Capítulo VI

DA NOVAÇÃO

1. Conceito

A novação, a compensação, a confusão e a remissão das dívidas, institutos que serão estudados a seguir nessa ordem, produzem o mesmo efeito do pagamento, sendo por isso denominados sucedâneos do pagamento. A transação, que integrava esse rol no Código de 1916, foi deslocada, no novo diploma, para o título concernente aos contratos em geral (Capítulo XIX, arts. 840 a 850).

Novação é a criação de obrigação nova, para extinguir uma anterior. É a substituição de uma dívida por outra, extinguindo-se a primeira. Ocorre, por exemplo, quando o pai, para ajudar o filho, procura o credor deste e lhe propõe substituir o devedor, emitindo novo título de crédito. Se o credor concordar, emitido o novo título e inutilizado o assinado pelo filho, ficará extinta a primitiva dívida, substituída pela do pai.

Não se trata propriamente de uma transformação ou conversão de uma dívida em outra, mas de um fenômeno mais amplo, abrangendo a criação de nova obrigação, para extinguir uma anterior. A novação tem, pois, duplo conteúdo: um extintivo, referente à obrigação antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. O último aspecto é o mais relevante, pois a novação não extingue uma obrigação preexistente para criar outra nova, mas cria apenas uma nova relação obrigacional, para extinguir a anterior. Sua intenção é criar para extinguir1.

A novação não produz, como o pagamento, a satisfação imediata do crédito, sendo, pois, modo extintivo não satisfatório. O credor não recebe a prestação devida, mas apenas adquire outro direito de crédito ou passa a exercê-lo contra outra pessoa. Tem, ainda, a novação natureza contratual, operando-se em consequência de ato de vontade dos interessados, jamais por força de lei.

Segundo Lacerda de Almeida, a novação acarreta a extinção da dívida antiga, não a transformando, mas aniquilando-a. A “nova dívida é, portanto, criação nova, pode ter objeto diferente, cláusulas e seguranças diversas, e só se prende à antiga por tê-la como causa da obrigação. A nova obrigação pode ter objeto idêntico ao da primeira, sem que contudo deixe de constituir criação nova. Aqui é que importa indagar o animus novandi, a intenção das partes, o que afinal se reduz a uma questão de fato”2.

Também Roberto de Ruggiero enfatiza esse aspecto, dizendo que a novação não é “uma simples transformação de um direito de crédito pela mudança de um dos seus elementos constitutivos ou acessórios, mas a constituição de um novo direito de crédito sobre a base e com a substância de uma precedente relação obrigatória, que fica extinta, ou mais precisamente a extinção de uma obrigação mediante a constituição de uma obrigação nova, que toma o lugar da precedente”3.

A novação desempenhou papel de grande relevo no direito romano pelo fato de esse direito não admitir a alteração da obrigação, depois de contraída. Quando o progresso impôs a necessidade de se transferirem os créditos ou os débitos, o meio encontrado foi extinguir a relação jurídica anterior e constituir-se uma nova — o que se tornou possível pela novação. Todavia, era a mesma dívida que, extinguindo-se, se reconstituía sobre os alicerces da anterior, por meio de estipulação entre partes diferentes. Era o mesmo débito que, em outra obrigação, se transferia a um novo credor ou a um novo devedor4.

Somente no direito moderno a novação passou a ter a acepção ampla de meio liberatório, mediante a criação de uma obrigação nova, para extinguir uma anterior. A transmissão das posições obrigacionais se faz hoje pela cessão de crédito e pela cessão de débito. Daí a razão pela qual alguns Códigos, como o alemão e o suíço, pouca atenção lhe dedicaram. No Código Civil brasileiro de 2002, porém, manteve o instituto a mesma feição que lhe foi dada no diploma anterior, quando aparecia frequentemente nos ementários de jurisprudência5.

2. Requisitos da novação

São requisitos ou pressupostos caracterizadores da novação: a existência de obrigação anterior (obligatio novanda), a constituição de nova obrigação (aliquid novi) e o animus novandi (intenção de novar, que pressupõe um acordo de vontades).

