Capítulo II

DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER

1. Conceito

A obrigação de fazer (obligatio faciendi) abrange o serviço humano em geral, seja material ou imaterial, a realização de obras e artefatos, ou a prestação de fatos que tenham utilidade para o credor. A prestação consiste, assim, em atos ou serviços a serem executados pelo devedor. Pode-se afirmar, em síntese, que qualquer forma de atividade humana, lícita, possível e vantajosa ao credor, pode constituir objeto da obrigação1.

A técnica moderna costuma distinguir: prestações de coisas para as obrigações de dar e prestação de fato para as de fazer e não fazer. As prestações de fato podem consistir: a) no trabalho físico ou intelectual (serviços), determinado pelo tempo, gênero ou qualidade; b) no trabalho determinado pelo produto, ou seja, pelo resultado; c) num fato determinado simplesmente pela vantagem que traz ao credor2.

Quando a obligatio faciendi é de prestar serviços, físicos ou intelectuais, aquela em que o trabalho é aferido pelo tempo, gênero ou qualidade, o interesse do credor concentra-se nas energias do obrigado. Quando é de realizar obra, intelectual ou material, como escrever um romance ou construir uma casa, interessa àquele o produto ou resultado final do trabalho do devedor.

As obrigações de fazer diferem das obrigações de dar principalmente porque o credor pode, conforme as circunstâncias, não aceitar a prestação por terceiro, enquanto nestas se admite o cumprimento por outrem, estranho aos interessados (CC, art. 305). No entanto, a distinção entre essas duas modalidades sofre restrições na doutrina contemporânea, a ponto de ser abandonada por alguns códigos, tendo em vista que dar não deixa de ser fazer alguma coisa.

Aponta a doutrina a seguinte diferença: nas obrigações de dar a prestação consiste na entrega de uma coisa, certa ou incerta; nas de fazer o objeto consiste em ato ou serviço do devedor. O problema é que, em última análise, dar ou entregar alguma coisa é também fazer alguma coisa.

Efetivamente, na compra e venda, a obrigação de outorgar escritura definitiva é obrigação de fazer, embora por seu intermédio pretenda o adquirente obter o recebimento do bem comprado. Na empreitada de mão de obra e de materiais há duas obrigações distintas: a de dar o material e a de fazer o serviço3.

Bem assevera Washington de Barros Monteiro que o “substractum da diferenciação está em verificar se o dar ou o entregar é ou não consequência do fazer. Assim, se o devedor tem de dar ou de entregar alguma coisa, não tendo, porém, de fazê-la previamente, a obrigação é de dar; todavia, se, primeiramente, tem ele de confeccionar a coisa para depois entregá-la, se tem ele de realizar algum ato, do qual será mero corolário o de dar, tecnicamente a obrigação é de fazer”4.

Em regra, nas obrigações de entregar, concentra-se o interesse do credor no objeto da prestação, sendo irrelevantes as características pessoais ou qualidades do devedor. Nas de fazer, ao contrário, principalmente naquelas em que o serviço é medido pelo tempo, gênero ou qualidade, esses predicados são relevantes e decisivos.

Costumavam os autores mencionar, como principal diferença entre as duas modalidades, a forma de execução, afirmando que as obrigações de dar caracterizam-se pela execução específica, ou seja: aquele que se compromete a dar alguma coisa pode ser constrangido a entregá-la, por autoridade da justiça, quando ela se encontrar em seu poder, quer queira, quer não queira o devedor. As obrigações de fazer, ao contrário, não comportariam execução in natura. Assim, quem se obriga a fazer alguma coisa não poderia ser constrangido a fazê-la, resolvendo-se a obrigação em perdas e danos, quando não foi cumprida devidamente5.

Essa concepção vem, gradativamente, sofrendo alterações, no direito brasileiro, a começar pelo Decreto-Lei n. 58, de 1937, que disciplina o compromisso irretratável de compra e venda, e pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11-9-1990), que asseguram o direito do credor à execução específica da obrigação, bem como pelo Código de Processo Civil, cujo art. 461, com a redação conferida pelas Leis ns. 8.952, de 13-12-1994, e 10.444, de 7-5-2002, prevê medidas para efetivação da tutela específica das obrigações de fazer e obtenção do resultado prático equivalente, como se verá adiante, no item 3.1.

2. Espécies

Quando for convencionado que o devedor cumpra pessoalmente a prestação, estaremos diante de obrigação de fazer infungível, imaterial ou personalíssima (intuitu personae, no dizer dos romanos). Neste caso, havendo cláusula expressa, o devedor só se exonerará se ele próprio cumprir a prestação, executando o ato ou serviço prometido, pois foi contratado em razão de seus atributos pessoais. Incogitável a sua substituição por outra pessoa, preposto ou representante.

