17
Na noite antes do julgamento, Adrian e Maria foram levados de Lincoln pela A1, de volta a Londres. Foram instalados num hotel pequeno e discreto relativamente perto do Old Bailey, com dois guardas à porta do quarto.
Maria dormiu bem, apesar de Adrian passar a noite às voltas na cama enquanto revia mentalmente as respostas bem ensaiadas a cada uma das perguntas de Sir Julian, tal como um ator nervoso à espera de que a cortina levantasse. Maria tinha apenas um papel de figurante. Assim que Adrian subisse ao banco das testemunhas, ela seria conduzida a Heathrow, onde faria o check-in e ficaria à espera dele.
Sir Julian passou a noite no seu apartamento em Lincoln’s Inn. De manhã, levantou-se cedo e reviu uma vez mais as alegações iniciais, fazendo emendas ocasionais, riscando uma ou outra palavra e até um parágrafo inteiro. A seguir, leu-as em voz alta, tendo apenas os passarinhos como audiência. Pareceram apreciá-las.
Booth Watson também se levantou cedo e tomou um belo pequeno-almoço antes de apanhar um táxi para o Old Bailey, chegando apenas meia hora antes do início do julgamento. De qualquer maneira, não estava à espera de ter de intervir da parte da manhã, pois desconfiava que a primeira testemunha da Coroa iria prestar depoimento durante duas horas, pelo menos, até ele ter oportunidade de a contrainterrogar. Embora tivesse preparado várias armadilhas para enredar o senhor Heath, nenhuma delas parecia muito promissora e ele receava que, caso o seu cliente fosse considerado culpado de ambas as acusações, e já com uma pena suspensa de quatro anos, fosse passar vários Natais a comer peru frio.
Tinha jantado com Miles no Savoy na noite anterior e achara-o extraordinariamente calmo, até mesmo resignado com o seu destino. Mas a verdade é que também nunca conseguia perceber o que se passava realmente naquela mente impenetrável.
Grace apanhou o metro para o Tribunal Criminal Central, ciente de que o pai não quereria que o distraíssem antes de se dirigir ao júri. Aceitava que, sendo sua assistente, o seu papel era apenas de apoio, pronta a ajudá-lo se surgisse uma questão jurídica ou para verificar alguma declaração que a defesa apresentasse como facto, pois não podia deixar que Booth Watson tramasse o pai enquanto ele estivesse no auge do interrogatório. A um nível mais subalterno, até tinha de se certificar de que ele tinha o copo de água sempre meio cheio e não meio vazio. Grace estava mais do que satisfeita por poder trabalhar como assistente do pai e, embora não tivesse dito a ninguém, nem mesmo a Clare, tinha esperança de que ele lhe permitisse contrainterrogar uma das testemunhas menos importantes.
Tal como o seu advogado, Miles Faulkner tomou um pequeno-almoço substancial depois de ter feito uma corrida pelo parque. Pelo seu parque. Booth Watson dissera-lhe que era pouco provável que o chamassem a depor antes de todas as testemunhas da acusação terem sido ouvidas, e mesmo assim só se ele estivesse convencido de que isso poderia ajudar a sua causa. De momento, Booth Watson não estava convencido de que houvesse alguma coisa que pudesse ajudar.
O motorista deixou Faulkner à porta do Old Bailey, onde ele se viu rodeado por um bando de jornalistas e fotógrafos que já se perguntavam se ele iria aparecer sequer, uma vez que podia claramente dar-se ao luxo de sacrificar um milhão de libras para continuar a ser um homem livre. Faulkner avançou, pavoneando-se e dando tempo mais do que suficiente aos fotógrafos para tirar os instantâneos que quisessem, o que convenceu os repórteres de que ele estava confiante de que sairia dali no mesmo carro em que chegara.
A sala de audiências número 1 do Old Bailey estava cheia muito antes de o juiz Baverstock entrar no seu local de trabalho, às dez da manhã. Ele cumprimentou a sala cheia com uma vénia e ocupou o seu lugar ao centro do estrado elevado. No banco da acusação, Sir Julian estava a certificar-se de que as páginas das alegações iniciais se encontravam numeradas e por ordem. Grace já tinha verificado duas vezes, e estavam.
