23
Christina engatou-o no Tramp, deu-lhe de comer, encheu-o de champanhe e depois levou-o para o seu apartamento, na Eaton Square. Sabia que devia ser ao contrário, mas já não tinha vinte e dois ou trinta e dois anos… Em breve, faria quarenta e dois. Quando acordou na manhã seguinte, ficou surpreendida ao descobrir que Justin continuava lá, parecendo tão apetecível como na noite anterior. Abençoado.
Saiu debaixo das mantas e foi à casa de banho, onde tentou tirar alguns anos de cima com a ajuda de alguma maquilhagem e um cheirinho de perfume, antes de voltar para a cama e fingir que tinha acabado de acordar. Começou a afagar-lhe a face interior da perna, excitando-o devagarinho até ele já não conseguir controlar-se. Depois de terem feito amor pela terceira vez — ou seria a quarta? —, tomaram um longo banho e um pequeno-almoço ainda mais longo, durante o qual ela descobriu que Justin não tinha emprego. Mas para quê dar-se a esse trabalho quando era tão bem-parecido?
Christina começou a pensar se poderia mantê-lo até se mudar para a Florida. Quando ele ia a sair, perguntou se ela podia emprestar-lhe cinco libras para um táxi. Christina deu-lhe dez e combinaram encontrar-se para jantar nessa noite. Ela olhou para o relógio, ciente de que teria de se despachar se quisesse chegar a Limpton Hall às onze horas, altura em que iria supervisionar o carregamento dos quadros efetuado pela Christie’s.
Quando saiu do apartamento, o motorista cumprimentou-a e abriu-lhe a porta de trás do Bentley. Eddie sentou-se ao volante e partiram para o Hampshire.
Assim que os quadros fossem recolhidos pela Christie’s, Christina tencionava pedir à Partridge’s, na Bond Street, que avaliasse o mobiliário, uma vez que não queria levar nada para a Florida que lhe lembrasse Miles. Por um momento, quase sentiu pena dele. Mas apenas por um momento. Dez anos era mais do que estava à espera, mas não mais do que pedira nas suas orações.
Passada uma hora, quando estavam a atravessar a aldeia de Limpton, os seus pensamentos voltaram a Justin e ao sítio onde iria levá-lo a jantar, quando foram ultrapassados por um carro da polícia. O Annabel’s era a escolha óbvia. Não havia grandes hipóteses de ele engatar aí outra mulher. Já estariam por conta de alguém ou fora da liga financeira de Justin. E nessa altura Christina percebeu que ele não lhe tinha dado o número de telefone e que desconhecia o seu apelido.
Eddie virou à esquerda, saindo da estrada principal, e seguiu por um caminho que levava a uma única casa: Limpton Hall. Foi quando ela viu o fumo pela primeira vez. Não havia ninguém de serviço quando passaram pela casa da guarda. Ela tinha despedido o segurança, o mordomo, o cozinheiro e o jardineiro há já algum tempo, conservando apenas uma governanta e o motorista para cuidarem dela nas poucas ocasiões em que precisava de visitar a sua casa de campo.
Muito antes de terem chegado ao fim do caminho de acesso, Christina começou a gritar histericamente. Chamas de um laranja intenso erguiam-se no ar por entre nuvens de fumo densas e negras. Era óbvio que as três viaturas de combate a incêndios que tinham acorrido estavam a travar uma batalha perdida.
Quatro horas depois, apesar dos corajosos esforços dos bombeiros, a única coisa que restava de Limpton Hall era um monte de escombros e cinzas fumegantes, enquanto uma grande nuvem negra obscurecia o sol matinal. Christina nem tinha reparado que Eddie não parecera surpreendido.
— Estás a deixar crescer a barba, homem das cavernas? — perguntou Beth depois do jantar nessa noite, inclinando-se sobre a mesa da cozinha e afagando-lhe a barba por fazer.
— Depende de quanto durar a minha atual missão.
