Capítulo V

DA CLÁUSULA PENAL

1. Conceito

Cláusula penal é obrigação acessória, pela qual se estipula pena ou multa destinada a evitar o inadimplemento da principal, ou o retardamento de seu cumprimento. É também denominada pena convencional ou multa contratual. Adapta-se aos contratos em geral e pode ser inserida, também, em negócios jurídicos unilaterais, como o testamento, para compelir, por exemplo, o herdeiro a cumprir fielmente o legado.

A cláusula penal consiste, pois, em previsão, sempre adjeta a um contrato, de natureza acessória, estabelecida como reforço ao pacto obrigacional, com a finalidade de fixar previamente a liquidação de eventuais perdas e danos devidas por quem descumpri-lo1.

Segundo Antunes Varela, a cláusula penal — stipulatio penae dos romanos — “consiste na convenção pela qual o devedor, no caso de não cumprimento da obrigação, de mora no cumprimento ou de outra violação do contrato, se obriga para com o credor a efetuar uma prestação, diferente da devida, por via de regra em dinheiro, com caráter de uma sanção civil”2.

Pode ser estipulada conjuntamente com a obrigação principal, ou em ato posterior (CC, art. 409), sob a forma de adendo. Embora geralmente seja fixada em dinheiro, algumas vezes toma outra forma, como a entrega de uma coisa, a abstenção de um fato ou a perda de algum benefício, como, por exemplo, de um desconto.

2. Natureza jurídica

A pena convencional tem a natureza de um pacto secundário e acessório, pois a sua existência e eficácia dependem da obrigação principal.

Os arts. 411 a 413 do Código Civil distinguem a cláusula penal da obrigação principal. Por sua vez, o art. 409 do mesmo diploma prevê a possibilidade de ser estipulada em ato posterior, reconhecendo tratar-se de duas obrigações diversas. Desse modo, a invalidade da obrigação principal importa a da cláusula penal, mas a desta não induz a daquela, como preceitua o art. 184 do mesmo diploma. Resolvida a obrigação principal, sem culpa do devedor, resolve-se a cláusula penal.

Os mencionados preceitos legais reiteram o princípio de que o acessório segue o principal. Assim, nulo o contrato de locação, por exemplo, nula será a cláusula penal nele inserida. Mas o contrário não é verdadeiro. Se somente esta for nula, e o contrato prevalecer, o lesado não perderá o direito a indenização das perdas e danos pelo direito comum, arcando contudo com o ônus da prova dos prejuízos alegados.

3. Funções da cláusula penal

A cláusula penal tem dupla função: a) atua como meio de coerção (intimidação), para compelir o devedor a cumprir a obrigação e, assim, não ter de pagá-la; e ainda b) como prefixação das perdas e danos (ressarcimento) devidos em razão do inadimplemento do contrato.

Karl Larenz3 ressalta esses aspectos, assinalando que a finalidade de semelhante pena contratual ou pena convencional é, em primeiro lugar, estimular o devedor ao cumprimento do contrato. Ademais, por intermédio dessa instituição se garante ao credor uma indenização pelos danos ocasionados pela infração contratual de natureza não patrimonial ou cujo montante, no caso, lhe seria difícil provar. Assim, exemplifica, se o artista contratado para uma apresentação aos sócios e convidados de um clube não cumpre sua promessa, tal fato não acarreta prejuízo de caráter patrimonial demonstrável à associação, a não ser uma decepção a seus membros. Mas se o referido artista se sujeita ao pagamento de uma pena contratual para o caso de descumprimento da obrigação assumida, poderá o clube, com esse dinheiro, oferecer outra atração a seus sócios.

Com a estipulação da cláusula penal, expressam os contratantes a intenção de livrar-se dos incômodos da comprovação dos prejuízos e de sua liquidação. A convenção que a estabeleceu pressupõe a existência de prejuízo decorrente do inadimplemento e prefixa o seu valor4. Desse modo, basta ao credor provar o inadimplemento, ficando dispensado da prova do prejuízo, para que tenha direito à multa. É o que proclama o art. 416 do Código Civil, verbis:

“Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.

Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver feito, a pena vale como mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.

O devedor não pode eximir-se de cumprir a cláusula penal, a pretexto de ser excessiva, pois o seu valor foi fixado de comum acordo, em quantia reputada suficiente para reparar eventual prejuízo decorrente de inadimplemento. Da mesma forma, não pode o credor pretender aumentar o seu valor, a pretexto de ser insuficiente. Resta-lhe, neste caso, deixar de lado a cláusula penal e pleitear perdas e danos, que abrangem o dano emergente e o lucro cessante. O ressarcimento do prejuízo será, então, integral. A desvantagem é que terá de provar o prejuízo alegado. Se optar por cobrar a cláusula penal, estará dispensado desse ônus. Mas o ressarcimento pode não ser integral, se o quantum fixado não corresponder ao valor dos prejuízos.

Sustentavam alguns que, neste caso, poderia a diferença ser cobrada, a título de perdas e danos. Entretanto, a razão estava com aqueles que afirmavam não ser possível, em face da lei, cumular a multa com outras perdas e danos, devendo o credor fazer a opção por uma delas, como veio a constar expressamente do citado parágrafo único do art. 416 do novo Código Civil. Ressalva-se somente a hipótese de ato doloso do devedor, caso em que a indenização há de cobrir o ato lesivo em toda a sua extensão.

Proclama o art. 408 do mesmo diploma incorrer “de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora”. A cláusula penal é a prefixação das perdas e danos resultantes de culpa contratual, apenas. Assim, se há outros prejuízos decorrentes de culpa extracontratual, o seu ressarcimento pode ser pleiteado, independentemente daquela.

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“1. A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como prefixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora.

2. Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema.

3. O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio, da obrigação e ainda a idenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora”5.

4. Valor da cláusula penal

Simples alegação de que a cláusula penal é elevada não autoriza o juiz a reduzi-la. Entretanto, a sua redução pode ocorrer em dois casos: a) quando ultrapassar o limite legal; b) nas hipóteses do art. 413 do estatuto civil.

O limite legal da cláusula penal, mesmo sendo compensatória, é o valor da obrigação principal, que não pode ser excedido pelo estipulado naquela. Dispõe, com efeito, o art. 412 do Código Civil:

“O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal”.

Se tal acontecer, o juiz determinará a sua redução, não declarando a ineficácia da cláusula, mas somente do excesso. Todavia, a pena convencional, de que trata o dispositivo supratranscrito, não se confunde com a multa cominatória ou astreinte. Como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, há “diferença nítida entre a cláusula penal, pouco importando seja a multa nela prevista moratória ou compensatória, e a multa cominatória, própria para garantir o processo por meio do qual pretende a parte a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer”.

Frisou o referido aresto que “a diferença é, exatamente, a incidência das regras jurídicas específicas para cada qual. Se o juiz condena a parte ré ao pagamento de multa prevista na cláusula penal avençada pelas partes, estará presente a limitação contida no art. 920 do Código Civil (de 1916, correspondente ao art. 412 do de 2002). Se, ao contrário, cuida-se de multa cominatória em obrigação de fazer ou não fazer, decorrente de título judicial, para garantir a efetividade do processo, ou seja, o cumprimento da obrigação, está presente o art. 644 do Código de Processo Civil, com o que não há teto para o valor da cominação”6.

Algumas leis limitam o valor da cláusula penal moratória a dez por cento da dívida ou da prestação em atraso, como o Decreto-Lei n. 58, de 1937, e a Lei n. 6.766, de 1979, que regulamentam o compromisso de compra e venda de imóveis loteados, e o Decreto n. 22.626, de 1933, que reprime a usura. O Código de Defesa do Consumidor limita a 2% do valor da prestação a cláusula penal moratória estipulada em contratos que envolvam outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor (art. 52, § 1º). O próprio Código Civil estabelece multa “de até dois por cento sobre o débito”, no condomínio edilício (art. 1.336, § 1º). Em qualquer desses casos, e em muitos outros, o juiz reduzirá, na ação de cobrança, o valor da pena convencional aos referidos limites.

