15

— Gosto sempre de tomar o pequeno-almoço no Savoy — disse Faulkner —, mesmo que as circunstâncias pudessem ser melhores.

— Não podiam ser muito piores do que são — disse Booth Watson, deitando mais um cubo de açúcar no café.

— Mas conseguiu libertar-me sob fiança. E disse que eles nem sequer podiam acusar-me de posse com base naquelas provas.

— Quando disse isso, as provas eram dois charros e um comprimido de ecstasy, e não doze gramas de cocaína pura. Nenhum juiz irá acreditar que eram para seu uso pessoal e, por isso, a posse neste caso é facilmente demonstrável.

— Foi lá posta pela polícia — disse Faulkner, ao mesmo tempo que lhe punham à frente uma tigela de cornflakes e morangos.

— Isso não pega, Miles, e você sabe disso. A testemunha principal da acusação há de jurar a pés juntos que lhe vendeu a droga ao início da noite a troco de oitocentas libras, e não se esqueça de que tanto o dinheiro como as provas estão nas mãos da polícia.

— Já descobriu quem é que me tramou?

— Ainda não, mas estou a trabalhar nisso. A única coisa que posso dizer-lhe é que a pessoa em causa foi levada para uma casa segura algures. Ou seja, até somos capazes de só descobrir quem foi o responsável quando ele se sentar no banco das testemunhas.

— Isso, no pressuposto de que ele chega ao tribunal.

— Escute-me com atenção, Miles. Não faça nada de que venha depois a arrepender-se.

— Como, por exemplo?

— Como aparecer num casamento para o qual não foi convidado.

— Um erro administrativo.

— E esse não é o seu único problema.

— Que mais? — indagou Faulkner, enquanto um empregado de mesa levantava a tigela da mesa e outro voltava a encher a chávena de café de Booth Watson.

— A Christina recusa-se a assinar o acordo de divórcio até o julgamento terminar.

— Qual é a intenção dela?

— Obviamente, pensa que, se você estiver preso, há de conseguir um acordo melhor.

— Então, bem pode pensar duas vezes, porque quando eu acabar ela não terá onde cair morta.

O empregado voltou a aparecer ao lado de Faulkner.

— Posso anotar o seu pedido?

— Quero o pequeno-almoço inglês completo.

Estavam todos sentados à volta da mesa, à espera de que o comandante aparecesse. Nunca ninguém o vira chegar atrasado, nem mesmo Lamont. De repente, a porta abriu-se e Hawk entrou de rompante. Foi como se tivessem sido atingidos por um furacão.

— Peço desculpa — disse ele, ainda em movimento. — Passei a última meia hora com o comissário, a contar-lhe o meu triunfo no sábado à noite em Limpton Hall.

Desataram todos a rir e começaram a bater com as palmas das mãos na mesa.

— Muitos parabéns, Bruce — disse Hawk, sentando-se. — Doze gramas de cocaína pura e o traficante disposto a testemunhar. Acredito que desta vez conseguimos pôr o Faulkner na cadeia.

— Obrigado, comandante, mas foi a capacidade de reação rápida do inspetor Warwick que salvou o dia.

— Ainda bem que não ficou em Roma, William, a ver outras estátuas menos importantes. O laboratório já nos enviou o relatório, inspetora estagiária Roycroft?

— Sim, senhor — replicou Jackie. — A cocaína é da melhor qualidade, provavelmente produzida na Colômbia. Intercetaram recentemente um lote semelhante em Manchester.

— E o Faulkner?

— Entregou o passaporte, depositou o milhão de libras no tribunal e foi libertado sob fiança — disse William.

— Acha que ele pode fugir? — perguntou Paul.

— É pouco provável. Mas, se o fizer, a Coroa embolsa o milhão e nunca mais poremos a vista em cima desse filho da mãe. Por isso, não será assim tão mau.

