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Capítulo 1

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Ele bem se lembrava do velho carvalho, aquele com o tronco rachado. Suas copas estavam tomadas de folhagem, um gigante enchendo o céu, quando ele cavalgou até Meryton pela primeira vez com Bingley. Agora, seus galhos nus se estendiam por sobre a sebe, como uma armadilha para viajantes desprevenidos.

Ele conhecia os perigos da estrada que percorria. Ela levava a Miss Elizabeth Bennet dos belos olhos, a mulher que quase o fizera se esquecer quem era e o que precisava fazer. Não mais. Vencera aquela fraqueza e a deixara para trás. A viagem a Meryton tinha um propósito e somente um, e não incluía vê-la.

A maioria de seus conhecidos em Meryton já havia se desvanecido em sua memória. Mal se lembrava de seus rostos, apenas daquela pequena mecha de cabelo que escapuliu dos grampos de Elizabeth e dançava sobre a base de seu pescoço — isso sim, ele se lembrava com detalhes dolorosos. Podia praticamente sentir o seu perfume de lavanda e ver o reflexo da luz de velas no pingente de prata gravado que ela usava no baile de Netherfield, fazendo desviar seu olhar para baixo e para a tentação. E a música de seu riso, o lampejo de seus belos olhos quando se divertia, aquele vestido azul-claro que usava quando Caroline Bingley a convidou para andar em volta da sala. A luz do sol o atravessou quando ela passou em frente à janela, e aquela imagem ficou gravada em sua alma. Mas agora ele já superara tudo isso. Caso ela atravessasse seu caminho hoje, não sentiria nada. Estava, uma vez mais, no controle de si mesmo, senhor de Pemberley e de seu destino.

O vento gelado passou assoviando pelos seus ouvidos e em seu pescoço, enquanto uns poucos flocos de neve dançavam preguiçosamente no ar. Com a mão livre, apertou seu cachecol e levantou o colarinho de seu sobretudo de capas. Suas grossas luvas de couro eram forradas com peles mas, mesmo assim, seus dedos estavam começando a perder a sensibilidade enquanto ele segurava as rédeas. Teria sido mais inteligente viajar de carruagem neste tempo, onde poderia ter um revestimento quente em seus pés e outro para suas mãos, mas preferiu a liberdade de ir e vir rapidamente quando chegasse a Meryton. Estava a poucos quilômetros agora. Seus dedos dormentes não importavam. Quanto mais rápido o fizesse, mais feliz ficaria.

Ele apertou os olhos para o céu cinzento. Estava claro quando deixara Londres mas, agora, as nuvens cobriam cada centímetro dele; porém, não se importava com isso. As nuvens combinavam mais com seu humor do que céus ensolarados. Mas agora a neve caía com mais intensidade e o vento soprava mais forte.

Uma séria tempestade de neve poderia prendê-lo em Meryton durante a noite, o que seria inaceitável. As pessoas poderiam reconhecê-lo e fazer perguntas. Talvez fosse melhor voltar e encontrar uma hospedaria na estrada. Mas ele não trouxera seu criado ou roupas para mais um dia e, caso fosse esperar, em uma hospedaria, que a neve passasse, teria que ir a Longbourn com aspecto desalinhado. Como se não bastasse não conseguir esconder os vestígios de sua longa e fria viagem. Não que tivesse qualquer necessidade de impressionar alguém em Longbourn — longe disso. Não tinha intenções de dar quaisquer expectativas a ninguém. Não mesmo.

Parecia ser apenas uma nevada e logo o tempo melhoraria.

Uma rajada de vento jogou flocos de neve em seu rosto. Mercury balançou a cabeça e relinchou, muito provavelmente descontente com a neve soprando em seus olhos. Sem dúvida, o animal nunca vira neve antes. Darcy inclinou-se para a frente e bateu de leve no lado de sua cabeça, mas as orelhas do cavalo continuaram achatadas. Talvez tivesse sido um erro escolher o jovem garanhão, em vez de um de seus melhores cavalos treinados.

Mas agora a neve estava caindo mais forte, dificultando a visão da estrada pela frente. Com os diabos, teria que voltar. Porém, quando puxou as rédeas de Mercury, o cavalo, em vez de virar, empinou-se violentamente. De repente, só havia ar debaixo de Darcy.

