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Capítulo 2

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POR QUE NÃO fora ao café da manhã do casamento, ao menos para obter o suficiente para encher o estômago? Além do pãozinho e da xícara de chocolate que tomara ao se levantar, Elizabeth não comera nada o dia inteiro.

— Eu deveria ver se há algo para comer aqui, antes que a luz diminua.

— Seria muito bem-vindo.

Pelo menos, ele estava sendo educado, mesmo que continuasse a encarando. Ela começou a vasculhar as prateleiras e armários encostados nas paredes. Não havia muito – poucos itens de vestuário simples, um par de sapatos com furos por desgaste nos dedos dos pés, um saco com panos. Uma prateleira contendo ervas medicinais – folhas secas, flores, cascas de árvores – e uma pequena faca. Olhando para trás, para certificar-se de que Mr. Darcy estava preocupado com o fogo, ela mordeu um pedaço de casca, saboreando o gosto amargo da madeira do salgueiro. Excelente. Silenciosamente, agradeceu à dona da casa. Um copo e um prato de madeira.

O último armário mostrou-se ser a despensa. Algumas cebolas, um saco de pano contendo aveia e outro com cevada. Nada que a ajudasse. Se, ao menos, sua mãe não tivesse sido tão orgulhosa, achando que nenhuma de suas filhas precisasse cozinhar! No momento, daria tudo por algumas aulas da cozinheira. Metade de um pão tão velho, que poderia ser dado aos pobres em Longbourn. Talvez este tivesse vindo de outra casa elegante. Mais cebolas. Poderia uma pessoa viver apenas de cebolas? Algumas cenouras, meia dúzia de maçãs enrugadas, e dois nabos. Ela lançou um olhar para Mr. Darcy. As maçãs serviriam, mas imaginou que ele precisaria estar realmente muito desesperado para roer um nabo.

Na parte inferior, meio escondido em outro saco, ela descobriu um pedaço de pano desgastado, enrolado como um pacote. Retirou-o e o desembrulhou. Carne seca! Essa era uma surpresa bem-vinda. Dificilmente esperaria que um pobre trabalhador pudesse comprar algo tão caro.

— Estamos com sorte. — Ela mostrou sua descoberta a Mr. Darcy.

— De fato. — Ele apanhou um pedaço e franziu as sobrancelhas. — Carne de veado. Aparentemente, nosso anfitrião é um caçador clandestino, ou tem algum amigo no ramo.

— O senhor não irá denunciá-lo, irá?

— Dificilmente faria isso, uma vez que estou tirando vantagem do espólio, mas isso vai contra os meus princípios. — Ele olhou para a mercadoria ofensiva.

Elizabeth escondeu um sorriso.

— Bem, não passaremos fome, mas estará bem longe da comida com a qual está acostumado, a não ser que esteja acostumado a subir em macieiras, no inverno, para colher as últimas maçãs secas.

Ele lhe lançou um olhar de esguelha.

— Já faz muitos anos desde que subi em uma macieira.

— Percebo que não se recusa a provar a fruta proibida! Mr. Darcy, o senhor tem segredos bem guardados. Também não morreremos de sede, a menos que se recuse a beber em uma xícara de madeira. Há também um barril ali no canto, o qual eu ousaria afirmar que contém um pouco de cerveja.

Os lábios dele se elevaram nos cantos.

— Um verdadeiro banquete! Carne seca, maçãs enrugadas, e cerveja.

Quem esperaria que o austero Mr. Darcy tivesse um lado brincalhão? Ela deveria ficar agradecida por isso. A situação já era suficientemente difícil sem ter que ouvir reclamações. Observando-o alimentar o fogo com madeira, poderia quase pensar que ele estava se divertindo.

Após encher a pequena chaleira pendurada sobre a lareira com neve derretida, ela fatiou as maçãs tão bem quanto podia com a pequena faca, recolheu o conteúdo de sua magra refeição e o levou até o calor aconchegante da lareira.

— Como só temos um prato e um copo, temo que tenhamos que compartilhá-los. — Ela o observou através dos cílios, perguntando-se sobre o que ele pensaria sobre mais essa pequena privação. Se o incomodou, não demonstrou o menor sinal disso.

Ele ofereceu-lhe o copo, para que ela desse o primeiro gole. Por que ele tinha que observá-la colocar os lábios na borda áspera do copo? Ela lambeu a última gota em seus lábios enquanto devolvia o copo para ele.