— Eu preferiria vê-lo atrás das grades, em vez de saber que estava a gozar uma vida de luxo em Monte Carlo — disse William.

— O seu desejo é capaz de se cumprir — disse Hawksby. — A procuradoria acredita que há uma forte possibilidade de entretanto o Faulkner se declarar culpado da acusação menos grave, assim que o Booth Watson tiver tido tempo de analisar o depoimento do Heath.

— Ele nunca irá declarar-se culpado — disse William. — Pelo menos, enquanto pensar que tem uma pequena hipótese de escapar impune.

— Está a começar a pensar como o Faulkner — disse Hawk. — E isso é bom. Mas estamos a meses do julgamento e temos de continuar a trabalhar noutros casos, quanto mais não seja para garantir que o Rashidi se junta ao Faulkner no banco dos acusados. E uma coisa é certa: o Rashidi não será libertado sob fiança em circunstância alguma.

— Mas, se fosse — disse William —, poderia pagar o milhão de libras em dinheiro.

— Estamos mais perto de localizar a fábrica dele? — perguntou Hawk.

— Mais perto, mas ainda tão longe — disse Lamont. — A única coisa que posso dizer ao certo é que não fica em Charlbury Manor. Na sexta-feira passada, sobrevoei a propriedade num helicóptero da polícia e não havia sinal de nenhum veículo, além de um Mercedes azul-escuro estacionado no caminho de acesso e uma carrinha dos correios a fazer uma entrega.

— Paul? — disse Hawk.

— Passei os últimos dias a espiolhar pela aldeia — informou Adaja — e a chefe do posto dos correios disse-me que o Rashidi é muito reservado. Comparece de vez em quando nas festas da aldeia e contribui de forma generosa para a sua realização, mas fora isso raramente é visto em público. Começa a parecer que leva duas vidas completamente distintas. Faz-se passar por fidalgo rural aos fins de semana e torna-se um impiedoso barão da droga durante os dias úteis. A transformação de Hyde em Jekyll parece ocorrer à sexta-feira à tarde, quando visita a mãe.

Paul fez uma pausa, para se certificar de que tinha a atenção da equipa.

— Pare de se exibir — disse Lamont — e diga o que tem a dizer.

— Todas as segundas-feiras de manhã, o motorista leva-o de Charlbury Manor para um escritório na City. Chega por volta das oito e passa a manhã a cumprir a sua função enquanto presidente da Marcel & Neffe, uma pequena mas conceituada companhia importadora de chá, que no ano passado teve uma faturação de mais de quatro milhões de libras e declarou um lucro de 342 600 libras.

Paul distribuiu cópias do relatório anual da Marcel & Neffe ao resto da equipa.

— A Marcel & Neffe é a fachada perfeita para o Rashidi — disse William —, porque lhe permite ter um estilo de vida que um observador ocasional não poria em causa, mas também viajar para países em que o chá não é a principal exportação.

— No entanto — continuou Paul —, a sua casa no campo é absolutamente sumptuosa, mas como está rodeada por um terreno de quatrocentos hectares pouca gente sabe até que ponto. E isso é só para começar.

— Em Heathrow — disse William, pegando o fio à meada —, tem um jato Gulfstream com dois pilotos de prevenção dia e noite, para poder desaparecer de um momento para o outro. Tem um iate de setenta metros chamado Sumaya, como a mãe, com uma tripulação de dezoito elementos, ancorado em Cannes, assim como casas em Saint-Tropez, Davos e um duplex na Quinta Avenida em Nova Iorque, com vista para o Central Park. Mantém uma grande equipa de funcionários em cada uma das residências para cuidar de todas as suas necessidades.

— Coisa que não poderia fazer com 342 600 libras por ano — comentou Lamont.

— Bom trabalho, inspetor estagiário Adaja — disse Hawk. — Posso perguntar como é que se deparou com esse manancial de informação?

