ELIZABETH acordou com uma rigidez incomum e bem enroscada perto de Jane para compartilhar seu calor. Mas o corpo ao lado dela não cheirava à água de rosas de Jane, mas à fumaça de madeira, couro molhado e algo essencialmente masculino. Seus olhos se abriram, mostrando-lhe uma peça de linho fino e branco, sobre um tórax distintamente masculino. Bom Deus! Estava enlaçada com Mr. Darcy! Se o seu coração pulsasse com mais força, poderia arrebentar seu peito.
Não podia permitir que ele a descobrisse nessa posição totalmente comprometedora. Precisava retirar o braço que a rodeava, retendo-a junto ao seu calor, sem despertá-lo. Com o maior cuidado, levantou lentamente o queixo até ver o rosto dele. E seus olhos. Olhando para ela.
Sua garganta apertou-se. Por que estava olhando para ela dessa maneira? Tão atento, tão sério, então... nem sequer tinha palavras para isso, que a fazia parecer estranha. E ele não a soltava. O que devia estar pensando dela?
Sentar-se tão rapidamente a fez ficar tonta e ela afastou-se dele. O choque do ar frio, mesmo que estivesse perto da lareira, afugentou os últimos vestígios de sono, deixando seu interior tremendo sobre o que acabara de acontecer. Se alguém os tivesse descoberto, teria ficado arruinada ou seria forçada a se casar com Mr. Darcy. Qual seria pior? Pelo menos, ele estaria tão interessado em manter o incidente em segredo quanto ela. Ele não desejaria ficar ligado à filha de um simples cavalheiro do interior. Mas mesmo que ninguém mais soubesse, ainda assim ela saberia, e nada seria o mesmo de agora em diante.
Com as mãos trêmulas, alisou suas saias, embora estivessem amassadas além de qualquer esperança de boa apresentação. Mesmo sua trança estava parcialmente desfeita, embora suas fitas de cabelo estivessem milagrosamente nos seus lugares. Nell deve ter usado cola para evitar que escorregassem! Passou os dedos nos cabelos, como se os penteasse, e logo os torceu num simples nó, recusando-se a olhar na direção de Mr. Darcy. Não poderia esperar fazer o papel de uma dama em sua condição atual.
— Tem ideia de quão encantada Miss Bingley ficaria se estivesse em seu lugar, nesta manhã? — A voz profunda de Mr. Darcy, atrás dela, a fez ter um sobressalto.
Ela se virou, para descobrir que ele ainda estava deitado no colchão, embora agora estivesse apoiado em um cotovelo. Era assustadoramente íntimo vê-lo tão diferente do seu usual jeito formal. As bochechas dela ficaram quentes.
— Não planejei. Estava completamente inconsciente de onde me encontrava.
— Sei disso. — Ele parecia perfeitamente sensato, como se esta fosse uma conversa sobre o tempo, à mesa do café da manhã. — Embora outras mulheres tenham tentado, não posso imaginar você tentando me enlaçar. — Ele estendeu a mão para ela. Poderia ele estar tentando convidá-la a voltar para a cama?
As unhas dela marcavam as palmas das mãos.
— Não tenho nenhuma expectativa quanto ao senhor e, além disso, nunca dirá uma palavra a alguém.
— Você pode depender da minha discrição, claro, mas conheço as minhas responsabilidades tão bem quanto você.
— Então eu o libero dessas responsabilidades. Na medida em que ninguém souber que estávamos os dois aqui, nenhum dano terá acontecido.
Ele levantou uma sobrancelha.
— O fato de você ter estado longe durante a noite já é prejudicial.
Não importava se era verdade ou não. Ela não tinha intenção em ficar presa a um casamento onde seu marido lamentaria sua escolha pelo resto de seus dias.
— Meu gosto pelas longas caminhadas é bem conhecido, e ninguém ficaria surpreso se eu procurasse abrigo até a tempestade ter passado. Muito provavelmente muitas pessoas ficaram presas em Meryton, por causa da neve. Todo mundo pensará que fui uma delas. — Ela se virou para transmitir que a conversa acabara.
Por que ele estava tão calmo sobre a ideia de casar com ela? Não fazia sentido. Ou ela deveria estar sonhando ou ele ainda estava sofrendo com o golpe em sua cabeça. Em seu estado normal, ela não tinha dúvidas de que Mr. Darcy ficaria furioso por ser forçado a se casar com uma impertinente ninguém do interior. Ele deveria considerar-se sortudo por estar com uma das poucas mulheres que não desejava tirar proveito da situação. Bom Deus, casada com Mr. Darcy! O arrepio que sentiu não tinha nada a ver com o frio.
