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Capítulo 4

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ELIZABETH SALTOU, de onde estava, próxima à lareira, quando Mr. Darcy entrou, como uma rajada de vento, os braços cheios de madeira e a cabeça coberta de neve. Ele tomou muito cuidado em colocar os troncos em uma pilha arrumada, depois voltou para fora. Deixar a porta aberta durante um tempo fez baixar substancialmente a temperatura dentro cabana. Se ele tivesse que fazer várias viagens, talvez ela devesse abrir e fechar a porta para preservar o pouco calor que tinham.

Ele agradeceu friamente sua assistência. Depois de acrescentar uma terceira carga de madeira à pilha, ele tropeçou e teve que recuperar seu equilíbrio segurando na lareira. Elizabeth ameaçou levantar a mão para impedi-lo de fazer outra viagem, mas desistiu, não se atrevendo a aconselhar que ele não deveria fazer tal exercício.

Mas, desta vez, ele saiu e não voltou imediatamente. Elizabeth esperou na porta, espiando para ver se ele estava esperando que ela a abrisse, mas não estava, e os redemoinhos de branco cobriram tudo além da soleira da porta.

Teria ele caído na neve escorregadia? Ou perdido a consciência? Parecia que um pedaço afiado de gelo a perfurava profundamente. Oh, por que permitiu que ele saísse novamente? Definitivamente, ele não estava em condições para isso!

Sem se dar uma chance de reconsiderar, abriu a porta e saiu no vento feroz. Mas como poderia encontrá-lo, quando ela não conseguia ver nem a poucos metros de distância?

— Mr. Darcy! — chamou.

— Sim? — Sua voz abafada veio da sua esquerda.

O alívio tomou conta dela quando distinguiu uma forma um pouco mais escura.

— Algum problema?

— Não. Sim.

Percebeu, então, algo a meio caminho entre uma risada e um soluço.

— O que é?

— Se você puder me ajudar aqui... — A tensão soou na voz dele.

Se Mr. Darcy estava realmente pedindo ajuda, devia ser algo terrível. Talvez estivesse preso por um tronco caído. Ela atravessou a neve ofuscante até que o encontrou de joelhos, cavando com as duas mãos um monte de neve, com pedaços de madeira espalhados em volta dele.

— O que devo fazer? — Ela gritou, acima do barulho do vento.

— Você poderia remover os troncos caídos em cima do meu braço? — grunhiu ele.

— Claro — Ela quase nem percebeu a neve lhe machucar a ponta dos dedos, enquanto se apressava em afastar os troncos. — Devo apanhar mais?

— Não, isso deve ser... — Ele se abaixou no buraco que fizera, puxando algo; então, de repente, endireitou-se, com um bocado de neve nas mãos. — ...suficiente. Obrigado.

— Você está ferido?

— Lá dentro.

Estaria ele esperando que ela fosse primeiro? Repentinamente consciente do ridículo de tentar conversar quando cada palavra precisava ser gritada, ela voltou para a porta. Suas mãos trêmulas lutaram com a trava por um momento, antes que ela levantasse.

Precisou encostar na porta para fechá-la atrás de Mr. Darcy. Estava abençoadamente quieto do lado de dentro, apesar do som constante do vento que assobiava sobre a chaminé. Ela não poderia ter ficado lá fora por mais de três minutos, mas parecia uma eternidade. Sacudiu a neve do vestido e estremeceu.

Mr. Darcy se ajoelhou na frente da lareira, examinando sua descoberta estranha.

— Você faria a gentileza de colocar outro tronco no fogo, Miss Elizabeth?

A formalidade dele lembrou-lhe de como ele estava zangado quando saiu para procurar a madeira pela primeira vez; então, depois de fazer o que ele pediu, ela afastou-se da lareira. O fogo queimou mais alto com a nova madeira, revelando mais sobre o montinho de neve que Mr. Darcy estava esfregando, ocupado. Elizabeth piscou. Aquilo estava se mexendo?

Esquecendo sua tentativa de manter distância, inclinou-se para ele e olhou para a neve. Sim, estava viva!

