisa; eles a apreendem sem dúvida por procedimentos diferentes, mas ambos são igualmente intuitivos. E o sentimento de Pedro não é mais certo para Pedro do que para Paulo. Ele pertence, tanto para um quanto para outro, à categoria de objetos que podem ser colocados em dúvida. Mas toda essa concepção profunda e nova permanece comprometida se o Moi de Pedro, esse Moi que odeia ou que ama, permanece uma estrutura essencial da consciência. O sentimento, com efeito, permanece apegado a ele. Esse sentimento “gruda” no Moi. Se atrairmos o Moi para a consciência, atrairemos o sentimento com ele. A nós pareceu, ao contrário, que o Moi era um objeto transcendente como o estado e que, por isso, ele era acessível a duas espécies de intuição: uma apreensão intuitiva pela consciência da qual é o Moi, uma apreensão intuitiva menos clara, mas não menos intuitiva, para outras consciências. Em uma palavra, o Moi de Pedro é acessível à minha intuição assim como à de Pedro, e nos dois casos é objeto de uma evidência inadequada. Se é assim, não há mais nada de “impenetrável” em Pedro a não ser sua própria consciência. Mas sua consciência é impenetrável. Queremos dizer que ela não é apenas refratária à intuição, mas ao pensamento. Não posso conceber a consciência de Pedro sem torná-la um objeto (pois não a concebo como sendo minha consciência). Não posso concebê-la porque seria necessário pensá-la como interioridade pura e transcendência ao mesmo tempo, o que é impossível. Uma consciência não pode conceder outra consciência além de si mesma. Assim podemos distinguir, graças à nossa concepção do Moi, uma esfera acessível à psicologia, na qual o método de observação externa e o método introspectivo têm os mesmos direitos e podem se prestar uma ajuda mútua – e uma esfera transcendental pura acessível apenas à fenomenologia.

Essa esfera transcendental a uma esfera de existência absoluta, quer dizer, de espontaneidades puras, que não são jamais objetos e que determinam sua própria existência. Sendo o Moi um objeto, é evidente que eu jamais poderia dizer: minha consciência, ou seja, a consciência de meu Moi (exceto em um sentido puramente designativo como se diz, por exemplo: o dia do meu batismo). O Ego não é proprietário da consciência, mas seu objeto. Certamente, nós constituímos espontaneamente nossos estados e nossas ações como produções do Ego. Mas nossos estados e nossas ações também são objetos. Jamais temos intuição direta da espontaneidade de uma consciência instantânea como produzida pelo Ego. Isso seria impossível. É apenas no plano das significações e das hipóteses psicológicas que podemos conceber uma produção semelhante – e esse erro só é possível porque nesse plano o Ego e a consciência estão no vazio. Nesse sentido, se compreendermos o “Eu penso” de maneira a fazer do pensamento uma produção do Eu, já teremos constituído o pensamento como passividade e como estado, quer dizer, como objeto; teremos deixado o plano da reflexão pura, na qual o Ego sem dúvida aparece, mas no horizonte da espontaneidade. A atitude reflexiva é expressa corretamente por essa famosa frase de Rimbaud (na carta do vidente): “Eu é um outro”. O contexto demonstra que ele quis simplesmente dizer que a espontaneidade das consciências não poderia emanar do Eu, mas que vai rumo ao Eu, ela o alcança, deixa que se o entreveja sob sua espessura límpida, mas ela se dá, antes de tudo, como espontaneidade individual e impessoal. A tese comumente aceita, segundo a qual nossos pensamentos brotariam de um inconsciente impessoal e se “personalizariam” ao tornar-se conscientes, parece-nos uma interpretação grosseira e materialista de uma intuição justa. Ela tem sido sustentada por psicólogos[72] que compreenderam muito bem que a consciência não “saía” do Eu, mas que não eram capazes de aceitar a ideia de uma espontaneidade que se produzisse a si mesma. Esses psicólogos, portanto, imaginaram ingenuamente que as consciências espontâneas “saíam” do inconsciente onde já existiam, sem perceber que tinham apenas feito retroceder o problema da existência, que afinal precisa ser formulado, e que o haviam obscurecido, pois a existência anterior das espontaneidades nos limites pré-conscientes seria necessariamente uma existência passiva.