Era imperativo que eles deixassem esse lugar o mais rápido possível, de preferência separados. Preparando-se para o frio, aproximou-se da janela. Estava completamente embaçada por uma camada de gelo, permitindo apenas a entrada de uma luz fraca. Ela arranhou a geada, depois soprou, para formar uma espécie de visor. Seus ombros caíram, ao ver as nuvens brancas de neve que ainda caíam. Profundas camadas de neve cobriam tudo, na pequena área que podia distinguir. Ainda não haveria como escapar de Mr. Darcy.
***
Confuso, Darcy permitiu que sua mão caísse. O que estava errado com Elizabeth? Certamente que ela sabia o que deveria ser feito. Por que não estava satisfeita? Afinal, ele era um partido melhor do que ela poderia ter sonhado em ter.
Ah, talvez fosse isso. Ela sabia muito bem o abismo entre suas posições e o quão inapropriado seria para ela aspirar a entrar no tipo de círculos que ele frequentava, e desejava poupar-lhe o constrangimento de fazer tal arranjo. Querida Elizabeth! Que outra mulher pensaria na posição dele em um momento como este?
Ele se esticou como um gato satisfeito, consciente do espaço vazio ao lado dele, que já fora ocupado pelo corpo quente de Elizabeth. Deveria ter aproveitado a oportunidade de beijá-la antes que ela fugisse. Os lábios dele ainda doíam com o desejo de fazê-lo. Mas não era mais um desejo sem esperança. Uma vez que ela superasse sua timidez, ele poderia beijá-la com tanta frequência quanto quisesse – e lhe agradaria fazê-lo o máximo possível. Sorriu a esse pensamento.
Afinal, o destino estava sorrindo para ele hoje. Elizabeth Bennet não estava mais fora de seu alcance e, ao mesmo tempo, ninguém podia culpá-lo por se casar tão abaixo dele. Ela salvou sua vida e, ao fazê-lo, comprometeu-se irremediavelmente. Ele não estaria se rebaixando ao pedi-la em casamento, mas fazendo a única coisa honrosa. As pessoas o respeitariam por isso, ao invés de rir de seu pobre julgamento ao cair vítima das artimanhas de uma moça muito abaixo dele. Poderiam ainda rir de Elizabeth, mas isso não importava. Ela seria dele.
Ele afastou a colcha esfarrapada. Maldição, mas estava frio neste pequeno lugar! Seus músculos endurecidos pelo sono protestaram enquanto ele se movimentava para mexer o pouco restante das brasas. Colocando um dos últimos troncos em cima delas, cuidadosamente trouxe as chamas à vida. Ao fazê-lo, uma rajada de vento sacudiu a pequena construção. Aparentemente, a tempestade ainda não dissipara toda a sua fúria.
— Presumo que a neve continue — disse ele.
Elizabeth pulou ao ouvir suas palavras.
— Aparentemente, sim. — Sua voz estava sem vida.
— Sem dúvida, vai acabar em breve — disse ele, com tranquilidade, embora não tivesse pressa para tal evento. Esta casa pode ser desconfortável mas, uma vez que a deixassem, teria que renunciar a Elizabeth pelas exigências do decoro, até o momento em que se casassem. Pretendia aproveitar esta oportunidade de tê-la para si mesmo.
***
Elizabeth olhou para a neve fora da janela. Não havia nada a fazer, além do que já estavam fazendo. Esfregando os braços, ela verificou seu casaco. Ainda estava molhado. Teria apreciado seu calor, para não mencionar a distância extra que permitiria entre ela e Mr. Darcy.
Uma vez que Mr. Darcy continuava sentado junto ao fogo, era difícil evitar olhar para ele, enquanto enchia a chaleira aberta com a última água no balde e depois a pendurava novamente sobre o fogo. Estava quase se acostumando com a visão chocante dele em suas mangas de camisa. Afinal, como ela poderia estar preocupada ao vê-lo em suas mangas de camisa, quando dormira nesses braços há pouco tempo? Um arrepio lhe percorreu a coluna vertebral.
— Ninguém pensará em confirmar sua história? — A voz dele a surpreendeu.
— Minha história?
— Que você estava presa em algum lugar, presumivelmente sozinha.
— Provavelmente não, no meio de todo esse caos. Além disso, mesmo se alguém soubesse que você estava aqui também, você é o último homem que alguém suspeitaria em me comprometer.