O primeiro requisito consiste na existência de obrigação jurídica anterior, visto que a novação visa exatamente à sua substituição. É necessário que exista e seja válida a obrigação a ser novada. Dispõe, com efeito, o art. 367 do Código Civil:

“Salvo as obrigações simplesmente anuláveis, não podem ser objeto de novação obrigações nulas ou extintas”.

Não se pode novar o que não existe, ou já existiu mas encontra-se extinto, nem extinguir o que não produz efeitos jurídicos. Judith Martins-Costa critica a impropriedade terminológica da expressão “obrigações nulas”, dizendo que “obrigação é efeito, tal como a ‘dívida’, de negócio jurídico válido. Se a dívida é efeito, não se irradiam quaisquer efeitos de negócio jurídico nulo sequer a obrigação e dívida: ex nihilo, nihil, não se podendo novar o que não existe, ou que não está no mundo jurídico, porque dele foi afastado em razão da inexistência de certos elementos essenciais ao seu processo formativo”6.

A obrigação simplesmente anulável, entretanto, pode ser confirmada pela novação, pois tem existência, enquanto não rescindida judicialmente. Podendo ser confirmada, interpreta-se sua substituição como renúncia do interessado ao direito de pleitear a anulação. O vício que torna anulável um negócio jurídico não ofende a ordem pública, visando exclusivamente proteger o relativamente incapaz, ou quem foi vítima de um vício do consentimento ou da fraude contra credores (CC, art. 171). Por essa razão a lei permite que o defeito seja sanado pela confirmação.

É grande a dissensão a respeito da possibilidade de serem ou não novadas as obrigações naturais. Segundo considerável parte da doutrina, não comportam elas novação, porque o seu pagamento não pode ser exigido compulsoriamente. Não se pode revitalizar ou validar relação obrigacional juridicamente inexigível.

A matéria, entretanto, é controvertida, havendo entendimentos contrários a este. Outra corrente, com efeito, sustenta que a falta de exigibilidade da obrigação natural não é obstáculo para a novação, pois a obrigação natural ganha substrato jurídico no momento de seu cumprimento. Os contratos estão no âmbito da autonomia da vontade. Se as partes concordam em novar uma dívida natural por outra civil, não há por que obstar seu desejo: pacta sunt servanda. O que justifica a novação não é a exigibilidade do crédito, senão a possibilidade de seu cumprimento, e essa possibilidade existe na obrigação natural.

Como já dissemos no Capítulo VII (“Outras modalidades de obrigações”) — “Das obrigações civis e naturais”), item 2.4, ao qual nos reportamos, sendo a obrigação natural válida como qualquer obrigação civil, bem como válido o seu pagamento, com caráter satisfativo, embora não exigível (imperfeita), não há, efetivamente, empeço justificável a que seja substituída por outra obrigatória, mediante livre acordo celebrado entre credor e devedor, visto que, efetivamente, não é a exigibilidade, mas a possibilidade de cumprimento do crédito que justifica a novação.

A obrigação sujeita a termo ou a condição existe (CC, arts. 125 e 131) e, portanto, é passível de novação. A nova dívida, contraída para substituir a primeira, que deixa de existir, poderá ser pura e simples ou igualmente condicional. No último caso, a validade da novação dependerá do implemento da condição estabelecida, resolutiva ou suspensiva7.

Malgrado a opinião divergente de Clóvis Beviláqua, os autores em geral não veem obstáculos na novação da dívida prescrita, que é dotada de pretensão e pode ser renunciada, devendo-se entrever, na novação de uma dívida prescrita, segundo Soriano Neto, citado por Serpa Lopes, uma renúncia tácita à prescrição consumada8. Na mesma linha, Judith Martins-Costa, bem escorada em Pontes de Miranda, obtempera que “a lógica está a indicar que a dívida prescrita, por existente, pode ser objeto de novação. Quem nova dívida prescrita, extingue-a, havendo novabilidade sempre que há interesse do devedor em se liberar (ainda que por razões morais), embora não estivesse sujeito a exercício de pretensão ou de ação”9.

