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Capítulo 11

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INFELIZMENTE, SUAS ESPERANÇAS foram em vão.

— Sinto muito, Miss Lizzy — sussurrou Nell quando pegou o casaquinho de Elizabeth na porta.

Até mesmo os criados já haviam ouvido. Elizabeth deveria saber que Lydia e Kitty diriam a todos que pudessem ouvir o que aconteceu na cidade. Mas ela não conseguiu enfrentar o caminho para casa na companhia delas, não depois da maneira mortificante que as pessoas da cidade a trataram, então voltou sozinha, tomando o longo caminho de volta, e suas irmãs retornaram a Longbourn primeiro.

O gemido penetrante de sua mãe chegou-lhe da sala de estar.

— Ele devia ser obrigado a se casar com ela!

Elizabeth estremeceu.

— Estarei no meu quarto — disse ela a Nell. — Não há necessidade de dizer a ninguém que voltei.

— Sim, senhorita. Devo lhe trazer uma xícara de chá?

Pelo menos, Nell estava sendo gentil com ela, o que é mais do que poderia dizer de suas próprias irmãs. Lydia rira de seu desconforto, e Kitty não soubera para onde olhar. Não podia esperar simpatia de sua mãe. Se, pelo menos, Jane não estivesse longe, em Londres! Era uma situação triste quando só a empregada parecia preocupada com seu bem-estar.

— Seria muito bem-vindo.

Ela subiu as escadas na ponta dos pés, saltando o terceiro degrau a partir do topo, que sempre rangia alto. Mais alguns passos e estaria segura. Uma vez tendo fechado silenciosamente a porta atrás dela, podia baixar a guarda.

Afundando na cama, soltou as lágrimas que segurou por horas. Nunca antes fora objeto de sussurros e comentários maliciosos, e não sabia o quanto a machucaria ver pessoas que considerava como amigas a evitando. E tudo isso com base em rumores e a evidência de um lenço! Seu estômago revirou de novo.

Mas chorar não resolveria nada. Lavou o rosto na bacia, depois sentou-se na penteadeira, olhando para o espelho com os olhos vermelhos.

O que deveria fazer? Ignorar o falatório não era uma opção; sua própria presença continuaria adicionando combustível ao fogo. Repetir sua história sobre como encontrou o lenço na estrada poderia convencer algumas pessoas, mas um número suficiente ainda escolheria acreditar no pior. Poderia deixar Meryton, mas alguns poderiam ver isso como prova de sua culpa.

Então, havia a opção que a amedrontava acima de tudo – escrever para o Mr. Darcy. Nunca pretendeu agir com a opção que ele lhe dera, mas foi quando achara que a descoberta, se alguma vez se desse, poderia ser ignorada com risos.

Não havia outra escolha. Metade dos habitantes da cidade em Meryton não a encarava, e ela podia ouvir os sussurros que a seguiam. Não, não tinha outra opção senão escrever para ele por causa do escândalo. Não era apenas porque ela queria desesperadamente vê-lo.

Mas o que deveria dizer? Encostou a ponta da pena contra o nariz enquanto pensava, depois mergulhou a ponta no tinteiro.

“Prezado Mr. Darcy,

“Como você pode ter imaginado, tenho um grande desprazer em admitir estar errada, mas tento equilibrar o fato admitindo meus erros quando eles ocorrem. Você estava correto sobre as consequências que eu enfrentaria, e eu estava errada.”

Até aqui foi simples, mas como deveria proceder daí em diante? ‘Peço-lhe que venha se casar comigo o mais rápido possível’ dificilmente parecia ser o tipo de coisa que se poderia dizer em uma carta.

Ela foi resgatada de seu dilema por uma batida na porta. Escondeu a carta sob uma folha de papel em branco antes de abrir a porta. Seu olhar acolhedor desapareceu quando percebeu que não era Nell com o chá, como esperava, mas seu pai, com linhas de preocupação fincadas entre os olhos. Sem palavras, ela abriu a porta para ele.

Ele suspirou profundamente enquanto se sentava ao lado da cama dela.

— Bem, Lizzy, parece que sua pequena aventura com Mr. Darcy tornou-se de conhecimento geral. Sua mãe está exigindo que eu faça algo sobre isso.

Elizabeth mordeu o lábio.

— Não há necessidade. Mr. Darcy me disse que se casaria comigo se alguém descobrisse que eu estava com ele.

Seu pai piscou.

— Disse que se casaria com você? Você deve tê-lo entendido mal.

