SE HAVIA um destino pior guardado para ele do que ter que assistir os ombros de Elizabeth se agitarem com soluços silenciosos e ser incapaz de oferecer-lhe conforto, Darcy não queria saber o que poderia ser. Era excruciante. Odiou causar-lhe dor. Pior ainda, o fato de ela achar a revelação das ações de Wickham tão dolorosa parecia sugerir que ela viera a se importar com esse canalha, e essa ideia fez Darcy querer bater a cabeça contra a parede.
Por que, em nome de Deus, decidira se afastar de Hertfordshire, quando isso significava deixar Elizabeth à mercê de Wickham? Devia estar fora de si. Deveria tê-la avisado mais enfaticamente, não apenas um comentário enigmático durante uma única dança. Ou deveria ter esquecido todos aqueles ridículos escrúpulos sobre por que não deveria fazer-lhe uma proposta, naquele momento e naquele lugar. Se ele tivesse agido assim, ela seria sua esposa agora, e estaria confortável em seus braços em Pemberley, em vez de congelar na cabana de um camponês.
Finalmente, depois do que pareceu ser uma eternidade, a respiração de Elizabeth tornou-se regular. Inspirando, expirando e soltando um pequeno suspiro, pouco audível acima do barulho do vento que atravessava a cabana – os mesmos sons que ouvira esta manhã quando acordou. Ela deve ter adormecido sentada, sem dúvida esgotada depois de uma noite tentando dormir no colchão, na cabana fria. Graças aos céus! Os ombros de Darcy penderam quando a tensão finalmente o liberou.
O fogo estava baixo. Mesmo sentado perto da lareira, Darcy estremeceu. Elizabeth estava envolvida na colcha e no seu sobretudo, deixando-o em mangas de camisa. Agitar o fogo poderia despertar Elizabeth; então, em vez disso, Darcy colocou outra lenha no fogo. Estava lento para que pegasse fogo, aparentemente pela umidade da neve derretida mas, uma vez o fogo instalado, queimou alegremente, sibilando e estalando.
Seu casaco estava quase seco, finalmente. Isso poderia tornar o resto da sua estadia um pouco mais confortável, algo que se tornava mais importante à medida que o dia passava e a tempestade continuava. As chances de escapar da cabana estavam mais escassas no momento. Não que isso o incomodasse pessoalmente; significava mais tempo com Elizabeth, mas ele suspeitava que ela não reagiria bem. Ele abriu o casaco na escuridão para secá-lo mais rapidamente. Depois de ter sido mergulhado na neve, ter a gola manchada de sangue e pelos de gato presos a ele, um pouco de fuligem não faria grande diferença. Crewe não ficaria satisfeito, mas essa era a menor de suas preocupações. A maior delas dormia do outro lado da lareira.
***
Elizabeth olhou para Darcy enquanto ele lhe entregava o copo cheio de água quente. Teria ele realmente enchido a chaleira e a colocado sobre o fogo, ele mesmo? De qualquer maneira, o calor era bem-vindo, especialmente porque não tinha ideia do que fazer sobre a mudança no comportamento de Darcy.
Desde que acordou, com os olhos ainda inchados de chorar, ele estava agindo como se estivessem em um encontro público, perguntando-lhe sobre eventos em Meryton e a saúde de sua família, contando-lhe sobre as preferências musicais de sua irmã e como o inverno em Derbyshire era diferente do de Londres. Estava começando a deixá-la nervosa. O que ele estava pensando, que isso o tornaria tão, bem, distante? Após a intimidade de algumas de suas conversas, para não mencionar seus desentendimentos, parecia errado brincar novamente de dama e cavalheiro. Mas foi uma pausa para não discutir. Já era difícil demais estar presa com ele.
O vento assobiou sobre a cabana, enviando uma golfada pela chaminé, o que fez com que as chamas se intensificassem de repente. Há quanto tempo estava dormindo?
— Que horas são?
Darcy verificou seu relógio de bolso, depois o fechou com um estalo e balançou a cabeça.
— Três e meia. Mesmo que a tempestade diminuísse neste minuto, não haveria luz do dia suficiente para nos levar de volta a Meryton. —A voz dele parecia estranhamente moderada.