A infungibilidade pode decorrer, também, da própria natureza da prestação, ou seja, das qualidades profissionais, artísticas ou intelectuais do contratado. Se determinado pintor, de talento e renome, comprometer-se a pintar um quadro, ou famoso cirurgião plástico assumir obrigação de natureza estética, por exemplo, não poderão se fazer substituir por outrem, mesmo inexistindo cláusula expressa nesse sentido.

Ainda: se o intérprete de músicas populares que está em evidência se comprometer a atuar em determinado espetáculo, a obrigação, por sua natureza e circunstâncias, será infungível, subentendendo-se ter sido convencionado que o devedor cumpra pessoalmente a obrigação. Resulta daí que a convenção pode ser explícita ou tácita6.

O erro sobre a qualidade essencial da pessoa, nessas obrigações, constitui vício do consentimento, previsto no art. 139, II, do Código Civil.

Quando não há tal exigência expressa, nem se trata de ato ou serviço cuja execução dependa de qualidades pessoais do devedor, ou dos usos e costumes locais, podendo ser realizado por terceiro, diz-se que a obrigação de fazer é fungível, material ou impessoal (CC, art. 249). Se, por exemplo, um pedreiro é contratado para construir um muro ou consertar uma calçada, a obrigação assumida é de caráter material, podendo o credor providenciar a sua execução por terceiro, caso o devedor não a cumpra.

Para que o fato seja prestado por terceiro é necessário que o credor o deseje, pois ele não é obrigado a aceitar de outrem a prestação, nessas hipóteses.

A obrigação de fazer pode derivar, ainda, de um contrato preliminar (pacto de contrahendo), e consistir em emitir declaração de vontade, como, por exemplo, outorgar escritura definitiva em cumprimento a compromisso de compra e venda, endossar o certificado de propriedade de veículo etc. Essa modalidade é disciplinada nos arts. 466-A a 466-C do Código de Processo Civil.

Do ponto de vista fático as obrigações de emitir declaração de vontade são infungíveis. No entanto, do ponto de vista jurídico, tais obrigações são fungíveis, pois é possível substituir a declaração negada por algo que produza os mesmos efeitos jurídicos. O interesse do credor não está voltado para a declaração em si, mas para o efeito jurídico dessa declaração. O que o credor deseja é que se forme situação jurídica igual à que resultaria da emissão espontânea, pelo devedor, da declaração de vontade sonegada.

Em casos assim, estabelece o legislador que a sentença que condene o devedor a emitir declaração de vontade, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida (CPC, art. 466-A). A execução far-se-á, pois, pelo juiz, pois a sentença fará as vezes da declaração não emitida7.

3. Inadimplemento

Trata o presente tópico das consequências do descumprimento da obrigação de fazer. É sabido que a obrigação deve ser cumprida, estribando-se o princípio da obrigatoriedade dos contratos na regra pacta sunt servanda dos romanos. Cumprida normalmente, a obrigação extingue-se. Não cumprida espontaneamente, acarreta a responsabilidade do devedor.

As obrigações de fazer podem ser inadimplidas porque a prestação tornou-se impossível sem culpa do devedor, ou por culpa deste, ou ainda porque, podendo cumpri-la, recusa-se porém a fazê-lo.

Pelo sistema do Código Civil, não havendo culpa do devedor, tanto na hipótese de a prestação ter-se tornado impossível como na de recusa de cumprimento, fica afastada a responsabilidade do obrigado.

Seja a obrigação fungível, seja infungível, será sempre possível ao credor optar pela conversão da obrigação em perdas e danos, caso a inadimplência do devedor decorra de culpa de sua parte.

Quando a prestação é fungível, o credor pode optar pela execução específica, requerendo que ela seja executada por terceiro, à custa do devedor (CC, art. 249). Os arts. 634 a 637 do Código de Processo Civil descrevem todo o procedimento a ser seguido, para que o fato seja prestado por terceiro. O custo da prestação de fato será avaliado por um perito e o juiz mandará expedir edital de concorrência pública, para que os interessados em prestar o fato formulem suas propostas.

Quando a obrigação é infungível, não há como compelir o devedor, de forma direta, a satisfazê-la. Há, no entanto, meios indiretos, que podem ser acionados, cumulativamente com o pedido de perdas e danos, como, por exemplo, a fixação de uma multa diária semelhante às astreintes do direito francês, que incide enquanto durar o atraso no cumprimento da obrigação. Podem, ainda, ser requeridas ou determinadas de ofício medidas práticas para efetivação da tutela específica, como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial (CPC, art. 461, § 5º), como se verá a seguir.