Magoada, ela disse:

— Não entendi mal. Ele me disse várias vezes. Tudo o que preciso fazer é escrever para ele, e estou certa de que ele fará o que é certo.

Ele sacudiu a cabeça, depois tirou os óculos e começou a polir com seu lenço. Finalmente, disse, cansado:

— Lizzy, minha querida, claro que ele disse que se casaria com você. Por que não diria isso? Se lhe dissesse que não se casaria com você, talvez você tivesse chorado ou implorado, ou ficaria zangada com ele, e ele não poderia escapar de você até a tempestade acabar. Então, disse o que achou que a manteria calma e agradável, sabendo que não havia testemunhas e que seria sua palavra contra a dele, se algum dia alguém soubesse.

Poderia ser verdade? Seu estômago se revoltou.

— Não, não foi assim. Ele ofereceu-se para se casar comigo, independentemente da descoberta, e continuou oferecendo, mesmo depois que o recusei.

— Você recusou Mr. Darcy? Esse é a minha corajosa Lizzy! Mas ainda assim, asseguro-lhe, ele não quis dizer isso. Se ele continuou a lhe propor casamento, foi apenas na esperança de que você lhe permitisse liberdades. Todo cavalheiro conhece esse truque. Os homens riem sobre isso o tempo todo, com que frequência o fazem e como é a melhor maneira de... bem, conseguirem o querem. Acredite, eu sei.

Ela olhou duro para ele. Ele sabia. Ele poderia não ser capaz de falar por Mr. Darcy, mas estava lhe dizendo a verdade por si mesmo. Ele já fizera isso; disse às mulheres que se casaria com elas, sem pretender cumprir uma palavra do que disse, esperando apenas aproveitar-se delas. De repente, algumas coisas começaram a fazer mais sentido para ela.

— Talvez muitos homens o façam, mas acredito que Mr. Darcy quis dizer exatamente o que disse. Vou escrever para ele, e então vamos ver.

Seu pai bufou.

— Não seja ridícula! Mesmo que ele se desse ao trabalho de ler essa carta, riria dela. Por que um homem tão orgulhoso e desagradável se preocuparia com sua reputação?

Dificilmente poderia ela dizer que acreditava que ele era honrado, não quando significava acusar seu próprio pai de não ser honrado.

— Acho que ele vai se importar. — Apesar de seus melhores esforços, a voz dela tremia um pouco.

— Às vezes você consegue ser tão tola como suas irmãs! Muito bem, escreva sua carta se você precisa disso, e eu enviarei por você, mas não diremos a ninguém sobre isso. Uma coisa é proporcionar diversão para nossos vizinhos, mas outra é permitir que nossa família se torne motivo de chacota por pedir o impossível.

A garganta dela apertou-se.

— Então, como vou convencer a todos em Meryton que sou inocente? Não posso simplesmente ignorar o problema!

Ele beliscou o nariz.

—Não, claro que não. Eu tenho uma solução diferente; já escrevi para o seu tio Gardiner, pedindo-lhe para permitir que você se junte a Jane em Londres. Se você não estiver aqui, o falatório desaparecerá em breve.

— Se eu me for, parecerá que tenho algo a esconder, e será ainda pior quando eu retornar!

— Você subestima o quão curta a memória dos tolos pode ser. O seu escândalo será esquecido logo que venha o próximo.

Ele deve ter sido capaz de perceber que ela não acreditou nele, pois acrescentou:

— Quanto a aqueles que ainda se preocupem, pessoas tão sensíveis que não podem suportar ter ligação com um pouco de absurdo, estes não merecem que se lamente

Ela balançou a cabeça.

— Duvido que seja tão simples. — Seu pai só queria a saída mais fácil possível de seu dilema com sua mãe, não uma solução para o problema, mas por que ela deveria se preocupar em discutir? Mr. Darcy responderia à sua carta, e em sua próxima visita a Meryton, ela seria Mrs. Darcy.

Ele bateu as mãos nas coxas e depois levantou-se.

— De qualquer modo, você estará em Londres, assim que eu receber uma resposta de seu tio. Espero que você não precise ficar lá por muito tempo; com você e Jane fora de casa, não vou ouvir uma palavra que faça sentido, de uma semana para a outra.

— Muito bem. Irei para Londres. — Provavelmente seria o melhor; lá, ficaria mais fácil para Mr. Darcy se aproximar dela.

O pai beijou seu rosto.

— Sabia que você não era tão boba quanto suas irmãs.

