13

— Alguma vez se imaginou no papel de dona de um bordel?

— Oh, não! — respondeu Jackie. — Isso vai muito para lá do exercício das minhas funções.

— Não, não vai, se ainda quiser ser reintegrada como inspetora — disse Lamont.

William esforçou-se por não sorrir quando o superintendente a informou sobre o que tinha em mente.

— Eu podia levar a Jackie no meu táxi — disse Danny, depois de o superintendente ter explicado o que esperava que ela fizesse. — Assim, o guarda vai pensar que viemos da estação.

— Boa ideia, Danny — concordou Lamont. — Mas deixe ser a Jackie a falar. Nunca foi o seu forte.

— Obrigado, superintendente — disse Danny.

— Muito bem, vamos lá rever o plano — disse Lamont. — A Jackie vai…

Passados quinze minutos, Danny levava o seu táxi preto para a estrada com uma única passageira no banco de trás. Dirigiu-se devagar para Limpton Hall e parou em frente ao portão fechado. O segurança saiu da casa da guarda e aproximou-se lentamente do táxi. Jackie baixou a janela, compôs a saia e cumprimentou-o com o seu sorriso mais sedutor.

— Posso ajudá-la, minha senhora?

— Bem, pode tratar-me por Blanche — disse Jackie, satisfeita por ver o olhar dele fixo nas suas pernas. — Vim certificar-me de que as minhas raparigas chegaram em segurança. Faz parte do serviço.

O segurança consultou o bloco de mola.

— Mas a senhora não está na minha lista.

— Elas também não estavam — disse Jackie, arriscando. — Mas é assim que o Miles prefere, como decerto saberá.

Ele não pareceu convencido.

— De onde vem? — perguntou educadamente.

Danny agarrou o puxador da porta do condutor.

— Da estação — disse Jackie. — Tal como as minhas raparigas.

— Mas o último comboio para Limpton Holt foi há mais de uma hora — disse o segurança. — Vou ter de ligar para a casa e confirmar com o senhor Makins que estão à sua espera. Pode voltar a dar-me o seu nome, minha senhora?

Danny abriu a porta do táxi, abalroando o segurança que caiu sem cerimónia no chão, ao mesmo tempo que Jackie saltava do carro e passava por ele a correr em direção à casa da guarda. Tinha acabado de localizar o interruptor que dizia «Portão Principal» quando o segurança recuperou, regressou precipitadamente à casa da guarda e a empurrou com um braço. Preparava-se para carregar no botão de pânico vermelho quando levou uma joelhada nas partes baixas com toda a força de que Jackie foi capaz.

O segurança dobrou-se sobre si mesmo e agarrou-se aos genitais, momentaneamente atordoado, e nem viu o punho que descia disparado sobre o seu queixo. Um árbitro não teria tido de contar até dez para confirmar que ele estava fora de combate.

Danny sentou-se em cima do segurança enquanto Jackie acionava rapidamente o interruptor, fazendo com que o grande portão de ferro forjado se abrisse lentamente.

Passados segundos, quatro carros-patrulha, que tinham estado à espera por perto com os motores em ponto-morto, entraram na propriedade e começaram a subir o longo caminho de acesso. Sem luzes nem sirenes e com os condutores a darem graças pela meia-lua.

— Como é que vai explicar isto? — perguntou Danny, olhando para a figura prostrada que jazia no chão.

— Resistiu à ordem de prisão — respondeu Jackie.

— Então, é melhor rezar para que eles encontrem provas suficientes de um crime quando entrarem na casa. Porque, se não encontrarem, o que a espera não será uma promoção, mas sim…

Entretanto, setenta e dois segundos depois, o primeiro carro-patrulha parava junto à casa.

Lamont saiu do carro e subiu os degraus até à porta de entrada. Manteve o polegar sobre a campainha enquanto dois dos carros viravam à esquerda para o cercado dos cavalos, bloqueando a saída aos oito motoristas e aos diversos guarda-costas, alguns dos quais estavam calmamente a dormitar ou a ouvir a rádio no carro.

Lamont estava quase a dar ordem para arrombar a porta quando esta foi aberta presumivelmente pela única pessoa naquela casa que continuava completamente vestida.

— Boa noite — disse Makins, como se estivesse a cumprimentar um convidado atrasado. — Em que posso ajudá-lo?