— Candidatei-me ao lugar de segundo jardineiro na propriedade, que estava anunciado no posto dos correios da aldeia. Fiquei a saber mais sobre o que se passa por detrás daqueles muros do que eles acerca de mim. Mas, na verdade, não descobri nada de muito interessante, porque aquela é a vida que ele tem «oficialmente». Até almocei num pub com o jardineiro-chefe para discutir o meu salário e a data em que poderia começar.

— Ofereceram-lhe o lugar? — quis saber Hawk.

— Sim, senhor. Prometi entrar em contacto com eles.

— O que sabe sobre jardinagem, Paul? — perguntou Lamont, abafando o riso.

— Apenas aquilo que aprendi na edição do mês passado da Gardener’s Weekly, mas mesmo assim ofereceram-me um salário de entrada melhor do que tenho aqui, mais dias de folga e três semanas de férias por ano.

— Vamos sentir a sua falta — disse Hawk. — Talvez agora o inspetor Warwick nos possa dizer o que tem andado a fazer esta semana.

— Enquanto o Paul se passeava pelo campo, eu estive concentrado no escritório do Rashidi na City. Como sabemos, ele chega lá à segunda de manhã pelas oito horas, mas depois desaparece por volta do meio-dia e só regressa na tarde de sexta-feira, antes de sair para visitar a mãe em The Boltons. Tal como o Paul, não sei nada sobre os seus movimentos entre uma altura e a outra.

— Pelo menos, já sabemos onde é o seu local de trabalho, mesmo que não passe de uma fachada.

— Em que andar fica a Marcel & Neffe? — perguntou Lamont.

— No décimo e no décimo primeiro. Visitei os escritórios da empresa por duas vezes, mas nunca consegui passar da receção. E o pior — continuou William — é que não estou totalmente convencido de que o homem que sai do edifício por volta do meio-dia de segunda-feira seja a mesma pessoa que o seu táxi pessoal vem buscar à entrada da importadora de chá nas tardes de sexta-feira.

— Acha que ele tem um duplo?

— Não, acho que deve estar bem disfarçado. Ou isso, ou entra e sai da empresa por um acesso que não descobri. Tanto quanto sei, até pode descer do edifício em rappel.

— Um autêntico profissional — disse Lamont, com uma pontinha de admiração.

— Tem mesmo de ser, para ganhar mais de cem mil libras por semana em dinheiro, violando todas as leis e mais algumas, e sem se dar sequer ao trabalho de pagar impostos.

— Foi assim que acabaram por apanhar o Al Capone — recordou-lhes Lamont.

— Tem de haver alguma falha na rotina dele — disse William —, mas eu ainda não a identifiquei.

— Não pare até a descobrir — ordenou Hawk. — Muito bem, a menos que haja mais perguntas, vamos voltar ao trabalho.

— Eu tenho uma, comandante — disse William.

— Tinha de ser, inspetor Warwick.

— O seu agente infiltrado deu alguma informação nova recentemente?

Hawk olhou de relance para Jackie, que continuou calada.

— Não. Às vezes, não aparece durante várias semanas. Mas, assim que o fizer, pode ter a certeza de que o informo, inspetor Warwick.

— Obrigado.

Lamont reprimiu um sorriso diante da subtil admoestação a William.

— E eu tenho uma pergunta para si, inspetor Warwick — disse Hawk. — Agora que o Tulip teve alta do hospital, será que tem alguma forma de encontrar o seu antigo colega de escola?

— Não, senhor. Nem posso dizer onde o Heath está escondido, porque também não sei.

— Certifique-se de que as coisas continuam assim, porque ele é a nossa única esperança de derrotar o Faulkner quando o caso for finalmente a julgamento. Muito bem, toca a voltar ao trabalho. O Faulkner foi o triunfo de ontem, mas não se esqueçam de que o Rashidi continua por aí a destruir a vida das pessoas.

— Casas comigo? — perguntou Adrian.

— Claro que sim — disse Maria, lançando-lhe os braços ao pescoço.