O segundo requisito é a constituição de nova dívida (aliquid novi), para extinguir e substituir a anterior. A inovação pode recair sobre o objeto e sobre os sujeitos, ativo e passivo, da obrigação, gerando, em cada caso, uma espécie diversa de novação. Esta só se configura se houver diversidade substancial entre a dívida anterior e a nova. Não há novação quando se verifiquem alterações secundárias na dívida, como exclusão de uma garantia, alongamento ou encurtamento do prazo, estipulação de juros etc.

Frisa, a propósito, Renan Lotufo: “Fica claro, portanto, e desde logo, que a moratória não se considera novação, na medida em que a obrigação continua sendo a mesma, só se alterando o termo do vencimento. Não se extingue a obrigação original para criar outra. A mesma obrigação continua existindo, somente não se considerando o termo prefixado como o da exigibilidade. Por isso mesmo não se tem alteração, exceto previsão expressa de lei, ou das partes, como ocorre com o art. 838, I, quanto ao fiador que desconhece a concessão de moratória para o devedor”10.

O terceiro requisito diz respeito ao animus novandi. É imprescindível que o credor tenha a intenção de novar, pois importa renúncia ao crédito e aos direitos acessórios que o acompanham. Quando não manifestada expressamente, deve resultar de modo claro e inequívoco das circunstâncias que envolvem a estipulação. Na dúvida, entende-se que não houve novação, pois esta não se presume11.

Dispõe, com efeito, o art. 361 do Código Civil;

“Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira”.

Nesse caso coexistem as duas dívidas, que, entretanto, não se excluem12. Não ocorre novação, por exemplo, quando o credor simplesmente concede facilidades ao devedor, como a dilatação do prazo, o parcelamento do pagamento ou ainda a modificação da taxa de juros, pois a dívida continua a mesma, apenas modificada em aspectos secundários.

O animus novandi pressupõe um acordo de vontades, que é elemento integrante da estrutura da novação. Nos contratos de adesão, maior deve ser a inequivocidade do animus novandi, “a ser apreciado conforme o conjunto de circunstâncias e a concreta possibilidade de percepção das partes, mormente as que se apresentam como hipossuficiente”13.

Admite-se que a forma utilizada para novar seja tácita, que se deduz da conduta do agente e não se identifica com a declaração presumida nem com o silêncio, desde que a declaração novativa seja inequívoca, isto é, certa, manifesta, que não enseja dúvida. Segundo Serpa Lopes, o animus novandi tácito deve ser certo, pois que, se pairar qualquer dúvida, mesmo levíssima, é de se excluir a novação. No tocante à novação objetiva, aduz, o critério para reconhecê-la é o da incompatibilidade entre a nova obrigação e a precedente, cercada de tais circunstâncias que permitam se induzir claramente a intenção de novar. Assim, não indica um animus novandi a intervenção de um novo devedor, sem a liberação do existente, atento a que, nesse caso, há apenas um aumento de garantia14.

Na mesma linha preleciona Carvalho de Mendonça: “A novação tácita, portanto, dá-se todas as vezes que, sem declarar por termos precisos que a efetua, o devedor é exonerado da primeira obrigação e assume outra diversa, na substância ou na forma, da primeira, de modo a não ser uma simples modificação dela. É preciso, em suma, que a primeira e a segunda sejam incompatíveis. Assim, não induz novação por não ser incompatível uma com outra: a mudança do documento da obrigação de particular para público, ou vice-versa; a diminuição do prazo, o acréscimo das garantias, a mudança do lugar do pagamento, a cláusula nova de juros estipulados para uma dívida que os não vencia, a transferência da natureza individual para a solidária, a aposição de uma cláusula penal, etc. Ao contrário, se se converte uma alternativa em simples, ou vice-versa, se se opõe ou se retira uma condição; se se altera, enfim, o modus da obrigação, a novação é inquestionável”15.

3. Espécies de novação

Há três espécies de novação: a objetiva, a subjetiva e a mista. Na primeira, altera-se o objeto da prestação; na segunda, ocorre a substituição dos sujeitos da relação jurídica, no polo passivo ou ativo, com quitação do título anterior; na mista, ocorrem, simultaneamente, na nova obrigação, mudança do objeto e substituição das partes.