3.1. Obrigações infungíveis ou personalíssimas

Dispõe o art. 247 do Código Civil:

“Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível”.

Cuida o dispositivo das obrigações infungíveis ou personalíssimas por convenção expressa ou tácita, sendo esta a que resulta de sua natureza, pactuada em razão das qualidades pessoais do devedor. A recusa voluntária induz culpa. O cantor, por exemplo, que se recusa a se apresentar no espetáculo contratado, e o escultor de renome que se recusa a fazer a estátua prometida, respondem pelos prejuízos acarretados aos promotores do evento e ao que encomendou a obra, respectivamente.

A recusa ao cumprimento de obrigação de fazer infungível resolve-se, tradicionalmente, em perdas e danos, pois não se pode constranger fisicamente o devedor a executá-la. Atualmente, todavia, como já foi dito, admite-se a execução específica das obrigações de fazer, como se pode verificar pelos arts. 287, 461 e 644 do Código de Processo Civil, que contemplam meios de, indiretamente, obrigar o devedor a cumpri-las, mediante a cominação de multa diária (astreinte)8.

Dispõe o § 1º do art. 461 do citado diploma que a “obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente”. Regra semelhante encontra-se no art. 35 do Código de Defesa do Consumidor. Aduz o § 2º que a “indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287)”.

As perdas e danos constituem, pois, o mínimo a que tem direito o credor. Este pode com elas se contentar, se preferir. Nesse sentido deve ser interpretado o art. 247 do Código Civil, que se reporta somente a essa consequência do inadimplemento contratual e não tem natureza processual. No entanto, pode o credor, com base nos dispositivos do diploma processual civil transcritos, pleiteá-la cumulativamente e sem prejuízo da tutela específica da obrigação.

Prescreve o § 6º do referido art. 461 do Código de Processo Civil que “o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva”. Percebe-se, segundo aresto do Superior Tribunal de Justiça, “que a multa poderá, mesmo depois de transitada em julgado a sentença, ser modificada para mais ou para menos, conforme seja insuficiente ou excessiva. O dispositivo indica que o valor da astreinte não faz coisa julgada material, pois pode ser revista mediante a verificação de insuficiência ou excessividade”9. A mesma Corte decidiu que, na execução de obrigação de fazer, é viável arguir o valor excessivo da astreinte e pleitear a redução do seu valor no âmbito da exceção de pré-executividade10.

Também decidiu o Superior Tribunal de Justiça que “há diferença nítida entre a cláusula penal, pouco importando seja a multa nela prevista moratória ou compensatória, e a multa cominatória, própria para garantir o processo por meio do qual pretende a parte a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer. E a diferença é, exatamente, a incidência das regras jurídicas específicas para cada qual. Se o juiz condena a parte ré ao pagamento da multa prevista na cláusula penal avençada pelas partes, está presente a limitação contida no art. 920 do Código Civil. Se, ao contrário, cuida-se de multa cominatória em obrigação de fazer ou não fazer, decorrente de título judicial, para garantir a efetividade do processo, ou seja, o cumprimento da obrigação, está presente o art. 644 do Código de Processo Civil, com o que não há teto para o valor da cominação”11.

O referido art. 461 do diploma processual regula a ação de conhecimento, de caráter condenatório, e não a execução específica da obrigação de fazer ou não fazer, constante de sentença transitada em julgado, ou de título executivo extrajudicial (CPC, art. 645), que deve seguir o rito estabelecido nos arts. 632 e s. do estatuto processual.

Atualmente, portanto, a regra quanto ao descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer é a da execução específica, sendo exceção a resolução em perdas e danos. Vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça que é facultado ao autor pleitear cominação de pena pecuniária tanto nas obrigações de fazer infungíveis quanto nas fungíveis, malgrado o campo específico de aplicação da multa diária seja o das obrigações infungíveis12.

Preceitua o art. 248 do Código Civil:

“Se a prestação do fato tornar-se impossível sem culpa do devedor, resolver-se-á a obrigação; se por culpa dele, responderá por perdas e danos”.

Não só a recusa do devedor em executar a obrigação de fazer mas também a impossibilidade de cumpri-la acarretam o inadimplemento contratual. Neste caso, é preciso verificar se o fato tornou-se impossível sem culpa ou por culpa do obrigado. Como ninguém pode fazer o impossível (impossibilia nemo tenetur), resolve-se a obrigação, sem consequências para o devedor sem culpa. Havendo culpa de sua parte, responderá pela satisfação das perdas e danos.