***

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Elizabeth Bennett agasalhou seus dedos gelados em sua luva de lã, desejando que Lydia não tivesse mais uma vez reivindicado o manto de peles. Claro que Lydia riria e diria que era sua culpa andar pelo longo caminho que ligava sua casa e a igreja. Lydia nunca entenderia sua necessidade de se afastar de todos, e hoje ela ficaria louca se não tivesse um tempo para si mesma.

Por que, ora, porque concordou em visitar Charlotte em Kent? A última coisa que queria era viajar para tão longe, apenas pelo suposto prazer de dividir uma casa com Mr. Collins e todas as suas tagarelices e galanteios ridículos. Como pôde Charlotte ter concordado em se casar com um homem tão tolo? O que acontecera com seu bom senso? Elizabeth teria preferido ser uma solteirona pobre do que casar com um homem que não pudesse respeitar.

No entanto, foi impossível recusar o convite. Se pelo menos Charlotte não lhe tivesse feito o pedido na porta da igreja, com todos à sua volta! Ela poderia ter encontrado uma desculpa para não visitá-los. Mas agora já se comprometera, porque todos sabiam que iria para Kent em março. Oh, que felicidade — teria, sem dúvida, o grande prazer de também encontrar a famosa lady Catherine de Bourgh. Não seria uma viagem feliz.

Agora, a neve estava descendo de fato, rodopiando à sua volta e pintando o mundo em nuances de branco. Como resistir a esticar a língua, para apanhar um floco de neve, mesmo que estivesse quase congelada? Entre as irmãs, era a melhor nesse tipo de brincadeira, e correr atrás de flocos de neve era muito mais agradável do que pensar na visita a Charlotte e seu marido horroroso. Seus dedos frios ficaram esquecidos à medida que ela dançava pelo caminho, parando aqui e ali para examinar as formas complexas dos flocos de neve que caíam em suas luvas. Cada um era tão diferente do seguinte! Se ao menos pudesse preservar essas formas fantásticas. Mas elas se desfaziam em questões de segundos.

***

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Uma faca em brasa estava cavando um buraco na cabeça de Darcy. Por quê? Tudo o que ele queria era dormir. O frio finalmente havia ido embora. Se pelo menos a faca fizesse o mesmo!

— Mr. Darcy. Mr. Darcy! — Uma voz feminina chamava seu nome com urgência.

Desejava ignorá-la, mas a voz despertou algo em sua memória. Forçou-se a abrir os olhos para encontrar o rosto de Elizabeth Bennet a poucos centímetros do seu.

— Você — disse ele claramente — não deveria estar aqui.

— Não deveria estar aqui? — A voz dela elevou-se acentuadamente, ao pronunciar essas palavras. — O senhor é quem... oh, não importa. Está bem o suficiente para andar?

— Andar? Por que iria querer andar?

Ela fechou os olhos, como se buscasse internamente por paciência.

— Porque está nevando e o senhor está ferido.

— Não estou ferido. Estou apenas descansando.

Nessa hora, os lábios dela contraíram-se.

— Estou vendo. O senhor escolheu descansar à beira da estrada, em meio a uma tempestade de neve, com um corte em sua cabeça. Uma escolha interessante, Mr. Darcy. Pessoalmente, recomendaria uma cama bem quentinha da próxima vez.

Quão tentadores esses lábios são!

— Uma cama quente parece excelente, embora duvide que descanse.

Elizabeth virou o rosto, mas ele achou que ela estava rindo.

— Vamos, senhor, devo levá-lo a um abrigo. Temo que esteja confuso por causa de seu ferimento.

Ele franziu o cenho. Teria sua habitual inteligência a abandonado?

— Já lhe disse. Não estou ferido.

Com um suspiro, ela tirou sua luva e tocou a faca em brasa com os dedos, enfiando-a ainda mais fundo em seu crânio. Ele estremeceu, enquanto ela segurava um lenço manchado de sangue diante dele.

— Senhor, está sangrando. Isso costuma ser uma característica de ferimentos.

Estaria rindo dele? Tentou levantar-se até ficar sentado, uma vez que não era cortês estar deitado diante de uma dama, mas a faca retorcia dolorosamente e ele teve que morder os lábios para não gritar. Com efeito, estava ferido.

— Ah, sim, imagino que sim.

Uma lufada de vento gelado passou por eles. Elizabeth agarrou sua touca, segurando-a na cabeça.

— Mr. Darcy, a tempestade está piorando. Não podemos ficar aqui.

— Onde estamos?

— Em Hatfield Road. Estava viajando sozinho?