— Esta é a altura em que eu devia ajoelhar-me e oferecer-te um anel de noivado para selar o pedido, mas isso não é possível enquanto estivermos aqui escondidos. Nem sequer me deixariam sair tempo suficiente para procurar um.

— Não será por muito mais tempo — disse Maria. — E o anel pode esperar até estarmos em segurança, no Rio, e podermos pôr tudo isto finalmente para trás das costas.

— Mal posso esperar para chegar ao Rio — confessou Adrian. — Mas estou preocupado com o que os teus pais dirão quando descobrirem que já fui toxicodependente e há anos que não tenho um trabalho como deve ser.

— Isso é tudo passado, Adrian. De qualquer forma, já lhes disse que és filho de um banqueiro de sucesso…

— Bem, pelo menos essa parte é verdade, mesmo que ele me tenha deserdado.

— E que ele te deu dez mil libras para começar um novo negócio. No Rio, dez mil libras é uma fortuna. Por isso, haverá imensas oportunidades.

— Que tenciono aproveitar, mas nunca esquecerei que, sem a tua ajuda, continuaria a ser um drogado incorrigível e sem futuro.

— Não é só a mim que tens de agradecer — disse Maria.

— Eu sei. O menino de coro também fez a sua parte e, assim que o Faulkner estiver atrás das grades, terei cumprido a minha parte do acordo.

— Para quando está agendado o julgamento, Sir Julian?

— Só daqui a dois meses, senhora Faulkner. Porque pergunta?

— Preciso que trate do acordo de divórcio com todo o vagar. Tente atrasar o processo.

— Por que razão quer que faça isso, quando conseguimos quase tudo o que pediu?

— Ainda quero ser a senhora Faulkner quando o meu marido for para a prisão.

— Posso perguntar porquê?

— É melhor não saber a razão, Sir Julian, pois posso precisar que me represente se as coisas não correrem como planeado.

William apanhou o metro para a City e saiu em Moorgate. Passados uns minutos, foi até à empresa importadora de chá, confiante de que Rashidi não estaria por lá numa quarta-feira à tarde. Evitou a receção, pois não queria que se lembrassem de o ter visto, e dirigiu-se para os elevadores, onde se juntou ao grupo de pessoas que estava à espera. Saiu no décimo primeiro piso e escolheu uma cadeira na receção da Marcel & Neffe, pegou num exemplar do Financial Times e foi olhando para o relógio de poucos em poucos minutos, como se estivesse à espera de alguém. Uma vez que a rececionista estava constantemente ao telefone, a falar com os visitantes ou a assinar recibos de entregas, ele esperava poder ficar por ali algum tempo antes de ela começar a desconfiar.

William escutou atentamente as conversas que ocorriam no balcão da receção, enquanto fingia ler o seu jornal. Depressa se tornou óbvio que a Marcel & Neffe não era simplesmente uma fachada para outro negócio; era exatamente o que dizia ser: uma pequena e bem-sucedida empresa importadora de chá, mesmo que o seu presidente só passasse por lá às segundas-feiras de manhã e às sextas à tarde.

Quando a rececionista lhe lançou um olhar inquiridor pela terceira vez, ele decidiu que estava na hora de se ir embora. Uma jovem saiu de um dos gabinetes e ele levantou-se e fingiu juntar-se-lhe enquanto ela saía. Entraram juntos no elevador e, quando chegaram ao rés do chão, William dirigiu-se para a porta de saída enquanto a sua companheira desaparecia num corredor à direita.

Depois de sair para a rua, William olhou para o relógio e começou a andar para a estação de Moorgate. Precisava de passar pela Scotland Yard antes de ir para casa, apesar de não ter nada a relatar. Ia a descer as escadas para a estação quando avistou a jovem com quem partilhara o elevador a dirigir-se para os torniquetes de controlo. William ficou intrigado. Como podia ela tê-lo ultrapassado sem ele dar por isso?

