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AS LÁGRIMAS AFLIGIAM OS OLHOS DE ELIZABETH enquanto ela se apressava a entrar em Longbourn. Não era apenas por dizer adeus a Mr. Darcy, ou descobrir que ele a tinha vigiado, para ter certeza de que estava segura. Depois de sua longa e fria caminhada, tudo o que queria era enrolar-se, ao lado do fogo, embaixo de cada xale e manta da casa. Ela parou de repente na entrada do salão vazio. A lareira estava fria. Seus passos ecoaram enquanto verificava a sala de jantar e a biblioteca. Sem fogo nas lareiras, tampouco. A casa estava tão deserta quanto a pequena cabana? Não vira fumaça subindo pela chaminé, ou fora um sonho?
Se houvesse fogo em qualquer lugar, seria na cozinha. Depois de mancar em direção à parte traseira da casa, com toda a velocidade que seus pés dormentes permitiam, abriu a porta para a cozinha, e quase explodiu em lágrimas de alívio com a onda de ar quente e a visão de Cook, adormecida em sua cadeira de encosto alto, e com os roncos que saíam de sua boca aberta. A lareira estava cheia de carvões vermelhos e brilhantes. Elizabeth se agachou tão perto quanto pôde, liberando Bola de Neve. O calor de boas-vindas foi quase doloroso contra sua pele fria.
As pernas da cadeira rasparam no chão de laje, atrás dela.
— Finalmente, a família está de volta, Miss Lizzy? — disse Cook, com um bocejo.
— Sou a única até agora, parece. Onde está todo mundo?
Cook levantou-se.
— Todos se foram antes da tempestade para a cerveja e comida livre, e ninguém voltou. Há algumas de nós aqui – Nell não quis ir, e uma das criadas da cozinha resfriou-se. Dois dos meninos do estábulo tiveram que ficar aqui para tomar conta dos cavalos enquanto os noivos iam embora.
Elizabeth tirou as luvas molhadas e estendeu as mãos para o fogo.
— Ninguém voltou de Meryton ainda? — Era estranho, já que era uma distância mais curta do que ela atravessara mas, provavelmente, os outros não estavam na mesma pressa para evitar serem descobertos, e preferiram esperar até que as estradas ficassem mais abertas.
— Ora, você não veio de Meryton? E de onde veio esse gato?
Era demais para sua capacidade de disfarçar seu paradeiro! Embora, se todos da região estavam presos em Meryton, todos saberiam que ela não estava lá.
— Eu a encontrei congelando ao lado da estrada. Estava caminhando antes da nevasca e me refugiei em uma cabana. Você pode imaginar – eu usei esse vestido, dia e noite, desde que saí para o casamento de Charlotte, há dois dias! Eu diria que continuará em pé, sozinho, depois que eu tirá-lo. — Talvez isso distraísse Cook.
Cook fez um som com a língua, parecido com um “tsc-tsc”.
— Melhor você se trocar por algo limpo antes que sua mãe volte!
— Posso deixar a gata aqui? Ela precisa se aquecer. — Bola de Neve já estava cheirando o chão da cozinha, parecendo perfeitamente em casa nesse novo ambiente.
—Bem, sua mãe não ficará satisfeita por encontrar uma gata na casa, mas talvez ela possa pegar alguns desses ratos irritantes antes que a senhora perceba. Nell pode ajudá-la a se vestir. Eu preferiria me preparar para cozinhar o jantar, caso o resto da família esteja aqui hoje. Eu digo a você, senhorita Lizzy, nós cinco tivemos um banquete quando ninguém voltou de Meryton para comer toda a boa comida que fiz.
— E tenho certeza de que você mereceu cada pedaço dela! — A última coisa que queria fazer era deixar a lareira, mas restaurar sua aparência normal teria outra vantagem. Isso poderia fazer com que seus pais acreditassem que ela esteve em Longbourn todo esse tempo.
***
Os pés de Darcy doíam quando ele finalmente se arrastou para dentro de Meryton, mas não tanto quanto o coração dele. Havia sido uma batalha cada passo que dera no caminho, para não voltar para Longbourn e para Elizabeth. Não fazia sentido. Ele sempre estivera perfeitamente satisfeito com sua própria companhia. Deveria estar ansioso por algum tempo para si mesmo, depois de tanto tempo preso em uma pequena cabana com outra pessoa mas, em vez disso, a falta dela parecia como se uma parte dele tivesse sido amputada. Queria poder voltar até ela e compartilhar seus pensamentos.
