O KAMPUCHEA DEMOCRÁTICO

Número de mortos: 1.670 mil

Posição na lista: 39

Tipo: regime comunista

Linha divisória ampla: Khmer Vermelho versus todo o mundo Época: 1975-79

Localização: Camboja, cujo nome oficial é Kampuchea Democrático

Quem geralmente leva a maior culpa: Pol Pot e o Khmer Vermelho

Outra praga: a república popular insana

Os campos da matança

A insurgência comunista no Camboja fora pouco mais que gangues de bandidos no interior, até que os bombardeios americanos e a invasão disseminaram a guerra do Vietnã para o outro lado da fronteira. Enquanto o Camboja se via engolfado em um conflito maior, a credibilidade e a estabilidade do governo em Phnom Penh começaram a periclitar. A capital finalmente foi conquistada pelo Khmer Vermelho no dia 17 de abril de 1975.

Quase que imediatamente, o Khmer Vermelho começou a arrebanhar a população da cidade, enviando-a para o interior. Diziam às pessoas que os americanos estavam indo bombardear Phnom Penh, de modo que elas precisavam se apressar. Deixem tudo para trás e vão para o interior o mais rápido possível. Qualquer um que desobedecesse era fuzilado, assim como qualquer um constante da lista de inimigos da classe. Por todo o país, as cidades foram abandonadas por centenas de milhares de pessoas que nunca mais veriam suas casas.

A população foi sendo empurrada de volta para as fazendas. Até certo ponto, essa era uma resposta puramente prática à escassez de alimentos que assolava as cidades depois de anos de guerra de guerrilhas, mas a ação também foi guiada pela ideologia. O Khmer Vermelho nem mesmo considerou dois meios mais simples, já testados pelo tempo, para levar alimentos para as cidades: ajuda externa e mercado livre.1

O Khmer Vermelho acreditava que a vida simples do mais humilde camponês cambojano era o único estilo de vida aceitável. Autossuficiente, satisfeito e dando duro no trabalho, o camponês sobrevivia há séculos, sem explorar o trabalho dos outros. Isso representava o ideal comunista. Livre da exploração capitalista, os camponeses do Camboja deveriam agora triplicar sua produção. A produtividade média de uma tonelada métrica de arroz por hectare deveria então atingir a nova quota de três toneladas métricas por hectare. Na prática essa produtividade não chegou nem perto da meta acertada.

Donos de lojas, garçons, escriturários, secretárias e qualquer um que tivesse participado demais na sociedade moderna, urbana era classificado como “Nova Gente” – a origem de tudo o que era errado no mundo. Esses indivíduos eram levados para o campo e postos a trabalhar nas fazendas, sendo considerados elementos claramente dispensáveis. Se a Nova Gente se adaptava à vida camponesa, muito bem, mas, se morriam de exaustão, isso era bom também. As minorias étnicas foram também classificadas como Nova Gente, e sistematicamente eliminadas. Um terço dos chams, uma minoria étnica muçulmana, morreu no decorrer dos poucos anos seguintes. Metade dos chineses no Camboja morreu, assim como laotianos e tailandeses que viviam próximos às fronteiras. Provavelmente cada cambojano de ascendência vietnamita que não fugiu ou se escondeu a tempo terminou morto nas mãos do Khmer Vermelho. Não foi encontrado nenhum sobrevivente vivendo às claras.2

Todas as instituições do país, templos, escolas, mesquitas, lojas foram fechados quando o Khmer Vermelho começou a eliminar os intelectuais cambojanos. Obviamente, professores, estudantes, jornalistas e padres eram executados imediatamente, mas qualquer um “manchado” por certa educação era suspeito. Usar óculos ou saber uma língua estrangeira era o bastante para provar que aquela pessoa fora envenenada por um perigoso grau de conhecimento. Essas pessoas também foram mortas, assim como seus pais, esposas e filhos. Assim como aconteceu com os expurgos soviéticos e com a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung, a nódoa de pertencer a um inimigo da classe recaía sobre todos os membros da família.

A escola secundária Tuol Sleng, em um subúrbio de Phnom Penh, foi adaptada para servir de prisão, chamada S-21. Os registros mostram que apenas sete dos 14 mil prisioneiros que entraram no prédio sobreviveram. Foram apenas sete, não 7 mil.3 O restante são agora apenas fotos nas pastas dos arquivos e ossos amontoados no solo. Depois que confessavam quaisquer crimes que houvessem cometido, e eles sempre confessavam, os suspeitos eram levados para o vilarejo próximo de Choeung Ek em grupos, para serem fuzilados e jogados em covas coletivas. Um quarto de século mais tarde, arqueólogos forenses haviam exumado 9 mil esqueletos de nove poços de enterramento em Choeung Ek. Muito mais desses locais ainda deve ser explorado.

O ano de 1975 passou a ser considerado o ano zero, com o dia 17 de abril como seu primeiro dia. Foi abolido o dinheiro; isso não era necessário na nova sociedade. As fazendas forneciam tudo o que uma pessoa necessitava, de acordo com uma fórmula simples. Aqueles que trabalhavam recebiam comida, casa e roupas. Os que não trabalhavam eram fuzilados.