Parou ao fundo das escadas e olhou na direção de onde a jovem tinha vindo. Ao fazê-lo, uma porta discreta que lhe passara despercebida abriu-se e apareceu um senhor mais velho, a segurar uma pasta e um guarda-chuva fechado. William correu para a porta, que porém se fechou antes de ele conseguir lá chegar.

Não teve de esperar muito tempo para que a porta voltasse a abrir-se e, desta vez, conseguiu esgueirar-se pela fresta antes de se fechar, desembocando num corredor bem iluminado. Avançou cautelosamente, passando por um ginásio e um centro de formação à sua esquerda, para finalmente subir um curto lanço de escadas até outro corredor, ao fundo do qual se encontrou mais uma vez na área de receção da Marcel & Neffe, agora bem ciente de como a jovem o deixara para trás. Refez os seus passos até à estação de metro, sabendo exatamente onde iria esperar por Rashidi na manhã da segunda-feira seguinte.

— A procuradoria já nos deu uma data para o julgamento do Faulkner — disse Sir Julian. — Doze de novembro, no Old Bailey.

Grace folheou as páginas da sua agenda e riscou as três semanas que se seguiam a 12 de novembro.

— Falta menos de um mês — disse. — Ainda preciso de me encontrar com o Heath para rever uma vez mais o seu depoimento.

— Podes fazer isso quando o trouxerem para Londres, antes do julgamento.

— Vai chamar o William a depor?

— Não vale a pena. O superintendente Lamont terá maior peso aos olhos do júri e a doutora Lewis é uma testemunha especializada em drogas tão respeitada, que a defesa nem sequer se deve dar ao trabalho de a contrainterrogar. Na verdade, tenho a sensação de que não faltará muito tempo para o Booth Watson entrar em contacto comigo e tentar fazer um acordo em nome do seu cliente.

— E, se ele fizer isso, qual vai ser a sua resposta?

— Mando-o dar uma curva.

— A Coroa não vê razão para fazer qualquer concessão neste momento, mas obrigado por telefonar, BW.

Grace sorriu ao ver o pai anotar as suas palavras.

William e Paul observaram do outro lado da rua enquanto Rashidi saía do Mercedes e entrava na Marcel & Neffe às oito e dez da manhã da segunda-feira seguinte. Estava vestido como presidente de uma empresa sediada na City, e o porteiro cumprimentou-o. Em seguida, o inspetor Warwick voltou à estação de metro de Moorgate, mas não tomou a escada rolante para voltar à Scotland Yard.

Jackie ensinara-o a manter-se focado durante uma operação de vigilância. Se perdesse a concentração por poucos segundos que fosse, podia perder o alvo. Manteve-se ali durante as quatro horas seguintes e, embora andasse de vez em quando de um lado para o outro, os seus olhos nunca perderam de vista a porta bem disfarçada. Tinha sido utilizada por diversas pessoas, que se dirigiam de imediato para os torniquetes de controlo, mas ele estava confiante de que Rashidi não fora uma delas. Se saísse pela porta principal da empresa nessa manhã, Paul estava posicionado do outro lado da rua e contactá-lo-ia imediatamente via rádio. William redobrou a sua concentração quando os ponteiros do relógio da estação chegaram ambos às doze.

Alguns minutos depois, a porta abriu-se e apareceu um homem envergando um fato de treino largo cinzento-escuro, com o capuz puxado sobre a cabeça de modo a ocultar-lhe o rosto. Passou por William antes de ele ter conseguido examiná-lo mais atentamente sem dar nas vistas. A forma de andar era familiar, mas William não podia correr o risco de se guiar apenas por isso, e só depois de o homem validar o bilhete no torniquete de controlo é que William reparou que ele usava luvas de pele pretas. Os seus olhos fixaram-se instintivamente no terceiro dedo da mão esquerda.