— O que é isso?

— Um gato. Estava escondido na pilha de lenha. — Ele levantou o animal e segurou-o contra o peito, murmurando algo inaudível.

Agora, ela podia distinguir a cauda e as orelhas.

— Tentando encontrar um local quente, acho. É um milagre que tenha sobrevivido à noite.

— Pode ser muito tarde já, se ele tiver as patas congeladas.

— Espero que não. Prefiro que haja um milagre.

Elizabeth percebeu que o animal não estava tão coberto de neve, pois era branco, em sua maior parte. Algumas manchas, de um amarelo claro salpicavam a sua cabeça.

— Na verdade, dois milagres. Somente você, Mr. Darcy, poderia encontrar um gato branco em uma tempestade de neve! Pensei que ele era uma bola de neve.

Ele ergueu a cabeça.

— Bolas de neve não miam nem mordem as pessoas.

Elizabeth não conseguiu evitar de cair na gargalhada.

— Ele realmente o mordeu?

— Nada grave. Eu estava perturbando seu esconderijo, afinal.

Outro lado novo do Mr. Darcy! Que ele tivesse o trabalho de resgatar um gato perdido na tempestade já seria suficientemente surpreendente para um cavalheiro, mas fazê-lo depois de ter sido mordido e ainda aquecê-lo, ele mesmo?

— Você está coberto de neve. Devo segurá-lo para que você possa removê-la antes que derreta?

Ele olhou para os próprios braços, surpreso.

— Creio que sim. — Ele se separou do gato que, aparentemente, agarrava-se à sua camisa com as garras, e cautelosamente entregou-o a ela.

O gato não fez nenhum esforço para escapar, enroscando-se imediatamente nos braços de Elizabeth.

— Nossa, você é quase ainda um filhote! Posso sentir suas costelas. — Chegando mais perto do fogo, ela se virou, permitindo que o máximo de calor possível chegasse ao trêmulo animal. O seu pelo seria macio se não estivesse tão molhado e frio?

Ela esfregou o pelo para o ajudar a secar, depois procurou sentir o corpo do gato, para ver se poderia estar ferido. Não, era apenas frio, e provavelmente fome. Não poderia haver caça nesta tempestade.

— Pobrezinho — cantarolou. — Em breve, você estará quentinho — Havia pouco o que pudessem fazer pela fome do gato, a menos que ele gostasse de cebolas cruas. O último pedaço de cervo fora comido naquela manhã.

Mr. Darcy agachou-se ao lado dela.

— Como ele está?

— Ela.

— Oh. Como ela está, então? — Ele estendeu a mão para acariciar a cabeça da gata.

Era estranhamente íntimo, para ele, estarem tão próximos, ambos tocando o gato.

— Continua viva.

A gata ergueu a cabeça e cheirou os dedos de Mr. Darcy, depois se levantou no colo de Elizabeth e se esticou. Dirigindo-se delicadamente até as pernas dele, enroscou-se contra o corpo dele e começou a ronronar.

Elizabeth sorriu, ante a expressão surpresa dele, sentindo-se mais aquecida do que antes.

— Parece que você fez uma amiga. Ela sabe quem a salvou.

Desajeitadamente, ele se abaixou para acariciar a gata.

— Tem certeza que é fêmea?

— Acho que sim. Acredito que você não tenha muita experiência com gatos?

De repente, ele pareceu se retrair para dentro de si mesmo.

— Muito pouco.

O silêncio dele a lembrou de seus comentários anteriores. A preocupação dela, primeiro com o bem-estar dele, e depois com o da gata, a distraíram, mas ainda se sentia nervosa. Mal sabia qual a interpretação que preferia dar – a que ele estava zombando dela ou que realmente a admirava. Qualquer uma era excessivamente embaraçosa, especialmente depois de acordar em seus braços. Sua pele arrepiou-se ao lembrar-se de seu corpo pressionado contra o dele.

Como poderia estar tão atraída por ele, quando tivera tanto desagrado por ele antes? Abaixou os olhos e viu que as mangas do casaco dele estavam salpicadas de lascas de madeira. Sem pensar, ela puxou uma que estava solta, das maiores.