Assim, por exemplo, o ator que fica impedido de se apresentar em um determinado espetáculo por ter perdido a voz ou em razão de acidente a que não deu causa, ocorrido no trajeto para o teatro, sendo hospitalizado, não responde por perdas e danos. Mas a resolução do contrato o obriga a restituir eventual adiantamento da remuneração.

Responde, no entanto, o devedor pelos prejuízos acarretados ao outro contratante se a impossibilidade foi por ele criada, ao viajar para local distante, por exemplo, às vésperas da apresentação contratada.

Para que a impossibilidade de cumprimento da prestação exonere o devedor sem culpa de qualquer responsabilidade, tendo efeito liberatório, é necessário que este se desincumba satisfatoriamente do ônus, que lhe cabe, de cumpridamente prová-la. Deve a impossibilidade ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente. A relativa, que atinge o devedor mas não outras pessoas, não constitui obstáculo ao cumprimento da avença (CC, art. 106).

A impossibilidade deve ser, também, permanente e irremovível, pois se se trata de simples dificuldade, embora intensa, que pode ser superada à custa de grande esforço e sacrifício, não se justifica a liberação13.

3.2. Obrigações fungíveis ou impessoais

Estatui o Código Civil:

“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”.

Assim, por exemplo, se uma pessoa aluga um imóvel residencial e, no contrato, o locador se obriga a consertar as portas de um armário que estão soltas, mas não cumpre a promessa, pode o inquilino mandar fazer o serviço à custa do aluguel que terá de pagar.

Quando se trata de obrigação fungível (a assumida por um marceneiro, de consertar o pé de uma mesa, p. ex.), não importa, para o credor, que a prestação venha a ser cumprida por terceiro, a expensas do substituído. Interessa-lhe o cumprimento, a utilidade prometida (CPC, art. 634).

O parágrafo único supratranscrito possibilita ao credor, em caso de urgência e sem necessidade de autorização judicial, executar ou mandar executar a prestação por terceiro, pleiteando posteriormente o ressarcimento. Como assinala Álvaro Villaça Azevedo, a inovação constitui “um princípio salutar de realização de justiça pelas próprias mãos do lesado, pois a intervenção do Poder Judiciário retardaria, muito, a realização do seu direito”14.

Há situações em que, efetivamente, caracterizada a recusa ou mora do devedor, a espera de uma decisão judicial poderá causar prejuízo de difícil reparação ao credor, como no caso, por exemplo, de necessidade urgente de se erguer um muro de arrimo ou realizar outra obra de proteção contra enchentes, em época de chuvas.

Não havendo urgência, pode o credor simplesmente optar pela resolução da avença e contratar outra pessoa para executar o serviço ou mandá-lo executar por terceiro, sem prejuízo de posterior ressarcimento.

Os arts. 634 a 637 do Código de Processo Civil descrevem todo o procedimento a ser seguido, para que o fato seja prestado por terceiro. Todavia, pouquíssimas vezes esse procedimento tem sido usado. A razão é evidente: além da demora, decorrente da avaliação e publicação de editais, o procedimento acaba sendo oneroso em demasia. E, se é certo que todas as despesas serão carreadas ao devedor, também é certo que ao credor caberá antecipá-las, assumindo o risco de, mais tarde, não encontrar no patrimônio do devedor bens que permitam a recuperação de tudo que foi despendido15.

Na hipótese de o devedor ter iniciado o cumprimento da obrigação, porém retardando-o, pode o credor, por precaução, promover a medida cautelar de produção antecipada de provas (CPC, art. 846), para retratar a situação existente e comprová-la na ação principal.

3.3. Obrigações consistentes em emitir declaração de vontade

A execução da obrigação de prestar declaração de vontade não causa constrangimento à liberdade do devedor, pois é efetuada pelo juiz (CPC, art. 466-A). Tal modalidade se configura quando o devedor, em contrato preliminar ou pré-contrato, promete emitir declaração de vontade para a celebração de contrato definitivo.

É o que sucede quando, em compromisso de compra e venda, o promitente vendedor se obriga a celebrar o contrato definitivo, outorgando a escritura pública ao compromissário comprador, depois de pagas todas as prestações. Ou quando o vendedor de um veículo promete endossar o certificado de propriedade, para que o adquirente, depois de pagar todas as prestações, possa transferi-lo para o seu nome na repartição de trânsito.

Os arts. 466-A, 466-B e 466-C do Código de Processo Civil cuidam das obrigações de emitir declaração de vontade. Dispõe o segundo: “Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado”.

