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William sentou-se no banco de trás de um táxi e aguardou que o superintendente se lhe juntasse.

O último briefing no gabinete do comandante tinha durado mais de três horas e só terminara depois de cada detalhe ter sido analisado exaustivamente pela terceira vez.

Durante o almoço numa mesa de canto da cantina, Lamont continuou a rever o plano à procura de alguma falha, deixando a sopa ficar fria. William estava ciente de que o chefe não podia dar-se ao luxo de estar novamente envolvido noutra manobra do tipo da Operação Período Azul. Não era assim que ele esperava terminar os seus dias na Scotland Yard.

Pouco depois das cinco, Lamont juntou-se a William no táxi. Danny Ives, ao volante, não precisou que lhe dissessem para onde ir. Já tinha ensaiado o percurso no dia anterior e até escolhera o local onde os deixaria. Os inspetores estagiários Adaja e Roycroft e um fotógrafo ocupavam um segundo táxi, que aguardava que Danny arrancasse.

Os dois táxis saíram da Scotland Yard e dirigiram-se para oeste, em direção à M4. A oito quilómetros de Limpton Hall, Danny parou numa bomba de gasolina. Não tinha ficado sem combustível, era demasiado profissional para isso. Mas o grupo avançado precisava que o sol se pusesse antes de fazer o último troço da viagem.

Jackie saiu do carro e esticou as pernas, enquanto William comprava um KitKat na loja, não por estar com fome, mas apenas para matar o tempo. Já tinha dado a volta ao perímetro da estação de serviço por várias vezes quando Lamont disse finalmente:

— Vamos andando.

William nunca se tinha sentido tão nervoso. Sabia que agora tudo dependia da credibilidade do seu contacto. Se Heath não aparecesse, toda a operação seria abortada e teriam de regressar à Scotland Yard e enfrentar a ira de Hawk, que estaria sentado à espera deles. William sabia bem que o culpado seria só um. A palavra «inspetor» desapareceria da sua carteira de identificação policial e a naftalina seria retirada do antigo uniforme.

Depois de um curto percurso ao longo da autoestrada, Danny virou para uma estrada rural e, cerca de dois quilómetros mais adiante, os dois táxis saíram da estrada e pararam num pequeno bosque de onde viam bem a casa. Lamont saiu rapidamente do carro da frente e assestou de imediato os binóculos no portão da entrada.

— Perfeito, Danny — disse. — Conseguimos vê-los, mas eles não nos veem.

O fotógrafo saiu do segundo carro e subiu para os ramos de um carvalho próximo. Só precisava de ter uma visão clara da estrada e não teria nada para lhes mostrar até ser de manhã, quando se reunissem no gabinete do comandante para o relatório. Era o único que pensava no dia seguinte.

Lamont centrou a sua atenção num terreiro do outro lado da estrada. Agentes em quatro carros-patrulha e duas grandes carrinhas pretas sem janelas estavam bem escondidos atrás do celeiro, aguardando ordens.

— Como conseguiu aquilo? — perguntou William.

— O proprietário é um juiz aposentado e digamos que não tem o Faulkner em grande conta. Ficou muito satisfeito por poder ajudar.

Jackie juntou-se a Lamont, de rádio na mão.

— Os táxis chegaram todos à estação de caminho de ferro local e estão estacionados e prontos, caso algum dos convidados do Faulkner chegue de comboio.

— É pouco provável — disse Lamont. — Os criminosos raramente viajam de comboio. Não querem ficar numa situação onde possam ver-se encurralados. Gostam de poder escapulir-se de um momento para o outro, o que é difícil num comboio em andamento.

— E o comandante? — perguntou William.

— Vai ficar à secretária, à espera impacientemente de notícias. Precisei de todo o meu poder de persuasão para o convencer de que não devia acompanhar-nos.

— Winston Churchill teve o mesmo problema com o rei Jorge VI no Dia D — disse William.

— É reconfortante saber isso — replicou Lamont, com o seu cáustico humor escocês a levar a melhor sobre ele.

Regressaram ao carro. A única pessoa com ar descontraído era Danny.

— Então, em teoria, inspetor Warwick, o próximo carro a aparecer naquela colina será conduzido pelo seu antigo colega, que virá entregar o material ao Faulkner. Se ele não aparecer — acrescentou Lamont, mudando de tom —, as ordens do Hawk não podiam ter sido mais claras: abortar a operação. Só fazemos uma rusga à casa do Faulkner desde que tenhamos a certeza de que as provas de que precisamos para o condenar foram entregues.

