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Capítulo 9

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DARCY CHEGOU A LONDRES com um humor horrível. Mercúrio se esquivou de todas as vistas inesperadas no percurso, e havia poucas para escolher. Mesmo com poucos viajantes se aventurando pelas estradas cobertas de neve, havia vagões presos em valas, carruagens com as rodas atoladas na neve e os cascos de qualquer cavalo que passava jogavam neve por todos os lados. Ele deveria ter parado em uma pousada para se aquecer antes de continuar, mas seu desejo de chegar em casa o manteve cavalgando muito mais tempo do que seria confortável ou mesmo sensato. Pelo menos, a profundidade da neve diminuía à medida que se aproximava da cidade. Aparentemente, Londres tinha sido poupada do pior da tempestade.

Seu mordomo o recebeu na porta com um olhar de profundo alívio.

— Bem-vindo de volta, senhor. Posso dizer, em nome de todos os funcionários, que estamos felizes em vê-lo retornando para nós com boa saúde.

— A minha irmã estava preocupada? — Isso nem sequer tinha lhe ocorrido, mesmo que Georgiana sempre se preocupasse com tudo.

O mordomo tossiu.

— Acredito que Mrs. Annesley tomou a liberdade de dizer a Miss Darcy que recebemos um recado seu, dizendo não retornaria até que o tempo estivesse bom.

— Muito bom. Quero chá, licor e água quente para tomar banho. E algo para comer. Você pode informar à minha irmã que estou de volta, e que a verei assim que estiver apresentável. — Ele escondeu a fita de cabelo de Elizabeth no punho antes de entregar-lhe sua capa.

— Sim, senhor.

Naturalmente, Crewe já escolhera roupas limpas para ele. Seu criado costumava parecer ter uma habilidade quase sobrenatural de prever suas ações.

Franzindo os lábios, Crewe lançou um olhar experiente sobre a roupa de Darcy, mas não disse nada. Isso foi um sinal ruim.

Cansado, Darcy disse:

— Sim, dormi com essas roupas por duas noites, e em um colchão de palha, em frente a uma lareira cheia de fuligem, no mínimo.

Crewe assentiu com um sinal de reconhecimento, depois o ajudou habilmente a retirar o apertado sobretudo. O camareiro segurou o casaco para examiná-lo.

— E com um animal branco, presumo, além de alguém com longos cabelos castanhos encaracolados — disse ele, em voz baixa.

— O que você disse? — perguntou Darcy, lutando contra a vontade de arrebatar o casaco de Crewe.

— Nada, senhor. Providenciarei para que seja adequadamente descartado.

— Não. Não o descarte.

Crewe enrugou o nariz.

— Não será possível fazê-lo voltar a um estado aceitável para ser usado em público, senhor.

— No entanto, desejo mantê-lo.

— Até a camisa? As manchas de fuligem jamais sairão.

— A camisa também — Por algum motivo, parecia crucial não se desfazer daquelas roupas, mesmo que nunca as usasse de novo. Elizabeth dormira em seus braços enquanto as usava.

— Como queira, senhor. — Estava claro que os desejos de Crewe eram outros.

***

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Darcy franziu a testa para o prato de comida na frente dele. Por que o apetite dele desapareceu agora, depois de ter desejado uma refeição quente por dias? Estava finalmente barbeado e arrumado, confortavelmente vestido com roupas limpas, embora Crewe pensasse que ele perdera o juízo.

Quente, limpo, com servos para cumprir todas as suas ordens – deveria estar satisfeito. Mas como poderia se sentir satisfeito quando a ausência de Elizabeth era tão palpável? Por quanto tempo essa tortura continuaria? Precisava esquecer Elizabeth Bennet, e quanto mais cedo, melhor. Não que tivesse tido êxito nessa tentativa no passado.

O mordomo aproximou-se dele com uma reverência.

— Mr. Stanton está à sua espera no escritório, senhor.

Como não parecia que ele fosse comer qualquer coisa, então Darcy empurrou a cadeira para trás.

— Já vou.

Seu homem de negócios o esperava, vestido como sempre em um tom preto e sóbrio que o fazia passar despercebido.

— Obrigado por chegar tão rapidamente — disse Darcy, instalando-se atrás de sua mesa. — Tenho uma tarefa que desejo ver realizada, mas precisa ser feita rapidamente e pode exigir vários dias do seu tempo. Estaria disponível para isso?

Stanton acenou que sim com a cabeça.

— Posso cancelar meus compromissos para atendê-lo, naturalmente.

— Bom. Preciso que você vá a Meryton novamente. Sua primeira tarefa é verificar se há algum falatório sobre uma jovem chamada Maria Lucas, filha de Sir William Lucas. Com toda a probabilidade foi arruinada. Se este for o caso, você deve encontrar um oficial no regimento da milícia que esteja disposto a se casar com ela, em troca de uma soma de dinheiro e a aquisição de uma comissão em um regimento longe de Meryton. Um que não seja cruel com ela, é claro. — Ele pegou um papel. — Escrevi todos os detalhes do assunto aqui para você.