Booth Watson estava refastelado na outra ponta, com um bloco de notas em cima do joelho e a caneta já a postos, caso Sir Julian cometesse o mais pequeno erro. O seu assistente, o doutor Andrews, sentado ao seu lado, mantinha-se atento, à espera de captar algum pormenor que pudesse escapar ao seu mentor.
Miles Faulkner estava em pé no banco dos acusados, envergando uma vez mais um fato comprado em Savile Row e exibindo uma gravata de antigo aluno da Harrow School. Sorriu para os sete homens e cinco mulheres que faziam fila para entrar na bancada do júri, mas apenas um deles olhou na sua direção.
O juiz aguardou que os jurados prestassem juramento e, quando considerou que estavam todos devidamente instalados, fez sinal ao oficial de justiça, que se levantou e leu as duas acusações que constavam do despacho de acusação, antes de olhar para o arguido e perguntar pomposamente:
— Como se declara? Culpado ou inocente?
— Inocente — declarou Faulkner em relação às duas acusações, parecendo espantado por alguém poder duvidar da sua palavra.
— Pode sentar-se — disse o oficial de justiça.
Depois de Faulkner tomar o seu lugar, o juiz Baverstock focou a sua atenção no advogado principal da Coroa.
— Está pronto para fazer as alegações iniciais, Sir Julian? — perguntou.
— Estou, sim, Meritíssimo.
Sir Julian levantou-se, puxou pelas lapelas da sua longa toga preta e agarrou com firmeza o suporte em que as suas alegações repousavam.
— Meritíssimo — começou —, represento a Coroa neste caso, ao passo que o meu douto colega, o doutor Booth Watson, está aqui em nome da defesa. — Os dois homens trocaram relutantemente uma pequena vénia. — Meritíssimo, do despacho da acusação constam dois crimes relacionados com a posse e fornecimento de uma substância ilegal, mais propriamente, cocaína. Na noite de sábado, no dia dezassete de maio deste ano, o arguido foi surpreendido na posse de uma grande quantidade dessa droga enquanto dava uma festa para outros nove convidados. Mas ao júri não interessará apenas o que ocorreu nessa noite durante a festa. Mais relevante ainda terá sido o que aconteceu antes de o primeiro convidado do senhor Faulkner chegar.
Ergueu o olhar e viu o júri suspenso das suas palavras.
— Poucos minutos depois das sete dessa noite, um homem chegou a casa do senhor Faulkner para honrar um compromisso que tinha firmado alguns dias antes. Ao chegar, esse homem, o senhor Adrian Heath, foi acompanhado ao escritório do arguido para realizar uma transação comercial. Forneceu ao senhor Faulkner doze gramas de cocaína em troca de oitocentas libras em dinheiro. O preço era acima da cotação corrente, mas o senhor Faulkner era um cliente que exigia produto do melhor. Neste caso, com um grau de pureza de noventa e dois e meio por cento, como uma testemunha especializada irá confirmar. Depois do negócio concluído e de o senhor Heath ter recebido o dinheiro, que iremos apresentar como prova, ele regressou a Londres, de onde foi levado imediatamente, no maior sigilo, para uma casa segura, porque o senhor Faulkner não sabia que Adrian Heath era um informador da polícia.
Booth Watson tomou a sua primeira nota: «agent provocateur».
— Mais tarde, nessa mesma noite — prosseguiu Sir Julian —, a polícia fez uma rusga à casa de campo do senhor Faulkner e, apesar da sua tentativa desesperada para esconder as provas, graças ao trabalho policial notável de um jovem inspetor, a droga foi descoberta dentro de uma estátua… — Fez uma pausa. — Uma estátua do próprio senhor Faulkner.
Houve um ou dois jurados que não conseguiram resistir a esboçar um sorriso afetado.