Podemos, portanto, formular nossa tese: a consciência transcendental é uma espontaneidade impessoal. Ela se determina à existência a cada instante, sem que possamos conceber nada antes dela. Assim, cada instante de nossa vida consciente nos revela uma criação ex nihilo. Não um novo arranjo, mas uma nova existência. Existe algo angustiante para cada um de nós ao apreendermos assim no ato essa criação incansável de existência da qual nós não somos os criadores. Nesse plano o homem tem a impressão de escapar constantemente de si, de se transbordar, de surpreender-se por uma riqueza sempre inesperada, e é ao inconsciente que ele incumbe de dar conta dessa superação do Moi pela consciência. De fato, o Moi nada pode sobre essa espontaneidade, pois a vontade é um objeto que se constitui por e para essa espontaneidade. A vontade se dirige sobre os estados, sobre os sentimentos ou sobre as coisas, mas ela jamais se volta sobre a consciência. Podemos perceber isso bastante bem naqueles poucos casos em que se tenta querer uma consciência (eu quero adormecer, eu não quero mais pensar em tal coisa etc.). Nesses diferentes casos é necessário, por essência, que a vontade seja mantida e conservada pela consciência radicalmente oposta àquela que ela queria fazer nascer (se eu quero adormecer, eu permaneço desperto – se não quero pensar nesse ou naquele evento, penso nele precisamente por isso). Parece-nos que essa espontaneidade monstruosa está na origem de inúmeras psicastenias. A consciência se assusta com sua própria espontaneidade porque a sente para além da liberdade[73]. É o que se pode ver claramente em um exemplo de Janet[74]. Uma jovem esposa tinha um medo terrível, quando seu marido a deixava só, de colocar-se à janela e interpelar os passantes como uma prostituta. Nada em sua educação, em seu passado, nem em seu caráter serve para explicar semelhante temor. Parece-nos simplesmente que uma circunstância sem importância (leitura, conversação etc.) havia determinado nela o que se poderia denominar como vertigem da possibilidade. Ela se achava monstruosamente livre, e essa liberdade vertiginosa se lhe aparecia na ocasião desse ato, que ela temia fazer. Mas essa vertigem não é compreensível, exceto no caso de a consciência aparecer de repente a si mesma como transbordando infinitamente em suas possibilidades o Eu que lhe serve ordinariamente de unidade.

Talvez, com efeito, a função essencial do Ego não seja tanto teórica quanto prática. Nós observamos, de fato, que ele não amarra consigo a unidade dos fenômenos, que ele se limita a refletir uma unidade ideal, ao passo que a unidade concreta e real tem sido operada há muito tempo. Mas talvez seu papel essencial seja mascarar à consciência sua própria espontaneidade[75]. Uma descrição fenomenológica da espontaneidade mostraria, com efeito, que esta torna impossível qualquer distinção entre ação e paixão e qualquer concepção de uma autonomia da vontade. Essas noções possuem significação somente em um plano em que toda atividade se dê como emanando de uma passividade que ela transcende, ou seja, em um plano em que o homem se considere ao mesmo tempo como sujeito e objeto. Mas é uma necessidade essencial que se possa distinguir entre espontaneidade voluntária e involuntária.

Tudo se passa, portanto, como se a consciência constituísse o Ego como uma falsa representação dela mesma, como se ela se hipnotizasse sobre esse Ego que ela constituiu, absorvesse a si mesma nele como se tivesse feito dele seu guardião e sua lei: é graças ao Ego, de fato, que uma distinção poderá efetuar-se entre o possível e o real, entre a aparência e o ser, entre o querido e o sofrido.