Elizabeth não disse nada. O que poderia dizer, afinal? Nunca gostou de ficar dentro de casa por longos períodos de tempo e, depois de estar presa tanto tempo no pequeno espaço, sem sequer uma vista para o exterior, as paredes da casa pareciam estar se fechando sobre ela. Eles haviam feito o desjejum com a última carne de cervo e as maçãs, e seu estômago gorgolejou de fome. O vento sibilou novamente, e ela mal conseguia ouvir os próprios pensamentos acima do constante refrão de seus uivos. Sentiu como se o cheiro de fumaça e de lã molhada fosse ficar grudada nela para sempre. E, então, havia também Mr. Darcy, sempre a poucos metros de distância. Se, ao menos, pudesse enterrar-se sob um edredom de penas e esconder-se até que a tempestade fosse embora! Mas tudo o que tinham era a colcha fina, e não havia lugar para se esconder.
Relutantemente, ela se levantou. Se era para que eles não ficassem reduzidos a comer cebolas cruas e nabos esta noite, teria que pensar em algo para fazer com eles. Quão difícil seria fazer uma sopa? Ela dirigiu-se à despensa e tirou as cebolas, cenouras e nabos.
Podia facilmente imaginar como cortar as cenouras e os nabos com a faca pequena que havia encontrado, embora os pedaços fossem claramente desiguais e ela quase tivesse se cortado mais de uma vez. As cebolas eram mais misteriosas. As esferas castanhas e semelhantes a papel não pareciam estar cozidas. Finalmente, cortou-as em quartos, depois jogou todos os pedaços na chaleira. Esfregando o braço sobre seus olhos ardentes, encheu-a de água e adicionou um punhado de cevada, e então colocou-a sobre o fogo. Se tivessem sorte, poderia ser, por fim, algo comestível – ou talvez não. Com um suspiro pesado, afundou-se novamente perto da lareira.
Darcy sentou-se ao seu lado, seu braço a poucos centímetros do dela.
— Sei que não é o que deseja ouvir, mas já que não temos escolha senão passar outra noite aqui, parece impossível que sua reputação permaneça intacta. Não entendo por que a ideia de se casar comigo é tão repugnante para você. A maioria das mulheres ficaria encantada por tal arranjo.
De novo, não! Aparentemente, sua trégua acabara.
— Não sou a maioria das mulheres!
— Não, não é. Existe outro homem, então, com quem você deseja se casar?
Ela se levantou, precisando de alguma distância dele.
— Essa é a única razão pela qual você consegue imaginar que eu não queira me casar com você?
Ele levou um tempo para responder.
— Estou tentando entender sua relutância.
Sair dali correndo e se perder na tempestade estava começando a parecer uma alternativa atraente.
— Você não quer se casar comigo, e a única razão pela qual está considerando isso é porque sente que não há outra opção. Você mesmo disse que é rancoroso por temperamento e eu não quero que meu marido se ressinta de mim. Isso deve ser motivo mais do que suficiente.
— É verdade que eu não teria feito a proposta se não fossem nossas circunstâncias mas, se você acha que desgosto da ideia, posso garantir-lhe que não.
— Mesmo que eu acreditasse que você não ficaria pessoalmente desgostoso com o casamento, poderia me dizer com honestidade que nunca ficaria envergonhado com minha família? Que não haveria momentos em que se arrependeria de ter se ligado a uma mulher de conexões tão modestas? Não precisa me dar uma resposta a essas perguntas, pois já as conheço.
Ele hesitou, franzindo as sobrancelhas.
— Não posso negá-lo, mas não a culparia por nada disso.
— Assim você fala agora, e não há dúvidas de que quer dizer isso mesmo, já que sente que me deve sua vida. Mas, daqui a alguns anos, quando meus encantos se desgastarem e minhas imperfeições se tornaram mais claras, será diferente. Então, minha falta de uma educação adequada se tornará irritante, e você perceberá que, se eu não o tivesse encontrado ao lado da estrada, alguém provavelmente o teria feito a tempo.
Ele franziu a testa.
— Você me acha tão inconstante e injusto?
— Acho que você é humano. Já vi o que ocorre em um casamento desigual, quando um homem perde seu respeito pela esposa que desejou desesperadamente ao se casar. Nunca concordarei em estar nessa posição, para ser tratada com desprezo, nem por todas as riquezas de Pemberley.