Dá-se a novação objetiva ou real quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior” (CC, art. 360, I). Ocorre, por exemplo, quando o devedor, não estando em condições de saldar dívida em dinheiro, propõe ao credor, que aceita, a substituição da obrigação por prestação de serviços. Para que se configure, todavia, faz-se mister o animus novandi, sob pena de caracterizar-se uma dação em pagamento, na qual o solvens não mais seria devedor. Na novação, continua a sê-lo. Produz, assim, a novação a mudança de um objeto da prestação em outro, quando não seja imediatamente transferido como na dação16.

Pode haver novação objetiva mesmo que a segunda obrigação consista também no pagamento em dinheiro, desde que haja alteração substancial em relação à primeira. É muito comum a obtenção, pelo devedor, de novação da dívida contraída junto ao banco, mediante pagamento parcial e renovação do saldo por novo prazo, com a emissão de outra nota promissória, nela se incluindo os juros do novo período, despesas bancárias, correção monetária etc., e com a quitação do título primitivo.

A novação objetiva pode decorrer de mudança no objeto principal da obrigação (conversão de dívida em dinheiro em renda vitalícia ou em prestação de serviços, p. ex.), em sua natureza (uma obrigação de dar substituída por outra de fazer, ou vice-versa) ou na causa jurídica (quando alguém, p. ex., deve a título de adquirente e passa a dever a título de mutuário, ou passa de mutuário a depositário do numerário emprestado)17.

A novação é subjetiva ou pessoal quando promove a substituição dos sujeitos da relação jurídica. Pode ocorrer por substituição do devedor (“quando novo devedor sucede ao antigo, ficando este quite com o credor”, segundo dispõe o art. 360, II, do CC) ou por substituição do credor (“quando, em virtude de obrigação nova, outro credor é substituído ao antigo, ficando o devedor quite com este”, nos termos do art. 360, III, do mesmo diploma).

A novação subjetiva por substituição do devedor (novação passiva) “pode ser efetuada independentemente de consentimento deste” (CC, art. 362), e, neste caso, denomina-se expromissão. Pode ser efetuada, ainda, por ordem ou com o consentimento do devedor, havendo neste caso um novo contrato de que todos os interessados participam, dando seu consentimento. Ocorre, nesta hipótese, o fenômeno da delegação, não mencionado pelo Código, por desnecessário, já que este autoriza a substituição até mesmo sem o consentimento do devedor. Assim, o pai pode substituir o filho, na dívida por este contraída, com ou sem o consentimento deste. Só haverá novação se houver extinção da primitiva obrigação. Neste caso, a delegação será perfeita. Se, todavia, o credor aceitar o novo devedor, sem renunciar ou abrir mão de seus direitos contra o primitivo devedor, não haverá novação e a hipótese será de delegação imperfeita.

Confirmando essa assertiva, preleciona Rui Geraldo Camargo Viana: “No que se refere à novação passiva ela se realiza por dois modos: a expromissão, na qual o novo devedor contrai a nova dívida sem ou até contra o consenso do anterior (ignorante ou invito debitore); a delegação, operada com o consentimento do devedor, isto é, por ordem do devedor da obrigação anterior”18.

Na novação subjetiva por substituição do devedor ocorre o fenômeno da assunção de dívida ou cessão de débito, especialmente quando se trata de delegação, em que o devedor indica terceira pessoa para resgatar seu débito (mudança de devedor e também da obrigação). Mas a referida cessão pode ocorrer sem novação, ou seja, com a mudança do devedor e sem alteração na substância da relação obrigacional (cessão de financiamento para aquisição da casa própria, cessão de fundo de comércio etc.), hipótese esta disciplinada no Código Civil, nos arts. 299 a 303, sob o título “Da Assunção de Dívida” (v. Capítulo II do Título II — Da transmissão das obrigações, retro).