O brincadeira que ele fazia tantas vezes agora irritava.

— De fato — disse ela, friamente, e fechou a porta atrás dele.

Pelo menos o problema do que dizer a Mr. Darcy foi resolvido. Sentou-se novamente em sua mesa de trabalho, e assim que sua mão parou de tremer, escreveu:

“Devido à natureza desagradável do falatório, vou deixar Meryton nos próximos dias para visitar minha tia e meu tio, Mr. e Mrs. Gardiner, que moram na Gracechurch Street, em Londres. Talvez seja melhor se comunicar comigo lá, em vez de aparecer repentinamente aqui, fazendo com que as pessoas falem ainda mais.

“Sinceramente,

E.B.”

Uma vez estando a tinta seca, ela dobrou a carta e a selou, e então escreveu o endereço do lado de fora. Quando ele lhe dissera onde morava, ela resolveu não se lembrar disso, mas a lembrança permaneceu com ela, de qualquer jeito.

Pela primeira vez em semanas, uma sensação de paz sobreveio a Elizabeth. Estava feito.

***

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Quando Elizabeth se apresentou ao pai, com a carta ao Mr.. Darcy, perguntou:

— Você ainda está disposto a enviá-la para mim?

Ele ergueu-se e endireitou os óculos.

— Na verdade, decidi fazer melhor. Pretendo entregá-la pessoalmente e aguardar sua resposta. Ele sabe que não posso enfrentá-lo, mas talvez possa envergonhá-lo a ponto de fazer o que deve. Duvido disso, mas sua mãe está convencida de que vale a pena tentar.

— Você vai para Londres? — Era difícil até mesmo convencer o pai a se mexer para chegar até Meryton. Sua vontade de viajar para tão longe e realmente falar com Mr. Darcy era tão pouco característico e mostrou tanta preocupação com ela, que a raiva que Elizabeth sentia dele abruptamente se desfez.

Ele apertou os lábios.

— Sim, vou para Londres, tolo que sou!

Ela deu uma volta à mesa e beijou seu rosto.

— Obrigada, papai. Acho que você ficará satisfeito com a resposta dele, e fico feliz que tenham a oportunidade de se familiarizar melhor.

Mr. Bennet não pareceu convencido.

— Bem, veremos.

***

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Pouco antes de subir os degraus para a casa de Mr. e Mrs. Gardiner, Mr. Bennet parou Elizabeth colocando a mão em seu braço.

— Lembre-se, não diga uma palavra a ninguém sobre os meus negócios com Mr. Darcy.

Foi pelo menos a quarta vez que ele a lembrou disso durante a viagem.

— Não vejo por que eles não devam saber, mas se insiste, não direi nada. Agora podemos entrar?

A recepção acolhedora que Elizabeth recebeu de sua tia e tio proporcionou uma pausa muito necessária das ondas de desaprovação que a seguiram enquanto esperava pela carruagem em Meryton. Mesmo que os Gardiners já soubessem sobre o escândalo, a preocupação de que a desaprovassem a perseguiu até que ela pudesse ver, por seus sorrisos, que não era o caso. O abraço de Jane quase a levou até as lágrimas.

As boas vindas agitadas e brincalhonas de seus jovens primos também foram momentos felizes. Elizabeth era uma das favoritas dos filhos dos Gardiners devido à sua boa vontade em se juntar a eles em seus jogos.

— Isso é o suficiente — admoestou Mrs. Gardiner. — Lizzy teve uma longa viagem, e não vai brincar com vocês esta noite. Agora, podem ir para o quarto das crianças.

Esta ordem foi recebida com algumas reclamações, mas depois de um pouco de insistência da babá, as crianças cumpriram as determinações da mãe.

—Agora, você deve estar precisando se refrescar. Nós arrumamos algum alimento para você na sala de estar.

Elizabeth parou, para permitir que seu pai fosse primeiro, e disse calmamente a sua tia:

— Você não está com raiva de mim, então?

Mrs. Gardiner colocou um braço carinhoso em torno de sua sobrinha.

— Se eu descobrisse que você tinha deixado um homem ferido morrer na estrada, então ficaria zangada com você. Não consigo ver como você poderia ter se comportado de forma diferente e, se você disse que nada de impróprio aconteceu, então acredito em você.

De alguma forma, essa declaração de confiança tornou difícil ocultar alguma coisa.

— Não posso dizer que nada aconteceu. Tínhamos ficar juntos para nos aquecer. Havia pouca de lenha, você sabe.