— Por que seria assim? — Ele teve o descaramento para parecer confuso.
Ela cerrou os dentes. Ele realmente a obrigaria a dizer isso?
— Todo mundo já sabe que você não me achou bonita o suficiente para tentá-lo.
— Não bonita o suficiente... Por que diabos eles pensariam isso?
A incredulidade dele irritou-a ainda mais.
— Porque você disse isso. Na reunião em Meryton, onde nos encontramos pela primeira vez. Não precisa negá-lo. Eu estava lá e o ouvi dizer isso. Meu orgulho facilmente suportou o golpe de não agradá-lo mas, como esse não é o meu assunto de conversa favorito no mundo, não digamos mais nada sobre disso.
Mortificada por sua admissão, ela se virou para o armário que servia de despensa e começou a revirá-lo, mais para se afastar dele do que por fome. Era ruim o suficiente ser forçada a repetir o que ele dissera, mas não queria ver a realidade em seu rosto. Verdade seja dita, seu desprezo ainda magoava. Houve cavalheiros que não tinham mostrado interesse nela antes, mas nenhum deles falara dela, de tal maneira, em seu rosto.
Mesmo que procurasse por todo armário, não era provável que este revelasse algo novo, surgindo miraculosamente desde a noite anterior. Escolhendo mais duas maçãs e um pouco do pão velho, ela os largou sem cerimônia no prato na frente à lareira. Se Mr. Darcy desejasse algo para beber, que fosse buscá-lo, ele mesmo. Ela não era sua criada de serviço.
Nem seus esforços foram apreciados, aparentemente. Ele ignorou tanto suas ofertas quanto a ela mesma, olhando para qualquer lugar, menos para ela. Será que realmente conseguira envergonhar o orgulhoso e imperturbável Mr. Darcy?
— Não quis dizer isso — disse ele, sem rodeios, aparentemente falando ao fogo.
— Perdão?
— Não quis dizer isso! — falou ele.
— O que você não quis dizer? A oferta para recuperar minha honra? Não é nenhuma surpresa.
— Não isso! Eu quis dizer isso. — Ele passou os dedos pelos cabelos. — O que eu disse na reunião. Não era verdade. Não me lembro de tê-lo dito, mas se o fiz, provavelmente tentava me livrar de alguém que queria falar comigo.
Será que ele estava realmente tentando se desculpar? Era mais provável que ela ainda estivesse dormindo e sonhando.
— De fato, senhor, é indiferente para mim. — Ela fez o melhor que pôde para parecer aborrecida com o assunto.
— Certamente você sabe... Afinal, você foi a única mulher que pedi para dançar no baile de Netherfield.
— O que eu sei? — Ela passou da exasperação para a perplexidade.
— Que eu a achei bonita demais para a minha paz de espírito! — Seu olhar era mais contraditório do que de admiração.
— Ora, vamos. Isto é ridículo! Não sei qual é o seu jogo, mas gostaria que parasse.
— Você não é a única que gostaria que eu parasse. — Ele puxou o sobretudo ao redor dele e apertou os botões. — Miss Bingley sabia disso, e não gostou nada. — Ele dirigiu-se à porta e a escancarou, deixando um turbilhão de neve entrar porta adentro.
— Onde você vai? Não pode chegar à cidade!
— Vou tentar encontrar uma pilha de lenha para que não congelemos até a morte hoje! — Ele fechou a porta por trás dele.
Elizabeth sacudiu a cabeça com perplexidade. Que homem estranho! Será que ele achou que ela estava tão ferida com suas palavras na reunião, a ponto de criar tal história? Era ridículo. Estava ele tentando zombar dela? Teria que perguntar a Mr. Wickham na próxima vez que se encontrassem. Ele poderia saber o que Mr. Darcy quis dizer, e por que a declaração dela o deixara tão irritado.
Uma sombra cruzou além da janela. Ela esfregou um mais um local de novo, o suficiente para ver Mr. Darcy, com os braços enroscados em torno de si mesmo e a cabeça inclinada, vagando lentamente pelo espaço perto da casa. Teria ela visto uma pilha de lenha quando passou pela casa pela primeira vez? Não conseguia se lembrar e, desde o momento em que chegaram ao abrigo ontem, já teria sido coberto na neve.
