MENGISTU HAILE
Número de mortos: 2 milhões1
Posição na lista: 37
Tipo: guerra civil étnica, regime comunista
Linha divisória ampla: Etiópia versus suas minorias
Época: 1974-91
Localização e principal Estado participante: Etiópia
Estados participantes secundários: Somália, Cuba
Estados com participação quântica: Eritreia, Tigre
Principais não Estados participantes: Frente de Libertação Afar, Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope, Frente de Libertação da Eritreia, Frente de Libertação do Povo da Eritreia, Partido Revolucionário do Povo Etíope, Frente de Libertação Oromo, Frente de Libertação Somali Abo.
Quem geralmente leva a maior culpa: Mengistu Haile Mariam
Outra praga: a guerra civil africana
Depois da Segunda Guerra Mundial, a colônia italiana da Eritreia, ao longo do litoral do mar Vermelho, foi anexada à Etiópia, tanto para a Etiópia ganhar uma saída para o mar como compensação por todos os problemas que a Itália causara aos etíopes. Como os habitantes da Eritreia não têm nada a ver com os etíopes, a união deveria ter a forma de uma federação de laços frouxos, com uma grande autonomia por parte da Eritreia, mas os etíopes ficaram ambiciosos e começaram a governar a nova província como se o território lhes pertencesse.
Quando o imperador Haile Selassie (ver “A guerra ítalo-etíope”) anexou unilateralmente a Eritreia à Etiópia, em 1962, a população local se rebelou. Durante os trinta anos seguintes, o litoral etíope foi uma zona de guerra. Compondo o estado de guerra crônico, ocorreu uma crise de fome por toda a Etiópia em 1973-74, matando de 100 mil a 200 mil pessoas na província setentrional de Tigre, enquanto o país mergulhava ainda mais no caos.
O terror vermelho
Em setembro de 1974, uma conspiração de oficiais do exército que se intitulavam Derg (o “Comitê”) assumiu o poder na capital, Adis Abeba, e aprisionou o imperador Haile Selassie. O primeiro líder do governo provisório, general Aman Andom, era eritreu, gozando de pouca confiança geral, e assim foi assassinado dentro de poucos meses. Seu substituto, Teferi Benti, declarou a Etiópia um país socialista.
Depois de um ano de prisão domiciliar, Haile Selassie foi estrangulado na sua cama e enterrado debaixo de uma privada no palácio. Além disso, 57 altos ex-funcionários do governo, inclusive dois ex-primeiros-ministros e 17 generais, foram executados sem julgamento no primeiro ano do governo Derg. Ao todo, cerca de 10 mil suspeitos, oponentes do novo regime, foram mortos nos primeiros expurgos.
Em 1977, durante uma reunião do gabinete, o vice-presidente, tenente-coronel Mengistu Haile Mariam, e seus asseclas pediram licença para sair da sala, em silêncio. Um momento mais tarde, Mengistu irrompeu no local com alguns homens armados e começou a fuzilar todos ali presentes. A coisa se transformou em um tiroteio pelos corredores do palácio, no qual Benti e seus auxiliares foram mortos.2
Mengistu continuou então o expurgo das facções de marxistas rivais. No discurso de maio de 1977, ele declarou o Partido Revolucionário do Povo Etíope uma organização ilegal: “Morte aos rebeldes! Morte ao EPRP!” Multidões açuladas pelo governo e trabalhadores das fábricas foram organizados para ir de porta em porta, arrastando suspeitos para fora das casas, para serem fuzilados ou estrangulados com arame. Durante o Terror Vermelho, cadáveres foram atirados nas sarjetas com cartazes amarrados ao pescoço: “Isso é o que acontecerá a você, se apoiar o EPRP.” No decurso de seu reinado, Mengistu fez com que fossem mortos a sangue-frio cerca de 80 mil inimigos políticos e prisioneiros.3
Guerra e mais guerra
Durante a maior parte da história moderna, a Etiópia parece, a qualquer momento, ter sempre algumas guerras acontecendo. Algumas são guerras civis; outras são guerras de fronteiras. Durante a era do governo Derg, as guerras foram travadas nas duas extremidades do país. Além da guerra da Eritreia, os somalis na área leste do deserto de Ogaden se revoltaram, e comunistas linha-dura se rebelaram no rio Tigre. No total, essas guerras mataram 400 mil a 600 mil pessoas por um meio ou outro.4
Os somalis constituem uma das mais distintas e numerosas etnias de toda a África, mas durante a era colonial o povo foi dividido em cinco jurisdições diferentes (por isso a estrela de cinco pontas que domina a bandeira do país). A independência reuniu três desses grupos: Somalilândia italiana, Somalilândia britânica, mais o canto norte do Quênia. Isso deixou o enclave francês no porto de Djibouti e o deserto de Ogaden da Etiópia como territórios somalis fora da Somália. Com a Etiópia perturbada por guerra civil, fome e lutas entre facções, o ditador da Somália, Mohamed Siad Barre, imaginou que aquele seria um bom momento para se apossar de alguma terra. Em julho de 1977, as tropas somalis cruzaram a fronteira com a Etiópia e ocuparam Ogaden, em apoio aos rebeldes somalis locais.