— Está bem azedo.

— Seria de se esperar. — Enquanto ele bebia no copo, seu olhar permanecia fixo nela.

O olhar dele a fez tremer. Em diversas ocasiões, compartilhara um copo com suas irmãs mas, de algum modo, agora isso pareceu-lhe quase indecente, vê-lo colocar os lábios onde os dela estiveram, mas não havia nada a fazer quanto a isso. Desviou os olhos, embaraçada, até que o silêncio a lembrou que ele não poderia começar a comer até que ela o fizesse antes, apesar de que, dificilmente aquilo poderia ser chamado de silêncio, ouvindo-se o uivo do vento. Ela esperava que a palha do telhado aguentasse, ou eles ficariam em apuros de fato.

De algum modo, ele conseguiu reorganizar as fatias de maçã, de forma que as melhores ficaram no lado do prato de madeira próximo a ela. Apesar da fome, ela precisou forçar-se a tomar uma fatia e morder sua polpa suave.

Uma vez livre para começar, Darcy atacou o restante da comida com grande apetite, não hesitando em apanhar os pedaços mais enrugados de maçã.

— Estou completamente surpresa, Mr. Darcy. Não esperaria que o senhor ficasse tão imperturbável pelas nossas circunstâncias. — Talvez a pancada em sua cabeça tenha suavizado seu temperamento.

— Quando alguém está com fome o suficiente, até mesmo a comida mais simples pode ser apreciada. Isso não é totalmente desconhecido para mim. Há uma pequena ermida em Pemberley, não maior que esta cabana, que eu transformei em meu retiro pessoal. Naturalmente, o mobiliário, apesar de simples, é melhor e há sempre carvão e lenha suficientes, mas é similar. Temos sorte por nossos hóspedes ausentes cuidarem bem de sua propriedade. Já vi cabanas como esta, onde que seria muito desconfortável ocupá-las mesmo por poucas horas. Não em Pemberley, claro. Eu não permitiria tal coisa.

— Claro que não — murmurou Elizabeth, balançando a cabeça, divertida. — Já viu as casas de seus inquilinos?

— Evidentemente. Eu seria um senhorio medíocre se não o fizesse, ou se não pudesse reconhecer os sinais de uma boa manutenção. Esta cabana está arrumada, limpa e bem cuidada. — Ele balançou um pedaço de carne seca para indicar o espaço à sua volta. — Não há cortinas na janela, mas as paredes foram bem vedadas para manter o ar quente, e a chaminé não retorna a fumaça. Apesar da infeliz tendência de nosso anfitrião em se aproveitar da caça de seu patrão, parece ser um sujeito capaz.

— Ou sua esposa possa ser aquela que é capaz.

— Darei a ela o crédito da limpeza, e ao seu marido, a vedação das paredes. Claro, isso pode ser de menor importância aqui, do que é em Derbyshire, onde os invernos podem ser mais rigorosos.

— Isso já é o suficiente para mim!

— Falo de um modo geral, Miss Elizabeth. Uma tempestade como essa seria um acontecimento considerável mesmo em Derbyshire. E ninguém, em Pemberley, vive em cabanas de pau a pique há vinte anos. As últimas e poucas casas de barro são usadas apenas para depósito.

Então Mr. Darcy voltava a ficar convencido! Ela devia ficar agradecida por terem conseguido estabelecer uma conversação civilizada durante tanto tempo, como fizeram. Uma vez que seu simples repasto terminara, não havia mais necessidade de falar; poderiam, cada um, seguir suas próprias necessidades.

Suas próprias necessidades... em uma cabana sem livros, caneta e papel, jornais, ou cartas. Sem dúvida havia consertos a serem feitos aqui e ali, mas não do tipo que estava acostumada a fazer, e certamente não era bordado. Achara apenas uma pequena vela de sebo, e que irradiaria pouca luz. Não, ela e Mr. Darcy estavam presos juntos em um pequeno cômodo, com nada a fazer, apenas conversar um com o outro a noite inteira – e tentar não pensar nas consequências de sua situação.

Um pensamento ocorreu a ela.

— Mr. Bingley está retornando a Netherfield?

Houve uma pausa.

— Não tenho motivos para acreditar que ele planeja fazê-lo.