— Espero que seu camareiro não seja do tipo reprovador. Sua roupa pode nunca mais ser a mesma.

Ele olhou para baixo e começou a retirar as lascas.

— Mostrar desaprovação estaria abaixo da dignidade de Crewe. Ele não vai dizer uma palavra, simplesmente vai desaparecer com ela e nunca mais a verei.

— Por que não estou surpresa por você ter um camareiro digno e silencioso?

Darcy lançou um punhado de lascas no fogo, onde elas chiaram e crepitaram.

— Digno, sim. Mas às vezes ele é tudo, menos silencioso.

— Oh? — Certamente falar do camareiro dele era mais seguro do que falar sobre seu passado.

— A única vez em que Crewe fala mais do que algumas palavras é quando ele acha que estou prestes a cometer um grave erro. Então, cuidadosamente ele me explica com precisão o que estou fazendo de errado e como deveria corrigir. — Ele franziu a sobrancelha. — Há algum problema?

— Não, estou simplesmente espantada por você escolher um servo que o critica.

— Sei que não sou perfeito. Crewe é um caso especial, no entanto. Ele serviu a meu pai antes de mim e, em seu leito de morte, meu pai me disse para manter Crewe comigo e sempre ouvi-lo. Então, ele está autorizado a ter liberdades que outros servos seriam demitidos caso as tivessem.

— E você sempre o ouve?

Os olhos dele pareciam velados.

— Sim — disse ele, brevemente. — Tenho poucas chances.

— Para honrar os desejos de seu pai?

— Não. Porque ele sempre está certo. — O lábio inferior dele se esticou de um jeito que parecia ser quase um beicinho.

Elizabeth riu.

— Que característica irritante! Eu não gostaria de ter alguém que apontasse meus erros e que estivesse sempre certo.

— E é sempre quando menos espero. — De alguma forma, seu olhar ofendido era estranhamente atraente.

— E agora você terá que explicar por que tem também pelos de gato branco em suas calças.

— Nem me lembre!

Coincidentemente, a gata pulou de seu colo e sentou-se na lareira, lavando-se cuidadosamente. Darcy aproveitou essa liberdade para cutucar o fogo, provocando chamas mais altas. Mas quando ele colocou uma nova lenha, ela chiou e crepitou, apagando as chamas, até ele as abanar com o chapéu.

Quão estranho ele saber tanto sobre fazer fogueiras! Não seria uma tarefa abaixo dele aprender o trabalho dos criados? Talvez esse possa ser um tópico seguro de conversa.

— Estou muito surpresa com seu conhecimento sobre fogueiras, senhor.

Ele concedeu-lhe o mais breve dos olhares.

— Aprendi quando criança. Meu primo e eu gostávamos de brincar em uma caverna na propriedade de seu pai, e nós construíamos uma fogueira para evitar o frio. O fogo apagava com bastante frequência até descobrirmos a maneira de mantê-lo aceso. Demorou meses para descobrirmos. Parecia muito mais fácil quando os criados fizeram isso.

— Meses? Você deve ter sido um visitante frequente lá, então.

— Vivi com sua família por mais de dois anos.

Ele esteve fora, então? Algumas famílias nobres faziam isso, com certeza, mas não teria pensado isso sobre ele.

— Você deve ter ficado feliz em ter um primo com idade próxima à sua, então. — Certamente isso era bem imparcial.

— Esse foi o pretexto para minha presença. Meu tio afirmou que Richard precisava de um companheiro, pois não podia ir à escola naquela época, e que ele se beneficiaria em ter um colega para compartilhar de suas aulas.

Se esse foi o pretexto, qual seria o verdadeiro motivo? E por que ele dissera isso? Seria grosseiro perguntar-lhe diretamente.

— Isso parece uma boa razão. Espero que não tenha sido problemas de saúde que mantiveram seu primo longe da escola.