Os cantos da boca da Mrs. Gardiner se contraíram.

— Bem, essa é uma história muito diferente, pois claramente seria muito melhor você congelar e sua família achar os seus cadáveres, do que fazer o que era necessário para garantir a sua sobrevivência! Realmente, Lizzy, não consigo ver por que você não preservou todas as evidências de decência, mesmo ao custo de sua própria vida.

Uma risada escapou de Elizabeth.

— Suponho que isso teria sido bastante tolo.

O rosto de Jane estava cor-de-rosa.

— Ninguém culpa você, Lizzy.

Elizabeth agradeceu-lhe o sentimento, mesmo que os rubores de sua irmã mostrasse seu desconforto com as ações de Elizabeth. Ainda assim, não era nada para se preocupar. Logo o Mr. Darcy saberia o que aconteceu e eles se casariam. Mesmo a delicada sensibilidade de Jane estaria satisfeita então.

***

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Elizabeth assumiu que seu pai visitaria Mr. Darcy no dia seguinte à sua chegada a Londres, mas ele não parecia inclinado de se mexer da Gracechurch Street. Finalmente, depois de três dias, esperou até encontrá-lo sozinho lendo o jornal.

— Quando você planeja visitar Mr. Darcy? — perguntou ela, com a boca seca.

— O quê, com tanta pressa em descobrir que ele enganou você?

— Ou que não me enganou. Prometi entrar em contato com ele e, se você não pretende visitá-lo, eu lhe enviarei uma carta conforme planejei originalmente.

Ele dobrou o jornal e colocou-o de lado.

— Lizzy, o que aconteceu com o seu senso de humor? Seu Mr. Darcy parece ter tido uma influência infeliz sobre ele. Já lhe disse o que acontecerá quando eu falar com ele e, como não tenho pressa de vê-lo rir na minha cara, irei amanhã. Satisfeita?

Mas os dois dias seguintes foram de chuva, então ele se postergou novamente, até Elizabeth dificilmente suportar estar na mesma sala que ele. Tudo o que queria era um fim da incerteza. Não importava quantas vezes ela lembrou a si mesma que Darcy não era como seu pai, a dúvida cruel havia se enraivado.

A noite estava caindo quando o Mr. Bennet finalmente retornou. Parecia calmo, e um sorriso trêmulo cresceu no rosto de Elizabeth. Estava certa. Seu pai estava enganado. Não ficou surpresa quando ele não fez nenhum esforço em falar com ela imediatamente, já que ele nunca gostou de admitir estar errado.

Ela encontrou uma chance antes do jantar.

— Pode me conceder um pouco do seu tempo?

Ele levantou uma sobrancelha.

— Se desejar.

Ela o conduziu até a pequena sala de estar e fechou a porta.

— Bem? — O coração dela estava disparado.

Seu pai afundou na poltrona estofada.

— Foi bem como eu disse, embora deva dar a ele algum crédito; não riu quando leu sua carta.

Estava ele a provocando?

— Não achei que o faria. O que ele disse?

— Que lamentava que a situação tivesse causado dificuldades para você, mas que infelizmente o casamento não era uma opção. Como eu disse que ele faria.

Ela sentiu a bílis subir-lhe à garganta. Poderia ser verdade? Certamente ele não teria dispensado seu pai sem nada, não depois do jeito que ajudara Maria Lucas!

— Foi tudo o que ele disse?

— Ele ofereceu-se para pagar uma pequena quantia para você ou, alternativamente, localizar um homem disposto a se casar com você. E pagá-lo pela honra, presumivelmente. Então, eu admito para você, eu o subestimei, pensando que ele não se importaria mas, ainda assim, ele não tem intenção de se casar com você.

Então, Mr. Darcy queria casá-la com alguém, como arranjara Chamberlayne para Maria Lucas. Que idiota fora! Elizabeth mordeu o lábio até doer, lutando para reter as lágrimas, lágrimas de dor e humilhação.

— E ele planeja encontrar um marido para mim, então? — engasgou.

Seu pai balançou a mão.

— Eu lhe disse que lidaríamos com isso por conta própria, e que ele teria que encontrar outra maneira de aliviar sua consciência. Então, está feito, e você se livrou dele. Na verdade, não gostaria de vê-la casada e em dívida.

— Percebo. Bem, então, se você me desculpar, devo ver se Jane precisa de ajuda. — Foi uma desculpa muito fraca, mas ela poderia perder o juízo se tivesse que continuar olhando o sorriso de seu pai. Precisava ficar sozinha, pensar. Ou talvez apenas para chorar.