— Sou o superintendente Lamont e tenho um mandado de busca para esta propriedade.

Exibiu o documento, passou pelo mordomo e entrou no átrio. Foi seguido por dezasseis agentes da brigada antidroga e dois cães pisteiros, que começaram imediatamente a trabalhar. Nenhum deles podia ter deixado de notar o forte cheiro a canábis no ar.

Lamont posicionou-se no meio do átrio enquanto os seus homens se espalhavam pela casa, ignorando os convidados, alguns dos quais estavam a fechar a braguilha, outros com ar algo enervado, enquanto um homem idoso parecia ter desmaiado.

William foi um dos últimos elementos a entrar na casa. A primeira coisa em que reparou foi que a paisagem pintada por Constable continuava pendurada no átrio, mas depois a sua atenção foi desviada para algo que não estava ali quando visitara a casa há mais de um ano. Olhou incrédulo para um grande busto de Miles Faulkner com um falcão no braço, iluminado por um único projetor. Preparava-se para se pronunciar sem rebuço sobre a vulgaridade da estátua quando uma voz lá em cima gritou:

— Mas que diabo se passa aqui?

William olhou para cima e viu Faulkner ao cimo das escadas com um roupão de seda vermelho, a olhá-los furibundo. Desceu lentamente a escadaria de mármore e parou mesmo em frente de Lamont, com os narizes quase a tocarem-se.

— O que pensa que está a fazer, inspetor-chefe?

— Superintendente — disse Lamont. — Tenho um mandado de busca para esta propriedade — acrescentou, exibindo o documento oficial.

— E o que espera encontrar, superintendente? Talvez outro Rembrandt? Duvido que o reconhecesse, mesmo que estivesse a olhar para ele.

— Temos razões para acreditar que está na posse de uma grande quantidade de drogas ilegais — disse Lamont calmamente. — E não apenas para uso pessoal, o que viola a Lei sobre o Abuso de Drogas, de 1971.

— Não tenho dúvidas sobre isso, mas posso assegurar-lhe, superintendente, que não encontrará quaisquer drogas neste local, uma vez que todos os meus convidados são cidadãos respeitadores da lei.

Faulkner atravessou o átrio e agarrou no telefone.

— Para quem vai ligar? — quis saber Lamont.

— Para o meu advogado. É um direito que me assiste, como o superintendente muito bem sabe.

— Pois sim, mas certifique-se de que só telefona ao seu advogado — bradou Lamont, e não tirou os olhos dele enquanto os seus agentes se espalhavam pela casa.

Depois de fazer o telefonema, Faulkner sentou-se numa poltrona e acendeu um charuto, enquanto Makins lhe servia um brande. Depois de o copo de balão ter sido enchido uma segunda vez e de o charuto não passar de uma brasa incandescente, a única coisa que os intrusos tinham para mostrar como resultado do seu esforço eram uns quantos charros e um comprimido de ecstasy. Os cães tinham agora a cauda entre as pernas, embora inicialmente estivessem a abaná-la energicamente. William não conseguiu resistir a olhar para os quadros que forravam as paredes enquanto percorria o corredor e entrava no escritório de Faulkner. Não havia livros, apenas fotografias de Faulkner com as chamadas «celebridades». Foi nessa altura que viu aquilo em cima da mesa e ficou a pensar se seria possível.

Regressou ao átrio a tempo de ouvir Faulkner perguntar a Lamont:

— Será que posso vestir-me enquanto esta charada continua, superintendente?

Lamont não respondeu de imediato, mas acabou por aceder com relutância.

— Não vejo porque não, mas o inspetor Warwick irá acompanhá-lo. Não o perca de vista, Warwick!

— Caso contrário, sou capaz de sair a voar pela janela como o Peter Pan e nunca mais me põem a vista em cima, não é? — disse Faulkner.

Levantou-se e começou a subir as escadas, com William logo atrás, desta vez sem sequer olhar para os quadros na parede.

Quando chegaram ao primeiro andar, William seguiu-o ao longo de um corredor e entrou no que só podia ser o quarto principal. Os seus olhos pousaram num Vermeer pendurado por cima da cama, aquele que Beth lhe dissera estar prometido ao Fitzmolean assim que o divórcio de Faulkner estivesse consumado.

— Aproveite enquanto puder — disse ele. — Embora tenha a sensação de que não é novidade para si — acrescentou, ao mesmo tempo que a porta da casa de banho se abria e aparecia uma jovem de cuecas.