Mas pode acontecer que a consciência se produza a si mesma de repente sobre o plano reflexivo puro. Não, talvez, sem Ego, mas como que escapando do Ego por toda parte, como que dominando-o e sustentando-o fora dela por meio de uma criação contínua. Nesse plano não há mais distinção entre o possível e o real, pois a aparência é o absoluto. Não há mais barreiras, nem limites, nem nada que dissimule a consciência para si mesma. Então a consciência, apercebendo-se daquilo que se poderia denominar a fatalidade de sua espontaneidade[76], encontra-se repentinamente em angústia: é essa angústia absoluta e sem remédio, esse temor de si, que nos parece constitutivo da consciência pura e é ela que dá a chave do distúrbio psicastênico de que falávamos. Se o Eu do “Eu Penso” é a estrutura primeira da consciência, essa angústia é impossível. Mas se, ao contrário, adotarmos o ponto de vista aqui exposto, não apenas teremos uma explicação coerente desse distúrbio, mas também um motivo permanente para efetuar a redução fenomenológica. Sabemos que Fink, em seu artigo nos Kantstudien, reconhece com alguma melancolia que, enquanto se permanece na atitude “natural”, não há razão, nem “motivo” para praticar a ἐποχή. Com efeito, essa atitude natural é perfeitamente coerente e não se poderia encontrar nela aquelas contradições que, segundo Platão, levam o filósofo a efetuar uma conversão filosófica. Assim a ἐποχή aparece na fenomenologia de Husserl como um milagre. O próprio Husserl, nas Meditações cartesianas, faz uma alusão muito vaga a alguns motivos psicológicos que levariam a efetuar a redução. Mas esses motivos não parecem de modo algum suficientes, e sobretudo a redução não parece possível de ser efetuada senão ao termo de um longo estudo; ela aparece, portanto, como uma operação erudita, o que lhe confere uma espécie de gratuidade. Ao contrário, se a “atitude natural” aparece inteiramente como um esforço que a consciência faz para escapar-se a si mesma projetando-se no Moi e absorvendo-se nele, e se esse esforço jamais é completamente recompensado, se basta um ato de simples reflexão para que a espontaneidade consciente se aparte bruscamente do Eu e se dê como independente, a ἐποχή não é mais um milagre, não é mais um método intelectual, um procedimento erudito: é uma angústia que se impõe a nós e que não podemos evitar; é ao mesmo tempo um evento puro de origem transcendental e um acidente sempre possível de nossa vida cotidiana.


2ª) Essa concepção do Ego nos parece a única refutação possível do solipsismo[77]. A refutação que Husserl apresenta em Formale und Transzendentale Logik e nas Meditações cartesianas não nos parece capaz de convencer um solipsista determinado e inteligente. Enquanto o Eu permanece uma estrutura da consciência, será sempre possível opor a consciência com seu Eu a todos os outros existentes. E, finalmente, quem produz o mundo é o Moi. Pouco importa se algumas categorias desse mundo necessitam por sua natureza própria de uma relação com outrem. Essa relação pode ser uma simples qualidade do mundo que eu crio e não me obriga absolutamente a aceitar a existência real de outros Eu.

Mas se o Eu torna-se um transcendente, ele participa de todas as vicissitudes do mundo. Ele não é um absoluto, ele não criou o universo, ele cai como as outras existências sobre o golpe da ἐποχή; e o solipsismo se torna impensável a partir do momento em que o Eu não tem mais uma posição privilegiada. Em vez de se formular, com efeito, em termos de “Eu existo só como absoluto”, deveria enunciar-se como “ Somente a consciência absoluta existe como absoluto”, o que é evidentemente um truísmo. Meu Eu, com efeito não é mais certo para a consciência do que o Eu dos outros homens. Ele é apenas mais íntimo.