Apesar de a irredutibilidade constituir um dos traços característicos da cláusula penal, por representar a fixação antecipada das perdas e danos, de comum acordo, dispõe o art. 413 do Código Civil que “a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”. Considerou o legislador, assim, justa a redução do montante da multa, compensatória ou moratória, quando a obrigação tiver sido satisfeita em parte, dando ao devedor que assim procede tratamento diferente do conferido àquele que desde o início nada cumpriu. Ao mesmo tempo impôs ao juiz o dever de reprimir abusos, se a penalidade convencionada for manifestamente excessiva, desproporcional à natureza e à finalidade do negócio.

A disposição é de ordem pública, podendo a redução ser determinada de ofício pelo magistrado. O art. 924 do Código Civil de 1916, correspondente ao citado art. 413 do diploma de 2002, não obrigava o juiz a efetuá-la, pois o preceito legal encerrava mera faculdade (“poderá”). Em geral, era considerada a boa-fé do devedor, bem como eventual vantagem auferida pelo credor com a execução parcial do contrato. Se o devedor, por exemplo, cumprira durante um ano o contrato de locação, celebrado por dois anos, podia o juiz reduzir o valor da multa pela metade, se verificasse não ter ele agido com o propósito de prejudicar o outro contratante, sendo justificável o motivo alegado para o inadimplemento parcial.

Para alguns, a norma do citado art. 924 era de caráter dispositivo e podia, desse modo, ser alterada pela vontade das partes, por estar em jogo apenas o interesse particular. Assim, consideravam válida a cláusula, inserida no contrato, pela qual o valor da pena convencional não poderia ser reduzido, em caso de cumprimento parcial de avença. Prevalecia, contudo, o entendimento de que se tratava de disposição cogente, de ordem pública, não podendo as partes retirar do juiz a faculdade, que lhe era outorgada pela lei, de reduzir o valor da multa, proporcionalmente ao cumprimento parcial do contrato7.

O art. 413 do novo Código Civil não dispõe que a penalidade “poderá”, mas sim que “deve” ser reduzida pelo magistrado, nas hipóteses mencionadas, retirando o caráter facultativo da redução e acentuando a natureza pública e o caráter cogente da norma.

O aludido dispositivo, assinala Judith Martins-Costa8, “introduziu dois topoi da maior relevância, quais sejam, o da proporcionalidade e o da vedação ao excesso. Estes topoi foram apreendidos na cláusula geral de redução da cláusula penal (...). É o dever de proporcionalidade que está no fundamento da primeira fattispecie, qual seja, a redução quando a obrigação principal houver sido em parte cumprida (...). Com efeito, tendo a prestação principal sido em parte cumprida, o Código determina ao juiz a redução proporcional, com base na equidade, que é princípio, tendo em conta o dever de proporcionalidade, que é dever de ponderação entre os vários princípios e regras concomitantemente incidentes”.

Na segunda parte do art. 413, enfatiza a mencionada jurista, está a grande inovação do novo Código nesta matéria, pois contempla hipótese até então não legalmente modelada. Os pressupostos de incidência da regra dessa segunda parte não devem ser confundidos ou subsumidos naqueles requeridos para a norma da primeira parte do mencionado dispositivo. Em primeiro lugar, aqui se trata de: “a) qualquer espécie de cláusula penal, seja compensatória, seja moratória; b) devendo o valor da multa ser considerado pelo intérprete ‘manifestamente excessivo’; c) de forma relacional à natureza do negócio; e d) à finalidade do negócio. Isto significa dizer que não haverá um ‘metro fixo’ para medir a excessividade. O juízo é de ponderação, e não de mera subsunção”.

Verifica-se, desse modo, que o art. 413 do novo Código Civil determina a redução da cláusula penal em razão de dois fatos distintos, quais sejam: a) cumprimento parcial da obrigação; b) excessividade da cláusula penal. Quanto à primeira hipótese, nada mais é exigido, para que se opere a redução, além do cumprimento parcial da obrigação. Não há discricionariedade e o juiz deverá determinar a redução proporcional da cláusula penal em virtude do parcial cumprimento da avença. A recomendação de que se tenha em vista a “natureza” e a “finalidade” do negócio somente se aplica à segunda hipótese, de excessividade da cláusula penal.

