11
Sir Julian olhou do outro lado da secretária e sorriu para a sua cliente.
— O seu marido está a oferecer-lhe Limpton Hall, mas sem os quadros, o apartamento da Eaton Square, que está arrendado apenas por mais nove meses, dez mil libras por ano para cobrir as suas despesas com pessoal e um acordo de meio milhão de libras.
— Então, como devo responder? — perguntou Christina.
— Aceite Limpton Hall e o apartamento na Eaton Square, mas peça dezasseis mil libras por ano e nada menos do que oitocentas mil para selar o acordo. No fim de contas, ele tem a responsabilidade moral e legal de assegurar que a senhora continua a ter o estilo de vida a que está habituada depois de tantos anos como sua esposa.
— Creio que está a divertir-se com isto, Sir Julian.
— Claro que não, minha senhora! Estou simplesmente a cumprir os meus deveres fiduciários em nome de um cliente. Nada mais.
— E seguramente nada menos.
Sir Julian permitiu-se um sorriso forçado. Não gostava muito da senhora Faulkner, mas tinha de admitir que apreciava sempre a sua companhia.
— Preciso de perguntar — continuou ele — até que ponto está empenhada em que os quadros façam parte do acordo final.
— Não podia estar mais empenhada — respondeu ela. — Na verdade, é o fator decisivo.
— Posso perguntar porquê, senhora Faulkner, quando deixou bem claro que não se interessa particularmente por arte?
— Assim que o divórcio se tornar definitivo, vou leiloá-los a todos. O Miles não conseguirá resistir a comprá-los novamente e tenciono garantir que isso não lhe sai barato.
Sir Julian evitou fazer a pergunta óbvia e disse simplesmente:
— Nesse caso, vou insistir para que os quadros de Limpton Hall façam parte do acordo.
— Os setenta e três — disse Christina. — E pode dizer ao Miles que não se dê ao trabalho de tentar enganar-me com cópias ou falsificações, porque se o fizer o meu próximo telefonema será para o comandante Hawksby.
Sir Julian reprimiu um sorriso.
— Tem mais alguma pergunta relativamente ao acordo, senhora Faulkner?
— Só uma. A outra parte concordou em pagar os seus honorários?
— Sim.
— Nesse caso, vou recorrer aos seus conselhos com alguma regularidade, Sir Julian, e nem sempre será sobre o Miles, embora tenha sempre que ver com ele.
Jackie caminhou rapidamente até ao outro lado da sala quando o telefone na secretária de William começou a tocar.
— Inspetora estagiária Roycroft.
A chamada caiu.
— Devia ser o antigo colega de escola do William — disse Lamont. — Infelizmente, é pouco provável que fale com outra pessoa.
— E se ele ligar outra vez?
— Esperemos que o Warwick já tenha voltado nessa altura.
— E se não tiver?
— Nesse caso, você terá a pouco invejável tarefa de decidir se há de interromper-lhe a lua de mel.
William olhou para o teto da Capela Sistina que, segundo lera no guia de viagem, os especialistas consideravam ter mudado a história da arte ocidental.
— Quanto tempo levou Miguel Ângelo a completar o fresco? — perguntou Beth.
— Trabalhou incansavelmente nele de 1508 a 1512 — respondeu William. — O pobre homem passou a maior parte do tempo deitado de costas em cima de um andaime tosco. Quando terminou, estava praticamente paralítico. O facto de o papa Júlio II nunca lhe pagar a tempo também não ajudou.
Beth estava abismada com a ambição do projeto e não parou de olhar para o teto até o pescoço começar a doer-lhe.
— Podias ter usado um dos espelhos que eles dão à entrada — sugeriu William.
— Também podia ter comprado um postal ilustrado. Se Roma não estivesse cheia de obras-primas, iria visitar esta capela todos os dias até teres de me arrastar daqui para fora!
— Mesmo que tivesses de te juntar a uma longa fila de outros admiradores todas as manhãs?
— Miguel Ângelo deitou-se de costas durante quatro anos para conseguir fazer esta obra-prima única. Por isso, eu teria todo o gosto em estar duas horas na fila para lhe prestar homenagem.
O telefone na secretária de William começou novamente a tocar. Se não fosse a terceira vez naquela manhã, Lamont tê-lo-ia ignorado.
— Atenda! — disse ele, exasperado. — Mas não diga a quem quer que seja que o William ainda está em lua de mel.
Jackie pegou no auscultador e disse:
— O inspetor Warwick não está disponível de momento.
— Preciso de falar urgentemente com ele.
— Quer que lhe transmita alguma mensagem?
— Diga-lhe que o Faulkner já fez o pedido para o jantar.
— Mais alguma coisa?