— Espero que não demore muito mais tempo — disse ela, levantando-se para encher a máquina de lavar louça enquanto ele levantava a mesa. — O que planeámos para esta noite? Presumindo que não te chamam de repente para salvar o mundo?
— Tinha esperança de que uma bonita donzela me afagasse a testa enquanto eu visse o Match of the Day.
— Pensa melhor, homem das cavernas. Já escolhi um filme que tenho a certeza de que irá satisfazer os teus gostos pouco sofisticados.
— Muitas mulheres sexy?
— Não, mas os homens são deslumbrantes — disse ela, fechando a máquina e começando a pôr a mesa para o pequeno-almoço.
— Nem sei se me atreva a perguntar.
— Os Canhões de Navarone, com o David Niven e o Gregory Peck — disse Beth, enquanto iam até à sala.
— Eu preferia ver o Kerry Dixon a marcar o golo da vitória contra o Arsenal.
— Nesse caso, estás com azar. Mas, antes que o David Niven me afague a testa, tenho uma coisa mais séria para falar contigo.
— Isso não augura nada de bom.
— Vai haver uma nomeação importante no Fitzmolean.
— E vais candidatar-te?
— Não, não tenho qualificações para a função. Mas tu tens — disse Beth, sentando-se suavemente no sofá e dando-lhe a mão.
— Esclarece-me lá, como diria o Hawk.
— O Fitz está à procura de um novo chefe de segurança.
— Que emocionante! — disse William, reprimindo um bocejo.
— O que tem de emocionante é que o horário é das nove às cinco, cinco dias por semana, com três semanas de férias por ano. E o argumento decisivo é que o salário é melhor do que o que recebes como inspetor na Polícia Metropolitana.
— A mim, parece-me um trabalho para um agente reformado que queira complementar a sua pensão.
— Já sabia que ias dizer isso. Mas, pelo menos, promete que vais pensar no assunto.
— Já pensei. E agora, já podemos ver o filme?
— Ainda não, porque tenho outra notícia que não é tão agradável.
— Ias ser minha chefe?
— Já sou. Para com as brincadeiras por um instante — disse ela, sem lhe largar a mão. — A Christina telefonou ao fim da tarde, antes de teres chegado. Parecia estar em péssimo estado. Disse que precisava de falar comigo com urgência. O meu primeiro pensamento foi que devia ter mudado de ideias em relação a dar-nos o Vermeer.
— Não teria sido o meu — replicou William. — Mas tu sempre foste daquelas pessoas que vê o copo meio vazio.
— Mas a inauguração oficial é na semana que vem, caso te tenhas esquecido.
— Aposto que ela está simplesmente a reagir de forma exagerada a alguma coisa que o ex-marido fez — disse William, ligando a televisão. — Mas o que poderá ele tramar, estando fechado na prisão?
— Não sei, mas ela parecia desesperada — disse Beth, ao mesmo tempo que os créditos iniciais começavam a passar no ecrã. — E eu não saberia o que fazer se ela…
— Chiu! — disse William enquanto ela se aninhava nos seus braços. — Isto parece muito promissor.
Beth estava a começar a gostar da companhia de David Niven e Gregory Peck, mesmo que William tivesse adormecido, quando, para sua surpresa, ele se sentou de repente de um salto e exclamou:
— Porque é que não pensei nisso?
— Pensaste no quê? — perguntou Beth.
— Como entrar num prédio sem ser visto.
Tinham combinado encontrar-se no Fitzmolean às nove da manhã seguinte, o que só deixou Beth mais apreensiva. Nove horas não era uma altura do dia que ela associasse normalmente a Christina. Também não ajudou o facto de Christina desatar a chorar assim que viu um quadro envolto num pano de veludo pendurado no átrio. Entre soluços, começou a contar a Beth porque precisava de a ver com tanta urgência. Beth começou a pensar se teria visto A Rendeira pela última vez.
— Ele fez o quê? — disse ela, sem conseguir acreditar no que Christina lhe contava.
— O Miles deitou fogo à casa e roubou-me os quadros.
— Mas ele está na prisão!