A possibilidade de o juiz reduzir de ofício a cláusula penal foi admitida na IV Jornada de Direito Civil (STJ-CJF), com a aprovação do Enunciado 356, do seguinte teor: “Nas hipóteses previstas no art. 413 do Código Civil, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício”. Observe-se que tal enunciado não faz distinção entre as duas hipóteses previstas no aludido dispositivo, quais sejam: a) se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte; e b) se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio. Parece-nos, todavia, que a redução equitativa do montante da cláusula penal só deve ocorrer ex officio na primeira hipótese prevista no mencionado art. 413, ou seja, em caso de cumprimento parcial da obrigação. Se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, deve ser aberta a dilação probatória, tendo em vista a necessidade de se apurar e analisar a “natureza e a finalidade do negócio”.

Enfatizou o Superior Tribunal de Justiça que a redação contida no Código de 1916 facultava ao juiz a diminuição proporcional da cláusula penal no caso de cumprimento parcial da obrigação, para não violar o princípio que veda o enriquecimento sem causa. O diploma de 2002 passou a determinar que o juiz deve (no lugar de “pode”) reduzir equitativamente a penalidade prevista no contrato, se parte da obrigação já tiver sido cumprida, ou se o montante da pena for manifestamente excessivo. Segundo o relator, “os dois dispositivos têm correspondência, porque, mesmo antes da entrada em vigor do CC/2002, tanto a doutrina quanto a jurisprudência evidenciavam evolução na interpretação do artigo 924 do CC/1916, no sentido de reconhecer como um dever judicial, e não apenas como uma possibilidade facultativa, a redução da cláusula penal nos casos mencionados. Assim, ainda que o contrato tenha sido celebrado antes da entrada em vigor do novo CC, a regra anterior deve ser interpretada de modo a recomendar ao juiz a redução da cláusula penal, para preservar a função social do contrato, afastando o desequilíbrio contratual e o enriquecimento sem causa”9.

5. Espécies de cláusula penal

A cláusula penal pode ser compensatória e moratória. É da primeira espécie quando estipulada para a hipótese de total inadimplemento da obrigação (CC, art. 410). Por essa razão, em geral é de valor elevado, igual ou quase igual ao da obrigação principal. É da segunda espécie quando destinada: a) a assegurar o cumprimento de outra cláusula determinada; ou b) a evitar o retardamento, a mora (art. 411).

Alguns autores entendem que a cláusula penal é moratória somente no último caso, ou seja, quando destinada a evitar o atraso no cumprimento da obrigação. Entretanto, a classificação supra é a que mais se amolda aos arts. 410 e 411 do Código Civil, que assim as divide no tocante aos seus efeitos. É de lembrar, ainda, que a mora pode caracterizar-se não só quando há retardamento no cumprimento da obrigação, mas também quando esta é cumprida de modo diverso do convencionado (CC, art. 394).

Muitas vezes o interesse do credor é assegurar a observância de alguma cláusula especial (referente a determinada característica da coisa, p. ex.). Se a obrigação for cumprida, mas de forma diversa da convencionada (não observada a característica exigida), a cláusula penal estipulada para esse caso será moratória.

Embora rara a hipótese, um contrato pode conter três cláusulas penais de valores diferentes: uma, de valor elevado, para o caso de total inadimplemento da obrigação (compensatória); outra, para garantir o cumprimento de alguma cláusula especial, como, por exemplo, a cor ou o modelo do veículo adquirido (moratória); e outra, ainda, somente para evitar atraso (também moratória).

Quando o contrato não se mostra muito claro, costuma-se atentar para o montante da multa, a fim de apurar a natureza da disposição. Se de valor elevado, próximo do atribuído à obrigação principal, entende-se que foi estipulada para compensar eventual inadimplemento de toda a obrigação. Se, entretanto, o seu valor é reduzido, presume-se que é moratória, porque os contratantes certamente não iriam fixar um montante modesto para substituir as perdas e danos decorrentes da inexecução total da avença. Tal critério, contudo, somente pode ser aplicado em caso de dúvida, por falta de clareza e precisão do contrato.