A guerra enviou ondas de choque por todo o mundo. Como o chamado Chifre da África podia ser usado para interromper o fluxo de petróleo do golfo Pérsico para o Canal de Suez, cada uma das superpotências queria bases militares instaladas nas vizinhanças. O Ocidente apoiara a monarquia de Haile Selassie, enquanto os soviéticos haviam cultivado a ditadura radical na Somália.
Agora, entretanto, com os comunistas no governo em Adis Abeba, os russos controlavam todo o Chifre, mas a Guerra de Ogaden colocava a União Soviética na constrangedora posição de apoiar ambos os lados, numa guerra entre aliados. Quando os soviéticos tentaram abortar a invasão cortando a ajuda à Somália, Siad Barre expulsou os assessores soviéticos e passou para o lado do Ocidente. Por volta de 1980, foi concedido aos americanos o uso das instalações aéreas e navais que os soviéticos haviam construído na capital somali, Mogadíscio.
Nesse ínterim, 24 mil soldados cubanos chegaram para lutar com o exército etíope. Militares cubanos lutaram “por procuração” dos soviéticos em diversas guerras civis na África. Para começar, os cubanos eram mais terceiro-mundistas, isto é, de pele mais escura, menos limpos, do que os russos, e muitos tinham descendência africana, de modo que apresentavam menos implicações coloniais desagradáveis. Outro ponto a considerar era que enviar diretamente tropas soviéticas elevaria os trunfos e ampliaria o conflito para uma guerra entre as grandes potências.
Com a ajuda cubana, os últimos invasores somalis foram expulsos da Etiópia em março de 1978.
Fome
Nem é preciso dizer que a conquista do poder pelos comunistas na Etiópia levou a outra crise de fome. Se aprendemos alguma coisa dos capítulos anteriores, foi que os regimes comunistas anteriores não aprenderam com seus predecessores. Assim que os comunistas começam a mexer com a agricultura, as pessoas passam fome. O governo de Mengistu coletivizou a agricultura com a tradicional brutalidade e teimosia comunistas usadas em toda parte, e a produção de alimentos desabou.
A coisa começou com a seca no vale do rio Tigre e na Eritreia, o que causou uma fome avassaladora em 1984-85. É claro, ninguém pode ter certeza, mas a fome matou qualquer coisa entre 0,5 milhão e 2 milhões de pessoas.5 Mengistu tentou ocultar a extensão da fome, o que não permitiu que auxílio externo fosse enviado à região.
A ideologia apenas não intensificou a fome. As guerras deslocaram milhares de refugiados, enquanto o ditador forçava centenas de milhares de camponeses a saírem das províncias do norte, assoladas pela guerra, na direção oeste, a fim de matar de fome os rebeldes. A coisa funcionou tão bem que matou de inanição tanto os rebeldes quanto os camponeses, propagando a crise de fome.
Finalmente, o Ocidente percebeu o que acontecia e começou a enviar alimentos. A reação mais visível foi o concerto Live Aid, que reuniu dezenas de bandas e levantou milhões em dinheiro vivo para aplacar a fome dos etíopes. Esse não foi o primeiro movimento internacional de ajuda baseado no rock-and-roll; o Concerto para Bangladesh, de George Harrison, é anterior, mas, de diversas formas, aquele foi o maior.
Quando os alimentos finalmente chegaram do mundo exterior, Mengistu tentou distribuí-los de acordo com a lealdade da população ao regime. A maioria das agências de ajuda humanitária ocidentais já havia visto esse truque antes, e não deixaram que isso se repetisse, mas o problema causou retardamento, conflitos e cancelamentos que uma população morrendo de fome não podia se dar ao luxo de suportar.
Queda
Quando a União Soviética começou a se afastar da ideologia comunista estrita, nos meados da década de 1980, o líder soviético, Mikhail Gorbachev, cortou a ajuda à Etiópia. Sem essa muleta, o regime de Mengistu começou a desmoronar. Em 1988, a maior parte da Eritreia já caíra nas mãos dos rebeldes. Logo em seguida foi a província de Tigre. Quando os grupos rebeldes convergiram sobre a capital, Adis Abeba, em maio de 1991, Mengistu fugiu de avião para o Zimbábue, onde continua até hoje, em confortável exílio.
No primeiro deslumbramento depois da vitória, todas as diversas facções se reuniram num governo provisório de ampla base, na capital, e realizaram eleições que foram quase honestas. Esse interlúdio democrático não demorou muito, e logo uma das facções assumiu o controle, mas pelo menos eles tentaram.
O novo regime encontrou o esqueleto do imperador Haile Selassie e lhe deu um enterro cristão apropriado.
Depois de um ano da derrota de Mengistu, um referendo patrocinado pela ONU finalmente ofereceu à Eritreia sua independência, uma oportunidade que a população toda aproveitou. Foi a primeira vez que um movimento de secessão realmente venceu na África pós-colonial, tornando a Eritreia a primeira nação africana de segunda geração.