3ª) Os teóricos de extrema-esquerda acusaram algumas vezes a fenomenologia de ser um idealismo e de afogar a realidade na maré das ideias. Mas se o idealismo é a filosofia sem mal de M. Brunschvicg, se é uma filosofia em que o esforço de assimilação espiritual[78] não se depara jamais com resistências exteriores, em que o sofrimento, a fome, a guerra se diluem em um lento processo de unificação das ideias, então nada é mais injusto do que chamar os fenomenólogos de idealistas. Pelo contrário, há séculos que não se sentia na filosofia uma corrente tão realista. Eles recolocaram o homem no mundo, devolveram o devido peso a suas angústias e seus sofrimentos, e também a suas revoltas. Infelizmente, enquanto o Eu continuar sendo uma estrutura da consciência absoluta, poder-se-á censurar a fenomenologia por ser uma “doutrina-escapista”, por puxar uma parcela do homem para fora do mundo e desviar desse modo a atenção dos verdadeiros problemas. Parece-nos que essa crítica não tem mais razão de ser ao fazermos do Moi um existente rigorosamente contemporâneo do mundo e cuja existência tem as mesmas características essenciais que o mundo. Sempre me pareceu que uma hipótese de trabalho tão fecunda como o materialismo histórico não requeria absolutamente como fundamento essa absurdidade que é o materialismo metafísico[79]. Não é, de fato, necessário que o objeto preceda o sujeito para que os pseudovalores espirituais se desvaneçam e para que a moral reencontre suas bases na realidade. Basta que o Moi seja contemporâneo do Mundo e que a dualidade sujeito-objeto, que é puramente lógica, desapareça definitivamente das preocupações filosóficas. O Mundo não criou o Moi, o Moi não criou o Mundo; são dois objetos para a consciência absoluta, impessoal, e é por ela que eles se acham ligados. Essa consciência absoluta, quando purificada do Eu, nada mais tem de um sujeito, nem é mais uma coleção de representações: é simplesmente uma condição primeira e uma fonte absoluta de existência. E a relação de interdependência que ela estabelece entre o Moi e o Mundo basta para que o Moi apareça como “em perigo” diante do Mundo, para que o Moi (indiretamente e pela intermediação dos estados), drene do Mundo todo o seu conteúdo. Não é preciso nada mais para fundar filosoficamente uma moral e uma política absolutamente positivas[80].





[70]. BRUNSCHVICG, L. Vie intérieure et Vie spirituelle. Conferência no Congresso Internacional de Filosofia de Nápoles (maio de 1924), reproduzida na Revue de Métaphysique et de Morale, abril-junho de 1925, e também reunida nos Écrits philosophiques, t. II, PUF, 1954.

[71]. Toda Erlebnis é acessível à reflexão: essa afirmação explica a renovação da psicologia devido ao método descritivo fenomenológico. Ela fundamenta, com efeito, as análises reflexivas do irrefletido que são as da emoção, ou do imaginário, ou ainda as do Ser e o Nada. Essas últimas, com efeito, são nada menos que a atualização das conclusões do Ensaio sobre a transcendência do Ego. O mesmo valeria para o estudo não publicado sobre A Psique.

[72]. Sartre alude aqui aos freudianos.

[73]. Parece que na época em que Sartre estava escrevendo o Ensaio sobre o Ego (1934) ele ainda não dava ao conceito de liberdade a extensão que ela terá em O Ser e o Nada. Senão, como compreender uma frase como: “A consciência se assusta com sua própria espontaneidade porque ela a sente além da liberdade”? A liberdade, aqui, se compreende por analogia com a responsabilidade e a vontade, às quais foi feita alusão, quer dizer, ela se restringe à esfera transcendente da ética. Consequentemente, Sartre pode ver aí, conforme sua expressão neste ensaio, um “caso especial” interior do campo transcendental que as espontaneidades imediatas constituem. A liberdade é para a espontaneidade aquilo que o Ego e o psíquico em geral são para a consciência transcendental impessoal.
No Ser e o Nada, liberdade e espontaneidade encontram-se unidas. A liberdade tornou-se coextensiva a toda a consciência. Obviamente, a liberdade é também um conceito ético – é inclusive o conceito fundador da ética – enquanto que meu ato é expressão dele. Mas o ato livre se fundamenta sobre uma liberdade mais selvagem, que não é outra senão a estrutura mesma da consciência em sua pura translucididade. Mais que um conceito, a liberdade é “a matéria de meu ser”, ela me perpassa de ponta a ponta.
Cf. O Ser e o Nada, parte 4, cap. 1: “Ser e Fazer: a liberdade”, p. 536-681.