— Volto a ligar daqui a uma hora e, nessa altura, espero que seja ele a atender. Não acredito que ele arranjou alguma coisa mais importante para fazer do que apanhar o Faulkner em flagrante.
— Isso não vai ser possível — disse Jackie, mas a chamada já tinha caído.
O telefone começou a tocar precisamente quando William estava a acabar de fazer a barba. Pegou na extensão da casa de banho, esperando que Beth não tivesse acordado.
— Bom dia — disse ele baixinho.
— William, é a Jackie. O teu antigo colega de escola acabou de telefonar, a dizer que o Faulkner fez o pedido para o jantar, seja lá o que isso signifique. Precisa de falar contigo sobre isso com urgência. Queres que lhe dê o teu número quando ele voltar a ligar?
— Sim, claro! Diz-lhe que entre em contacto comigo o mais depressa possível — sussurrou William, e desligou.
— Outra mulher? — perguntou Beth numa voz sonolenta quando ele voltou para o quarto.
— Nunca terás esse problema — disse William, sentando-se na cama ao lado dela e encostando suavemente um ouvido à sua barriga. — Consigo ouvir qualquer coisa.
— Um menino?
— Não, é uma menina.
— Como podes ter a certeza?
— Está a resmungar.
— Porque o pai quer abandonar-nos às duas e ir para casa, em vez de passar mais um dia com o outro homem da minha vida.
— Então, foi isso que planeaste para hoje?
— Sim, quero voltar à Capela Sistina.
— Por mim, tudo bem, mas vamos ter de ficar na fila.
— Eu fico na fila e compro os bilhetes, e tu podes ir lá ter comigo daqui a duas horas. Isso deve dar-te tempo suficiente para receber as mensagens do departamento sem eu descobrir quem te ligou — disse ela, e desapareceu na casa de banho.
— Senhora Faulkner, tenho o prazer de a informar que a outra parte aceitou incondicionalmente a nossa última proposta, pelo que agora posso redigir um acordo final.
— O Miles concordou em deixar-me ficar com todos os quadros de Limpton Hall? — perguntou Christina, pouco convencida.
— Sem exceção. Até enviaram um inventário, para a senhora poder confirmar que estão todos lá — disse ele, entregando-lhe um documento de duas páginas.
Christina analisou a lista com cuidado e, muito antes de ter chegado ao Vermeer, disse:
— Têm de ser cópias.
— Pensei que pudesse ser essa a sua reação — disse Sir Julian. — Por isso, de acordo com as suas instruções, avisei o doutor Booth Watson de que um especialista da Christie’s teria de autenticar cada uma das obras antes de concordarmos em assinar um documento vinculativo.
— O que disse ele?
— Que o cliente já estava à espera disso.
— Não acredito! O Miles nunca cede tão facilmente. — Christina levou algum tempo até acrescentar: — Está a tramar alguma.
Passou uma hora sem Adrian ter telefonado. Mas também era verdade que ele sentia sempre a necessidade de marcar a sua posição. William continuou a olhar para o relógio de poucos em poucos minutos, mas o telefone permaneceu silencioso. Estava a tentar decidir se havia de desistir da Capela Sistina e enfrentar a ira de Beth ou ir ter com ela e viver feliz para sempre. Precisamente quando vestia o casaco, o telefone tocou. Ele atendeu antes do segundo toque.
— William Warwick.
— Querias saber o que estaria na ementa para o jantar de sábado em Limpton Hall. — William não o interrompeu. — Para começar, canábis da melhor qualidade, seguida de uns belos invólucros de cocaína colombiana com um grau de pureza de noventa e seis por cento como prato principal. — Heath fez uma pausa. — Creio que me deves mais duzentas notas.
— Serás pago na totalidade — disse William —, mas só depois de entregares o material.
— Vou a Limpton Hall às sete da tarde de sábado. Posso ir ter contigo às oito e receber o meu dinheiro.
«De mim, não», pensou William, mas contentou-se em perguntar:
— Estás disposto a testemunhar em tribunal que vendeste a droga ao Faulkner?
— Talvez. Mas teremos de discutir as condições, porque, se eu concordar com isso, nunca mais poderei voltar a trabalhar em Inglaterra. Tudo tem um preço.
E desligou, sem sequer se dar ao trabalho de se despedir.
Depois de fazer um telefonema rápido para informar o superintendente Lamont, William dirigiu-se rapidamente para a porta. Estava confiante de que ainda conseguiria chegar a tempo, embora talvez tivesse dificuldade em concentrar-se na Criação de Adão e não na perdição de Miles.