Pobre Jane!

— Desculpe-me, sinceramente. Não queria parecer impertinente; simplesmente não pude pensar em outra razão para o senhor estar na estrada para Meryton, mas sem dúvida o senhor tem muitas preocupações que desconheço.

Darcy desviou o olhar antes de responder.

— Gostaria de contar-lhe, mas também não consigo me lembrar. Não sei sequer que dia é hoje.

Que estranho! Ele claramente lembrava-se quem ela era, então a perda de memória não era grave.

— Hoje é nove de janeiro, três dias após a noite de Reis. Consegue se lembrar de algo após essa informação?

Ele franziu a testa, enquanto pensava.

— Lembro-me do Natal e do Ano Novo, mas não da noite de Reis.

— Há relativamente pouco tempo, então. Sem dúvida, sua memória retornará em breve. Muitas vezes ocorre após um ferimento como o seu. — Ela estava mais preocupada com a própria ferida do que com a perda de memória de alguns dias.

— E você? O que a fez estar vagueando tão longe de Longbourn, em um dia frio de inverno? — A pergunta tinha um tom um tanto acusador.

Boa pergunta. Se ela tivesse algum juízo, teria ido para casa logo após o casamento.

— Eu não saí de Longbourn, mas da igreja. Charlotte – Miss Lucas – casou hoje. Em seguida, houve um grande café da manhã de casamento, se puder chamar de café da manhã algo que inclui cerveja grátis para todas as pessoas da cidade. Não há dúvida onde nosso ausente anfitrião pode ser encontrado. Decidi andar porque não queria participar da celebração, e não reparei o quão distante vagueei. — Não havia necessidade de dizer seu desejo de não ver Mr. Wickham mimando Mary King no café da manhã, especialmente com todos da cidade observando como ela reagiria à situação. Ele podia não ter partido o seu coração, mas sua rápida perda de interesse nela ainda a magoava.

— Estou surpreso por não querer comparecer ao café da manhã do casamento de sua amiga.

Elizabeth deu de ombros.

— Ela e seu marido partiram, logo depois da saída da igreja, então ela não estará lá. Ele mora... ele mora longe daqui.

— É de se lamentar que você terá poucas oportunidades de ver sua amiga.

Quem dera fosse somente esse o caso!

— Na verdade, não.

— Perdoe-me. Tinha a impressão de que Miss Lucas era sua amiga particular.

Ela não esperava que ele tivesse notado tal detalhe.

— Ela é, ou era, até o momento em que decidiu casar-se com um homem tolo, sacrificando seus melhores sentimentos em troca de vantagens materiais. Eu esperava mais dela. — Por que estava contando isso para Mr. Darcy? Ele não gostava dela, e possivelmente não teria nenhum interesse em suas confidências. Talvez fosse porque desejasse dizer essas palavras em voz alta para alguém.

— É lamentável, mas o mundo é mesmo assim.

— Mas eu não sou! Não posso me imaginar casando com um homem a quem não posso respeitar, não importa o quanto ele tem para oferecer. Eu sabia que as opiniões de Charlotte em relação ao casamento eram diferentes da minha, mas não que pudesse descer tão baixo! Nunca mais poderei ter a mesma confiança nela como antes. — Essas palavras pareciam pairar no ar.

— Há quanto tempo são amigas?

Ela já falara muito; deveria contar-lhe isso também.

— Desde os meus quinze anos. Ela é sete anos mais velha do que eu e, como todas as garotas, eu achava as moças mais velhas maravilhosas e sofisticadas. Estava lisonjeada por ela querer ser minha amiga. Mas ela não tem irmãs com idades próximas à sua, e é uma moça inteligente em uma casa onde a inteligência em mulheres não é apreciada, então ela buscou a minha companhia. E agora está casada com um homem que sequer pode reconhecer sua inteligência!

— Você tem outras reclamações a seu respeito para não mais confiar nela?

Ela baixou os olhos.

— Não, somente essa. — Mas já era o suficiente.

— Não posso imaginar terminar uma longa amizade por conta de minha aversão à esposa de um amigo. É um pecado tão grande estar casada com um homem tolo?

— Não. — Era verdade. Se Charlotte tivesse se casado com Mr. Buscot, que mal conseguia unir duas frases sensatas, ela a teria perdoado. — Especificamente esse homem tolo. Eu havia zombado dele quando estava com ela, e...