A propósito da assunção de dívida ou cessão de débito assevera Limongi França: “Trata-se, em rigor, de substituição em a mesma relação jurídica, pois, caso contrário, haveria novação. E é condição de sua eficácia o consentimento do credor. A possível distinção teórica, entre a novação subjetiva passiva e a cessão de débito, consiste justamente em que naquela a dívida anterior se extingue, para ser substituída pela subsequente; enquanto que nesta é a mesma obrigação que subsiste, havendo mera alteração na pessoa do devedor. A consequência primordial resultante da distinção é que na novação, desaparecendo a dívida anterior, perecem as garantias e acessórios do crédito assim novado”19.

Na novação subjetiva por substituição do credor (novação ativa ou mutatio creditoris) ocorre um acordo de vontades, pelo qual muda a pessoa do credor. Mediante nova obrigação, o primitivo credor deixa a relação jurídica e outro lhe toma o lugar. Assim, o devedor se desobriga para com o primeiro, estabelecendo novo vínculo para com o segundo, pelo acordo dos três.

Veja-se o exemplo: A deve para B, que deve igual importância a C. Por acordo entre os três, A pagará diretamente a C, sendo que B se retirará da relação jurídica. Extinto ficará o crédito de B em relação a A, por ter sido criado o de C em face de A (substituição de credor). Não se trata de cessão de crédito, porque surgiu dívida inteiramente nova. Extinguiu-se um crédito por ter sido criado outro. De certa forma se configurou uma assunção de dívida, pois A assumiu, perante C, dívida que era de B. Todavia, a hipótese não se confunde com a disciplinada no novo Código Civil, por ter havido novação.

Tal espécie de novação não se confunde com a cessão de crédito. Nesta, todos os acessórios, garantias e privilégios da obrigação primitiva são mantidos (CC, art. 287), enquanto na novação ativa eles se extinguem.

A novação mista é expressão da doutrina, não mencionada no Código Civil. Decorre da fusão das duas primeiras espécies e se configura quando ocorre, ao mesmo tempo, mudança do objeto da prestação e dos sujeitos da relação jurídica obrigacional. Por exemplo: o pai assume dívida em dinheiro do filho (mudança de devedor), mas com a condição de pagá-la mediante a prestação de determinado serviço (mudança de objeto).

Trata-se de um tertium genus, que congrega simultaneamente as duas espécies anteriormente mencionadas, conservando, por essa razão, as características destas20.

Assevera Caio Mário da Silva Pereira21, apoiado em Clóvis Beviláqua e Alfredo Como, que, “se se conjugam a alteração subjetiva e a objetiva, teremos uma figura de novação subjetivo-objetiva, inteiramente aceitável”.

Parece-nos, no entanto, que o correto é considerar a existência de apenas duas espécies de novação, a objetiva e a subjetiva, visto que esta última já engloba a que alguns autores denominam mista. Efetivamente, para que se caracterize a novação subjetiva não basta que haja substituição dos sujeitos da relação jurídica, seja no polo ativo (CC, art. 360, III), seja no polo passivo (art. 360, II), sendo necessária a criação de nova relação obrigacional, sob pena de configurar-se uma cessão de crédito ou uma assunção de dívida.

Discute-se na doutrina se lançamento em conta-corrente constitui novação objetiva, sustentando alguns que a inscrição faz desaparecer o antigo débito e surgir um novo, fundado na partida da conta. Ao aceitar as contas, o devedor correntista reconhece o saldo em nova realidade, extinguindo-se a obrigação decorrente da conta-corrente, bem como as garantias reais ou fidejussórias.

Predomina, no entanto, o entendimento de que não se opera novação, na hipótese, mas uma transformação dos créditos em meras partidas ou artigos de conta, que se mantêm indivisíveis até o reconhecimento final. A indivisibilidade da conta-corrente justifica tal posicionamento, tendo em vista que os lançamentos efetuados na conta-corrente perdem sua indivisibilidade para compor as colunas do dever e haver, que serão apuradas ao final, somente no fechamento, ao apontar o verdadeiro e exigível saldo22.

O Superior Tribunal de Justiça, com observância do princípio da função social dos contratos e nova visão do conceito tradicional de novação herdado do direito romano, editou a Súmula 286, do seguinte teor: “A renegociação de contrato bancário ou a comissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”.