— A Coroa — prosseguiu Sir Julian — não só apresentará os doze gramas de cocaína e as oitocentas libras que o senhor Faulkner pagou ao traficante, como o próprio senhor Heath irá confirmar o papel que desempenhou nessa ocasião. E, como se isso não fosse suficiente para condenar este homem — disse, apontando para o arguido —, a Coroa também irá chamar duas testemunhas especializadas, nomeadamente o superintendente Lamont, chefe da brigada antidroga da Scotland Yard…
Booth Watson tomou uma segunda nota: «Porque não o Warwick?»
— … e a doutora Ruth Lewis, eminente membro do Conselho Consultivo sobre o Abuso de Drogas. — Com ar sério, Sir Julian virou-se para o júri e disse finalmente: — Senhores jurados, a Coroa está confiante de que, depois de ouvirem todos os depoimentos relativos a este caso, irão perceber que só há um veredito possível, nomeadamente que o arguido Miles Faulkner é culpado de ambos os crimes.
Faulkner olhou mais atentamente para o júri enquanto Sir Julian voltava a sentar-se. Estavam todos a olhar para o representante da Coroa e, se lhes tivessem pedido para dar o veredito naquele momento, a expressão nos seus rostos sugeria que Faulkner teria sido enforcado e esquartejado antes de amanhecer. Booth Watson avisara-o de que o pior momento de um julgamento para qualquer arguido era imediatamente a seguir às alegações iniciais da acusação.
— Obrigado, Sir Julian — disse o juiz Baverstock. — Talvez fosse boa altura para fazer uma curta pausa, após o que poderá chamar a sua primeira testemunha.
A seguir, levantou-se, fez uma vénia e saiu da sala.
— Onde está o Heath? — quis saber Sir Julian, antes mesmo de ter voltado a sentar-se.
— Sob proteção policial, numa cela no rés do chão — disse Grace. — Vou lá abaixo avisá-lo de que será chamado dentro de pouco tempo.
— E a namorada?
— Assim que ele subir ao banco das testemunhas, levam-na de carro para o aeroporto. E há outro carro à espera para levar o Heath ao encontro dela logo que acabar de testemunhar.
— Creio que o caso é capaz de ficar encerrado ainda hoje — disse Sir Julian. — Assim que o Heath tiver relatado os pormenores do que aconteceu em casa do Faulkner naquela noite, desconfio que o Booth Watson fará o que puder para conseguir uma sentença negociada em nome do cliente.
— E qual vai ser a sua resposta? — perguntou Grace.
— A minha assistente já preparou uma declaração bastante firme que repetirei palavra por palavra.
— Bem, aquilo foi letal — disse Faulkner, inclinando-se no banco dos acusados para falar com o seu advogado. — Sir Julian Warwick parecia estar em pulgas para chamar o Heath a depor.
— Mas eu também estou — replicou Booth Watson. — Ele é um indivíduo pouco recomendável e tenciono desmontar as suas afirmações, uma por uma. Estou confiante de que consigo safá-lo da acusação mais grave de fornecimento, embora a posse continue a ser um problema.
— Foi a polícia que pôs lá o produto, como vingança do seu fracasso abjeto no caso do Rembrandt desaparecido — disse Faulkner.
— Eu não vou mencionar o caso Rembrandt — disse Booth Watson. — Isso só serviria para a acusação informar o júri de que você está a cumprir uma pena suspensa de quatro anos por fraude. A Coroa não pode mencionar quaisquer condenações anteriores, a menos que sejamos nós os primeiros a tocar no assunto. No entanto, três das pessoas que convidou para o jantar estão dispostas a afirmar sob juramento que ninguém lhes ofereceu um charro que fosse, e uma quarta irá dizer que nunca o viu a tomar alguma droga desde que o conhece.
— Então, é porque não me conhece há muito tempo — disse Faulkner.
— Pode chamar a sua primeira testemunha, Sir Julian — disse o juiz Baverstock, depois de ter regressado da curta pausa.
— Obrigado, Meritíssimo. Chamo o senhor Adrian Heath.