Stanton pegou a lista e a examinou.

— Ah. Mr. Wickham novamente, percebo.

— Claro.

— Não antevejo dificuldades sobre isso. Suponho que queira que este assunto seja tratado com a maior discrição?

— Sim. — Darcy limpou a garganta. — No nosso último encontro, você me informou que Wickham estava se encontrando com Miss Elizabeth Bennet. Ela não se encontra mais sob qualquer risco e está ciente do meu interesse na questão de Miss Lucas. Se você precisar de mais informações sobre essa situação, ela poderá fornecer. Escrevi uma carta que explica tudo a ela. Espero que você tenha a oportunidade de lhe entregar. — Ele empurrou o envelope selado sobre a mesa, observando atentamente a expressão do outro homem.

Se Stanton teve alguma reação a esse pedido incomum, ele o escondeu bem.

— Isso não deve ser difícil.

— Além disso, gostaria de saber se há alguma conversa incomum na cidade em relação a Miss Bennet.

— Muito bem, senhor. E se houver falatórios, que linha de ação devo tomar? A mesma que para... — Ele fez uma pausa para consultar o papel. — ...Miss Lucas?

A garganta de Darcy apertou-se.

— Não. Informe-me imediatamente, mas não faça nada. — Ele precisava saber do resultado, caso Elizabeth decidisse não informá-lo. Elizabeth. Ele esfregou a fita que estava entre seus dedos, em seu bolso.

***

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Em Meryton, Elizabeth teve seu caminho bloqueado por um cavalheiro anônimo.

Ele tirou o chapéu.

— Perdoe-me, senhorita, mas posso pedir-lhe indicação para chegar à fazenda Furnham?

Surpreendida pela abordagem vinda de um total desconhecido, ela apontou para a esquerda.

—É logo após a próxima curva na estrada.

Suas próximas palavras foram apressadas, com uma voz baixa demais para ser ouvida por outras pessoas.

— Peço-lhe que continue a apontar enquanto falo. Meu nome é Stanton, e fui enviado por Mr. Darcy para reparar a infeliz situação de uma jovem dama. Ele me disse que, se não conseguisse obter as informações locais de que preciso, deveria abordá-la com minhas perguntas. Existe um momento e um lugar em que podemos conversar? Peço-lhe que se recorde que você deveria estar me dando indicações.

A respiração dela ficou presa na garganta. Darcy não se esquecera de sua promessa de ajudar Maria Lucas – e, além disso, não a esquecera.

— Eu... Sim, além da próxima curva, você passará um grande carvalho, então dois campos separados por um caminho com uma cerca. Gostaria de lhe mostrar o caminho, mas devo terminar minhas compras aqui, e isso demorará meia hora ou mais.

— Muito bom — disse ele, calmamente. — Na cerca, em meia hora ou mais. — Ele colocou novamente o chapéu e falou alto. — Muito obrigado, senhorita, pelas indicações e por ter gasto seu tempo para ajudar um estranho.

Quando ele se afastou, Elizabeth olhou para ele, com a pulsação disparada. O que estava errado com ela, que era apenas ouvir o nome de Darcy para ficar em uma agitação típica de Lydia? Desejando parecer calma, voltou-se na direção da chapelaria. Meia hora. Não importa quantas compras ela tivesse que fazer, seria difícil esperar tanto tempo.

Ela correu com suas compras, mas fez todas as tentativas de parecer relaxada, enquanto caminhava pela estrada em direção à fazenda Furnham.

Mr. Stanton estava inclinado sobre o muro de pedra ao lado da cerca.

— Agradeço-lhe por vir até mim, Miss Bennet.

— Se houver alguma maneira em que eu possa ajudar, ficaria feliz em fazê-lo. A jovem dama em questão está sofrendo muito.

— Sim, compreendo. Meu objetivo, se posso ser direto, é encontrar um marido para ela e, em seguida, providenciar para que eles se afastem daqui. No entanto, a primeira tarefa está se mostrando mais desafiadora do que eu esperava.

Elizabeth levantou uma sobrancelha.

— Encontrar-lhe um marido nestas circunstâncias pode não ser fácil.

Ele sorriu.

— Normalmente, uma bolsa recheada é uma tentação suficiente para convencer um homem a se casar com quase qualquer mulher, mas os cavalheiros que estavam, bem, envolvidos em sua desgraça estão muito ocupados em exibir-se para pensar no futuro. Se não estivessem tão empenhados em dizer uns aos outros que bons sujeitos são por arruinar o futuro de uma jovem, eu poderia ter tido uma chance. Mas, neste caso, não consigo ver nenhum deles como bons candidatos para o papel de marido, e Mr. Darcy deixou claro que ele prefere um marido que a trate bem. É nesse ponto que esperava sua ajuda.