— Acho... — Ele balançou a cabeça levemente, fazendo com que uma onda de dor incandescente atravessasse seu cérebro. Não se recordava como foi parar ali. Certamente, não o admitiria para Miss Elizabeth Bennet.

— Não importa. Acha que consegue levantar-se?

A neve descia agora de forma inclinada e pequenos cristais de gelo atingiam seu rosto como pequenas picadas. Rangendo os dentes pelo desconforto inevitável, ele pôs-se de pé, com os músculos rígidos. Sacudiu a cobertura de neve que estava acumulada em seu sobretudo.

— Devo ter ficado inconsciente por alguns minutos.

— Temo que mais do que alguns minutos, pela quantidade de neve que está no senhor. Deve estar quase congelado. Talvez queira pressionar meu lenço em sua ferida para que não volte a sangrar. — Ela levantou-se com a mão meio estendida, preparada para ajudá-lo.

Ele não precisava de sua ajuda, mesmo se o chão a seus pés estivesse visivelmente se movendo.

— Estou muito bem. Há algum abrigo próximo?

— Meryton está a quase cinco quilômetros daqui, mas há uma taberna a talvez metade desta distância, onde o senhor poderá se aquecer ao fogo.

Três quilômetros. Ele tentou dar um passo, depois outro. Sentiu sua visão desfocar. Através da névoa de dor, falou:

— Temo que esteja acima de minhas forças. Posso pedir-lhe que busque ajuda enquanto fico aqui?

Ter que pedir ajuda é sempre difícil. Implorar a Elizabeth Bennet era ainda pior.

Elizabeth avaliou o céu, apesar de não conseguir ver nada além da forte nevasca, e depois o local onde ele estivera deitado, já quase totalmente coberto de neve.

— Não ouso deixá-lo sozinho por tanto tempo, com esse clima. Há uma cabana de um trabalhador perto daqui. Eu o levarei até lá, então procurarei por socorro. — Ela mordeu o lábio. — As instalações não serão iguais àquelas a que está acostumado, mas estarão quentes e secas.

— Já estive em cabanas humildes antes. Não posso pedir mais que um lugar quente e seco. — Eram condições que pareciam o paraíso, no momento.

***

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Teria já passado pela cabana? Poderia estar escondida pela tempestade de neve, e ela não conseguia ver nada, nem mesmo trinta passos à sua frente. Estava mais distante do que ela se lembrava. Parecia apenas alguns minutos, a partir do momento em que passara pela cabana em sua caminhada, até encontrar Mr. Darcy deitado ao lado da estrada; agora, porém, parecia que eles se arrastavam pela neve mais tempo do se lembrava. Mr. Darcy afirmava que não havia nenhum problema em andar, o que seria mais crível se ele não oscilasse a cada lufada de vento.

Eles deveriam ter se perdido em algum ponto. O que faria agora? Deveria sugerir que voltassem? Esse caminho os levaria cada vez mais para o interior da área rural. Suas chances de serem encontrados seriam melhores na estrada... se pudessem encontrar a estrada. Poderiam ficar andando em círculos. Se, ao menos, ela conseguisse parar de tremer e pensar!

Sua bota bateu em um obstáculo, e a dor trespassou seu pé. Ao que parecia, os dedos de seus pés não estavam tão insensíveis pelo frio quanto ela acreditava. Abaixando-se, limpou o local onde sua bota batera. Seus dedos encontraram seu formato antes que seus olhos pudessem distingui-lo. Uma pedra de calçada — a cabana deveria estar por perto! Pousou a mão no braço de Mr. Darcy e olhou à sua volta com atenção. Então a viu, bem à sua esquerda, uma silhueta como uma leve sombra na área tomada pela neve. Se não tivesse batido com o pé, teriam passado direto pela cabana.

— Lá está! — Ela dirigiu-se rapidamente até a porta e bateu com força. Nenhuma resposta. Bateu novamente. Não havia luz vindo pelas janelas. Com certeza, os proprietários não se ausentariam com um tempo daqueles. E se não fosse habitada? Não teria como acender a lareira.

Não havia tempo para gentilezas. Ela estava congelando e Mr. Darcy, ferido. Levantando a trava, abriu a porta.