Booth Watson observou com interesse a testemunha principal da acusação que entrava na sala. Estava elegantemente vestido, parecendo mais um jovem bem-sucedido da City do que um toxicodependente recuperado. Heath brindou William com um sorriso nervoso enquanto se dirigia para o banco das testemunhas, mas nem sequer olhou para Faulkner ao passar pelo banco dos acusados. Prestou juramento com confiança suficiente para lembrar Booth Watson de que não era a primeira vez que estava numa sala de audiências.
Sir Julian saudou-o com um sorriso caloroso.
— Senhor Heath, queira fazer o favor de dizer o seu nome completo e a morada atual, para que conste.
— Adrian Charles Heath, Ladbroke Grove, 23, Londres W10.
Booth Watson desconfiou que fosse a morada da mãe.
— Senhor Heath, pode confirmar que, no passado, foi toxicodependente?
— No passado, sim, Sir Julian, mas agora, graças ao apoio de uma jovem muito especial que ficou ao meu lado durante a desintoxicação, tudo isso ficou para trás e estamos a planear casar num futuro próximo.
— Tenho a certeza de que todos lhe desejamos as maiores felicidades — retorquiu Sir Julian, virando-se e sorrindo para Booth Watson, que não demonstrava qualquer sinal de alegria. — Bem, talvez nem todos — acrescentou, arrancando um sorriso a um ou dois jurados.
Sir Julian sabia que tinha de fazer a pergunta seguinte, para que Booth Watson não apresentasse o assunto de surpresa durante o contrainterrogatório.
— E é verdade que foi traficante durante um breve período de tempo, senhor Heath?
— Durante um muito breve período de tempo e só quando fiquei desesperado por dinheiro para alimentar o meu vício.
— E, felizmente, também isso são águas passadas.
— Sim, senhor, posso assegurar-lhe que não tenho qualquer contacto com drogas há mais de seis meses e que nunca mais voltarei a esse modo de vida.
— Isso é muito louvável, senhor Heath. E agora sente que o seu dever de cidadão é dar o seu testemunho em relação ao que aconteceu na última transação em que esteve envolvido. — Heath acenou afirmativamente e baixou a cabeça, enquanto Booth Watson tomava outra nota. — Na noite de dezassete de maio deste ano, é verdade que foi de carro até Limpton Hall, no Hampshire, para se encontrar com o acusado, o senhor Miles Faulkner?
— Sim, é verdade.
— Vê-o aqui hoje nesta sala?
— Sim, vejo. — Heath apontou para o homem sentado no banco dos acusados e depois desviou rapidamente o olhar.
— A que horas foi o encontro com o arguido?
— Às sete.
— E chegou a horas?
— Posso ter-me atrasado alguns minutos, mas o mordomo levou-me de imediato ao escritório do senhor Faulkner, onde ele estava à minha espera.
— E pareceu-lhe ansioso por fechar negócio?
— A porta ainda não se tinha fechado quando ele me perguntou se eu tinha conseguido arranjar a mercadoria. Eu disse-lhe que sim e entreguei-lhe uma embalagem para ele inspecionar.
— Isso é uma prática habitual nessas transações?
— Sim, senhor. Ele queria ter a certeza de que o produto era da melhor qualidade. Por isso, insistiu em experimentá-lo.
— E fê-lo?
— Sim, provou uma pequena quantidade do produto e pareceu bastante satisfeito.
— A sério? O que aconteceu a seguir?
— Pagou-me as oitocentas libras em dinheiro que tínhamos acordado, agradeceu-me e disse que esperava voltar a fazer negócio comigo.
— E depois disso?
— Pediu-me que acompanhasse o mordomo ao piso inferior, onde entreguei a mercadoria ao seu chef.
Sir Julian parou por um instante.
— Ao seu chef? — repetiu.
— Sim. O senhor Faulkner disse-me que ele já tinha instruções para dispor dez porções numa bandeja de prata, para ele e para os convidados.
— O chef pareceu surpreendido?
— Não, senhor, mas presumo que não fosse a primeira vez que lidava com a Fortnum & Mason.