***

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Naquela noite, Elizabeth se arrastou para fora da cama que compartilhava com Jane e desceu as escadas na ponta dos pés até a escura sala de estar, onde ela poderia deixar suas lágrimas rolarem livremente. Não importava que rosto alegre apresentara durante o dia, era hora de enfrentar a verdade.

Mr. Darcy não viria ajudá-la. Por que o faria, afinal? Casar-se com ela não lhe oferecia nada. A reputação dele estava impecável, por que deveria se importar com o que as pessoas de uma cidade do interior, em Hertfordshire, pensavam dele? Não tinha motivos para se ligar a uma mulher tão abaixo dele. Ou ele não queria realmente fazer tal proposta ou, o que era mais provável, um pouco de tempo e distância lhe fizeram lembrar o abismo que existia entre eles, para não mencionar todas as desvantagens que lhe viriam com tal ligação.

Oh, por que acreditou nele? Por que se deixou seduzir, gostar dele, pensando que ele se importava com ela? Era muito provável que simplesmente ele não desejou lidar com a hostilidade dela durante o confinamento involuntário, juntos, e alguns beijos quebraram a monotonia daqueles dias. Que idiota fora!

Pressionou as mãos de encontro aos olhos, enquanto lutava para abafar os soluços que a atravessavam. Como se permitiu um erro tão terrível? Conhecia o tipo de homem que ele era, por seu comportamento durante a estadia em Netherfield, e Mr. Wickham até já tinha avisado sobre ele. Mas só foi preciso ouvir algumas palavras doces, e ela caiu diretamente em suas mãos, todas as suas dúvidas foram esquecidas. E, durante todas essas semanas, sentiu falta dele e desejou sua presença!

Ficou Mr. Darcy aliviado quando seu pai saiu, sem mais exigências, ou será que teve algum momento de melancólico pesar quando pensou nela? Nunca saberia. Depois de tudo o que aconteceu entre eles – tudo o que ela achou estar lá – ele estava disposto, tão somente, a lhe conceder os mesmos esforços que fizera para Maria Lucas, que ele nem sequer conhecia. Tampouco lhe enviara uma mensagem através de seu pai. Agora, tudo o que podia fazer era chorar e bater em suas coxas até que o sofrimento físico abafasse a dor dentro dela.

***

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No dia seguinte, Mr. Bennet voltou para Longbourn, e Elizabeth começou o resto de sua vida sem Mr. Darcy. Se ela estava mais pálida do que o normal ou parecia escolher sua comida, estas atitudes foram esquecidas por conta dos sorrisos e provocações que ela se forçou a fazer. Não tinha intenção de se humilhar ainda mais, confessando suas expectativas tolas para Jane ou sua tia.

Ela pensou que Jane se enganara; afinal, Jane ainda estava centrada em suas próprias pretensões desiludidas em relação a Mr. Bingley. Mas Mrs. Gardiner lançava olhares afiados em sua direção de vez em quando, então Elizabeth tentou sorrir ainda mais intensamente.

Poucos dias depois, seu tio trouxe para casa um de seus funcionários para o jantar. Mr. Hartshorne parecera bem interessado em Elizabeth, em uma de suas visitas anteriores a Londres, embora ficasse subentendido não ser possível nada a mais. Afinal, ela era filha de um cavalheiro e ele estava empregado no comércio.

Elizabeth estava tão satisfeita em vê-lo agora quanto seria provável com qualquer um, o que era apenas um pouco, mas ele seria uma distração em seus pensamentos. Pelo menos, até notar os olhares que ele estava trocando com seu tio e o sorriso estranhamente triunfante que usou quando olhou para ela, e ela percebeu que eles deveriam estar conversando sobre ela e suas opções recentemente limitadas.

Assim como Mr. Darcy pagou Chamberlayne para se casar com Maria Lucas, Mr. Gardiner trouxe para casa Mr. Hartshorne. A bílis assomou à garganta de Elizabeth, e ela teve que se desculpar para recuperar a compostura. No pequeno quarto que dividia com Jane, olhou para seu reflexo ondulado no espelho envelhecido.

Havia fatos ainda mais amargos que precisava enfrentar. Não podia voltar para Longbourn sem enfrentar um escândalo e prejudicar as esperanças das irmãs no futuro, e não poderia ficar com os Gardiners para sempre. Se Mr. Hartshorne quisesse levá-la em consideração, deveria agradecer. Afinal, pelo menos sabia que ele a admirara quando não tinha nada a ganhar com isso e ela apreciara sua companhia, e isso era mais do que a maioria dos outros homens podia oferecer. Se Mr. Darcy estava sendo prático sobre suas opções de casamento, então ela também deveria ser.