Ele balançou sua cabeça.
— Esse não seria o meu jeito.
— Não deliberadamente, talvez, mas vi seu desprezo por aqueles que você sente serem seus inferiores. Mais cedo ou mais tarde, você se sentiria assim em relação a mim. — Para seu horror, sua voz falhou, ao pronunciar as palavras finais. Ela afastou o rosto dele, com a vã esperança de esconder as lágrimas que queimavam seus olhos.
Mr. Darcy poderia ter dificuldade em como responder à recusa dela, mas não hesitou em responder à sua angústia. Seus braços se fecharam ao redor dela, mantendo-a segura em seu peito. Ela deveria tê-lo empurrado, mas o conforto que ele ofereceu era muito tentador e ela se sentiu mais aquecida em seu abraço do que estivera o dia todo. Ela engoliu um soluço.
— Shh, Elizabeth. Está tudo bem. Não quero afligir você, de verdade — disse ele, suavemente.
— Sei disso — sussurrou ela, junto a ele, com o peito subindo e descendo em cada respiração. — É demais, a tempestade continua, e o frio, a falta de comida, sem ter para onde ir ou o que fazer.
— Não posso fazer nada sobre a tempestade ou estar preso aqui, mas talvez eu possa, pelo menos, ajudá-la a se aquecer por um tempo. Venha. — Segurando a mão dela, levou-a de volta à lareira, onde adicionou mais dois troncos ao fogo, cutucando-os para que queimassem mais.
— Haverá madeira suficiente para a noite? — Elizabeth se agachou no colchão e levou os dedos frios até perto do fogo. Pelo menos um lado dela se aqueceria.
— Posso trazer mais, agora sei onde encontrar a pilha de lenha. — Darcy sentou-se ao lado dela, e Elizabeth sentiu um peso em volta de seus ombros. Era o casaco de Darcy que ele envolvia ambos. O braço dele também cercou seus ombros, e ele a instou a aproximar-se até que seu lado ficasse pressionado contra o dele. Ela ainda sentia frio até os ossos, mas não havia dúvida de que esse momento era o mais quente que tivera.
No entanto, ela não deveria permitir tal intimidade. Relutantemente, disse:
— Mas se alguém nos descobrir...
— Se alguém nos descobrir agora, não importa se você está do outro lado da sala ou em meus braços. De qualquer forma, você estaria irremediavelmente comprometida. A questão é se você prefere estar quente ou com frio, estando comprometida.
Ela riu.
— Quente. Definitivamente quente. Adoro o seu casaco. Por que eles nunca fazem casacos femininos de tão linda e pesada lã? Suponho que isso pareceria muito fora de moda. — Ela se aconchegou mais sob o casaco e o braço de Mr. Darcy.
— No verão, invejo as senhoras em suas musselinas e mangas curtas, enquanto nós, os homens, devemos sofrer com camisa, colete e sobretudo, não importa o quão quente possa estar. Mas, no inverno, agradeço todas as camadas que os homens devem vestir, e me pergunto como as senhoras evitam ficar congeladas.
— É até difícil para mim imaginar o calor de um dia de verão agora. — E, alguns minutos antes, nunca poderia ter imaginado que ficar envolvida pelo braço de Mr. Darcy poderia ser tão reconfortante – ou prazeroso. — Ou mesmo imaginar que a neve parou. Acho que vou ouvir o vento uivando em meus sonhos por semanas!
O peito dele vibrou com um riso.
— Tem sido bem constante.
Algo cutucou o casaco, e um rosto peludo apareceu dentro dele. Como ela poderia se esquecer da gata?
— Olá, Bola de Neve — disse ela, enquanto a gata se esticava pela perna de Darcy e dela.
— Bola de Neve?
— Parece apropriado, não é?
Ele acariciou a cabeça da gata.
— De fato.
Bola de Neve começou a ronronar. Elizabeth ficou tentada a compartilhar o sentimento. Esta posição era completamente agradável, mas o que Darcy pensaria dela?
— Espero que saiba que normalmente não me comporto dessa maneira.