— Sem pressão — sussurrou Jackie, ao mesmo tempo que William olhava para o relógio: 18h47.

Ninguém falou enquanto olhavam todos atentamente na mesma direção, desejosos de ver aparecer um carro. Heath podia ter sido algo relaxado com a pontualidade nos encontros com William, mas de certeza que chegaria a horas quando se tratava de um cliente importante como Faulkner. Passaram vários minutos, até que William soltou um suspiro de alívio ao avistar um MGB vermelho a aproximar-se. Os binóculos confirmaram que era Heath que ia ao volante. Passou por eles poucos minutos depois das sete.

Lamont acompanhou o progresso do carro até ao portão da entrada, onde parou. Um segurança saiu da casa da guarda com um bloco de mola na mão. Passou alguns instantes a conversar com Heath antes de o portão se abrir e o MGB subir o longo caminho de acesso até desaparecer.

Lamont pegou no rádio e premiu o botão vermelho.

— O antigo colega chegou e entrou na propriedade.

— Ligue-me assim que ele sair — respondeu Hawk.

— Assim farei, comandante.

Lamont começou a andar de um lado para o outro no meio das árvores, desconfortavelmente ciente de que o sucesso ou fracasso da operação estava agora nas mãos de terceiros.

— Lembrou-se das sanduíches, Jackie? — foi a única coisa que arranjou para dizer.

— Sim, senhor. Queijo e tomate, ou presunto?

— Queijo e tomate.

— William?

— Não, obrigado — disse ele, recordando que há menos de quarenta e oito horas estava com Beth, sentado num restaurante no Campo de’ Fiori, a apreciar um linguine alle vongole e uma garrafa de Barolo de uma vinha no Piemonte.

Vinte e seis minutos depois, o portão abriu-se e o carro de Heath voltou a aparecer. Todos o observaram em silêncio enquanto se aproximava cada vez mais até passar pelo esconderijo deles e desaparecer do outro lado da colina. Lamont contactou o comandante via rádio e atualizou-o.

— Teoricamente — disse Hawksby —, o próximo carro deverá ser o primeiro dos convidados. Suspendam as transmissões via rádio até eles estarem todos reunidos.

Não tiveram de esperar muito tempo até um Jaguar verde passar por eles, com o passageiro no banco de trás completamente escondido atrás de vidros fumados.

— Quando os vidros das janelas traseiras são transparentes, o passageiro não tem nada a esconder — observou Lamont.

— Não creio que o Faulkner tenha muitos amigos que não tenham nada a esconder — disse William, ao mesmo tempo que registava a matrícula no seu bloco.

Seguiram-se mais três carros em rápida sucessão e ele tratou de anotar as respetivas matrículas. Depois, o rádio voltou a crepitar. Era o bagageiro temporário da estação de caminho de ferro local.

— Sim, inspetor estagiário Adaja? — disse Lamont.

— Um dos convidados acabou de chegar no comboio das 19h32 proveniente de Waterloo e vai a caminho de Limpton Hall no primeiro dos nossos táxis.

— Isso significa que vamos ter um agente a passar o portão e a chegar à casa, mesmo que seja apenas por alguns minutos.

— Eu disse-lhe para ir ter consigo quando voltasse a sair.

— Bem pensado, Paul. Continue a varrer a plataforma.

Passados alguns minutos, um táxi preto passou por eles e fez sinal com os máximos por duas vezes. O fotógrafo sorriu pela primeira vez, pois conseguiu ver claramente o passageiro. Lamont seguiu o progresso do táxi até ao portão, com um cronómetro numa mão e os binóculos na outra. Dois minutos e dezoito segundos mais tarde, o segurança acabou de verificar o convite e o portão abriu-se uma vez mais.

— Com alguma sorte — disse Lamont, ao mesmo tempo que outro carro de alta cilindrada com motorista passava a toda a velocidade —, o nosso homem deve estar connosco dentro de alguns minutos e poderei fazer-lhe algumas perguntas para as quais ainda não temos resposta.

— Os criminosos parecem ter uma preferência por Rolls-Royce — observou William, anotando a matrícula mais recente enquanto passava outro Silver Cloud.