O interior do cômodo estava escuro, apesar da fraca luz que se infiltrava através de uma pequena janela, mas era uma proteção abençoada contra o vento que a fustigara do lado de fora. Pelo menos, estava livre da força do vento, cujo som sacudia as paredes. O ambiente contava apenas com poucas mobílias rústicas, sobre um chão sujo, coberto de palha. Elizabeth dirigiu-se diretamente à lareira e usou uma pequena vassoura ali colocada para afastar as cinzas amontoadas. Graças aos céus — havia brasas debaixo delas! Os moradores deviam ter saído naquele dia. Ela soprou as brasas, como vira as criadas fazerem, mas foi recompensada apenas com uma nuvem ascendente de fuligem e cinzas. Tossiu, balançando a mão à sua frente para dissipá-las.

Mr. Darcy ajoelhou-se a seu lado, e suas mãos, com dedos longos, assentaram um pedaço de lenha após outro sobre as brasas; então, inclinou-se para frente e soprou suavemente. Dessa vez, as chamas apareceram e, com insuportável lentidão, a lenha pegou fogo.

Elizabeth girou sobre os calcanhares e observou enquanto ele ajeitava dois pedaços de madeira sobre a lenha. Arrancando fora suas luvas, posicionou suas mãos em frente ao fogo, que ainda lutava para não se extinguir. Mesmo aquele leve calor pareceu-lhe o paraíso. Ficaria ali o tempo que fosse necessário para aquecer totalmente seus dedos. Se permitisse a si mesma ficar confortável demais, não seria capaz de forçar-se a voltar para o frio. Ficou com vontade de gritar, ao pensamento de vestir novamente suas luvas molhadas.

Felizmente, Mr. Darcy parecia ter melhorado ou, pelo menos, estar menos confuso. Enquanto ele examinava as chamas aumentarem, como se sua atenção as fizesse queimar mais, ela tentou vislumbrar sua ferida. Ao que tudo indicava, já não estava mais sangrando livremente, e ela não conseguia espreitá-la sob os cabelos negros dele, escorregadios pela neve derretida. Suspeitava que seus cabelos não estariam em melhor estado mas, mesmo que sua touca não tivesse conseguido mantê-los secos, pelo menos estavam cobertos. Porém, não valia a pena se preocupar. Mesmo Mr. Darcy, normalmente tão cuidadoso com sua aparência, parecia desalinhado.

A fadiga pesava em seus membros, mas ela não cederia, nem mostraria sua fraqueza a ele.

— Devo ir agora, mas mandarei ajuda até o senhor, assim que possível.

Ele virou seu rosto para ela, um dos lados coberto pelas sombras, o outro iluminado pela luz do fogo.

— Miss Elizabeth, louvo sua coragem, mas não pode sair na tempestade. Como poderia encontrar o caminho até a estrada, se somente pode ver apenas alguns metros à frente? Não, devemos permanecer aqui até o pior da tempestade passar.

— Não posso ficar aqui! Logo ficará escuro. — E, se fossem pegos ali após ter escurecido, sua reputação nunca mais seria recuperada, mesmo que todos soubessem que ela não era bela o suficiente para tentar Mr. Darcy.

— É lamentável, mas não há escolha. Não posso permitir que arrisque sua vida nessa tempestade.

Ele não permitiria! Elizabeth tentou contar até dez antes de responder.

— A decisão é minha, senhor, e pretendo ir. — Embora os céus soubessem que ele provavelmente tinha razão, mas os céus eram mais indulgentes do que a sociedade de Meryton.

Ele balançou a cabeça.

— Estou cansado, Miss Elizabeth. Por favor, peço-lhe não me forçar a ficar na porta e impedir sua saída. Não estou mais satisfeito com a situação do que você, mas não terei sua morte em minha consciência. Se minha condição atual não for suficiente para garantir sua segurança, dou-lhe minha palavra que estará segura comigo. — Sua boca contorceu-se amargamente.

Não era o perigo que ele representava que a preocupava, mas o perigo das fofocas.

***

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Darcy voltou a se sentar sobre os calcanhares, e sua cabeça latejava enquanto controlava as chamas bruxuleantes.