— Richard? — bufou Darcy. —Ele era robusto como um cavalo. Era uma desculpa. Meu tio não confiava em minha madrasta para cuidar de mim adequadamente, e achou que eu ficaria mais seguro com ele. Queria ter certeza de que o próximo dono de Pemberley teria o sangue dos Fitzwilliams. Claro, eu só soube disso bem mais tarde.

— Certamente, deve haver muitos criados em Pemberley para cuidar de você, mesmo que sua madrasta não tivesse interesse em fazê-lo.

— Claro que sim. No entanto, teria sido muito desejável que um de seus próprios filhos o herdasse, e eu me encontrava no meio de seu caminho para isso.

Ele parecia indiferente, mas Elizabeth ficou horrorizada.

— Isso soa como algo que só acontece em um conto de fadas.

Então, ele se virou para olhá-la, com os olhos opacos.

— Mesmo os contos de fadas devem, de algum modo, se basear na realidade e na natureza humana. Claro, talvez tenha sido uma completa suposição por parte do meu tio.

Algo em na expressão dele disse a Elizabeth que ele não era tão indiferente sobre o assunto quanto parecia. Que coisa horrível para uma criança – saber que sua madrasta o desejava morto! Alguns comportamentos seus, isolados e orgulhosos pareciam mais compreensíveis agora.

— Mas, e o seu pai? Certamente não toleraria nenhum perigo para você. — Essa era uma pergunta muito mais pessoal do que teria ousado fazer em circunstâncias normais, mas de alguma forma parecia natural agora.

— Ele não toleraria, mas estava ausente o tempo todo. Esta era a opinião do meu tio, de qualquer forma, e ele não era do tipo para ser contrariado. Ele desaprovou o casamento desde o início, dizendo que ela era muito jovem e pouco respeitável. Por fim, meu pai deve ter concordado pois, depois que minha irmã nasceu, ele enviou minha madrasta de volta para a família dela.

Ela procurou uma resposta apropriada.

— Sua madrasta parecia detestável.

— De modo nenhum. Eu gostava muito dela.

Gostava dela? Isso não faz sentido. Ele deve estar confuso por causa de sua lesão. Provavelmente não tinha ideia do que estava falando.

— Você gostava dela?

— Era minha amiga, antes que meu pai a notasse. Estávamos visitando os pais dela e, quando eu brincava com seus irmãos, ela frequentemente se juntava a nós em nossos jogos, já que ainda estava em casa.

— Então ela era bastante jovem?

Ele pensou a respeito.

— Suponho que sim, apesar de que, para quem tem a avançada idade de sete anos, ela parecesse bastante crescida. Devia ter dezesseis anos quando se casaram.

— Você ainda gostava dela depois que seu pai se casou com ela?

Ele fechou os olhos e apoiou a cabeça contra a parede da lareira.

— Sim. Ela sempre foi agradável para mim, e me encorajou a fazer coisas que minha mãe proibia, como montar um garanhão ainda não totalmente domesticado ou escalar um penhasco. Eu não percebi suas segundas intenções no momento, só que ela parecia ter uma fé extraordinária em minhas habilidades.

— Você realmente escalou penhascos? Não teria imaginado você como uma criança tão aventureira.

Um leve sorriso lhe curvou os lábios quando ele abriu os olhos para olhar para ela.

— Suponho que não faço esse papel agora, mas foi antes de me dar conta das responsabilidades que tinha. Na época, como todas as crianças, não acreditava que algum dano grave pudesse acontecer comigo. Imagino que você também era assim.

— Quer dizer que eu não fui uma menina tão feminina? — provocou ela.

— Não quis ser descortês — disse ele rigidamente.

— De qualquer maneira, você estaria completamente certo em sua suposição. Eu era uma moleca quando criança. Precisaria muito pouco para alguém como sua madrasta me persuadir a fazer coisas imprudentes. Como você diz, as crianças veem as coisas de maneira diferente.

— E então eles crescem, e tudo muda. — Um eco de melancolia sombreou a voz dele.

Isso estava se tornando íntimo demais para ficar confortável. Em voz alta, ela disse:

— Você teve a sorte de seu tio ter notado o que estava acontecendo.