— Não me disseste que seriam dois — disse ela, brindando William com um sorriso caloroso.

— Desta vez, não — disse Faulkner. — Mas não vou deixar-te à espera muito mais tempo — acrescentou, vestindo uma camisa limpa.

A rapariga pareceu desapontada, sorriu para William e desapareceu novamente na casa de banho.

Quando ele recuperou, já Faulkner estava a correr o fecho das calças de ganga e a pôr o relógio Cartier Tank de que William se lembrava da primeira vez que o prendera. Depois de se vestir, Faulkner saiu do quarto, desceu as escadas e voltou para a sua poltrona ao canto do átrio.

— Encontrou alguma coisa digna de comunicar ao comandante Hawksby? — perguntou ele a Lamont, enquanto Makins voltava a encher-lhe o copo de brande.

Não obteve resposta.

Lamont começava a perguntar-se se o menino de coro não teria sido tramado pelo antigo colega, que poderia ter transferido recentemente a sua lealdade para um novo financiador, a pessoa que estava agora a acender o segundo charuto. Os seus pensamentos foram interrompidos quando tocaram à campainha.

— Boa noite, doutor — disse o mordomo quando Booth Watson entrou no átrio.

O advogado inspecionou demoradamente os estragos à sua volta antes de se pronunciar.

— Vejo que a sua incursão foi muito produtiva, superintendente — disse, olhando para os dois saquinhos de plástico, um com os charros e o outro com o comprimido de ecstasy, ambos identificados como «Prova». — Com certeza que vai telefonar ao comandante Hawksby para o informar do seu espetacular triunfo.

Faulkner riu-se, apagou o charuto e atravessou o átrio para se juntar ao seu advogado.

— Dificilmente se poderá considerar um crime grave — continuou Booth Watson. — O meu cliente, como o superintendente muito bem sabe, é um cidadão exemplar que leva uma vida pacata, dedicando muito do seu tempo a apoiar causas dignas, entre elas o Museu Fitzmolean, com o qual o senhor está familiarizado, segundo creio. Por isso, permita-me que sugira, tanto pela sua reputação como pela do meu cliente, que o mínimo que pode fazer é libertar os convidados e permitir-lhes que regressem ao seio das suas famílias. A menos que considere que algum deles possa ser fornecedor de substâncias ilegais e deva ser detido e levado até à esquadra mais próxima. — Fez uma pausa e olhou novamente para as provas. — Embora não consiga imaginar qual possa ser a acusação.

Lamont anuiu com relutância e, passados minutos, todos os convidados tinham abandonado a casa de forma discreta, com um ou dois deles acompanhados por alguém com quem não tinham chegado. Foram vários os que apertaram a mão a Faulkner à saída e um deles disse mesmo:

— Pode chamar-me como testemunha, Miles.

Booth Watson anotou o nome e o número de telefone.

Depois de todos os convidados terem saído, o advogado voltou a sua atenção novamente para Lamont.

— Superintendente, não há a menor dúvida de que causou um grande embaraço ao meu cliente, já para não falar nos danos que provocou nas suas relações, tanto pessoais como profissionais, com alguns dos seus amigos mais antigos e colegas mais respeitados. Não consigo imaginar o que esta operação injustificada já custou aos contribuintes, mas garanto-lhe que isso não é nada comparado com a indemnização que vou pedir em nome do meu cliente pelos danos causados à sua linda casa e aos seus valiosos bens.

Um ou dois agentes pareceram envergonhados ao ver os sofás rasgados e móveis que eram verdadeiras antiguidades virados de pernas para o ar. Booth Watson brindou-os com um sorriso que normalmente reservava apenas para os júris, enquanto Makins começava a tirar fotografias da destruição.

— Mantenha-o a falar — murmurou William, enquanto passava por Lamont e voltava a percorrer rapidamente o corredor até chegar ao escritório de Faulkner.

— O doutor tem de perceber — disse Lamont — que atuámos de boa-fé, com base em informação recebida.

— Claramente de uma fonte pouco fiável, o que, como o superintendente concordará, se está a tornar a imagem de marca das vossas investigações relativas ao meu cliente.

Lamont tentou permanecer calmo.

No escritório, William procurou o número na sua agenda de bolso e tratou de o marcar. Começou a rezar e, para seu alívio, a chamada foi atendida passados instantes.