Mas não queria falar com nenhum dos habitantes da cidade que tiravam a neve de suas portas. Era apenas Elizabeth que ele queria. Além disso, na melhor das hipóteses, ele devia estar com aparência desgrenhada, e ele precisava evitar qualquer dúvida. Se pudesse alcançar o estábulo sem que ninguém o parasse, tudo poderia ficar bem.
Mas a uma dúzia de passos da estrebaria, uma figura familiar atravessou seu caminho, quase como se Darcy o tivesse criado em sua imaginação. Mr. Bennet estava envolvido em um sobretudo grosso o suficiente para disfarçar sua figura, mas seu rosto era fácil de ver.
De alguma forma, Darcy curvou-se convenientemente.
Mr. Bennet parou de repente.
— Bom Deus, se não é o Mr. Darcy! Não sabia que estava na região.
— Simplesmente passando — disse Darcy com toda a firmeza que conseguiu.
— Temo que tenha escolhido um mau tempo para isso. — Mr. Bennet gesticulou para a neve que os cercava.
O homem não fazia ideia de quantos problemas o tempo lhe causara!
— De fato — disse ele, bruscamente, tentando repelir o impulso de agarrar os braços de Mr. Bennet e dizer-lhe que sua filha passara as duas últimas noites dormindo em seus braços. Então, ele não teria escolha senão retornar a Longbourn e propor formalmente a Elizabeth, que teria que aceitá-lo desta vez. Mas Elizabeth não queria isso, e ele não podia destruir as expectativas de Georgiana. O dano feito a seu próprio nome era algo que não se importava.
— Peço-lhe que dê meus cumprimentos à sua família. Bom dia, senhor.
De alguma fora, ele conseguiu se despedir de Mr. Bennet e entrar na segurança da estrebaria. Demorou um momento para que seus olhos se ajustassem ao interior escuro, após a luz do sol refletindo sobre a neve, e ainda mais para o que seu coração desacelerasse.
Um homem idoso veio da parte de trás do escritório, limpando as mãos nodosas em seu avental de couro.
— Posso ajudá-lo em algo hoje, senhor?
Ele entregou ao homem o seu cartão.
— Preciso de um cavalo para viajar para Londres. — Se o pangaré que lhe dessem pudesse realmente ser chamado de cavalo.
O sujeito apertou os olhos, ao ler o cartão.
— O senhor é aquela pessoa que estava visitando Mr. Bingley em Netherfield?
Como se fosse da conta dele!
—Sim.
Esfregando o queixo, ele disse:
— Você pode conseguir um cavalo, mas não será o que está acostumado. Os bons estábulos estão em Ware.
—E eu estou aqui. Qualquer coisa que possa me levar à cidade servirá. Meu próprio cavalo fugiu na tempestade. Se alguém falar que encontrou um baio puro sangue, 16 palmos, equipado com alforje, peço que me envie para esse endereço, e o recompensarei.
— Oh, então esse é o seu cavalo! Ele está aqui mesmo. Veio direto para a cidade há dois dias, quase atropelou um garotinho e quebrou a roda da carroça da mercearia.
Destruindo tudo à vista.
— Deve ser Mercúrio. — Ele escolhera montar o cavalo semitreinado de Londres, com a esperança de que o desafio afastasse sua mente de Elizabeth Bennet. Em vez disso, o infame o jogou diretamente aos pés dela.
— Ele foi difícil de pegar. Não gostou da neve, aquele animal.
— Assim notei. Daí a fuga. — Darcy tirou a prata restante, guardando uma moeda para alguma comida decente, e deixou cair o restante no balcão. — Por seu problema e pelo carrinho da mercearia.
Os olhos do homem se arregalaram.
— Agradeço, senhor. Levarei o seu cavalo pela frente, logo que o selar.
— Muito bom. — Quanto mais cedo ele saísse de Meryton, melhor. Caso contrário, poderia não resistir ao impulso de retornar a Elizabeth.
***
Mr. Bennet foi o próximo a chegar a Longbourn mas, para a surpresa de Elizabeth, estava sozinho
— Onde estão minha mãe e irmãs? — perguntou ela, ansiosamente. Não havia passado pela sua cabeça que sua família poderia estar perdida na nevasca.
Seu pai resmungou.
— Na casa da sua tia Phillips, que compartilhei com todos eles. A conversa constante foi tortura! Escapei na primeira oportunidade possível, mesmo que isso significasse abrir meu caminho através das nevascas. Eu estava muito menos assustado com a neve do que com outra discussão de renda e vestidos.
— Mas elas estão bem?