— Dificilmente poderia me esquecer disso, já que você demorou tanto tempo para perceber a melhor forma de se esquentar — provocou ele. — Eu sei que não é do seu tipo, mas também não é do meu. Mas esse é um momento fora do comum e as regras usuais não se aplicam.
— A maioria dessas regras teria sido impossível de seguir — De alguma forma, ela se deu permissão para descansar a cabeça contra o ombro dele. O que ela pensaria daí a alguns dias, quando olhasse para trás, para esse momento? Será que ficaria horrorizada consigo mesma, ou se perguntaria por que não tinha aproveitou mais enquanto podia?
— Em circunstâncias normais, não precisamos nos preocupar com o congelamento até a morte ou a fome. A razão pela qual podemos ter tantas regras sobre o decoro é porque nossos empregados cuidam desses problemas críticos para nós, tão bem que talvez esqueçamos o quanto eles são importantes. Mais importante que as regras, em qualquer caso.
— Definitivamente, mais importante — concordou Elizabeth.
Ficaram sentados juntos, em silêncio, durante algum tempo até que o cheiro de cebolas começou a permear o ar.
— Você acha que sua mistura deliciosa já está pronta? — perguntou Darcy.
Ela enrugou o nariz para ele.
— Não tenho ideia, como você sabe perfeitamente. Devemos ser aventureiros e descobrir a resposta da maneira mais difícil. Ou melhor, devo ser aventureira.
— Insisto que o privilégio é meu. — Ele colocou Bola de Neve no colo dela, envolveu o seu casaco em volta dela e usou uma vara para afastar a chaleira do fogo. — Assim que esfriar um pouco, naturalmente.
O sorriso dele era de fato devastadoramente atraente. Fez com que ela prendesse o fôlego.
— Você é um homem muito corajoso, então.
— Ou corajoso ou com muita fome. O aroma está bom, em qualquer caso.
—Cheira a cebolas cozidas, cenouras e nabos, o que não é surpreendente, pois é isso que ela é.
— Cheira a comida quente, que é algo que quase não me lembro, neste momento. — Ele voltou para o lado dela debaixo do casaco e retomou a mão dela, apertando-a suavemente. — Não que eu esteja reclamando, lembre-se. A companhia está excelente.
— Você quer dizer que a companhia, assim como a comida, está excelentemente quente — provocou ela.
— A excelente companhia, que me mantém quente, é muito superior à mais quente das refeições. Agora, onde está aquela colher?
— Aquela que está bem na sua frente?
— Ah, sim, essa. Devo estar cego pela beleza da excelente companhia.
— Ou foi o cheiro de comida quente que subiu à sua cabeça! — Quem teria adivinhado que Mr. Darcy tinha a habilidade para brincadeiras e um flerte leve?
Ele agitou a panela, depois tirou uma colherada e soprou sobre ela. Ao levantá-la na direção dela, disse solenemente:
— Pelas as tempestades de neve – que elas sempre tragam tais companhias.
Elizabeth reprimiu uma risada, enquanto ele sorvia o líquido da colher.
— Seu rosto é um enigma! Pode falar diretamente que está terrível.
Ele olhou a colher e depois tomou outra colherada.
— Eu não descreveria isso como terrível. Tem gosto de cebolas, cenouras e nabos – mas principalmente de cebolas.
—Não consigo entender o porquê. Coloquei tantas cenouras quanto cebolas. Além disso, você nunca ouviu falar de sopa de cebola?
— Os mistérios da culinária estão muito além de mim, senhorita Elizabeth. — Ele mergulhou a colher na sopa novamente, e segurou-a na frente de sua boca. — Vamos, é sua vez de dar uma opinião.
Olhando para ele por baixo de seus cílios, obedientemente ela sorveu o líquido da colher que ele segurava, depois apertou os lábios como se estivesse pensando.
— Há um traço de sabor de cebola, é verdade; mas eu julgaria como aceitável, considerando como minha primeira tentativa. Por que, em mais um dia ou dois, serei tão experiente quanto um chef francês!
—Um traço de sabor de cebola? — disse Darcy, com fingida indignação. — Um mero vestígio?
— Admito que é, talvez, um traço bem grande. Mas só coloquei quatro cebolas, embora houvesse muitas outras que eu poderia ter adicionado. No entanto, fui bem sucedida em meu outro objetivo culinário.
— E qual foi?