— Quem fala? — exigiu saber uma voz.

— William Warwick. Peço desculpa por incomodá-la a esta hora da noite, Christina, mas surgiu uma emergência e tenho a sensação de que é a única pessoa que nos poderá ajudar.

— Teve sorte em apanhar-me, William. Acabei de chegar a casa depois de um longo jantar a dois. Deixe-me adivinhar. Deve ser o Miles que está a causar-lhe tantos problemas. Como posso ajudar?

William explicou rapidamente o problema que tinha pela frente e, quando ela lhe deu a resposta, sentiu-se um perfeito idiota, porque a solução tinha estado bem à sua frente o tempo todo.

— Obrigado — disse. — Ligo-lhe amanhã de manhã a dizer como tudo acabou.

— Muito cedo, não — pediu Christina. — O meu companheiro de jantar é consideravelmente mais novo do que eu.

William riu-se pela primeira vez naquela noite.

— Divirta-se — disse, e pousou o auscultador.

Levou uns momentos a pôr os pensamentos em ordem e preparava-se para sair quando voltou a ver a nota de vinte libras enrolada em cima da secretária, o que o fez sentir-se mais confiante. Agarrou nela e saiu do escritório de Faulkner para voltar ao átrio.

— Ora vejam só quem se juntou a nós — disse Booth Watson quando ele apareceu. — Nem mais nem menos do que o nosso recém-nomeado inspetor… Embora desconfie que não por muito mais tempo.

Faulkner foi o único que se riu.

— Então, inspetor — continuou o advogado, olhando com desdém para a nota de vinte libras que William segurava. — Não me diga que deteve um dos responsáveis pelo Grande Assalto ao Comboio…

— Muito melhor — disse William sem mais explicações, enquanto guardava a nota num saco de plástico e o identificava como «Prova». A seguir, encaminhou-se devagar para o busto de Faulkner. — Só alguém com um ego desmedido permitiria que um objeto tão grotesco fosse visto numa casa cheia de obras-primas — comentou, virando-se para Faulkner.

— Espero que tenha outro trabalho em vista, inspetor — disse Booth Watson —, porque tenho a sensação de que, como agente policial, tem os dias contados.

— Não, não tenho — replicou William. — Mas não devia ser muito difícil arranjar trabalho a identificar obras de arte falsas.

E levantou o busto do seu pedestal.

— Pouse isso! — berrou Faulkner. — É extremamente raro!

— Único, espero — disse ele. — Mas se é isso que quer, senhor Faulkner, tenho todo o gosto em fazer-lhe a vontade.

Deixou o busto escapar entre os dedos e cair no chão de mármore, onde se estilhaçou em cem pedaços.

Toda a gente ficou a olhar, não para o que restava da estátua partida, mas para uma dúzia de pequenos invólucros de papel com uma substância branca que ficaram espalhados pelo chão.

Os cães começaram a abanar a cauda excitadíssimos e os fotógrafos lançaram imediatamente mãos ao trabalho. Quando acabaram, vários agentes começaram a reunir as provas.

— Desconfio que não podia ser mais pura — disse um agente da brigada antidroga, segurando um dos sacos. — Vou levar este lote ao laboratório para testar, superintendente, e terá um relatório em cima da secretária na segunda-feira logo de manhã.

Lamont avançou, pôs os braços de Faulkner atrás das costas e algemou-o.

— Há muito tempo que ansiava por isto, senhor Faulkner — disse ele. Booth Watson tomou uma nota. — Vou deixá-lo fazer as honras, inspetor Warwick.

William aproximou-se e parou mesmo à frente de Faulkner. Estava tão nervoso que quase se esqueceu das palavras da praxe.

— Miles Faulkner, está detido por suspeita de posse com intenção de fornecer uma droga de Classe A. Não tem de dizer nada, a menos que deseje fazê-lo, mas tudo o que disser poderá ser usado como prova.

Acompanhou o detido até ao exterior da casa e enfiou-o no banco de trás de um carro-patrulha. Não conseguiu resistir a dizer-lhe adeus quando o carro arrancou.

Lamont pegou no telefone do átrio e começou a marcar um número.

— Acho que vou seguir o seu conselho, doutor Booth Watson — disse ele com um sorriso —, e ligar ao comandante Hawksby para lhe contar sobre o meu espetacular triunfo.