— Elas estão bem. Como ninguém poderia sair da cidade, tem sido uma longa celebração desde que a tempestade começou. Dançar e brincar, cartões e jogos – eu pensei que iria perder meu juízo. Não, elas estão perfeitamente bem e planejam retornar uma vez que a neve nas estradas foi pisoteada. Eu, por um lado, espero que não seja tão breve assim. Estou ansioso para me fechar na minha biblioteca por algum tempo.
— Não irei incomodá-lo! — disse ela com uma risada mas, na verdade estava feliz com a oportunidade de ficar sozinha. Seu coração se encontrava muito pesado para fingir por tanto tempo que tudo estava bem.
Seu descanso mostrou-se mais breve do que esperava. Poucas horas depois, Nell chegou para dizer-lhe que Mr. Bennet estava chamando por ela na biblioteca.
Seguiu para a biblioteca com apreensão. Poderia ele ter descoberto a verdade?
— Você queria falar comigo? — Elizabeth ficou na frente da mesa do pai.
— Sim, Lizzy. Gostaria de lhe perguntar sobre o seu paradeiro durante a tempestade. A fofoca entre os criados é de que você não estava aqui.
Elizabeth respirou profundamente.
— Está correto. Saí caminhando após o casamento e fui pega pela tempestade, então me refugiei em uma cabana até ela passar.
Ele tirou os óculos e colocou-os no mata-borrão.
— Que casa de campo seria?
— Os inquilinos estavam ausentes, então não conheço seu nome. É uma pequena cabana, ao norte da estrada de Hatfield, talvez duas milhas depois da taberna.
— Acho que a conheço – uma pequena cabana de pau a pique de frente a estrada?
— Essa mesma.
— E você entrou sozinha na casa vazia deste estranho?
— Não havia muitas opções, senhor, a menos que eu preferisse congelar até a morte. Não era um alojamento confortável, mas forneceu o abrigo que eu precisava. — Espero que ele não perceba que ela não dissera nada sobre estar sozinha.
— Entendo. E então você voltou depois que a tempestade terminou.
— Sim.
Mr. Bennet voltou a sentar-se na cadeira.
— Quando voltei de Meryton, aparentemente não fui o primeiro a viajar pela estrada para Longbourn após a neve. Havia um conjunto de pegadas indo em direção à cidade.
— Isso não é surpreendente. — Seu coração bateu.
— O que é surpreendente, porém, é que, quando passei pela pista que corre para a estrada de Hatfield, parecia que duas pessoas haviam caminhado lá. Uma voltou-se para Longbourn House, e a outra para Meryton – uma rota estranha para andar na neve, já que está longe de ser direta. Suponho que as pegadas que se aproximam da casa eram suas, mas me pergunto quem poderia estar acompanhando você ao longo da pista.
Ela não havia considerado que suas pegadas poderiam lhes trair. Como ela esquecera disso? Seu melhor palpite seria contar a maior parte da verdade possível, de modo que era menos provável que fosse pega.
— Encontrei Mr. Darcy na estrada de Hatfield, e ele foi gentil o suficiente para me acompanhar durante a maior parte do caminho até aqui. Ele disse algo sobre ir ao estábulo em Meryton já que seu cavalo fugiu na tempestade.
—No entanto, você não disse para mim nada sobre tê-lo encontrado.
Elizabeth tentou rir.
— Deveria ter anunciado que estava sozinha com um cavalheiro rico? Ele me fez uma cortesia, e não quero recompensá-lo, fazendo minha mãe alegar que, de alguma forma, ele me comprometeu enquanto lutamos pelo caminho das nevascas, o que teria sido um grande feito. Se você não acredita em mim...
— Oh, acredito em você, minha querida, nem que seja por eu ter cruzado com Mr. Darcy em Meryton.
Elizabeth nunca desejou tanto a capacidade de impedir que um rubor lhe subisse ao rosto. Em um esforço para parecer indiferente, disse:
— Oh? Você falou com ele?
— Nada além de desejar um ao outro um bom dia. Ele não falou em tê-la encontrado.
Aqui, ela estava em um terreno mais seguro.
— Você seria a última pessoa para quem ele gostaria de dizer que andou sozinho comigo! Você pode imaginar a degradação que seria para ele se fosse forçado a me fazer uma proposta? — A bile subiu por sua garganta.
Seu pai riu.
— Duvido seriamente que ele consideraria que valesse a pena. Se você estivesse comprometida por causa dele, esse seria problema seu, não dele. Que indivíduo desagradável ele é! Lamento que você tenha sido forçada a andar com ele. Espero que o orgulho dele se recupere da experiência.