— Está quente, assim como desejei que estivesse – embora eu deva dar algum crédito à sua fogueira, por isso.
— Estou me esforçando para melhorar minhas habilidades em manter as coisas – e as pessoas – aquecidas — disse ele.
— A prática constante é a chave para o sucesso, por isso peço, continue a me manter aquecida. E se você se não quiser a minha fina sopa de cebola, haverá mais para mim. — Ela tentou puxar a colher de sua mão.
Ele a afastou dela.
— Oh, não, Miss Elizabeth! Devo ficar com a minha parte da sua refeição muito quente. Vou dar-lhe outra colherada, então uma para mim.
— Mr. Darcy, não fui alimentada por outra pessoa desde que eu estava aprendendo a andar.
— Então, será uma nova experiência para você. Temos apenas uma colher, e parece que não posso confiar em você.
Ela quase se engasgou na próxima colherada de sopa enquanto a simulada expressão de severidade dele a fazia rir.
— E eu que estava acostumada a achar você muito sério!
— Sou muito sério, especialmente quando se trata de comida quente — As ações dele seguiram o exemplo.
Cutucando-o nas costelas com o cotovelo, ela disse, mais por brincadeira do que necessidade:
— Minha vez.
Ele levantou a colher para ela mais uma vez.
— Seu desejo é uma ordem.
Ela tentou sorver um gole.
— Isso é mais difícil do que parece! Não tenho ideia de como as crianças conseguem.
Finalmente, ela engoliu, depois lambeu algumas gotas derramadas do lábio inferior.
A mão de Darcy parou a meio caminho, quando olhou para a sua boca. Havia ela perdido um pouco de sopa, permitindo que escorresse até seu queixo? Quão embaraçoso seria. Mais uma vez, ela passou a língua pelos lábios.
— Você pode ficar com a colher. — A voz de Darcy soou rouca quando deixou cair a colher na lareira.
Os ombros de Elizabeth cederam. Mais uma vez, ela conseguiu ofendê-lo, sem sequer saber o que fizera. E logo quando estava gostando da companhia dele! Seria muito esforço para ele entregar-lhe a colher?
— Muito bem — disse ela, de forma equilibrada. Não querendo passar fome por causa do humor de Mr. Darcy, ela começou a comer um pouco da sopa, depois recolocou a colher precisamente onde ele a deixara.
Mesmo a sopa estava menos satisfatória agora, não que tivesse estado saborosa antes. Talvez ela devesse ter cortado mais as cebolas, ou removido a casca, que agora flutuava na sopa. Poderia estar quente, mas seu estômago ainda estava vazio. Deveria haver algo mais que ela pudesse fazer. Os homens geralmente não ficavam de melhor humor quando não tinham fome?
Inspirada, enfrentou o frio e deixou o lado de Darcy, em busca do pão velho que vira no dia anterior. Estava duro feito pedra, mas ela o trouxe de volta à lareira, de qualquer modo. Infelizmente, arrancar um pedaço dele foi mais difícil do que pensara. Estava muito consciente de Darcy observando seus esforços inúteis.
Finalmente, ele tirou o pão dela sem uma palavra. Levantou-o acima de sua cabeça, e depois o esmigalhou na beira da lareira. O pão partiu em vários pedaços, ou talvez fosse mais preciso dizer que se quebrou. Poderia um pão se quebrar?
— Obrigada. — Ela não olhou para ele enquanto mergulhava um pedaço de pão na sopa. Deixou-o embeber-se brevemente, depois retirou-o e segurou a extremidade pingando sobre a chaleira.
Não havia maneira de comer tal coisa de forma graciosa, mas importava-se com a boa opinião de Mr. Darcy? Obviamente, não conseguiria aguentar muito. Com cautela, inclinou-se para frente e mordiscou o pão encharcado. Sentada de novo, mastigou lentamente, depois engoliu.
— Não posso dizer que possa recomendar altamente o prato, mas é preferível a passar fome — disse ela.
— Uma ideia inteligente. — Ele seguiu o exemplo com outro pedaço de pão.
Pelo menos ele já não parecia chateado. Ela se manteria em paz, esperando que durasse.