6. Efeitos da distinção entre as duas espécies

Dispõe o art. 410 do Código Civil:

“Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.

O dispositivo proíbe a cumulação de pedidos. A alternativa que se abre para o credor é: a) pleitear a pena compensatória, correspondente à fixação antecipada dos eventuais prejuízos; ou b) postular o ressarcimento das perdas e danos, arcando com o ônus de provar o prejuízo; ou, ainda, c) exigir o cumprimento da prestação. Não pode haver cumulação porque, em qualquer desses casos, o credor obtém integral ressarcimento, sem que ocorra o bis in idem.

A expressão “a benefício do credor” significa que a escolha de uma das alternativas compete ao credor e não ao devedor. Não pode este dizer que prefere pagar o valor da cláusula penal a cumprir a prestação. Quem escolhe a solução é aquele, que pode optar por esta última, se o desejar.

Entretanto, quando a cláusula penal for moratória, terá aplicação o art. 411 do Código Civil, que prescreve:

“Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal”.

Como, neste caso, o valor da pena convencional costuma ser reduzido, o credor pode cobrá-la, cumulativamente, com a prestação não satisfeita. É bastante comum devedores atrasarem o pagamento de determinada prestação e serem posteriormente cobrados pelo credor, que exige o valor da multa contratual (em geral, no montante de 10 ou 20% do valor cobrado), mais o da prestação não paga.

Limongi França10 anota que essa cláusula penal, denominada comumente moratória, na verdade tipifica cláusula compensatória cumulativa, uma vez que dá ao credor a possibilidade de exigir conjuntamente, em contraposição à alternativa do artigo precedente. Tal denominação, todavia, não implica natureza diversa, mas, sim, que a moratória é subespécie da compensatória.

Verifica-se, assim, que a lei distingue entre a cláusula penal relativa ao inadimplemento e a cláusula penal relativa à mora ou à violação de qualquer dever acessório de conduta. No primeiro caso (art. 410), a prestação incluída na cláusula penal não se soma à indenização estabelecida na lei. O credor não pode exigir, ao mesmo tempo, como assevera Antunes Varela, le principal et la peine, mas pode pode optar livremente por uma ou por outra. No segundo caso (art. 411), o credor pode cumular a prestação fixada na cláusula penal com o pedido de execução forçada da prestação da dívida.

Assim, por exemplo, se as partes convencionaram o pagamento de uma multa caso a contratada para dar um espetáculo não se apresente na data aprazada, a outra poderá optar entre a sanção cominada e a indenização pelos danos que comprovadamente tiver sofrido. Não poderá, todavia, cumular a multa convencional com a indenização legal, nos termos do art. 410 do Código Civil11.

7. Cláusula penal e institutos afins

A cláusula penal apresenta semelhança com as perdas e danos, sendo ambas reduzidas a uma determinada soma em dinheiro, destinada a ressarcir os prejuízos sofridos pelo credor em virtude do inadimplemento do devedor.

A diferença reside no fato de, na primeira, o valor ser antecipadamente arbitrado pelos próprios contratantes e, na segunda, ser fixado pelo juiz, com base nos prejuízos alegados e seguramente provados. As perdas e danos, por abrangerem o dano emergente e o lucro cessante (CC, art. 402), possibilitam o completo ressarcimento do prejuízo. O valor da cláusula penal, por se tratar de uma estimativa antecipada feita pelos contratantes, pode ficar aquém do seu real montante.

Não se confundem, igualmente, cláusula penal e multa simples (também denominada cláusula penal pura). Esta é constituída de uma determinada importância, que deve ser paga em caso de infração de certos deveres, como a imposta pelo empregador ao empregado, ao infrator das normas de trânsito etc. A multa simples não tem a finalidade de promover o ressarcimento de danos, nem tem relação com inadimplemento contratual, ao contrário da cláusula penal, que constitui prefixação da responsabilidade pela indenização decorrente da inexecução culposa da avença.