— O William acabou de ligar de Roma — disse Lamont. — Informou-me sobre a conversa que teve com o antigo colega e eu recomendo que avancemos com uma operação em larga escala no sábado à noite. É uma pena que ele perca a rusga.
— Eu até lhe pedia para abreviar a lua de mel — disse Hawk —, mas acho que a Beth o matava primeiro a ele e a seguir vinha atrás de mim. Explique-me o seu plano, Bruce, para eu poder informar o comissário.
— Já obtive um mandado de busca para Limpton Hall…
— Talvez devesses voar para casa dois dias mais cedo, não? — sugeriu Beth, enquanto voltavam para o hotel.
— Claro que não! — disse William. — Só vou ter uma lua de mel na vida e não tenciono passar um único dia da minha viagem de núpcias com o Miles Faulkner.
— Mas talvez não voltes a ter uma oportunidade como esta. Além disso, já conseguiste sobreviver de alguma maneira durante dez dias com o telefone a tocar uma única vez. — William não respondeu. — Porque é que tenho a nítida sensação de que preferias passar a noite de sábado em Limpton Hall com o Faulkner do que a comer outro esparguete no Campo de’ Fiori comigo?
— Claro que não! — repetiu William, mas sem a mesma convicção.
— Pode ser que isto o surpreenda, inspetor Warwick, mas depois da tentativa patética do Faulkner para nos impedir de casar não me desagradaria nada vê-lo atrás das grades.
— Apesar de ainda teres esperança de conseguir outras peças da sua coleção depois de consumado o divórcio.
— Apenas um quadro em particular — admitiu Beth. — Confesso que iria enriquecer a coleção da galeria, mas não acredito até vê-lo pendurado na parede do museu.
— O que é que tens andado a tramar nas minhas costas?
— A minha nova melhor amiga, Christina Faulkner, prometeu que o Fitzmolean seria o primeiro a escolher qualquer um dos setenta e três quadros que se encontram em Limpton Hall assim que fosse decretado o divórcio. Estou de olho num Vermeer pequeno mas requintado, A Rendeira, que iria embelezar a entrada sul do museu.
— E o que te leva a pensar que ela será mais confiável do que o marido em termos de manter a sua palavra?
— O facto de o advogado dela ser o teu pai e de a Clare ter redigido o acordo. Ou seja, agora fazemos todos parte da mesma equipa.
William parou junto ao balcão da receção.
— Si, signor, em que posso ajudá-lo?
— Preciso de apanhar o primeiro voo disponível para regressar a Londres.
Assim que a assistente de bordo abriu a porta do avião, William saiu disparado como um galgo que sai para a pista. Só parou de correr quando chegou a uma fiada de telefones públicos.
— Onde está? — perguntou Lamont.
— Gatwick. Devo estar consigo dentro de uma hora.
— E o que pensa a Beth sobre isso?
— A ideia foi dela. De qualquer forma, há um cavalheiro com um problema de costas cuja obra ela quer visitar mais uma vez.
— Nesse caso, peça-lhe para se ajoelhar e rezar, porque somos capazes de precisar da intervenção do Todo-Poderoso para levarmos isto avante. Entretanto, venha o mais depressa que conseguir.
William foi direito ao princípio da fila no controlo de passaportes e exibiu a sua carteira de identificação policial. Um funcionário verificou-lhe o passaporte e não tardou a deixá-lo passar. Graças a Beth ter concordado em tratar da bagagem dele, não precisou de ir recolhê-la e foi diretamente para o Gatwick Express. Quando o comboio parou na Victoria Station trinta minutos depois, foi o primeiro a entregar o bilhete ao revisor que estava junto à barreira e desatou a correr até à Scotland Yard. Quando as portas automáticas do edifício se abriram, ignorou os elevadores, galgou a escada até ao quarto andar e dirigiu-se para o gabinete do comandante.
Enquanto seguia disparado pelo corredor, William reparou nos olhares curiosos de alguns dos seus colegas e apercebeu-se de que ainda estava a usar a camisa florida de colarinho aberto, calças de ganga e sandálias. Eles não podiam saber que ainda há poucas horas andava a passear por Roma, a desfrutar de temperaturas na casa dos trinta graus. Bateu à porta do comandante e esperou um momento para recuperar o fôlego antes de entrar. Ao vê-lo, a equipa levantou-se em simultâneo e começou a bater com as palmas das mãos na mesa.
— Sente-se — disse Hawk, depois de o clamor esmorecer. — Graças a si, o comissário-adjunto deu luz verde à operação e autorizou uma rusga em larga escala à casa do Faulkner amanhã à noite. Sei exatamente o papel que tenho em mente para si, inspetor Warwick, mas não seria apropriado prender alguém vestido dessa maneira, mesmo em Itália.