4. Efeitos da novação

O principal efeito da novação consiste na extinção da primitiva obrigação, substituída por outra, constituída exatamente para provocar a referida extinção. Não há falar em novação quando a dívida continua a mesma e modificação alguma se verifica nas pessoas dos contratantes23.

Os arts. 363 e 365 do Código Civil referem-se à novação subjetiva por substituição do devedor. Diz o primeiro: “Se o novo devedor for insolvente, não tem o credor, que o aceitou, ação regressiva contra o primeiro, salvo se este obteve por má-fé a substituição”.

A insolvência do novo devedor corre por conta e risco do credor, que o aceitou. Não tem direito a ação regressiva contra o primitivo devedor, mesmo porque o principal efeito da novação é extinguir a dívida anterior. Mas, em atenção ao princípio da boa-fé, que deve sempre prevalecer sobre a malícia, abriu-se a exceção, deferindo-se-lhe a ação regressiva contra o devedor, se este, ao obter a substituição, ocultou, maliciosamente, a insolvência de seu substituto na obrigação.

A má-fé deste tem, pois, o condão de reviver a obrigação anterior, como se a novação fosse nula. Traduz-se a mala fides pelo emprego de quaisquer expedientes tendentes a desfigurar a realidade da situação, criando aparências ilusórias, ou destruindo ou sonegando quaisquer elementos que pudessem esclarecer o delegado, visto que o princípio da boa-fé objetiva, como princípio orientador do direito obrigacional, impõe ao delegante o dever de informar. Pode ela apresentar-se, pois, sob a forma de ação (positiva ou comissiva) ou de omissão (negativa ou omissiva)24.

O art. 365 prescreve a exoneração dos devedores solidariamente responsáveis pela extinta obrigação anterior, estabelecendo que só continuarão obrigados se participarem da novação. Operada a novação entre o credor e apenas “um dos devedores solidários”, os demais, que não contraíram a nova obrigação, “ficam por esse fato exonerados”. São estranhos à dívida nova. Assim, extinta a obrigação antiga, exaure-se a solidariedade. Esta só se manterá se for também convencionada na última.

Efetivamente, havendo a extinção total da dívida primitiva por força da novação operada, a exoneração alcança todos os devedores solidários. Se, no entanto, um ou alguns novaram, não se justifica a extensão da responsabilidade pela dívida nova àqueles que não participaram do acordo novatório. Como já foi dito, o animus novandi não se presume, pois deve ser sempre inequívoco (CC, art. 361).

Da mesma forma, “importa exoneração do fiador a novação feita sem seu consenso com o devedor principal” (CC, art. 366). Trata-se de uma consequência do princípio estabelecido no art. 364, primeira parte, do novo diploma, segundo o qual “a novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário”. A fiança só permanecerá se o fiador, de forma expressa, assentir com a nova situação. Proclama a Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”.

A respeito das renegociações de dívidas bancárias, pondera Arnaldo Rizzardo que, “se, pelos princípios vistos, a novação importa em criar uma nova obrigação com a extinção da anterior, não podem subsistir as cédulas rurais ou industriais, hipotecárias ou pignoratícias, admitidas unicamente para fins específicos. Uma vez efetuada a renegociação, é primário que não mais persiste qualquer financiamento”25.

Entre os acessórios da dívida, mencionados no art. 364 supratranscrito, encontram-se os juros e outras prestações cuja existência depende da dívida principal, como a cláusula penal, não mais operando os efeitos da mora. O mencionado efeito é consequência do princípio de que o acessório segue o destino do principal. O dispositivo ressalva a possibilidade de sobrevirem os acessórios, na obrigação nova, se as partes assim convencionarem.

Nas garantias incluem-se as reais, como o penhor, a anticrese e a hipoteca: e as pessoais, como a fiança. Incluem-se, também, os privilégios.