O pão e a sopa desapareceram rapidamente, não restando nada para fazer senão sentarem-se abraçados para se aquecerem. Inicialmente Elizabeth resolveu não dizer nada, mas a incoerência entre a proximidade física e a distância emocional deles finalmente venceu sua relutância.
— Você parece muito sério. É algo importante – além das questões normais, como estar preso aqui, no frio, com uma moça impertinente em vez de uma cozinheira?
— De modo nenhum. Não consigo me imaginar dividindo meu casaco com o minha cozinheira, então ainda bem que ela não está aqui. Estou apenas tentando manter meus pensamentos sobre essa moça impertinente de um jeito fraterno.
Não era o que ela esperava ouvir.
— Pelo que posso ver, parece ter tido sucesso.
— Eu? — Sua voz tinha uma entonação estranha.
Ela inclinou a cabeça para olhar para ele.
— Não estou entendendo.
Ele soltou um longo suspiro.
— Na verdade, estou falhando flagrantemente, e foi desde que lhe dei aquela colherada de sopa.
— Oh. — Foi por isso que ele se afastou tão rapidamente? Como deveria responder? Seus lábios começaram a tremer.
— Não gosto de fazê-lo, mas devo pedir um favor a você.
A pulsação dela cresceu rapidamente. Iria ele pedir-lhe um beijo? Ela esteve pensando sobre o último durante todo o dia e, apesar de suas ousadas palavras anteriormente, não sabia se iria recusar outro.
— Qual?
— Não me permita nenhuma liberdade esta noite.
Magoada, ela disse:
— Eu não estava planejando isso!
Ele suspirou.
— Eu sei, mas às vezes essas coisas não acabam como planejamos. Há boas razões pelas quais as jovens senhoras nunca podem ficar sozinhas com os homens. Então, estou lhe dizendo agora que, não importa quantas regras possamos violar, seria muito imprudente deixar-me beijá-la. E, se eu tiver sorte, o simples ato de dizer isso será o suficiente para me impedir de ser um tolo, ao tentar fazê-lo.
Ela se endireitou, mexendo-se para que nenhuma parte de seu corpo entrasse em contato com o dele.
— Você não precisa ter preocupações quanto a mim.
Ele abaixou a cabeça na mão.
—Elizabeth, imploro sua compreensão. Na verdade, não quero discutir com você ou insinuar que você está falhando de algum modo. Não está. Eu, no entanto, estou tristemente falhando no meu autocontrole, e lhe disse que você estaria segura comigo. Acima de tudo, não desejo trair sua confiança. Mas sou apenas humano.
Novamente, ela o julgara mal, pensando que ele estava com raiva, quando estava apenas lutando consigo mesmo – contra sua atração por ela. E ele não se queixara sobre isso até ela lhe perguntar diretamente sobre o que o perturbava. Ela procurou por palavras certas para se desculpar.
— Lamento que a situação seja tão difícil. Apesar da minha irritação há alguns minutos, se houver alguma maneira de aliviar esse fardo, espero que me diga. Seria melhor se não nos sentássemos juntos?
Ele balançou a cabeça com força.
— Não, quando muito...
— Sim?
A voz dele soou abafada.
— Quando muito, seria mais fácil se eu pudesse mantê-la mais próxima.
— Eu não deveria deixar você me beijar, mas deveria deixar você me abraçar? Diga-me, os homens têm sempre essa lógica quando se trata desses assuntos?
Para seu alívio, ele riu.
— Sim. Não somos coerentes quando se trata de mulheres.
— Bem, isso alivia minha mente — disse ela, com fingida acidez. — Eu odiaria pensar que você é coerente.
Ela hesitou, depois acrescentou suavemente:
— Não me importo se quiser me abraçar.
Ele a olhou de novo.
— Não se importa? — Ele parecia inseguro.
A pulsação dela acelerou.
— Seria... reconfortante. — Não era a descrição correta, mas como ela poderia dizer-lhe que ansiava estar mais perto dele, acabar com todas as suas discussões e encontrar a felicidade juntos?