Quando William passou pelo torniquete e entrou na escada rolante, o homem de fato de treino já estava a virar à esquerda para a plataforma sul da linha do Norte.

Depois de o fato de treino anónimo ter desaparecido de vista, William desceu a escada rolante a correr, abrandando apenas quando virou à esquerda. Conseguia agora ver a sua presa, ao chegar à plataforma precisamente no instante em que um comboio saía do túnel, expelindo uma rajada de ar quente. Entrou na carruagem ao lado da de Rashidi, olhando uma única vez na sua direção. Observou atentamente os passageiros que desembarcavam em cada estação, até ver o homem de fato de treino, com a cabeça ainda coberta, apear-se em Stockwell.

William continuou sentado. Não fazia parte do plano geral. Isso teria de ficar para outra semana. As palavras de Hawk soavam-lhe nos ouvidos: «Não corram riscos. Isto é um trabalho a longo prazo.»

Havia seis guarda-costas encarregados da casa segura, todos em turnos de oito horas. As instruções eram simples: manter a testemunha e a namorada em segurança, bem alimentados e, se possível, descontraídos. Não era fácil descontrair quando não os deixavam sair senão para dar um curto passeio num parque próximo, e sempre acompanhados por dois agentes e um pastor-alemão. Aliás, Adrian e Maria só descobriram em que cidade estavam passados vários dias.

À medida que as semanas iam passando, Adrian acabou por conhecer um dos guarda-costas bastante bem, criando laços de amizade por apoiarem ambos a equipa do West Ham. Só quinze dias antes do julgamento é que descobriu quem ele realmente apoiava.

De volta à Scotland Yard, William entregou o seu relatório sobre a viagem a Stockwell.

Lamont estudou um mapa do metropolitano de Londres por alguns instantes e depois disse:

— Se o Rashidi sair em Stockwell na próxima segunda-feira, inspetor Warwick, vai ficar à espera dele à porta da estação. Mas, se ele trocar de linha e seguir para Brixton, terá de o substituir, inspetor estagiário Adaja.

Ambos os homens anuíram e tomaram notas.

— E, Jackie, agora que já não é dona de uma «casa de meninas», o que tem andado a fazer?

— Temos outro problema — disse Jackie depois de as gargalhadas esmorecerem. De repente, a atenção da equipa centrou-se na inspetora estagiária Roycroft. — O Homem da Marlboro está convencido de que um grande carregamento de droga vindo da Colômbia se encontra a caminho de Zeebrugge. Ouviu uma conversa no bar entre dois traficantes, que tinham bebido mais do que a conta.

— Alguma ideia da quantidade de que estamos a falar? — perguntou Lamont.

— Ele não tem a certeza. A única coisa que sabe é que da última vez foram dez quilos de cocaína.

— Esse devia ser o carregamento que chegou a Manchester — disse Lamont. — Ele sabe para onde vai depois de Zeebrugge?

— Não faz ideia.

— Felixstowe seria o meu palpite — disse Hawk.

— O que o leva a dizer isso, comandante?

— A brigada anticorrupção tem lá dois agentes aduaneiros sob vigilância, e disseram-me que esperam fazer brevemente uma detenção.

— Nesse caso, o melhor é o inspetor Warwick e a inspetora estagiária Roycroft darem corda aos sapatos e irem imediatamente para Felixstowe — disse Lamont. — E ficarem de olho em todos os barcos que cheguem de Zeebrugge. Bom trabalho, Roycroft!

— Ainda há mais — continuou Jackie, parecendo bastante satisfeita consigo mesma.

— Desembuche — disse Lamont.

— Uma palavra que o HM ouviu várias vezes nessa noite foi «rulote».

— Das duas, uma: ou estamos a ser enganados ou esse homem vale o seu peso em ouro.

— Mas nem tudo são boas notícias — disse Jackie. — Agora que o Tulip está de volta às ruas, foi ao Three Feathers à procura do Heath.

— Era só o que nos faltava — disse Hawk.