A multa penitencial é outro instituto que, embora guarde semelhança com a cláusula penal, dela se distingue nitidamente. Esta é instituída em benefício do credor. O art. 410 do Código Civil expressamente refere-se à alternativa “a benefício do credor”. A este compete, pois, escolher entre cobrar a multa compensatória ou exigir o cumprimento da prestação. O devedor não pode preferir pagar a multa para não cumprir a prestação, se o credor optar por esta última solução.

A multa penitencial, ao contrário, é estabelecida em favor do devedor. Caracteriza-se sempre que as partes convencionam que este terá a opção de cumprir a prestação devida ou pagar a multa. Entende-se que, neste caso, pode o devedor, em vez de cumprir a prestação, exonerar-se mediante o pagamento de importância previamente fixada, de comum acordo.

A cláusula penal apresenta semelhanças com as arras penitenciais: ambas são de natureza acessória e têm por finalidade garantir o adimplemento da obrigação, constituindo os seus valores prefixação das perdas e danos. Malgrado, diferenciam-se por diversas razões:

a) a cláusula penal atua como elemento de coerção, para evitar o inadimplemento contratual, mas as arras penitenciais, ao contrário, por admitirem o arrependimento, facilitam o descumprimento da avença. Sabem as partes que a pena é reduzida, consistindo somente na perda do sinal dado ou na sua devolução em dobro, nada mais podendo ser exigido a título de perdas e danos, como prescrevem o art. 420 do Código Civil e a Súmula 412 do Supremo Tribunal Federal;

b) a primeira pode ser reduzida pelo juiz, em caso de cumprimento parcial da obrigação ou de montante manifestamente excessivo, sendo que tal não ocorre com as arras;

c) a cláusula penal torna-se exigível somente se ocorrer o inadimplemento do contrato, enquanto as arras são pagas por antecipação;

d) aquela aperfeiçoa-se com a simples estipulação no instrumento, nada mais sendo necessário para completá-la, nem mesmo a entrega de dinheiro ou de qualquer outro objeto — o que é indispensável para a configuração das arras penitenciais.

Guarda, ainda, afinidade com a cláusula penal o chamado abono de pontualidade. Trata-se de um desconto, para o condômino, o locatário ou o aluno de universidade particular, por exemplo, que pagar, respectivamente, as despesas condominiais, o aluguel e a taxa escolar até o dia do vencimento.

O Tribunal de Justiça de São Paulo tem considerado indevida a cumulação, nos contratos, do referido abono com cláusula penal moratória, por importar previsão de dupla multa e alteração da real data de pagamento da prestação12.

Comentando o assunto, José Fernando Simão13 oferece o seguinte exemplo: “O contrato prevê que, se a mensalidade escolar, no importe de R$ 100,00, for paga até o dia 5 do mês, haverá um desconto de 20%; se paga até o dia 10, o desconto será de 10%; e, se paga na data do vencimento, dia 15, não haverá desconto. Entretanto, se houver atraso a multa moratória será de 10%”.

Na realidade, aduz o mencionado jurista, “o valor da prestação é de R$ 80,00, pois se deve descontar o abono de pontualidade de 20%, que é cláusula penal disfarçada. Então, temos no contrato duas cláusulas penais cumuladas: a primeira, que transforma o valor da prestação de R$ 80,00 em R$ 100,00; e a segunda, aplicada após o vencimento, que transforma o valor de R$ 100,00 em R$ 110,00”.

Para Gildo dos Santos14, entretanto, “é válida a cláusula contratual que prevê desconto para o aluguel pago até o respectivo vencimento, tratando-se de estímulo à pontualidade. As cláusulas contratuais representam a vontade comum das partes no ato de contratar. Assim, somente podem ser desconsideradas tais disposições se atentarem contra a lei, a ordem pública, os bons costumes ou, ainda, quando a lei expressamente as declarar nulas ou ineficazes”.

O que se verbera, todavia, é a cumulação de tal desconto com a cláusula penal moratória, como se tem decidido: “A ‘bonificação ou abono pontualidade’ ostenta subliminarmente a natureza de evidente ‘multa moratória’, porquanto tem o desiderato de infligir pena à impontualidade. Perfeitamente legal a estipulação de abono de pontualidade em contrato de locação quando inexiste previsão de cumulação com multa moratória”15.