O silêncio dele era mais como uma pergunta, do que mesmo as palavras poderiam ser.

— E eu havia acabado de recusar a proposta dele, por ele ser tão tolo.

— Isso é embaraçoso.

— Claro que é, e agora ela quer que eu os visite! Pode imaginar o quão estranho será, com a conversa incessante dele e sua raiva por eu o ter recusado?

— Muito estranho. Sua amizade deve significar muito para ela, se ela ainda pediu para visitá-la, colocando sua companhia acima do conforto de seu recente marido.

— Imagino. — Ainda assim Charlotte arriscara sua amizade dela para casar com Mr. Collins. Não considerara ela o quão desconfortável Elizabeth ficaria com sua escolha? Mas não era como se Charlotte tivesse outras chances, ao querer se casar. Nenhum homem havia lhe proposto casamento, e ela estava prestes a se tornar uma solteirona. Se ela quisesse mesmo ficar independente de sua família, essa era provavelmente a única oportunidade que teria. Ainda assim, casar-se com Mr. Collins? Mas Elizabeth poderia ter perdoado até isso, se o fato também não a tivesse embaraçado tão fortemente.

O quão humilhante era que Mr. Darcy, de todas as pessoas, pudesse reconhecer que ela própria não era capaz! Mais uma coisa nela para ele criticar. Claro, ela suspeitava que ele fugiria para 100 quilômetros de distância de algo que o embaraçasse. E ainda continuava a observando.

Para disfarçar seu desconforto, verificou a chaleira. O chá de casca de salgueiro ainda estava fraco, mas poderia ajudar. Ela o despejou no copo de madeira e o entregou a Mr. Darcy.

— Esse chá pode aliviar seu desconforto.

Ele cheirou o líquido.

— Chá de casca de salgueiro?

— Sim.

— No momento, fico feliz em beber algo quente, mesmo que seja chá de casca de salgueiro. — Ele tomou um gole e fez uma careta ao sentir o gosto amargo. — Obrigado por prepará-lo.

— Chá é a única coisa que sei preparar. Saber cozinhar seria mais útil para nós agora mas, infelizmente, não é uma habilidade admirada nas moças. Entretanto, se o senhor sentir a necessidade urgente de um bolso remendado ou de uma tela pintada, estou às ordens. — Ela se lembrou da longa lista feita por ele, das habilidades necessárias para uma moça prendada, sendo que ela não possuía a maior parte delas.

— O chá está satisfatório, obrigado. Devemos fazer o melhor que pudermos nesse ambiente. — Os olhos dele percorreram o corpo dela.

O peso de seu olhar crítico foi maior do que ela podia suportar.

— Mr. Darcy, meu cabelo está em completa desordem, meu vestido está arruinado, minhas mãos estão vermelhas, e eu estou no ambiente o menos atraente possível. Certamente, não é preciso muito esforço para encontrar algo a ser criticado em mim.

As palavras dele, quando pronunciadas, estavam tão frias quanto o ar do lado de fora da casa.

— Perdoe-me. Não foi uma crítica.

O que importava? Ela nunca o veria novamente após essa noite. Deveria também falar o que estava pensando.

— Não foi o que o senhor disse, mas como está olhando para mim, tentando encontrar uma falha em mim. Tenho várias, garanto-lhe.

— Temo que esteja errada. Não estou tentando encontrar uma falha em você. Eu... — Ele parou repentinamente.

— Então, por que passa tanto tempo olhando para mim? Até Charlotte notou isso.

Ele desviou o olhar.

— Foi apenas por... curiosidade. Sua... expressão é tão viva e variável, que gosto de adivinhar o que vem depois, que gracejo você irá fazer. Você não finge indiferença a tudo como muitas damas fazem. Peço desculpas, não pretendia ofendê-la com isso e, certamente, não embaraçá-la. Se tivesse percebido seu desagrado, teria olhado para outro lado, não para você. — A seu favor, ele parecia realmente perplexo por sua acusação de olhar para ela apenas para criticá-la. Talvez até tivesse parecido assim.

