SANÇÕES CONTRA O IRAQUE
Número de mortos: 350 mil1
Posição na lista: 94
Tipo: impasse internacional
Linha divisória ampla: Iraque versus o mundo
Época: 1990-2003
Localização: Iraque
Principais Estados participantes: Iraque e Estados Unidos
Principal não Estado participante: Nações Unidas
Quem geralmente leva a maior culpa: os Estados Unidos e Saddam Hussein
Fator econômico: o petróleo
A Guerra do Golfo
Fracassado na sua tentativa de se expandir para o Irã, Saddam Hussein deu meia-volta e conquistou o Kuwait em agosto de 1990. Quase imediatamente, as Nações Unidas impuseram sanções comerciais ao país, enquanto os Estados Unidos despachavam tropas para a região via aérea e emitiam um ultimato. Saddam teria de abandonar o Kuwait até o dia 15 de janeiro de 1991 ou, então, sofrer as consequências. Ao se aproximar a data fatal, os pacifistas pediram aos Estados Unidos para darem mais tempo para que as sanções fizessem efeito, mas o presidente George Bush, o mais velho, não estava disposto a esperar. Quando o dia aprazado passou, a coalizão liderada pelos americanos desencadeou uma série de ataques aéreos e, dois meses mais tarde, um ataque terrestre.
A guerra desenrolou-se exatamente como planejada, e os iraquianos foram rapidamente empurrados de volta para o seu próprio país. As tropas da coalizão pararam exatamente na fronteira, sem invadir o Iraque e depor Saddam, porque ninguém queria passar longos e sangrentos anos ocupando um país hostil.
A Guerra do Golfo matou talvez 25 mil soldados iraquianos e uns poucos milhares de civis, o que não é bastante para que figure na minha lista.2 A infraestrutura industrial do Iraque sofrera um grande baque com os ataques aéreos, mas não era nada que uma economia sadia não pudesse consertar. O país nunca teve essa chance.
Volta a paz
Sob os termos do cessar-fogo de 1991, as sanções econômicas continuariam até que Saddam desmontasse sua capacidade de ameaçar os países vizinhos. Saddam deveria se render ou destruir todas as instalações para a produção e distribuição de armas de destruição em massa. Teria de fechar os laboratórios que produziam armas químicas e entregar seus mísseis terra a terra. Naturalmente, como um ditador ávido de guerra, Saddam prolongou a coisa o mais possível, alimentando o medo e o respeito que as grandes armas dão a um país pequeno.
O bloqueio foi levado a efeito por navios de guerra da coalizão em patrulha no golfo Pérsico, que inspecionavam toda carga destinada ao Iraque.3 Nesse ínterim, sem as exportações de petróleo, a economia do país entrou em colapso. A educação tornou-se esporádica. A medicina, uma coisa rara. As pessoas morriam nos hospitais pela escassez de suprimentos médicos comuns. Sem emprego, os profissionais, como advogados e arquitetos, passaram a dirigir táxis. O desemprego maciço destruiu o padrão de vida. O Iraque já estivera entre os países árabes mais ricos e mais cosmopolistas, mas agora se tornara o mais esfrangalhado e marginalizado.4
Em agosto de 1991, quando se tornou óbvio que as sanções estavam devastando a vida do povo do Iraque, as Nações Unidas ofereceram deixar o país exportar petróleo em troca de um crédito que só poderia ser usado para comprar alimentos, remédios e outras necessidades de caráter civil. Saddam recusou concordar com essas condições até 1995. Pessoalmente ele não passava fome, e a escassez de itens essenciais lhe dava uma ferramenta útil para controlar seu povo e recompensar seus companheiros.5
Como acontece em todas as crises de fome, até mesmo calamidades artificiais como aquela, os poderosos continuavam a viver com bastante conforto. Enquanto seu povo sofria, Saddam não sacrificava qualquer parcela de seu conforto. Gastou centenas de milhões de dólares “em palácios, construindo cerca de uma dúzia desde o início das sanções… Inaugurou uma nova vila de férias, com parque de diversões, estádios e uma estátua de bronze de si mesmo. A polícia do ditador ganhou radiopatrulhas Hyundai novas em folha, e os sinais de trânsito ganharam retratos do presidente, muito bem iluminados, também novos em folha”.6
Ele ganhava tempo e mudava seu contrabando de lugar sempre um passo à frente dos inspetores de armas da ONU, como no jogo de três cartas chamado Monte. Finalmente, expulsou os inspetores em 1998. Os americanos então lançaram ataques aéreos, que demoliram as últimas instalações de armas de destruição em massa. Ninguém fora do Iraque sabia que a ameaça já terminara na realidade, e Saddam não estava disposto a admitir a sua impotência para o mundo em geral, de modo que as sanções não foram levantadas. O impasse persistiu até que Saddam foi deposto pela invasão americana em 2003.
Análise
Como acontece com muitas mortes devido a privações, não podemos apontar facilmente para indivíduos e dizer: ele morreu, ela morreu, ele morreu e assim por diante. Não é a mesma coisa que mortes em batalhas, onde você simplesmente conta os cadáveres espalhados pelo terreno. Em vez disso, o que se vê é um aumento da taxa de mortalidade usual, e só podemos dizer é que algumas dessas pessoas teriam morrido, de qualquer maneira, mas algumas não. É uma questão estatística.
Ao longo dos anos, o governo iraquiano publicou uma série de contagens de mortes para enfatizar o sofrimento do povo, indo de 700 mil,7 passando por 1 milhão8 e chegando a 1,5 milhão.9 Cada novo anúncio era cuidadosamente repetido para as agências de notícias internacionais, mas não há razão para se acreditar nessas estatísticas. Podemos ser educados e mostrar que esses números altos “são baseados em estatísticas de base falhas de mortalidade infantil da época pré-guerra no Iraque”,10 ou podemos, grosseiramente, sugerir que burocratas na folha de pagamentos de um ditador inventaram aqueles números. Diversas estimativas por observadores externos apontam para números baixos, como 110 mil,11 e no máximo 500 mil.12
As sanções são uma forma tentadora de coerção não violenta, mas, na prática, significam colocar todo o país sob sítio e levá-lo à submissão pela inanição, e o processo não é nunca tão limpo como seus proponentes sugerem. No final da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha estava perdendo mais civis por inanição do que soldados em batalha. Segundo algumas estatísticas, o número de civis japoneses que morreram por causa da escassez devido à guerra e ao bloqueio americano em 1945 superou em muito o número de mortos por causa das bombas atômicas.
As sanções não são realmente um substituto para a guerra; elas são apenas a guerra travada por outros meios.