Já fazia muitos anos desde que ele e Richard acendiam fogueiras na gruta próxima a Matlock mas, aparentemente, ainda tinha algum conhecimento obtido nessas tentativas atrapalhadas. Esse pequeno fogo pouco contribuiria para afugentar o frio presente no ar, mas a pilha de carvão e a lenha ao lado da lareira não durariam muito, se ele aumentasse as chamas. O frio se instalara tão profundamente em seus ossos que imaginava ser difícil aquecer-se de novo. Despiu o sobretudo encharcado e o pendurou sobre um banco perto do fogo. Duvidava que fosse fazer qualquer diferença, mas de nada adiantaria que suas roupas também ficassem molhadas. Quer dizer, mais molhadas do que já estavam. Suas calças estavam encharcadas até a altura de seus joelhos e cobertas de neve por sobre as botas. Enquanto ele tirava todo o gelo que podia, levantou o olhar para ver Elizabeth torcendo a bainha de seu vestido. Pelo jeito, ela saiu-se um pouco melhor do que ele a esse respeito; contudo, mais uma vez, ela não estivera caída na neve, inconsciente, apenas a atravessou andando. Sua pelisse parecia tê-la protegido bem, embora suas meias devessem estar frias e molhadas. Não. Não deveria pensar nas meias de Elizabeth ou como estariam coladas em suas pernas bem torneadas. Não que ele alguma vez tivesse visto as pernas dela, exceto como uma sombra através de seu vestido azul-claro, mas as imaginara o suficiente, principalmente o envolvendo. Com os diabos! Precisava controlar-se.

Olhou para o fogo. Esse não era um bom sinal. Aqui estava ele, meio congelado, cheio de hematomas, com a cabeça latejando e em um velho chalé, apenas um pouco melhor do que a cabana de um pastor. Deveria estar imune à luxúria, sem pensar nas pernas de Elizabeth — especialmente quando essa pernas estavam trancadas com ele em um cômodo pequeno. Talvez o ferimento em sua cabeça tenha comprometido suas faculdades mentais mais do que pensara.

Em busca de algo que o distraísse, notou dois baldes próximos à porta. Eles iriam precisar de água e ele poderia também cuidar disso enquanto ainda estivesse frio e molhado. Se, pelo menos, não estivesse tão tonto! De algum modo, conseguiu colocar um pé na frente do outro para alcançar os baldes, a poucos passos de onde estava.

— Onde vai? Não acabou de dizer que é inseguro sair com esse tempo? — disse Elizabeth, bruscamente.

— Não tenho intenção de sair, apenas trazer um pouco de neve para derreter. Vamos precisar de água mais tarde.

— Oh. — Ela parecia desconcertada. — Obrigada por pensar nisso.

Uma rajada ensurdecedora de vento gelado queimou seu rosto e atravessou suas roupas assim que ele passou pela soleira da porta. Estava pior do que estivera há apenas alguns minutos. Encheu os baldes tão rapidamente quanto pôde e apressou-se em retornar à relativa segurança da cabana.

De novo, tudo parecia estranhamente calmo do lado de dentro, mesmo que só tivesse estado na tempestade por pouco tempo. Ele depositou os baldes ao lado da lareira, onde Elizabeth permanecia esquentando as mãos.

— O vento continua. Tivemos sorte de encontrar abrigo enquanto podíamos.

— Pareceu-me soprar mais forte.

Havia algo estranho com o fogo. Parecia estar aumentando, e depois enfraquecendo...

Quando Elizabeth tocou-lhe o cotovelo, ele voltou à realidade.

— Mr. Darcy, peço-lhe, sente-se antes que caia. Um ferimento na cabeça é o suficiente por hoje.

— Estou muito bem — disse ele, automaticamente.

Ela bufou.

— Nesse caso, apesar de estar perfeitamente bem, poderia fazer a gentileza de sentar-se, apenas para aliviar minha ansiedade? Não vai querer me fazer sofrer por conta de sua teimosia, tenho certeza.

Quão hábil ela fora ao encurralá-lo. E que sorte ela tê-lo feito tão rapidamente, uma vez que o chão estava demonstrando uma tendência perturbadora de se inclinar sob seus pés.

— Muito bem. — Mantendo a mão firme na parede, ele abaixou-se para sentar-se próximo à lareira.

— Obrigada. — Elizabeth hesitou, então tratou de se afastar logo da lareira – apesar de não haver como ir para tão longe – e vasculhou um pequeno armário.

— Posso ajudá-la em algo? — Parecia educado perguntar-lhe, embora duvidasse até poder ficar de pé no momento.

— Não, obrigada. Estou apenas procurando por... oh, aqui estão. Se puder continuar de costas por um momento, eu agradeceria.

— Claro. — Darcy mordeu os lábios com tanta força, que até doeram. Com certeza, ela não iria trocar de vestido!

Felizmente para sua sanidade, logo ela juntou-se a ele diante do fogo, ainda usando o mesmo vestido.