— Oh, eu não percebi... assim. — Ela esperava que a luz estivesse fraca demais para esconder seu rubor. Claro que ele não olhou para criticá-la; na presença da mãe dela ou de Lydia, ele sempre parecia olhar para a janela. O que acontecera com seu bom senso? Pelo jeito, ela podia não ter sido bela o bastante para tentá-lo na reunião, mas sua expressão era interessante o suficiente para chamar sua atenção. Mas ele a pediu para dançar no baile em Netherfield. O que ela estava pensando? Homens como Mr. Darcy não mostravam interesse por moças do interior, com nada em particular que as recomendasse. Ela não deveria subentender mais sentidos nas palavras dele, especialmente sob aquelas circunstâncias.

Ele levantou-se e mexeu no fogo, então colocou outra lenha nele. Pelo menos, ele não parecia oscilar agora.

— Gostaria de aumentá-lo, mas não haveria madeira o suficiente para a noite toda. Vou estender o saco de dormir em frente à lareira, para você.

— Você está machucado, e eu não quero o senhor tentando tomar conta de mim! Estou perfeitamente em condições de ajeitar o saco de dormir, e o senhor irá deitar nele. Estarei perfeitamente confortável sentada próxima à lareira. Além disso, preferia congelar do que encarar a responsabilidade de dizer a Mr. Bingley que permiti que o senhor morresse de frio. — Não que ela planejasse dormir, mas não havia porque dizer isso a Mr. Darcy.

Ele soltou um riso abafado.

— Apesar de tal destino terrível poder cair sobre você, não posso permiti-lo. Meu ferimento é pequeno e eu ainda sou um cavalheiro.

Homens! Por que eles sempre negam doenças ou ferimentos, e executam tarefas que até uma criança poderia ver que são inadequadas para eles? Melhor do que discutir, ela agiu, puxando o cobertor para colocá-lo próximo ao fogo. Quem poderia pensar que um saco de dormir é tão pesado? Estava recheado com pedras?

Antes que ela conseguisse movê-lo mesmo por apenas um metro, Mr. Darcy apareceu a seu lado. Pelo menos ele não a mandou parar, mas o puxou junto com ela. Assim, ele foi arrastado facilmente até a lareira.

Elizabeth observou enquanto ele lutava com as amarras que impedia o saco de dormir de desenrolar. Ele parou, resmungando baixinho, então continuou, sem qualquer progresso aparente. Estranho, parecia um nó simples, e certamente o proprietário da cabana não gostaria de uma tarefa difícil para desfazê-lo a cada noite. Então, ela percebeu o tremor em suas mãos.

Ela se inclinou e colocou sua mão sobre a dele. Ele parou de imediato, então voltou-se lentamente, para olhar para ela.

— Senhor, tenho absoluta certeza que, sob circunstâncias normais, você poderia atar e desatar nós muito melhor do que eu, mas essas não são circunstâncias normais, e dói-me ver seus esforços. Por favor, permita-me fazer uma tentativa.

Por um momento, ela achou que ele iria recusar, mas Darcy afastou-se sem uma palavra. Antes que ele mudasse de ideia, ela se adiantou e desatou o saco de dormir. Livre de suas amarras, ele abriu-se com inesperada rapidez, quase a derrubando. Ela cambaleou, mas mãos fortes a seguraram por trás. Totalmente desenrolado, o saco de dormir chegou-lhe até a ponta de suas botas, e Mr. Darcy estava bem atrás dela, e suas mãos ainda seguravam seus braços. Aparentemente, sua força estava menos afetada por seu ferimento do que sua destreza.

Com um riso ofegante, ela disse:

— Eu não esperava por isso. Sacos de plumas são mais simples de lidar. Essa aventura está se mostrando bem educativa.

Educativa. Ela esperava que isso soasse frio o suficiente para desanuviar a inconveniência de sua atual situação, capaz de sentir o calor de um homem atrás dela, enquanto uma cama se estendia em frente a ela. Por que ele não soltava seus braços?

— Perdoe-me por não ter sido capaz de resolver isso. — A voz dele soava estranhamente rouca. Ela esperava que ele não estivesse ficando gripado. Era tudo que eles precisavam agora.

Ela baixou o olhar em direção à mão dele em seu braço, não que ele fosse capaz de perceber seu olhar e parasse de a provocar.

— Estou tristemente decepcionada. Pensei que o senhor fosse capaz de realizar qualquer tarefa, não importando o quão adversas fossem as circunstâncias, e agora descubro que precisa apenas quase morrer congelado e uma ferida na cabeça para torná-lo eventualmente necessitado de ajuda. Não fosse o fato de que acender a lareira nos é mais útil agora do que desatar nós, eu teria que considerá-lo meramente decorativo e inútil.