Embora tais dispositivos estejam inseridos no livro dedicado ao processo de execução, não tratam de execução propriamente dita, mas da ação de obrigação de fazer. A pretensão do credor, deduzida nesta ação, é que se forme situação jurídica igual à que resultaria da emissão espontânea, pelo devedor, da declaração de vontade sonegada.

Nesses casos, estabelece o legislador que a sentença que condene o devedor a emitir declaração de vontade, “uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida” (CPC, art. 466-A). A sentença fará as vezes da declaração não emitida.

Os efeitos jurídicos que se pretende obter resultam do trânsito em julgado da sentença, independente da vontade do devedor, ou da instauração de processo de execução. Todavia, para que o juiz profira sentença dessa natureza, é necessário que o credor faça jus a obter a declaração de vontade que está sendo recusada. Do contrário, a recusa será justa. Assim, o compromissário comprador deverá demonstrar que pagou integralmente as parcelas que devia16.

O novo Código Civil não tratou dessa questão no capítulo concernente às obrigações de fazer, mas no atinente aos contratos preliminares. Preceitua, com efeito:

“Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.

Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente”.

Aduz o art. 464 do referido diploma:

“Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação”.

Quando o contratante presta o fato de modo incompleto ou defeituoso, pode o credor, nos termos do art. 636 do Código de Processo Civil, “requerer ao juiz, no prazo de 10 (dez) dias, que o autorize a concluí-lo, ou a repará-lo, por conta do contratante”.

Se se tratar de bem imóvel, compromissado à venda em instrumento que não contenha cláusula de arrependimento e registrado no Cartório de Registro de Imóveis, poderá o credor, considerado nesse caso titular de direito real, requerer ao juiz a sua adjudicação compulsória, se houver recusa do alienante em outorgar a escritura definitiva, como dispõem os arts. 1.417 e 1.418 do Código Civil.






1 Manoel Ignácio Carvalho de Mendonça, Doutrina e prática das obrigações, t. I, p. 183; Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 29. ed., v. 4, p. 88; Álvaro Villaça Azevedo, Teoria geral das obrigações, p. 69; Carlos Alberto Bittar, Direito das obrigações, p. 55.

2 Serpa Lopes, Curso de direito civil, v. II, p. 65.

3 Arnoldo Wald, Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos, p. 45-46.

4 Curso, cit., v. 4, p. 89.

5 Robert Joseph Pothier, Oeuvres complètes de Pothier: traité des obligations, Eugène Crochard, Paris, 1830, n. 178, p. 435; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 4, p. 90; Álvaro Villaça Azevedo, Teoria, cit., p. 70.

6 Arnoldo Wald, Curso, cit., p. 46-7; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 4, p. 93; Álvaro Villaça Azevedo, Teoria, cit., p. 70.

7 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Processo de execução e cautelar, p. 46 (Col. Sinopses Jurídicas, 12).

8 Cândido Dinamarco preleciona que o dogma da intangibilidade da vontade humana, que impedia a execução específica das obrigações de fazer (nemo praecise potest cogi ad factum), devendo resolver-se em perdas e danos, zelosamente guardado nas tradições pandectistas francesas, somente foi relativizado graças à tenacidade de pensadores como Chiovenda e Calamandrei, cujos estudos permitiram a distinção entre infungibilidade natural e infungibilidade jurídica. Hoje, aduz o renomado processualista, “considera-se integrada em nossa cultura a ideia de que em nada interfere na dignidade da pessoa, ou em sua liberdade de querer, qualquer mecanismo consistente na produção, mediante atividades estatais imperativas, da situação jurídica final a que o cumprimento da obrigação de fazer ou de não fazer deveria ter conduzido. Aceita-se também a imposição de medidas de pressão psicológica (Calamandrei), como as multas periódicas e outras, destinadas a induzir o obrigado renitente a querer adimplir para evitar o agravamento da situação” (A reforma da reforma, p. 220).

9 REsp 705.914-RN, 3ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU, 6-3-2006, p. 378.

10 REsp 1.081.772-SE, 3ª T., rel. Min. Massami Uyeda, DJU, 28-10-2009.

11 REsp 196.262-RJ, 3ª T., rel. Min. Menezes Direito, DJU, 11-9-2000.

12 RSTJ, 25/389; REsp 6.314-RJ, DJU, 25-3-1991, p. 3222, 2ª col., em.

13 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 4, p. 95.

14 Teoria, cit., p. 74.

15 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Processo, cit., p. 43.

16 Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Processo, cit., p. 47.