— Obrigada. Agora, se não se opuser, acho prudente que eu examine seu ferimento, enquanto ainda está claro.

Como se ele já não se sentisse como um inválido, tendo sido salvo pela mulher que tentava esquecer!

— Acho desnecessário. O sangramento parece ter parado.

Os lábios dela contraíram-se.

— Sempre soube que é um homem de muitos talentos, mas sua habilidade em ver a parte de trás de sua cabeça é admirável. Talvez tenha me expressado inadequadamente, quando disse que deveria examiná-lo se não se opuser. Mesmo que se oponha, ainda assim prefiro examiná-lo.

Só Elizabeth Bennet para fazê-lo rir nas circunstâncias mais inapropriadas.

— Uma vez que insiste, Miss Elizabeth, farei o possível para acatá-la de bom grado, mas ainda acho desnecessário.

— Pode achar o que preferir, uma vez que permita-me examinar sua ferida. Se puder virar as costas para a janela, para receber luz — sim, assim mesmo.

Ele podia sentir seus dedos em seu cabelo, cuidadosamente dividindo-o no local da ferida. O movimento doía, mas tudo o que ele podia pensar era o toque dela. Quantas vezes desejou que os dedos dela percorressem seu cabelo! Não era essa a circunstância que desejara, mas ainda assim, ela estava tão próxima dele, que praticamente podia sentir o calor se irradiando dela.

— Acho que os olhos na parte de trás de sua cabeça o enganaram, Mr. Darcy. Ainda está sangrando. Por um acaso, tem um lenço que eu possa usar para limpá-lo?

Darcy enfiou a mão no bolso e entregou o lenço para ela, sem uma palavra.

— Obrigada. Lamento usar seu belo linho em tarefa tão suja. Tentarei evitar machucá-lo mais do que necessário.

Ele ficou tentado a dizer-lhe que era tarde demais para isso. Sua incapacidade em tê-la já havia sido uma dor constante por dois meses. Em comparação, o toque suave de seus dedos em uma ferida aberta não era nada, e a preocupação dela era mais reconfortante do que seria capaz de admitir.

Seria fácil permitir-se apreciar ser tratado por Elizabeth mais do que deveria. Para distrair-se, fixou seu olhar no sobretudo que estava secando junto à lareira. Junto a este, estavam duas longas meias brancas. Bom Deus, ela deve tê-las despido enquanto ele recolhia a neve! Sua imaginação o presenteou com a imagem tentadora de estar entrando na cabana enquanto ela removia aquelas meias, uma perna de cada vez. Ferido ou não, teria muito prazer em oferecer sua ajuda e, então, em...

— Minhas desculpas, deve ter doído agora. Tentarei ser mais gentil.

Foi ótimo que ela não tivesse adivinhado a verdadeira razão pela qual ele se enrijeceu. Nenhum pensamento a mais sobre suas pernas, que deviam estar nuas e frias por debaixo de suas anáguas. Seria apenas uma gentileza aquecê-las para ela.

Ficou quase agradecido quando uma dor lancinante repentinamente apunhalou sua cabeça.

— Aqui, posso vê-lo afinal. Felizmente, o corte não é muito grande, embora tenha um impressionante galo em volta dele. Acredito que o sangramento irá parar com uma leve pressão. Dobrei seu lenço, e talvez você possa pressioná-lo aqui. — Sua mão segurou a dele e a guiou até o local adequado. — Muito bem. Examinarei novamente daqui a alguns minutos.

O que ela diria se ele lhe dissesse que o toque de sua mão era o melhor tratamento que poderia ter?

— Como isso aconteceu? Foi atacado por salteadores?

Ele estremeceu.

— Não, eu estava... — Com os diabos, o que aconteceu? Por que não conseguia se lembrar? O caminho para Meryton era seguro e devia ter sido em plena luz do dia. Discretamente, procurou seu relógio de bolso. Ainda estava com ele, um relógio de ouro, e tudo o mais. Não foram salteadores, então. Não deixariam o relógio com ele. — Não tenho certeza.

Ela levantou as sobrancelhas mas, em vez de dizer alguma coisa, encaminhou-se até o armário e voltou com uma colcha já gasta. Enquanto a envolvia nos ombros dele, disse:

— Não é nada elegante, mas irá esquentá-lo um pouco.

Ele deveria ter recusado, mas a sensação de ter Elizabeth preocupada com ele era perturbadoramente agradável.