— Ele não percebeu. Foi meu tutor. Eu não gostava dele por seu rigor e insistência para que eu passasse meus dias estudando, em vez de me divertir. Houve uma época em que fiquei doente, com gripe, um caso muito grave. Minha madrasta, aparentemente, disse aos servos que se afastassem de mim para que o contágio não se espalhasse para eles e que ela iria cuidar de mim sozinha. Não será preciso dizer que ela não fez nada disso. Fiquei sozinho, durante vários dias, sem comer ou beber, até que meu tutor descobriu o que estava acontecendo. Ele ficou junto à minha cama até o perigo passar; então, assim que fiquei bem o suficiente para montar, ele me levou até o meu tio e o colocou a par de toda a história. — Sua voz tornou-se monótona.

Elizabeth sentiu-se nauseada, com o pensamento dele como criança, doente, desamparado e sozinho. Ela reuniu todos os fragmentos de seu autocontrole e disse:

— Seu tutor foi bem corajoso para arriscar o descontentamento de sua madrasta. Ele deve ter gostado muito de você.

— Quanto a isso, não posso afirmar, mas foi corajoso. Se meu tio não o tivesse escutado, ele teria sido expulso sem qualquer indenização, o que teria arruinado sua carreira e perspectivas de futuro. Felizmente, meu tio o ouviu e ofereceu-lhe uma posição como tutor, tanto para Richard quanto para mim. Ou, como Richard diria, uma posição que nos torna tão miseráveis ​​quanto possível, sempre que possível.

— Seu primo não tinha predisposição acadêmica?

— De modo nenhum. Ele estava encantado com a exploração e a aventura. — As cintilações da luz do fogo iluminaram o rosto dele. Mesmo estando desarrumado, não havia como negar que era um homem bonito.

De alguma forma, ela devia encontrar uma maneira de aliviar o clima.

— Suponho que acabou sendo minha sorte, em qualquer caso, já que ficaria muito frio se você nunca tivesse aprendido a acender uma lareira.

Ele curvou um dos lados de sua boca.

— Sim, às vezes os eventos que parecem preocupantes em algum momento acabam por levar a um resultado desejável. Eu, por exemplo, sou grato por você escolher fazer uma longa caminhada em um dia frio, mesmo que isso significasse se perder em uma tempestade de neve. Provavelmente, eu ainda estaria deitado ao lado da estrada, sem necessidade de qualquer fogueira.

De repente, Elizabeth sentiu a boca seca.

— Certamente que eu não gostaria disso.

— Estou feliz por isso — O olhar firme dele era quase hipnótico. Lentamente, ele se inclinou para ela.

O coração dela bateu forte em seu peito. Sabia o que estava por vir. Por que não se levantava e fugia? Se ela lhe dissesse para parar, ele o faria, seus instintos lhe diziam. Mas as palavras estavam congeladas em sua garganta enquanto ele se aproximava. Então, suas pálpebras se fecharam enquanto os lábios dele se moviam suavemente contra os dela, um ponto de calor em um mundo gelado.

Seu interior agitou-se ante a sensação. O que estava errado com ela?

O ar frio substituiu o calor dos lábios dele, e ela abriu os olhos para vê-lo se afastando com um leve sorriso.

— Você vê – não seria tão ruim se casar comigo.

As palavras dele afugentaram quaisquer sensações de seu beijo, e ela cobriu o rosto com as mãos. Após um minuto, ela conseguiu pronunciar algumas palavras.

— Mr. Darcy, esse assunto está encerrado.

— Por quê? — A voz dele era calma, persuasiva. — Ao contrário do seu último pretendente, ninguém nunca me acusou de ser um tolo ou falar demais.

— Não, posso absolvê-lo desses dois pecados.

— Não há necessidade de ter medo.

— Não estou com medo, e não sou Miss Bingley!

Ele riu.

— Sei disso. Se fosse, provavelmente eu teria escolhido permanecer ao largo da estrada.

Ela não conseguiu evitar que uma risadinha abafada escapasse.