[74]. Esse exemplo é extraído da obra de P. Janet intitulada Les Névroses (As neuroses).
O que Sartre está dizendo, e o que é dito do inconsciente em geral no Ensaio sobre o Ego, permite medir a distância que o separa atualmente de suas posições de 1934, no que diz respeito à psicanálise. É preciso destacar a importância dessa mudança. A evolução já é nítida quando Sartre publica seu estudo sobre Baudelaire (1947); agora ele reconsiderou totalmente os problemas colocados por neuroses e psicoses, e não os explicaria certamente de maneira tão simplista quanto em 1934. Ele considera particularmente infantil sua antiga interpretação da atitude neurótica da “Jovem casada” tratada por Janet. Ele não viria mais que “nada em sua educação, em seu passado nem em seu caráter pode servir de explicação”, ele abandonaria aqui a noção de explicação pela de compreensão dialética que deve necessariamente operar-se a partir desse passado, dessa educação, desse caráter.
Simone de Beauvoir em A força da idade dá as razões que outrora tinha Sartre para rejeitar a psicanálise; conferir às páginas 25-26 e 133.

[75]. Daí a possibilidade ontológica das condutas de má-fé.

[76]. Cf. O Ser e o Nada, parte 4, cap. 1, item 3: “Liberdade e responsabilidade”, p. 677ss. “O homem, estando condenado a ser livre, carrega nos ombros o peso do mundo inteiro: é responsável pelo mundo e por si mesmo enquanto modo de ser”.

[77]. Cf. O Ser e o Nada, parte 3, cap. 1, item II : “O obstáculo do solipsismo” (p. 291) e, particularmente, o item III: “Husserl, Hegel, Heidegger” (p. 302), no qual Sartre desenvolve e critica as tentativas de refutação do solipsismo expostas por Husserl em Lógica formal e lógica transcendental e nas Meditações cartesianas. Sartre reconhece que a solução proposta pelo Ensaio sobre a transcendência do Ego é insuficiente: “Anteriormente, supus poder escapar ao solipsismo recusando o conceito de Husserl sobre a existência do “Ego” transcendental. Parecia-me então que nada mais restava na minha consciência que fosse privilegiado com relação ao outro, já que a tinha esvaziado de seu sujeito. Mas, na verdade, embora continue convicto de que a hipótese de um sujeito transcendental é inútil e prejudicial, o fato de abandonarmos tal hipótese não faz avançar um só passo a questão da existência do outro. Mesmo se, à parte do Ego empírico, nada mais houvesse além da consciência deste Ego – ou seja, um campo transcendental sem sujeito –, não mudaria o fato de que minha afirmação do outro postula e requer a existência de um similar campo transcendental. Para além do mundo; e, por conseguinte, a única maneira de escapar ao solipsismo seria, ainda aqui, provar que minha consciência transcendental, em seu próprio ser, é afetada pela existência extramundana de outras consciências do mesmo tipo. Assim, por ter reduzido o ser a uma série de significações, o único nexo que Husserl pode estabelecer entre meu ser e o ser do Outro é o do conhecimento; portanto, não escapou, mais do que Kant, ao solipsismo” (p. 306).
Para colocar o solipsismo definitivamente de lado é preciso recorrer à intuição de Hegel que consiste em “fazer-me depender do outro em meu ser”, e radicalizá-la. Sartre dá suas conclusões nas p. 316ss.

[78]. É a “filosofia alimentar” denunciada no artigo sobre a intencionalidade de Situations I.

[79]. Sartre faz a crítica desse materialismo absurdo em “Materialismo e revolução” (Situations III, p. 135-228).

[80]. Inúmeros artigos das Situations I a VI, as Entretiens sur la politique, e sobretudo a Critique de la Raison dialetique são testemunhos da continuidade das preocupações éticas e políticas em Sartre aqui fundamentadas fenomenologicamente.