Ele soltou os dedos dos braços dela.

— Não acredito que alguma vez tivesse sido descrito como decorativo.

— Há sempre uma primeira vez. — Ela deslocou-se para o lado, cuidando para não olhar para ele, enquanto abria a manta gasta por cima do saco de dormir. — Pronto. Acho que é o melhor que pode ser feito. Espero que o senhor fique um pouco confortável, pelo menos.

— Miss Bennet, não posso...

Ela levantou a mão para interrompê-lo.

— Vamos brincar de cavalheiros e damas, mesmo nessas circunstâncias, quando não há espaço para nenhum dos dois? O senhor está machucado; eu não estou, e nenhum de nós é tolo. Por favor, sejamos práticos. O colchão é para o senhor. — Fora realmente um longo dia, com muitas surpresas. Ela não tinha mais energia para gastar com essa discussão.

Ele ficou em silêncio, com os lábios apertados. Por fim, falou:

— Muito bem, mas se devemos ser práticos e livres das regras para damas e cavalheiros, a solução lógica é dividir o colchão. Se deitarmos de lado, haverá espaço suficiente para nós dois.

— Não posso dividir uma cama com o senhor!

— Se eu tivesse planos de tirar vantagem de você, poderia tê-lo feito a qualquer momento nessas últimas horas. Se ajudar, dou-lhe minha palavra de que estará completamente segura. — Seu rosto estava pálido, à luz oscilante do fogo.

Se ela estava cansada demais para discutir, ele deveria estar no final de sua resistência. A atitude mais simples seria concordar com o plano dele, e então, uma vez que ele estivesse dormindo, ela poderia levantar-se, fugindo para a segurança da cadeira. Sim, era a melhor solução.

— Muito bem. — Ela não o olhou nos olhos.

— Obrigado. — Ele abaixou-se para sentar-se na beirada da lareira, obviamente exausto, e gesticulou em direção ao saco de dormir. — Por favor, assim que você desejar.

Quanto mais cedo ele descansasse, melhor; então, Elizabeth começou a desatar suas botas bem devagar. Era uma luta removê-las, já que estavam bem apertadas por cima das grossas meias emprestadas mas, por fim, seus pés ficaram livres. Seu cabelo era um problema mais difícil. Ela não podia deitar-se, mesmo que por breves instantes, com ele preso; pelo menos, somente se ela desejasse ter grampos afiados espetando-lhe o couro cabeludo. Ele ficaria totalmente desarrumado pela manhã, o que quer que fosse feito. Decidida, voltou as costas para Mr. Darcy, então retirou os grampos e trançou o cabelo em tempo recorde, sem se preocupar em remover as fitas nele entrelaçadas. Era o máximo de preparação para deitar-se que podia fazer, sem ter que despir-se, o que não iria acontecer.

Ela retornou ao colchão, parando a seu lado para retirar um pedaço de palha preso à sua meia.

— Prometo nunca mais considerar os pisos uniformes de Longbourn como certos! — disse mas, quando levantou o olhar, sua boca ficou seca.

Mr. Darcy estava sentado em um canto do colchão, em mangas de camisa, apenas o seu colete cobrindo o fino linho. Franzindo a testa, sem dúvida pela expressão chocada que viu no rosto dela, ele disse bruscamente:

— Peço desculpas, Miss Elizabeth. A moda atual dos fraques prioriza o estilo em detrimento do conforto e, para ser prático, ele será mais útil como uma cobertura a mais sobre a colcha.

Elizabeth engoliu em seco.

— Claro.

Não que sua aparência fosse adequada, tampouco; sem dúvida, ela parecia bem vergonhosa, sem sapatos e com os cabelos trançados. Pelo menos, não precisava se preocupar em atrair o tipo errado de interesse dele, em seu atual estado desgrenhado!

— Talvez eu devesse verificar seu machucado mais uma vez antes do senhor dormir.

Para sua surpresa, ele sorriu.

— Não gastarei minha energia discutindo, uma vez que você insistirá de qualquer maneira. — Ele virou o rosto, de modo que a permitir-lhe ver a ferida.