— Certamente que você não agiria de forma tão exagerada.

— Você pode ficar surpresa.

— Você me surpreendeu bastante por um dia, senhor!

Depois de um longo momento de silêncio, ele disse:

— Então me esforçarei para ser mais previsível.

— Por que está tentando ser agradável? Não é o seu tipo.

Ele pareceu se fechar em si mesmo.

— Não me esforço para ser desagradável – pelo menos, não geralmente.

— Não quis dizer... oh, não importa. Essa é uma conversa ridícula.

Depois de uma breve hesitação, ele disse:

— Suponho que sim. Mas devo dizer mais uma coisa, mesmo que seja ridícula.

— Oh, muito bem.

— Beijar você foi mesmo muito agradável.

Ela respirou fundo.

— Seja como for, não se repetirá. — Oh, era tão desleal, este jogo que ele insistia em continuar. Por que permitira que ele a beijasse? Certamente que poderia se compadecer do menino que ele foi sem permitir-lhe liberdades agora. Se, ao menos, pudesse se afastar dele! Mas não havia para onde ir. Podia ficar a alguns passos do outro lado da sala, sujeitando-se ao ar frio, mas não faria diferença. Ainda estaria em sua presença, então poderia permanecer junto à lareira. Ela recostou a cabeça contra os tijolos ásperos e fechou os olhos. Esperava que ele entendesse e a deixasse em paz.

— Se é isso que você deseja. Pouco importará a longo prazo, pois não posso concordar com sua opinião de que um casamento entre nós é desnecessário.

Por que ele insistia em pressioná-la sobre isso?

— Desnecessário ou não, aprecio que esteja tentando tomar uma atitude honrada, presumindo-se que esteja falando sério.

— Presumindo que estou falando sério? — A voz dele estava tensa novamente.

— Mr. Darcy, certamente não é novidade para você que há cavalheiros que prometem casamento a uma dama com a única intenção de obter seus favores, e depois negam terem dito qualquer coisa desse tipo. Não acho que esteja fazendo isso, mas eu seria uma tola se não considerasse tal possibilidade – se estivesse pensando em aceitar sua proposta, o que não ocorre. Foi isso o que quis dizer.

— Mas você duvida da minha palavra. Já me comportei de maneira tal que fizesse você pensar que não sou um homem de palavra?

— Comigo? Não.

— A quem, então?

Por que eles tinham que continuar a discutir isso? Ele não poderia deixar o assunto morrer?

— Não importa, verdadeiramente. Como disse, qualquer jovem seria sábia para considerar tais riscos, em vez de levar a sério cada cavalheiro.

— Na verdade, importa, senhora, se você está questionando minha honra. Nossas circunstâncias não são comuns.

— Não estou argumentando esse ponto! Mas peço que esqueça que eu disse qualquer coisa. Estou cansada e com frio, e permiti que um pensamento irrefletido saísse dos meus lábios. Não significou nada.

Ele não respondeu; em vez disso, levantou-se e começou a andar pela sala. Não que houvesse muito lugar para andar; apenas quatro passos, e ele chegaria à parede mais distante. Quatro passos para lá, quatro passos para cá, e novamente. Se ele não estivesse tão irritado, teria sido engraçado.

De repente, ele congelou, com expressão sombria.

— Permita-me adivinhar. De que George Wickham está me acusando dessa vez?

Por algum motivo, seu tom sarcástico pareceu perfurá-la.

— Não faz diferença o que alguém disse.

— É importante para mim, especialmente se isso a fez pensar mal de mim.

Ela apertou a colcha mais forte ao redor dela.

— Obviamente, devo pensar terrivelmente mal de você para ter permitido que me beijasse!

— É inútil tentar me distrair. O que quer que ele tenha dito, tenho o direito de me defender e a meu bom nome.

— Talvez eu deva me expressar mais devagar e claramente, para que você me entenda dessa vez! Não penso mal de você. — Curiosamente, era verdade. Ele se tornara uma pessoa real para ela, neste último dia, com todas as complexidades que o acompanhavam.