Mesmo que a ideia de se casar com Mr. Harshorne lhe desse dor no estômago.

Respirou profundamente e beliscou suas faces para lhe dar cor antes de retornar à sala de jantar, com os lábios forçados em um sorriso.

***

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Darcy caminhou para o escritório a passos largos. Não esperava Stanton de volta tão cedo, ou melhor, não ousara esperar uma resposta de Elizabeth tão cedo. Não que tivesse algo de importante para dizer a ela, certamente nada que justificasse o risco de uma correspondência secreta, mas o prazer de apenas manter essa ligeira conexão com ela valia a pena.

Stanton geralmente esperava por ele sentado na cadeira de couro além de sua mesa, mas hoje ele estava próximo à porta, com expressão impenetrável.

Darcy fez um gesto em direção à cadeira.

— Então? Sua missão foi bem sucedida?

— Miss Lucas está casada e em Norfolk com seu novo marido, e Mr. Wickham está sem apresentar perigo, na prisão de Marshalsea, por incapacidade de pagar suas dívidas. — Stanton jogou um pacote de papel na mesa de Darcy. — Estas são de seus credores. Ele não será liberado, a menos que receba pagamento por elas.

— Excelente — Depois do que ele fez com a pobre Miss Lucas, Wickham merecia apodrecer na prisão, o que traria o benefício adicional de mantê-lo longe de Elizabeth. — Você conseguiu entregar a carta para Miss Elizabeth?

— Não, senhor, não consegui. — Stanton estendeu o envelope familiar, com o selo intacto, mas não olhou nos olhos de Darcy. — A jovem não está em Meryton.

Não está em Meryton? Ela não dissera nada, em sua carta anterior, sobre quaisquer planos para viajar.

— Você conseguiu verificar onde ela está?

Stanton balançou a cabeça, com o olhar ainda baixo.

— Não, senhor. Os habitantes locais parecem não saber seu paradeiro, dizendo apenas que ela foi enviada para algum lugar. Os criados em Longbourn estão de boca fechada e avessos a perguntas quando se trata de Miss Elizabeth, embora sejam pródigos o suficiente para bisbilhotar sobre suas irmãs mais novas. Suas irmãs são suficientemente indiscretas, razão pela qual provavelmente eu pudesse obter a informação de uma delas, mas pensei que deveria informá-lo sobre esses eventos primeiro.

Então, foi mais grave do que uma viagem para distração. De repente, o quarto pareceu ficar mais frio do que antes.

— Você disse que foi enviada? Por quê?

Stanton finalmente ergueu os olhos para encontrar os de Darcy, com o rosto ainda inexpressivo.

— Tornou-se de conhecimento geral que ela teve um encontro com um cavalheiro durante um recente período de mau tempo.

Darcy sentiu a garganta fechar enquanto encarava o olhar acusador de Stanton.

— Maldição! Quando isso foi descoberto? — E por que ela não o informou?

— Há mais de quinze dias.

Então, houve tempo mais do que suficiente para contatá-lo, mas ela não o fizera, apesar dele ter colocado seus desejos mais do que claros. Por que escolhera a desonra acima de um casamento honrado com ele? Não fazia sentido. Sentiu o estômago se agitar. A primeira providência seria encontrá-la – mas ele não tinha ideia por onde começar a procurar.

Sem expressão, Stanton disse:

— Devo voltar a Meryton pela manhã para obter mais informações, senhor?

— Sim. Você... Não. Cuidarei disso sozinho a partir de agora. — Ele abriu uma gaveta de mesa para retirar uma nota de dinheiro. Stanton recebeu, mas com hesitação que quase poderia ter sido relutância. Estaria Stanton expressando desaprovação em relação a ele? Darcy quase podia lê-lo em seu rosto. — Há outra questão sobre a qual eu gostaria que você se dedicasse. A segunda esposa do meu pai, agora casada novamente, vive em Devon. Gostaria de saber tudo o que você puder descobrir sobre ela, sua reputação, seu comportamento, seus planos e, sobretudo, se ela tem dito alguma coisa sobre minha irmã. Aqui estão as indicações. — Ele entregou um papel a Stanton.

Os olhos de Stanton piscaram.