Se ao menos pudesse dizer ao pai que ele não era nada daquilo – e que ele realmente achou que ela valia a pena. Mas essas eram coisas que deveria manter trancadas para sempre, junto com as lembranças dos últimos dias e uma dor vazia em seu coração.
***
A neve já estava começando a derreter quando o restante da família Bennet retornou no dia seguinte. Mary parecia cansada, e os olhos vermelhos de Kitty eram um forte contraste com o comportamento excitado de Lydia.
— Eu digo que a estrada para Meryton nunca pareceu mais longa! — gritou Mrs. Bennet assim que entrou em Longbourn House. — Pensei que poderíamos congelar até a morte a qualquer momento, e você encontraria nossos corpos nas sebes, após o descongelamento. Onde esse mundo vai parar? Nunca vi um inverno assim!
— Pelo menos não desde o ano passado — murmurou Elizabeth para Mary, então falou mais alto. — Estou feliz em ver todas vocês em segurança em casa.
Lydia gritou:
— Nós tivemos tanta diversão, Lizzy! Eu digo que sinto muito por você, presa aqui, sozinha, enquanto dançávamos e jogávamos cartas na cidade. Foi uma aventura maravilhosa! E você nunca acreditará no que aconteceu! Tanta excitação! Ontem...
Mary disse de forma autoritária:
— Isso já é o suficiente, Lydia. Não vamos mais falar disso agora.
— Por que não deveria falar disso? Não pode ser mantido em segredo. A metade da cidade já sabe, e por que Lizzy deve ser a última a descobrir?
Kitty soltou um som abafado, cobriu a boca com a mão e saiu correndo da sala, ainda usando seu casaquinho. O som de passos subindo as escadas seguiu-se à sua saída.
— É por isso que você não deve dizer nada — disse Mary severamente. — Kitty já está perturbada o suficiente.
Agora preocupada, Elizabeth disse:
— Aconteceu alguma coisa com Kitty?
Lydia deu um salto ao ficar de pé.
— Não, não ela. Ela está apenas sendo boba. É Maria Lucas. Arrisco-me a adivinhar que você não esperava ouvir esse nome! Ela desapareceu no café da manhã do casamento, e ninguém a viu até ontem, quando foi encontrada andando pela High Street, chorando e segurando seu vestido rasgado. Ela está arruinada, é claro.
Elizabeth fechou os olhos. Esperava que Maria pudesse de alguma forma evitar a descoberta.
— Pobre menina.
— Ela é uma tola. Se ela tivesse tido apenas o juízo de retornar diretamente ao Lucas Lodge e evitar ser vista, ninguém teria sabido que algo aconteceu. Mas ela teve que mostrar isso. Agora, sua mãe não vai falar com ela, e Sir William Lucas não falará com ninguém. Imagino que terão que mandá-la embora.
— Como ela deixou o café da manhã do casamento? — Elizabeth dirigiu sua pergunta a Mary. Era algo que a estava incomodando.
— Ninguém sabe. Ela, Kitty e Lydia estavam flertando com os oficiais, e essa foi a última vez que alguém a viu.
Lydia, aparentemente zangada por ser cortada da conversa, disse:
— Ela bebeu muito ponche de rum e ficou bastante tola. Queria que Denny a notasse, em vez de mim. Bem, aparentemente ele assim o fez. Nunca tenho problemas em lidar com os oficiais; não sei por que ela não conseguiu detê-los. Ela é tão criança!
Elizabeth absteve-se de ressaltar que Maria era quase um ano mais velha do que Lydia, embora muito mais inocente – ou tinha sido.
— Não quero ouvir mais nada vindo de você, Lydia. Sinto muito pela pobre Maria. Ela foi pessimamente usada.
Mrs. Bennet tirou seu chapéu e o substituiu por sua touca.
— Não há necessidade de continuar, Lizzy. Não é prejudicial para você e, pelo menos, não vou ter que ouvir lady Lucas se vangloriar de ter uma filha casada ou de Charlotte ser a senhora dessa casa algum dia. Minhas filhas talvez não tenham se casado, mas pelo menos nenhuma de vocês foi desonrada.
Ignorando sua mãe, Elizabeth puxou o braço de Mary.
— Venha, você deve estar morrendo de vontade de vestir roupas limpas. Há quanto tempo está vestindo esse vestido?
Mary seguiu sua irmã até o andar de cima com uma careta.
— Nem quero pensar nisso!