Sir Julian olhou para as suas perguntas, mas não havia qualquer menção à Fortnum & Mason nas suas notas. Olhou de relance para Grace, que parecia tão surpreendida quanto ele.
— Está a dizer a este tribunal que foi buscar uma remessa da cocaína mais pura à Fortnum & Mason?
— Não, senhor. A mercadoria que fui buscar à Fortnum naquela manhã, a pedido do senhor Faulkner, foi uma dúzia de frascos do melhor caviar Royal Beluga.
Algumas pessoas presentes na sala de audiências começaram a rir, enquanto outras pareciam simplesmente perplexas. O juiz franziu o sobrolho, fulminando a testemunha com o olhar.
Sir Julian fez uma pausa relativamente longa antes de perguntar:
— Está a dizer ao tribunal que não forneceu qualquer droga ao senhor Faulkner nessa ocasião?
— Nem nessa ocasião nem em qualquer outra, já agora — respondeu Heath. — Na verdade, foi a primeira vez que estive com ele.
Grace passou ao pai uma nota escrita à pressa.
— Posso perguntar-lhe o que tem feito nos últimos seis meses, senhor Heath?
— Tenho estado numa casa segura, em Lincoln, a ajudar a polícia nas suas investigações, pelo que me irão pagar dez mil libras.
Os jornalistas pareceram encantados com esta nova informação e as suas canetas começaram a escrever ainda com maior entusiasmo. A cacofonia das conversas em surdina que eclodiu na sala de audiências deu algum tempo a Sir Julian para pensar na sua próxima pergunta.
— Então, o que tinha para oferecer à polícia que valesse dez mil libras?
— Dei-lhes o nome do Tulip.
— Tulip?
— Terry Holland. É um grande traficante em Londres. Ganha cerca de cem mil libras por ano. E também lhes dei o nome de dezasseis dos seus melhores clientes. Em troca, prometeram-me dez mil libras e um salvo-conduto para o estrangeiro, para mim e para a minha namorada.
Os jornalistas não paravam de escrever.
— E o senhor Faulkner era um desses clientes? — perguntou Sir Julian, tentando recompor-se.
— Não, não era — disse Heath com firmeza.
Grace entregou outra nota ao pai.
— Tem a noção de que está sob juramento, senhor Heath?
— Com certeza. Ainda esta manhã, a sua filha me visitou na cela e me falou sobre a importância de eu dizer a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade, caso contrário poderia ser preso por cometer perjúrio. Se duvida da minha palavra, Sir Julian, tenho a certeza de que o senhor Faulkner poderá confirmar o meu testemunho, assim como o seu mordomo e o seu chef.
Faulkner meneou a cabeça afirmativamente e, desta vez, viu que vários jurados estavam agora a olhar para ele. Sir Julian recordou as palavras do filho quando tinham falado sobre Heath pouco depois de ele ter sido expulso da escola. Um dos rapazes mais inteligentes da turma, mas no qual não se podia confiar. Teve de aceitar que Heath teria resposta para todas as perguntas improvisadas que lhe poderia fazer, uma vez que andava obviamente a ensaiar isso há algum tempo.
— Não tenho mais perguntas, Meritíssimo — disse Sir Julian, e deixou-se cair no seu lugar.
O juiz Baverstock centrou a sua atenção no advogado de defesa.
— Deseja contrainterrogar esta testemunha, doutor Booth Watson?
— Não, obrigado, Meritíssimo. Dou-me por satisfeito com o testemunho do senhor Heath.
— Aposto que sim — disse William do fundo da sala em voz demasiado alta, e, embora Hawk franzisse o sobrolho, não podia deixar de concordar.
— Senhor Heath, é livre de deixar este tribunal — disse o juiz com relutância.
— Obrigado, Meritíssimo — disse Adrian, saindo do banco das testemunhas e dirigindo-se para a saída mais próxima.
O juiz levantou-se e disse:
— A sessão fica suspensa até às duas horas. No entanto, quero ver ambos os advogados nos meus aposentos.
Os dois advogados fizeram uma pequena vénia, cientes de que não era propriamente um pedido.