E se ele não encontrasse madeira? Seu olhar voou até a lareira e para os dois pequenos pedaços de lenha que permaneciam a seu lado. Eles não durariam muito. Seria o suficiente se a neve parasse logo mas, se continuasse, a casa poderia ficar muito fria. Ela nem sequer ousou pensar na possibilidade de a tempestade persistir até que fosse tarde demais para partir. Nesta época do ano, o sol se punha cedo, e eles não podiam sair sem duas boas horas de luz do dia.
***
Darcy chutou mais um monte de neve como se o seu pior inimigo estivesse atrás dele. Nada embaixo desse monte, também. Os diabos o levassem, que tipo de homem esconderia uma pilha de lenha? Um idiota, era isso. Quase tão idiota quanto ele, preso com Elizabeth Bennet numa tempestade. Ao chutar a neve de novo, gritou de dor quando sua bota bateu em algo sólido. Talvez fosse esse, finalmente! Mas quando ele se inclinou para afastar a neve, encontrou apenas uma das pedras de pavimento que haviam feito Elizabeth tropeçar no dia anterior. Por que ele voltara para este miserável canto de Hertfordshire?
Ele avançou, a dor em seus dedos lembrando-o de não usar o pé para acabar com sua ira. Como pôde Elizabeth pensar que ele a achara pouco atraente? Ele se julgara tão óbvio, preocupou-se em criar expectativas impossíveis... e, em relação ao assunto de impossibilidades, por que, em nome de Deus, ela não pulou com a chance de ser a senhora de Pemberley? Qualquer outra mulher ficaria encantada com a oportunidade. Qual era o problema dela?
O corpo quente dela estava tão certo em seus braços quando ele acordou, em paz consigo mesmo pela primeira vez em meses, apesar de dormir com suas roupas em um colchão de palha velha. Foi muito bom que ele estivesse completamente vestido, ou não poderia ter resistido à tentação que ela lhe apresentava. Sabia perfeitamente que não deveria se casar com Elizabeth Bennet. Seria um erro, de tantas maneiras diferentes, que dificilmente poderia começar a contar. No entanto, ficou satisfeito por ter tal decisão tirada de suas mãos. Ela salvou sua vida, e ele lhe pagaria a bondade, comprometendo-se com ela. Casar com ela era seu dever nessas circunstâncias, e ele não precisava censurar-se por ceder à sua atração por ela.
E ela se recusara a levá-lo a sério! Mesmo que fossem afortunados o suficiente para não serem descobertos juntos, ela realmente acreditava que ninguém notaria sua ausência? Ridículo! A solução mais simples seria ir diretamente a Mr. Bennet com os fatos da questão. Mas o que ele estava pensando – ele deveria estar tentando evitar o casamento, por qualquer meio à sua disposição! Talvez essa pancada em sua cabeça tivesse realmente perturbado o seu juízo.
Se ao menos, pelo contrário, tivesse perturbado os seus olhos! Estando tão perto de Elizabeth, não conseguiu parar de admirá-la. Sua beleza brilhava, apesar de seu desalinho, e isso o atraía ainda mais, a mariposa até a chama. E agora ele lhe contou isso. Tentaria ela usar esse poder contra ele? Onde foi parar aquela maldita pilha de madeira?
Por que, afinal, estava tentando encontrá-la? Sem mais madeira, eles teriam que se abraçar para ter mais calor. Ele podia sentir sua paixão eclodir, mesmo enquanto se encontrava sob uma furiosa tempestade de neve. Mas não podia fazer isso com ela. Não se aproveitaria de sua vulnerabilidade. E ele continuaria repetindo isso para si mesmo até que seus impulsos cavalheirescos voltassem de onde estavam escondidos. Provavelmente, estavam junto com essa maldita pilha de madeira inexistente.
Ele já fizera quase um circuito completo ao redor da casa, mas sentia-se tão inquieto quanto no momento em que batera a porta e saíra, antes que fizesse algo tolo como mostrar a Elizabeth o quão atraente ele a achava. A pilha de lenha devia estar mais distante da casa do que ousou ir. Nessa tempestade, ele poderia perder-se completamente no caminho, ainda que a uma dúzia de passos de seu destino. Isso não resolveria nenhum dos seus problemas.
E então tropeçou na pilha de lenha, a poucos metros da porta. Maldita! Ele a teria encontrado imediatamente, se apenas tivesse começado seu percurso na direção oposta. Mesmo uma inanimada lenha estava conspirando contra sua sanidade, hoje. Sacudiu a neve de suas calças e esfregou o joelho dolorido e começou a encher os braços com lenha. Era uma boa coisa que seus servos não pudessem vê-lo agora.