— Conheço a cidade. Fiz verificações sobre ela, várias vezes, a pedido de seu pai.

Darcy tentou ocultar sua surpresa.

— Ela vai reconhecer você?

— Duvido.

— O que você descobriu quando foi lá?

— Havia pouco a descobrir. Ela se estabeleceu em uma pequena casa na propriedade de sua família e fazia visitas pela vizinhança. Seu pai me pediu, em particular, para verificar se algum cavalheiro demonstrava alguma atenção especial e, tanto quanto pude discernir, ela tomou o maior cuidado de nunca ficar sozinha com qualquer cavalheiro, embora mantivesse termos amistosos com vários deles. — Ele dobrou o papel e colocou-o no bolso do casaco. — Mais alguma outra coisa?

— Não, é tudo.

Stanton curvou-se e partiu, fechando a porta do escritório atrás dele.

Darcy caminhou até a janela, olhando fixamente para o jardim. Diabos, por que Elizabeth não concordou com o sensato, em primeiro lugar? Assim, nenhum dos seus bons nomes teria ficado manchado. Mas, para ser justo, ela não precisou se esforçar para persuadi-lo. Se ele tivesse percebido o quanto sentiria falta dela, teria insistido no casamento, independentemente da necessidade de fazê-lo.

Sim, era isso. Na parte da manhã, ele faria o que deveria ter feito em primeiro lugar – ir até Meryton e falar com Mr. Bennet. Ele e Elizabeth se casariam o mais rápido possível.

De repente, ele conseguiu respirar facilmente de novo.

***

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Darcy escolheu estradas para chegar a Longbourn, não desejando chamar atenção desnecessária para sua visita. Presumivelmente, já havia bastante falatório sobre ele em Meryton, e ele não desejava ser submetido a um olhar mais acusatório, especialmente quando havia feito tudo o que se podia esperar de um cavalheiro. O fato de seus acusadores ignorarem isso não o fazia mais confortável.

O criado de Longbourn que atendeu à sua chegada precisava de treinamento, a julgar por sua expressão chocada quando reconheceu Darcy. Não que ele esperasse melhor da equipe de Longbourn; não era uma casa bem gerida. Darcy entregou-lhe o cartão com uma breve instrução para dar a Mr. Bennet.

Esperando dentro do pequeno saguão de entrada, estremeceu ao ouvir a voz aguda de Mrs. Bennet ecoando da sala de estar. Ela era mais uma coisa que preferia evitar. Ficou tão próximo à porta quanto possível. Onde estava esse criado? Ele bateu o pé no chão de azulejo desgastado.

Finalmente, foi levado à biblioteca de Mr. Bennet, uma sala pequena que teria sido bastante agradável se não fossem as pilhas de livros espalhados. Em Pemberley, os livros eram devolvidos às prateleiras quando não estavam em uso.

Mr. Bennet levantou-se lentamente.

— Mr. Darcy — disse, suavemente. — É uma surpresa.

— Não consigo imaginar por que, a menos que sua filha pensasse que sua situação não chegaria a Londres.

— Ela entrou em contato com o senhor, então? Não consigo imaginar que seus círculos habituais pudessem ter o menor interesse pelos eventos em Meryton.

— Não soube nada dela — Ele certamente não explicaria por que enviara Stanton a Meryton. — Se o senhor a proibiu de entrar em contato comigo, ela foi obediente aos seus desejos.

Um sorriso seco retorceu os lábios de Mr. Bennet.

— Não tive nenhum motivo para proibi-la. Não teria feito diferença e, para começar, já seria bastante tarde.

— Se você está insinuando algo, peço que seja mais direto.

— Minha Lizzy pode colocar uma máscara educada, mas não é talentosa em disfarces. Não posso pedir para saber o que aconteceu entre vocês dois durante esses três dias, mas sei que ela não estava me contando a verdade quando me disse que nada aconteceu.

Darcy cruzou as mãos atrás das suas costas, onde não ficaria tentado a usá-las.

— Sugeri o casamento na época, mas ela recusou, acreditando que um escândalo poderia ser evitado. Pedi-lhe que me contatasse se surgissem dificuldades. Como ela não o fez, cabe a mim encontrá-la e tomar as medidas necessárias para proteger sua reputação. Seria muito mais simples se eu soubesse onde ela está, e esperava que o senhor pudesse me ajudar nesse sentido.

Mr. Bennet colocou as mãos na mesa, em frente a si mesmo, e depois se sentou lentamente na cadeira.