— Warwick — disse Lamont, de olhos postos em Faulkner, que estava a sair do banco dos acusados. — Preciso de saber para onde vai o Heath. E você, Paul, vai seguir o Faulkner. Não percam de vista nenhum dos dois.
— Desconfio que vão ambos na mesma direção — insinuou Hawk.
William teve de furar por entre a multidão alvoroçada que se dirigia para a porta, ao mesmo tempo que tentava manter Heath debaixo de olho. Quando por fim conseguiu sair da sala, correu para a ampla escadaria e só parou quando chegou à rua, olhando em todas as direções até avistar finalmente uma figura familiar a entrar para o banco de trás de um Bentley.
— Bolas! — exclamou.
Começou inutilmente à procura de um táxi e voltou a olhar para o carro estacionado, que não saíra do sítio. Para sua surpresa, uma mota travou a fundo junto a si.
— Salte para aqui, inspetor — disse Paul, entregando-lhe um capacete.
— Prazer em revê-lo — cumprimentou-o Faulkner, quando Heath se juntou a ele no banco de trás do carro.
— Esperemos que seja pela última vez — disse Heath, dando-lhe um aperto de mão. — Porque não quero ser arrastado de volta ao banco das testemunhas e ter de explicar como é que a droga acabou na sua estátua, se não lha vendi.
— Não terá de voltar — disse Faulkner. — Isso é a última coisa de que preciso. — Entregou a Heath dois bilhetes de primeira classe para o Rio de Janeiro, um passaporte novo e uma pequena pasta. — Amanhã por esta hora, você e a sua namorada estarão do outro lado do mundo, deixando a acusação sem outra alternativa que não seja desistir do caso, e a minha mulher também não terá outro remédio senão assinar os papéis do divórcio.
— Graças ao nosso amigo mútuo do West Ham — disse Heath, abrindo a pasta e olhando para as vinte mil libras em maços muito bem embrulhados em celofane. — Não há dúvida de que cumpriu a sua parte do acordo — acrescentou. — O dobro do que a bófia estava disposta a pagar-me.
— Vale bem cada penny — disse Faulkner —, se me livrar da cadeia e impedir a Christina de me causar mais problemas. Mas não posso dar-me ao luxo de perder mais tempo. Tenho de estar na sala de audiências às duas horas, senão há de custar-me um milhão de libras. Vinte mil é uma coisa, um milhão é outra bem diferente.
— Entendido — disse Heath, enquanto trocavam um segundo aperto de mão. — Boa sorte.
— Graças a si, não creio que precise dela. Eddie, leve o meu amigo a Heathrow, porque não quero que ele perca o seu voo.
— Posso oferecer-lhe uma bebida forte, Julian?
— É um bocadinho cedo para mim, Meritíssimo, mas sim, pode ser um uísque duplo — disse Sir Julian, ao mesmo tempo que Booth Watson entrava na sala.
— O mesmo para si, BW?
— Não, obrigado, Meritíssimo — disse ele, tirando a peruca. — Ainda estou a tentar recuperar do que acabou de acontecer ali.
— Não vai fingir que foi uma surpresa, pois não? — disse Sir Julian, incapaz de esconder o sarcasmo na sua voz.
— Fiquei tão chocado como você — admitiu Booth Watson. — Já se esqueceu de que ainda na semana passada liguei para o seu escritório a perguntar se consideraria a possibilidade de negociar a sentença, coisa que o colega recusou de forma bastante eloquente, se bem me lembro?
— Talvez possa reconsiderar… — começou Sir Julian.
— Agora, é um bocadinho tarde para isso — interrompeu-o Booth Watson. — Desconfio que não tem outro remédio senão desmontar a tenda, subir para o seu camelo e levar a caravana até um novo bebedouro.
— Tenho de receber instruções dos meus chefes na procuradoria — disse Sir Julian, tentando ganhar tempo. — Mas receio bem que eles concordem consigo e recomendem retirar todas as acusações.
— E você, BW, o que vai fazer? — perguntou o juiz.
— Tal como o Julian, tenho de receber instruções do meu chefe.