— E não pelo modelo do ano passado — observou Danny.

— Não passam de símbolos de estatuto para mostrar o seu lugar na hierarquia criminal — rosnou Lamont.

William bebeu um gole de água, mas continuou a ignorar a última das sanduíches de presunto. Estava a pensar se seria possível o coração bater ainda mais depressa, quando o táxi voltou a aparecer e, passados instantes, saiu da estrada para se juntar a eles. Jackie encarregou-se da vigilância com binóculos enquanto o condutor do táxi se sentava com eles no carro.

— Conseguiu obter alguma informação relevante sobre o seu passageiro? — foi a primeira pergunta de Lamont ao agente.

— É banqueiro, mas não consegui descobrir de que banco. Pelo sotaque, dá ideia de ser do Médio Oriente. Abrandei ao passar por aqui, para o fotógrafo conseguir uns instantâneos decentes. Digo-vos uma coisa: as janelas de trás do meu táxi nunca estiveram tão limpas. Tal como se vê nos filmes.

— Quanto tempo levou do portão até à porta de casa?

— Um minuto e quarenta segundos, mas fui devagar. Por isso, pode tirar uns vinte segundos, pelo menos.

— E os carros dos convidados? Estão estacionados no caminho de acesso à casa?

— Não, senhor. Estão num cercado para cavalos, atrás da estufa. A julgar pelo barulho que vem de lá, acho que os motoristas também estão a fazer uma festa.

— Mas não vão beber. E de certeza que entre eles haverá um ou dois da cavalaria pesada, cujas aptidões de condução não são o motivo para estarem aqui esta noite. Muito bem, senhor agente! Regresse à estação, mas deixe-se ficar por lá, porque somos capazes de precisar de reforços mais tarde.

— Assim o espero, superintendente — disse ele, fazendo com que todos se rissem.

— Nove convidados até agora — disse Jackie quando outro grande carro passou por eles.

Lamont observou o último convidado a parar junto à casa da guarda e o condutor a apresentar o convite. Manteve os binóculos focados no carro até deixar de ser visto.

— Uma casa cheia — disse.

Depois pegou no rádio para pôr o comandante ao corrente. A seguir, informou o inspetor encarregado dos carros-patrulha e, finalmente, o inspetor estagiário Adaja, que continuava a varrer a plataforma enquanto esperava pelo próximo comboio.

— Agora, vamos concentrar-nos na maneira de passar por aquela casa da guarda — disse Lamont. — O segurança pareceu-me profissional e podem ter a certeza de que não lhe hão de faltar alarmes e apitos em caso de emergência. Por isso, vamos ter de o pôr fora de combate antes de ele perceber que, ao contrário de Cinderela, não temos convite para o baile.

— Quando está a pensar avançar, superintendente? — perguntou William.

— Só depois das dez. Isso deve dar-lhes tempo mais do que suficiente para acabarem de jantar e provarem as sobremesas antes de intervirmos.

— A sobremesa que merecem? — comentou Jackie.

Ambos os homens resmungaram.

William passou a hora seguinte a olhar repetidamente para o relógio, mas isso não fez o ponteiro andar mais depressa.

Pouco antes das dez horas, Lamont anunciou pelo rádio:

— Toca a ficar alerta, pessoal. — William não sabia como seria possível ficar mais alerta. — Vou dar a ordem para avançar dentro de mais ou menos cinco minutos.

E teria feito isso mesmo se o rádio não tivesse começado a crepitar.

— O que raio está a fazer, Adaja?

— Achei que devia saber, chefe. Dez mulheres jovens muito pouco vestidas chegaram no último comboio de Londres, ocuparam os nossos três táxis e vão a caminho de Limpton Hall.

— Entre em contacto com os condutores via rádio e diga-lhes para passarem devagar pelo portão. Isso dará aos carros-patrulha uma oportunidade para os seguir e assim resolver um dos nossos maiores problemas.

— Entendido. Devem passar por aí dentro de uns dez minutos.

De seguida, o superintendente falou com o comandante, que escutou com interesse as últimas notícias. A ordem que deu a seguir apanhou Lamont de surpresa.

— Adie a operação pelo menos uma hora, Bruce.

— Porquê?

— Porque assim vão apanhá-los com as calças em baixo.