Ele fez um som de concordância; então, antes que Elizabeth soubesse o que estava acontecendo, ele a segurou e a colocou em seu colo. Envolveu seu casaco em volta dela de forma a cobrir os dois, exceto a área diretamente na frente dela. Elizabeth estendeu a mão e completou o círculo, puxando a colcha para cobrir a área restante, aquecendo-os, enquanto Darcy a envolvia em seus braços. Com um suspiro, ela apoiou a cabeça no ombro dele, respirando o cheiro de especiarias, almíscar e fumaça de madeira. Ah, isso era tão agradável! Segura, reconfortada, sentindo-se estranhamente viva, como se cada centímetro dela estivesse acordando pela primeira vez. E quente – oh, tão quente! Ela enroscou e desenroscou os dedos dos pés em sua meia, apenas porque tinha que fazer alguma coisa.
— Melhor? — perguntou ela.
Ele apoiou o rosto no topo de sua cabeça.
— Sim.
Como ele poderia pensar que isso era mais fácil? Agora, era ela a lutar contra pensamentos bastante inadequados para uma jovem mulher, sobre um cavalheiro com o qual não tinha intenções sérias. Infelizmente, não estava mais certa se queria se separar dele depois que a tempestade terminasse. Oh, quão injusto da parte dele fazer com que ela desejasse coisas que não poderia ter! Todas as suas razões para recusá-lo ainda eram válidas – exceto que desejava desesperadamente beijá-lo, fazê-lo rir, vê-lo observá-la com paixão. Por que isso deveria ser sua fraqueza? Não deveria estar flertando com os oficiais, como Lydia e Kitty faziam? Mas não, ela tinha que querer Mr. Darcy, dentre todos os homens.
Se ao menos houvesse algo separando-os, algo que a impedisse de ceder à tentação de pressionar seus lábios contra os dele. Com um movimento repentino, ela puxou a colcha sobre sua cabeça.
O corpo de Darcy ficou rígido. Ele levantou um canto da colcha e olhou por baixo dela.
— Você está tentando se aquecer, ou é algum problema?
Ela abaixou a cabeça. Era incrivelmente difícil mentir, estando sentada no colo de alguém.
— Estou me escondendo — informou ela, com grande dignidade.
— De mim?
— De tudo.
— Não há ninguém aqui, além de mim, para vê-la.
— Você, e o fogo, e as paredes, e o telhado, e os armários, e a neve. — Ela se interrompeu, antes que acrescentasse a cidade de Meryton, e a totalidade da Inglaterra e das Índias Ocidentais também. Tudo o que representava sociedade, expectativas e limitações.
— Talvez eu devesse me juntar a você, então. — Ela podia ouvir seu sorriso mais do que vê-lo enquanto ele se enfiava debaixo da colcha com ela.
Se já era muito íntimo antes, agora era o dobro. O calor da respiração dele flutuava sobre as faces dela.
— Isso acabaria com todos os propósitos.
— Como assim? Você ainda está a salvo do fogo, das paredes, do telhado e da neve. — Ele parecia divertido e à vontade.
Resignada, ela inclinou a cabeça para trás para olhá-lo, ou pelo menos para a forma vaga que podia ver contra o facho de luz que entrava pela colcha. Por que tinha ele que atraí-la assim? Mesmo na reunião em Meryton, ela o percebera.
— O que é, Elizabeth? — A voz dele estava repleta de preocupação agora.
— Você acha... — Ela perdeu a coragem por um minuto e molhou os lábios secos com a língua. — Você acha que é o único que considera difícil essa situação?
No começo, ele pareceu não entender, e então fechou os olhos por vários e longos momentos, que pareciam uma eternidade. Sua voz estava baixa quando ele finalmente falou.
— Provavelmente, teria sido mais sábio que você não dissesse isso – mas estou muito feliz que o tenha feito.
Mais tarde, ela não saberia dizer qual dos dois se mexeu primeiro, ou talvez ambos tivessem se deslocado para que suas bocas pudessem se encontrar. Dessa vez, não foi o contato casto do beijo anterior; agora, ela sentiu a paixão descontrolada, enquanto a língua dele separava os lábios dela. A sensação acendeu um fogo dentro dela, ao mesmo tempo chocante, intoxicante e demasiado excitante, pois ela instintivamente correspondeu à sua invasão com uma resposta exclusivamente sua. Como seus braços acabaram se enroscando em volta do pescoço dele?
Ele se afastou, com respiração irregular.
— Espero que isso signifique que você mudou de ideia sobre casamento, porque em breve será muito tarde.