Conclui-se, assim, que as partes têm liberdade para convencionar o abono de pontualidade. Nesse caso, porém, não devem estabelecer a cumulação do referido desconto com multa para a hipótese de atraso no cumprimento da prestação. Atende-se, com isso, à função social limitadora da autonomia privada, assegurada no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil.

8. Cláusula penal e pluralidade de devedores

Quando a obrigação é indivisível e há pluralidade de devedores, basta que um só a infrinja para que a cláusula penal se torne exigível. Do culpado, poderá ela ser reclamada por inteiro. Mas dos demais codevedores só poderão ser cobradas as respectivas quotas. Com efeito, assim prescreve o art. 414 do Código Civil:

“Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros somente pela sua quota”.

Aduz o parágrafo único que “aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele que deu causa à aplicação da pena”. Desse modo, quem sofre, a final, as consequências da infração contratual é o próprio culpado, que terá de reembolsar os codevedores inocentes.

Quando a obrigação for divisível, diz o art. 415 do Código Civil, “só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação”. Infringida a obrigação principal por um único devedor, ou pelo seu herdeiro, só o culpado responderá pela multa, proporcionalmente à parte que tiver na obrigação principal, pois a cláusula penal, de natureza acessória, segue a condição jurídica da principal.






1 Cristiano Chaves de Farias, Miradas sobre a cláusula penal no direito contemporâneo (à luz do direito civil-constitucional, do novo Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor), RT, 797/43; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. II, p. 93.

2 Direito das obrigações, v. II, p. 169-170.

3 Derecho de obligaciones, t. I, p. 369.

4 “Locação. Cláusula penal, no caso de inadimplemento total ou parcial da obrigação. Admissibilidade. Rompimento unilateral faz incidir a multa convencionada, que tem condão de substituir eventuais perdas e danos por lucros cessantes, arbitrados antecipadamente pelas partes” (RT, 803/320).

5 STJ, REsp 1.355.554-RJ, 3ª T., rel. Min. Sidnei Beneti, j. 6-12-2012.

6 RT, 785/197.

7 “Contrato firmado antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Estipulação da perda das prestações pagas no caso de resolução contratual em virtude do inadimplemento do promitente-vendedor. Valor que deverá ser reduzido, pelo juiz, a patamar justo, com a finalidade de evitar enriquecimento sem causa de qualquer das partes” (STJ, RT, 776/187).

8 Comentários ao novo Código Civil, v. V, t. II, p. 458-464.

9 STJ, REsp 1.212.159, 3ª T., rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, www.editoramagister.com de 3-8-2012.

10 Teoria e prática da cláusula penal, p. 200.

11 Antunes Varela, Direito das obrigações, cit., v. II, p. 173.

12 Confira-se: “Abono por pontualidade. Bonificação por pagamento em dia que só pode ser exigida desde que no contrato não exista cláusula prevendo multa moratória” (TJSP, Ap. 992.090.665.693, 32ª Câm. Dir. Priv., rel. Des. Ruy Coppola, j. 28-8-2009). “Prestação de serviços educacionais. Cobrança. Desconto ou abatimento por pontualidade. Cláusula penal. Apuração dos valores devidos a título de mensalidades não pagas. Deverá ser considerado o valor líquido da prestação, descontado o abatimento por pontualidade. Multa contratual. Redução para 2%. Incidência do Código de Defesa do Consumidor. Recurso improvido” (TJSP, Ap. 987.905.004, 31ª Câm. Dir. Priv., rel. Des. Francisco Casconi, j. 11-8-2009).

13 Cláusula penal e abono de pontualidade ou cláusula penal e cláusula penal disfarçada. Carta Forense, nov./2009, p. A-5.

14 Locação e Despejo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2. ed., p. 60.

15 TJSP, Ap. 992.09.037291-2-Campinas, 31ª Câm. Dir. Priv., rel. Des. Adilson de Araújo, j. 23-2-2010.