— Estou contente que o senhor é educado — disse ela, de forma irônica, mas ela respirava melhor sem os negros olhos dele sobre ela. Separando os cabelos dele com os dedos, ela espiou a lesão através da fraca luz do fogo. — Parece ter uma crosta sobre a ferida agora, e não há mais sangue escorrendo dela.

— Espero que esteja satisfeita — disse ele, secamente.

O cabelo dele era sedoso quando ela o soltou.

— Detestaria deixar marcas de sangue na cama de nosso ausente anfitrião.

— De fato. — Ele gesticulou para o lado do colchão, entre ele e o fogo.

Claro que ele insistiria que ela ficasse com o lugar mais quente. Infelizmente, seu gesto cortês tornou difícil esconder as faces em fogo de Elizabeth quando ela se abaixou para ocupar aquele espaço. Era, sem dúvida, a coisa mais chocante que ela já fizera, e ele estava em mangas de camisa! Isso só a fez tomar consciência de quão próximo dele seu pescoço estava, e ela apressadamente cobriu-se com a colcha até seu queixo.

O perfume de almíscar misturou-se ao cheiro da fumaça quando ele a cobriu com seu casaco. Era uma intimidade quase indecente, estar deitada sob uma vestimenta dele. Apertando os olhos, Elizabeth murmurou:

— Obrigada.

Ela sentiu o peso dele assentando-se sobre o colchão, a seu lado. Quantos centímetros haveria entre os dois? A despeito de sua alegação corajosa de que haveria espaço para ambos, ela sabia que ele o dissera apenas para diminuir as preocupações dela. Como tudo o mais naquela cabana, o colchão não era maior do que o estritamente necessário. Ela tentou conter a respiração, desejosa de esconder seu embaraço. Se, ao menos, ele adormecesse, ela poderia sair de sua posição.

— Durma bem, Miss Elizabeth. — A voz dele estava estranhamente gentil.

— Uma noite tranquila para o senhor também — sussurrou ela.

***

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Darcy fechou os olhos, sabendo perfeitamente que, apesar de sua exaustão, esta seria insuficiente permitir que ele adormecesse a poucos centímetros de Elizabeth Bennet. Na verdade, nem queria dormir; isso significaria perder essa experiência extraordinária. Naturalmente, tomara a única atitude cavalheira possível e virara-se, para se afastar dela, mas até mesmo sua incapacidade de vê-la não diminuiu o impacto de tê-la a seu lado. Apesar de sua dor de cabeça e de sua inicial confusão, a noite em si só serviu para levá-lo ainda mais para dentro de sua escravidão.

Ele fora o senhor de Pemberley por cinco anos, governando sobre inquilinos e servos, e ditando o uso da propriedade. Mas nunca se sentira tão poderoso como quanto Elizabeth lhe confiara suas dificuldades com sua amiga Charlotte. Mesmo não podendo fazer nada a respeito para ajudá-la, a simples confiança dela era um presente inesperado. E doce persistência dela em cuidar dele poderia facilmente tornar-se viciante. Em Netherfield, ela o tentara, mas não era nada em comparação a isso.

O som da respiração dela era como música. Ela ainda estava acordada, é claro; sem dúvida, levaria algum tempo para que ela superasse seu desconforto com a situação para poder adormecer. Mas ela estava lá, ao lado dele – Elizabeth Bennet, a quem nunca esperou ver de novo.

Quão estranho ser ela, de todas as pessoas em Meryton, quem o descobriu ao lado da estrada! Devia ser um sinal.

Mas tal levantou a delicada questão, em primeiro lugar, qual motivo que o levara àquela estrada. Não havia razões que o atraíssem a Meryton; Elizabeth era a única pessoa lá cuja presença o teria tentado, mas ele já a rejeitara. Alguma coisa mudara? Ele não podia imaginar nada que o tivesse feito, de repente, decidir que afinal ela seria uma noiva adequada. Não poderia ser isso.

Talvez ele tenha ido a pedido de Bingley, em alguma tarefa que não conseguia imaginar. O que poderia fazer por Bingley em Netherfield? Nada e, pelo que Elizabeth dissera, ele nem estava na estrada correta para Netherfield. Não fazia sentido.

Um sorriso involuntário curvou seus lábios. Apenas uma coisa fazia sentido, e era que Elizabeth estava com ele. Era exatamente como deveria ser.