Ele se inclinou sobre ela, até que seu rosto estivesse a pouca distância do dela, com suas mãos posicionadas contra a parede, a cada lado dela.

— Diga-me, Elizabeth. Exijo que seja justa.

Ela bufou e desviou o olhar de seus determinados olhos escuros.

— Muito bem, já que você não me deixa escolha. Ele disse que seu pai lhe prometeu um trabalho e você se recusou a dar-lhe. É isso – está feliz agora?

Para seu grande alívio, ele levantou-se novamente.

— Bem do feitio dele – contar apenas aquelas partes da realidade que pintam o quadro que ele escolhe. Meu pai prometeu-lhe um trabalho, e eu realmente me recusei a dar-lhe, mas suponho que ele não mencionou que, três anos antes, ele pediu o pagamento em vez da colocação, e eu lhe dei uma quantia de três mil libras. Quando então ele voltou, por ocasião da morte do titular, pedindo o trabalho, eu recusei.

Elizabeth não sabia em quem acreditar. Não tinha motivos para duvidar de Mr. Wickham, mas Mr. Darcy dera sua versão sem hesitação. Não pareceu algo que pudesse inventar tão rapidamente.

Darcy voltou a andar.

— Ele não tinha condições de ser um clérigo. Ele é um patife, um vigarista e um sedutor.

— Um patife? Ora, vamos. Isso é bem exagerado.

— É? Como devo me referir ao homem que planejou encontrar minha irmã sozinho, convencê-la de que estava apaixonada por ele e concordar com uma fuga – tudo isso quando ela tinha apenas quinze anos de idade? Não foi nada além de boa sorte eu ter chegado de repente e descoberto seus planos antes que fosse tarde demais. Aconteceu no verão passado. Seu incentivo foi seu dote de trinta mil libras de minha irmã.

Suas palavras irritadas pareciam quase como golpes. Ela cobriu o rosto com as mãos, escondendo-se de seus olhos interrogadores. Não poderia ser verdade, ou poderia? Mr. Wickham não teria feito uma coisa tão má... ou teria? Certamente que ele foi rápido em deixá-la e desenvolver um interesse em Mary King, ao descobrir que esta tinha dez mil libras. Charlotte chamaria isso de praticidade da parte dele, mas a rapidez com que ele mudara de interesse fora chocante. Ainda não conseguia acreditar que ele tentou fugir com a irmã de Mr. Darcy mas, ao mesmo tempo, por que Mr. Darcy faria uma afirmação se não fosse verdade? O fato arruinaria o futuro de sua irmã, se viesse a se tornar público. Ele não tinha motivos para mentir sobre isso.

Ela precisava responder de alguma forma.

— Sinto muito. Nem sei o que dizer, o que pensar.

— Você está longe de ser a primeira a ser levada pelos modos agradáveis dele. Ele tem um longo histórico de exercer seu encanto sobre uma dama após... — Ele parou abruptamente.

Abaixando as mãos para ver por que ele havia parado, descobriu-o olhando para o vazio, com os olhos abertos.

— Algum problema?

— Foi por isso que eu estava viajando para Meryton ontem. Ouvi rumores de que você era a favorita de Wickham. Não queria vê-la se tornar outra de suas vítimas, então decidi ir para Longbourn para contar ao seu pai o que eu sabia dele.

Então, era possível se sentir ainda pior sobre seus enganos. Que Mr. Darcy assumiria a mortificação de procurar seu pai para protegê-la, era mais do que podia suportar. Em voz baixa, ela disse:

— Veja, é como eu disse. Sua memória retornou. Mas devo pedir-lhe que me desculpe; não desejo conversar mais no momento. — Ela puxou os joelhos junto a si e enterrou seu rosto em seus braços, caso ele pudesse entendê-la mal. Ela nem conseguia se importar que ele visse sua fraqueza.

Para seu alívio, ele não disse nada. Mas, depois de um minuto, sentiu um peso sobre ela, e seus olhos se abriram para descobrir que ele colocara seu sobretudo sobre ela e o dobrou em cada lado, como se fosse um abraço.