— O senhor quer dizer que propôs casamento a Lizzy?

Darcy olhou para ele.

— É claro que sim. Que cavalheiro não faria? — De repente, a atitude de Mr. Bennet fez sentido. Sem esse conhecimento, era perfeitamente natural que fosse hostil. — Assumi que o senhor estava ciente disso. Talvez o senhor tenha pensado que meu objetivo hoje seria pedir sua permissão para me casar com sua filha, o que farei se desejar, embora me pareça mera formalidade nessas circunstâncias. Nenhum de nós tem opções a fazer.

O homem mais velho empurrou os óculos.

— Aparentemente, Lizzy acredita que tem uma escolha.

— Se o senhor me fizer a gentileza de me dizer onde posso encontrá-la, talvez possamos resolver esse assunto.

Mr. Bennet olhou-o por um minuto, e sorriu de forma inexplicável.

— Se, como diz, o senhor propôs casamento a ela, e se, novamente, como diz, o senhor disse-lhe contatá-lo se houvesse dificuldades, então só posso concluir que Lizzy tomou a decisão de não querer se casar com o senhor. Vou respeitar a decisão dela; então, nessas circunstâncias, não posso compartilhar o paradeiro dela com você.

— Acredito que pode haver um mal-entendido. Não creio que Miss Elizabeth se oponha à ideia.

—Você pode acreditar no que preferir, se isso lhe dá algum conforto, mas não vai mudar a realidade.

Bom Deus, o que havia de errado com o homem? Darcy mal conseguiu manter a voz calma quando disse:

— Se preferir que toda a família sofra os efeitos dessa “decisão”, não há nada que eu possa fazer para dissuadi-lo. Se o senhor ou ela pensar melhor, posso ser contatado no meu endereço em Londres. Bom dia, Mr. Bennet. — Ele saiu de Longbourn e partiu antes que cedesse à tentação de falar muito mais.

***

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Darcy virou a carta nas mãos, sem abri-la, desejando que pudesse entregá-la às chamas sem ler. Primeiro, os insultos de Mr. Bennet e, agora, tinha que lidar com isso. Sombriamente, deslizou o polegar sob o selo e abriu-o.

“Prezado Mr. Darcy,

“Seguindo suas instruções, reuni informações sobre Mrs. Dawley, anteriormente Mrs. Darcy. Ela parece ser respeitada em sua vizinhança. Ela e seu marido gostam de frequentar a sociedade e se divertem com frequência. Ela tem dois filhos menores de quatro anos. Seu marido é um tipo corpulento, considerado como muito amável e é bem apreciado. As únicas críticas que escutei sobre Mrs. Dawley foram que ela é às vezes um tanto frívola, e que não deveria vestir-se de verde com tanta frequência, pois não favorece a sua aparência. Ela é tida como uma boa mãe para seus meninos. Os criados não têm queixas fora do normal sobre ela ou Mr. Dawley e, no geral, acreditam que são patrões razoáveis. Em algumas ocasiões, os Dawleys viajam para Manchester ou Londres, mas não possuem nenhuma casa na cidade e passam a maior parte do tempo em sua propriedade.

“Não houve sugestões de conduta imprópria em relação ao comportamento de Mrs. Dawley. Seu casamento anterior parece ser de conhecimento geral, juntamente com o fato de ela ter vivido separada de seu marido. Entre aqueles que a conheciam na época, ela parecia bem satisfeita com sua situação, sem evidências de sentir falta do marido, apenas da filha que deixara para trás. No começo, pensou-se que seu marido a tinha mandado embora por infidelidade mas, como ela mostrava pouco interesse em flerte, a maioria das pessoas locais agora pensa que ela deveria ter interferido demais nos prazeres do marido. Embora Mr. Dawley tivesse demonstrado interesse por ela durante alguns anos, ela não permitiu que ele a pedisse antes da morte de seu marido. Ela não observou um período de luto por ele.

“Volto a Londres na quinta-feira e posso dar-lhe um relatório completo então.

“Atenciosamente,

W. Stanton”

Darcy não saberia dizer o que esperava, mas não era isso. A esposa de um cavalheiro rural, apaixonada pela sociedade, um pouco frívola, mas geralmente respeitada e benquista? Não se parecia nada com a mulher temperamental da qual se lembrava da última vez que a vira. Stanton poderia ter encontrado a mulher errada? Não, ele recebeu o nome e as indicações, e a história de seu primeiro marido era consistente. Talvez ele não tenha pesquisado profundamente o suficiente.