— Um marido que a trate bem? — A imagem do que ela viu na taberna surgiu diante dela, deixando um gosto amargo na boca. — Nenhum dos envolvidos combina com essa descrição.

— Estou feliz que você concorda. A minha pergunta é esta: existem oficiais na milícia que possam ser adequados e confiáveis? Preferencialmente, aqueles que não se importariam em deixar o regimento para trás.

Há apenas duas semanas, ela teria caracterizado Mr. Wickham como tal homem! Estremeceu, repentinamente consciente de quantos oficiais da milícia não eram o tipo de homem com quem gostaria de se casar.

— Deixe-me ver... O capitão Carter parece um tipo respeitável, apesar de namorador, mas tem fortes laços com o coronel Forster e pode não querer ir embora. Mr. Pratt – é um imediato – pode servir. Ele é bastante jovem, mas Miss Lucas também é. Ou... — Ela fez uma pausa para pensar. Deveria haver pelo menos alguns oficiais que não fossem namoradores ou mulherengos. — Mr. Chamberlayne pode adequar-se à finalidade. Alguns dos oficiais zombam dele por sua baixa estatura, então ele pode ficar feliz em ir embora. Ele parece preferir a companhia de mulheres jovens à de seus colegas oficiais.

— Chamberlayne, Pratt, Carter. Vou começar com esses. — Ele fez uma anotação em um pequeno caderno. — Sua ajuda foi inestimável, Miss Bennet, mas não devo retê-la. Mr. Darcy ficaria muito descontente se eu insistisse em uma atenção imprópria com a senhorita.

Ela não pôde deixar de sorrir, mais pelo prazer de falar com alguém com quem ela não precisava fingir falta de conhecimento de Darcy. Se, ao menos, pudesse fazer mais do que falar dele - mas deveria agradecer pelo que recebera.

— Peço-lhe, diga a Mr. Darcy que estou agradecida pela atenção dele nesta questão. Espero que tenha sucesso em sua missão. Isso fará uma enorme diferença para a pobre Miss Lucas.

— Oh, serei bem sucedido, de um jeito ou de outro. Não tenho intenção de decepcionar Mr. Darcy. Isso me lembra... — Ele revirou o bolso e retirou uma carta. — Ele me pediu para lhe dar isso. No caso de haver uma resposta, retornarei a esse local dentro de dois dias. — Era habilidade ou falta de conhecimento que lhe permitia parecer tão indiferente quanto à situação comprometedora de receber uma carta de um cavalheiro solteiro? Talvez fosse apenas tato.

Seu coração bateu forte quando ela apanhou a carta, desejando poder pressioná-la de encontro ao peito. Mas era perigoso o suficiente ter alguém ciente de que estava recebendo correspondência de Darcy. Provavelmente, ele deve ter muita confiança na discrição de Stanton para lhe confiar tal missão, mas não seria conveniente que ele relatasse que ela agira como uma jovem apaixonada.

Ela mal ouviu Mr. Stanton se despedir. O que Darcy poderia dizer que justificasse o risco de escrever para ela? Certamente, não poderia esperar até chegar em casa para ler a carta. Acariciando o pergaminho fino, passou o dedo sob o selo de cera vermelha.

“Minha cara Miss Elizabeth,

“A esta altura, sem dúvida Stanton explicou por que está em Meryton, mas desejo tranquilizá-la que ele é bastante confiável. Ele me serviu em muitas ocasiões, ao longo dos anos, e tenho plena confiança nele. Espero que não tenha lhe causado uma preocupação desnecessária ter um estranho se aproximando de você. Ele já lidou com esse tipo de situação muitas vezes no passado.

“Espero que não ter havido repercussões para você a respeito da nevasca, e eu ainda gostaria de saber de você caso houvesse dificuldades. É algo que tem me preocupado desde que deixei Meryton.

“Espero que você esteja aproveitando os pisos suaves e a comida quente em Longbourn. Percebo-me observando sempre que um fogo está baixo, e devo lutar contra a tentação de colocar mais lenha nele. Meus criados ficariam muito desconcertados, caso eu fizesse!

“Seu, & c.,

Fitzwilliam Darcy”

Ela passou a ponta do dedo por sua assinatura. Ele tinha uma caligrafia certa e fina, mostrando a mesma atenção aos detalhes assim como fizera com o fogo. Por algum motivo, teve vontade de chorar.

Deveria ela escrever-lhe de volta? Não que tivesse algo de importante para relatar, e certamente não podia dizer como sentia a falta dele. Mas ele se dera ao trabalho de lhe proporcionar meios de responder, então não seria rude não dizer nada? Talvez pudesse escrever sobre o voraz apetite de Bola de Neve e sobre o que Cook lhe explicou sobre a maneira correta de fazer sopa de cebola.

Seus lábios se curvaram. Sim, ela lhe escreveria, nem que fosse pelo prazer de pensar nele.