Mesmo que ele a tivesse jogado na tempestade, não poderia trazê-la de volta à realidade mais dolorosamente. O que ela fizera? Ela tampou os ouvidos com as mãos e apertou os olhos.
— Peço-lhe, pare de me pedir isso. Não posso fazer isso. Você não sabe o que está pedindo.
Ela sentia o peito dele se mover a cada respiração pesada que fazia, seu corpo enrijecido.
— Muito bem, senhora, se é isso que deseja — disse ele friamente. Ele se afastou, deixando seu casaco cobrindo Elizabeth. — Vou deixá-la em paz.
Ela abriu os olhos.
— Onde você vai?
— Apanhar mais lenha. — A voz dele soou dura mesmo para seus próprios ouvidos.
— Então vai precisar do seu casaco. — Ela começou a retirá-lo.
— Não. Não preciso disso. — O que ele precisava era ficar meio congelado até a morte. Era sua melhor esperança de saciar a fome por Elizabeth Bennet, que o estava devorando.
Ele puxou o trinco na porta e caminhou para o mundo congelado do lado de fora. O frio bateu nele como uma carruagem em movimento, o linho fino de suas mangas de camisa não protegiam contra o vento gelado. Ele ficou parado na porta, deixando o frio se infiltrar nele até seus dentes baterem. Ainda não era o suficiente; tudo o que queria era fazer amor com Elizabeth.
Ela não percebia a posição perigosa em que se encontravam. Sozinhos, juntos, depois de terem descartado as regras que os mantinham distanciados, uma longa noite à frente e atração queimando entre eles. Provavelmente, ela imaginou que eles poderiam trocar alguns beijos e depois parar, mas ele sabia mais. Sempre foi óbvio para ele que ela era uma apaixonada por natureza, e agora ele descobria quanto prazer ela obtinha do afeto físico. Uma pequena faísca e tudo acabaria.
Ou talvez fosse a melhor maneira. Se ele a tornasse dele, não haveria nenhuma dessas bobagens sobre não querer se casar com ele. Mesmo que ela continuasse desconfiada, ele teria que insistir. Diabos, por que permitira que esses pensamentos se instalassem em sua mente? O desejo o atravessou novamente, apesar do vento gelado.
Por que ela estava tão assustada com a ideia de casamento, afinal? Ela estava longe de ser tímida por natureza, mas essa questão mostrou um lado dela que ele nunca vira. Teria algum homem a magoado ou assustado? Ele não pensaria assim, pelo jeito com que ela o beijara. Gemendo pela lembrança de sua língua contra a dele, bateu com as mãos em suas têmporas. Por que ela tinha que ser tão tentadora?
Bem, se ela não queria ouvir sobre o casamento, de agora em diante ele guardaria seus pensamentos sobre o assunto. Mas como ele conseguiria controlar sua própria atração em relação a ela?
Uma rajada de vento chicoteou contra ele, gotas geladas salpicaram o seu rosto. Se, ao menos, isso pudesse acabar com seu desejo, então ele poderia desempenhar novamente o papel de cavalheiro!
Ou talvez isso fosse parte do problema. Elizabeth sabia que ele a queria; agora, não fazia o menor sentido gastar sua energia em uma vã tentativa de manter a aparência de indiferença. Talvez fosse hora de parar com o fingimento. Se ele se permitisse comportar-se de forma natural, mostrando sua admiração e sem tentar restringir todas as palavras que lhe saíam da boca, talvez então pudesse se concentrar na questão crítica de convencer suas mãos a ficarem longe da roupa dela.
Essa era a resposta. Ele pararia de vigiar sua expressão e suas palavras, e diria e faria o que quisesse – contanto que não tocasse nas roupas dela. A não ser, é claro, que ela criasse juízo e concordou em se casar com ele, caso em que nada disso importaria, de qualquer modo.
Seus dentes começaram a ranger incontrolavelmente. Mais um pouco, e ele ficaria congelado. Talvez isso desviasse sua mente de Elizabeth! Mas ele não conseguiria permanecer do lado de fora para sempre. Dissera que iria pegar lenha, então voltaria com algumas. Suas pernas estavam rígidas de frio, mas ele forçou-as a dar os poucos passos em direção à pilha de lenha.