— Rodeado por alguns dos maiores criminosos do país, que terão tido todo o gosto em prestar-lhe o serviço em troca do preço certo.
— Bem, pelo menos resta-lhe a consolação de o seguro cobrir os prejuízos — disse Beth.
— Não, não cobre.
— Porquê?
— Porque o Miles deixou caducar o seguro de propósito.
— Mas a companhia de seguros não a avisou de que a apólice estava prestes a expirar?
— Sim, mas como eu já tinha uma oferta de cinco milhões por Limpton Hall, e o comprador já tinha depositado um sinal de meio milhão, presumi que a venda seria concluída rapidamente. Mas é claro que o comprador já retirou a oferta e quer o sinal de volta.
— Pois, é compreensível — disse Beth, enquanto tentava pensar nas consequências. — Mas porque é que não ressegurou pelo menos os quadros?
— Porque assim que estivessem em poder da Christie’s estariam cobertos pela apólice global da empresa. Já assinei um contrato com eles e os quadros deviam ser recolhidos na segunda-feira, portanto nem pensei nisso. Mas é óbvio que o Miles pensou.
— Mas, se ele arranjou alguém para deitar fogo à casa, de certeza que haverá uma investigação policial, tendo em conta quem está envolvido.
— É pouco provável — disse Christina. — Nenhuma companhia de seguros teve de pagar pelos danos e o relatório do comandante dos bombeiros diz que não encontrou nenhum motivo para suspeitar de fogo posto. Uma casa antiga com uma instalação elétrica defeituosa e sem ninguém lá dentro na altura.
— Mas que pesadelo! — disse Beth.
— Todo ele imaginado pelo Miles. E não é tudo. Eu dei um sinal pela minha casa de sonho na Florida e, se não concluir a compra em menos de três semanas… — Christina desatou a chorar. — E não ajuda eu saber que ele roubou os quadros e escapou impune.
— Mas disse-me que o Miles tinha informado a Christie’s de que iria licitá-los se eles fossem a leilão.
— Só porque sabia que nunca teria de o fazer. Tal como o sinal pela casa, fez tudo parte de um estratagema complexo. E eu caí nele.
— Nesse caso, temos de encontrar os quadros e certificar-nos de que ele não escapa impune.
— É demasiado tarde para isso. Por esta altura, já devem estar do outro lado do mundo.
— Desculpe perguntar — disse Beth —, mas isso quer dizer que a galeria vai ter de devolver o Vermeer?
— Não tenho outra opção — disse Christina. — Caso contrário, perco o sinal que dei pela casa na Florida e fico completamente lisa. — Fez uma pausa. — Que é claramente o que o Miles sempre planeou.
Beth não falou durante algum tempo e, por fim, disse:
— A menos que o William consiga provar que o Miles retirou os quadros antes de ter deitado fogo à casa.
— Por acaso, tem alguns contactos no SAS, comandante?
— Está a pensar em alistar-se, William? — perguntou Hawksby, olhando para cima de trás da secretária.
— De momento, não.
— Nesse caso, para que precisa de saber?
— Sou capaz de ter arranjado uma forma de entrar no matadouro do Rashidi sem ter de usar as escadas ou o elevador.
— Quando cumpri o serviço militar — disse Hawk —, o meu comandante era um tal major Jock Stewart, que tinha jogado râguebi pelo exército e praticado boxe pelo regimento. Mas os seus feitos como jovem tenente no SAS durante a Segunda Guerra Mundial são material de ficção. Um cruzamento entre o Biggles e o Richard Hannay.
— Parece o homem ideal — disse William. — Como é que entro em contacto com ele?
— Não entramos em contacto com o SAS; eles é que entram em contacto connosco e, mesmo assim, só quando planeiam matar-nos.
— Muito engraçado. E se eu não quiser ser morto?
— O Stewart acabou como coronel nos Coldstream Guards. Por isso, o ajudante do regimento deve saber como contactá-lo. Mas atenção! Se ele rosnar, pode começar à procura de um sítio para se esconder.