Aduz o referido art. 364, na segunda parte, que “não aproveitará, contudo, ao credor ressalvar o penhor, a hipoteca ou a anticrese, se os bens dados em garantia pertencerem a terceiro que não foi parte na novação”. Com efeito, extinto o vínculo primitivo e, por consequência, desaparecidas as garantias que o asseguravam, estas só renascem por vontade de quem as prestou26.






1 Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, 32. ed. v. 4, p. 291; Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, v. 2, p. 280-281; Serpa Lopes, Curso de direito civil, v. II, p. 254.

2 Obrigações, p. 338, nota 4.

3 Instituições de direito civil, v. III, p. 160.

4 Washington de Barros Monteiro, Curso, 32. ed., cit., v. 4, p. 290; Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 2, p. 203.

5 “Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Acréscimo de novos encargos financeiros, extinguindo dívida anterior. Novação objetiva operada. Impossibilidade de discussão do débito originário” (RT, 664/146). “Constitui causa de exoneração da fiança a transferência indevida do imóvel pelo locatário a seu genitor, porque tal fato induz autêntica novação a afastar a garantia prestada pelo fiador” (RT, 679/133).

6 Comentários ao novo Código Civil, v. V, t. I, p. 556.

7 Washington de Barros Monteiro, Curso, 32. ed., cit., v. 4, p. 293-294; Judith Martins-Costa, Comentários, cit., v. V, t. I, p. 513.

8 Curso, cit., v. II, p. 260, n. 211.

9 Comentários, cit., v. V, t. I, p. 515.

10 Código Civil comentado, v. 2, p. 345.

Nessa linha a jurisprudência: “Novação. Descaracterização. Prorrogações do prazo para pagamento de empréstimos com a confecção de novos títulos, amortizados os valores pagos. Possibilidade da discussão da legalidade dos títulos substituídos a todo tempo” (RT, 762/363). “Novação. Contrato de mútuo. Repactuação de dívida. Circunstância que não pode ser considerada como meio indireto de extinção da obrigação, mormente se não houve modificação da natureza da prestação ou da causa debendi” (RT, 796/272). “Novação. Inocorrência. Simples amortização do quantum debeatur que não constitui fato hábil à caracterização do animus novandi” (RT, 792/349). “Novação. Ocorrência. Instrumento particular de confissão de dívida proveniente do saldo de composições das operações e débitos de conta-corrente. Nova obrigação com um valor certo, outro condicionamento e prazo. Extinção das obrigações anteriores, impossibilitando discussões a respeito” (RT, 803/337).

11 “Novação. Presunção. Inadmissibilidade. Necessidade da comprovação do ânimo de novar” (RT, 759/327).

12 “Acordo de empréstimo de dinheiro com o banco para cobrir saldo devedor da própria conta-corrente. Contrato que não evidencia um novo financiamento ou novação, mas apenas a confirmação das cláusulas de abertura de crédito em conta-corrente” (RT, 801/359). “Novação. Inocorrência. Credor que nega expressamente, em contrato, o animus novandi. Hipótese que só confirma a dívida originária” (RT, 793/287). “Novação. Inocorrência. Locação. Pagamento de locativos devidos através de cheque de terceiro, devolvido por falta de fundos” (RT, 787/296).

13 Judith Martins-Costa, Comentários, cit., v. V, t. I, p. 538.

14 Curso, cit., v. II, p. 264.

15 Doutrina e prática das obrigações, t. I, p. 595-596.

16 Carvalho de Mendonça, Doutrina, cit., t. I, p. 596; Judith Martins-Costa, Comentários, cit., v. V, t. I, p. 521.

17 Washington de Barros Monteiro, Curso, 32. ed., cit., v. 4, p. 292.

18 A novação, p. 40.

19 Cessão de débito, in Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 14, p. 191.

20 Álvaro Villaça Azevedo, Teoria geral das obrigações, p. 177; Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, v. II, p. 207.

21 Instituições, cit., v. II, p. 149.

22 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. II, p. 150; Rui Geraldo Camargo Viana, A novação, cit., p. 48.

23 Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., 32. ed., v. 4, p. 295.

24 Judith Martins-Costa, Comentários, cit., v. V, t. I, p. 544-545.

25 Direito das obrigações, p. 397.

26 Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 2, p. 208.