Os quadros do partido providenciavam a execução da disciplina por todo o interior. Nas fazendas, os supervisores do Khmer Vermelho matavam sumariamente as pessoas por indolência ou por uma resposta atravessada. Matavam-nos por se moverem devagar depois de um interminável ciclo de trabalhos forçados, má alimentação e pouco sono. Matavam-nos por roubar comida para suplementar suas escassas rações. Matavam-nos se mostravam raiva ou tristeza quando outro era morto. A fome varria o restante.

Quando o regime do Khmer Vermelho terminou, os campos de refugiados se espalhavam pela fronteira com a Tailândia, abrigando até 600 mil amedrontados cambojanos. Quando as histórias das atrocidades começaram a vazar, o mundo ficou chocado; se não chocado, pelo menos cético. Ninguém nunca vira qualquer coisa semelhante. Nenhuma outra revolução fora tão longe na eliminação de qualquer vestígio dos antigos estilos de vida tão rápido. Nunca um assassinato em massa desapiedado fora dirigido a um povo de sua própria estirpe.

Pol Pot

Diferentemente da maioria dos outros regimes comunistas, não houve um culto à personalidade cercando o governante do Camboja. A princípio, o príncipe Siha-nouk (ver “A guerra do Vietnã”) era o rosto público do regime, mas, depois de cerca de um ano, ele foi preso e mantido longe das vistas do público. Até onde se sabia, quem dirigia o Camboja era a secreta Angka, que significa “Organização” na língua local, um conjunto cabal e sinistro de ideologias sem rosto.4 Seu líder era conhecido publicamente apenas como “Irmão Número Um”.

Nascido com o nome de Saloth Sar de uma família de prósperos camponeses num ano indeterminado da década de 1920, o Irmão Número Um fora educado por monges budistas, freiras católicas e professores parisienses. Eles haviam tentado ensinar-lhe ofícios úteis, como carpintaria e radioeletrônica, mas ele estava mais interessado na política e foi reprovado em diversas escolas que frequentou. Depois de se juntar aos rebeldes do Viet Minh na sua luta contra os franceses, ele foi estudar em Paris. Sendo reprovado e desligado do curso, retornou a Phnom Penh para ensinar, que era sua profissão diurna, e a ajudar a organizar o pequeno contingente do Viet Minh em um movimento separado, direcionado para derrubar a monarquia, o que constituíra seu hobby preferido. Em 1963, uma batida policial na capital forçou-o a fugir para o campo. Lá ele adquiriu o nome de guerra de Pol Pot.5

Depois de ser elevado ao cargo de secretário-geral do Partido Comunista, Pol Pot se dedicou a expurgar os menos puros de seus colegas. Ele se livrou de estrangeiros, moderados e intelectuais. Quando o Khmer Vermelho assumiu o governo, apenas os mais puros permaneciam na organização. A maciça substituição de quadro expurgara os veteranos, mais velhos e experientes, e completou as fileiras com adolescentes fanáticos, muitas vezes simples crianças, o que pode explicar um bocado a crueldade impetuosa do regime.6

A Terceira Guerra na Indochina

Sendo cambojanos, os membros do Khmer Vermelho haviam herdado um ódio étnico dos vietnamitas, que transcendia a solidariedade comunista. Quando tentaram intimidar os vietnamitas fazendo sortidas do outro lado da fronteira, os cambojanos mexeram num ninho de vespas. O exército vietnamita cruzou a fronteira com um grande efetivo em dezembro de 1978, e rapidamente a contenda se transformou numa guerra de procuração entre a grande rivalidade entre a China, patrocinando o Khmer Vermelho, e a Rússia, patrocinando o Vietnã. Dentro de duas semanas, os vietnamitas chegaram a Phnom Penh, e o Angka teve de fugir para o interior. O Khmer Vermelho foi logo empurrado para mais longe ainda, ficando de quarentena no sertão profundo do país, onde podia fazer menos males.

Segundo uma das ironias orwellianas, “a Oceania tem sempre estado em guerra contra a Eurásia”, os Estados Unidos se uniram à China para apoiar o fugitivo Khmer Vermelho na sua luta contra os governos fantoches instalados pelos soviéticos em Phnom Penh. Embora, agora, todo mundo soubesse das atrocidades cometidas, o Khmer Vermelho manteve seu assento nas Nações Unidas como o governo oficial do Camboja até 1992, quando a maioria das facções da guerra civil que lavrava no país concordou em cessar os combates e realizar eleições livres sob a patrocínio das Nações Unidas.

Depois que desapareceu nas selvas em 1979, Pol Pot não foi mais visto de novo, até que surgiu um vídeo, em julho de 1997, mostrando um velho, de aparência frágil, sendo julgado por traição num enclave do Khmer Vermelho. Seus antigos companheiros o sentenciaram à prisão domiciliar numa cabana perto da fronteira com a Tailândia.7 Depois de uns poucos meses de silêncio, em abril de 1998, repórteres e funcionários foram levados à cabana e apresentados a seu cadáver, morto de um ataque cardíaco.8

Número de mortos

O autogenocídio do Camboja provavelmente só perde para o Holocausto como o mais estudado mega-assassinato do século XX, de modo que as contagens de mortos são fáceis de encontrar. Num extremo, o governo cambojano instalado pelos conquistadores vietnamitas alegou que 3,3 milhões de cambojanos haviam morrido sob o regime anterior do Khmer Vermelho.9 Esse número representa cerca de metade da população original, e é o limite superior da plausibilidade. No outro extremo, a estimativa de Michael Vickery de que houve 400 mil mortes é o menor cálculo já considerado seriamente por um historiador reconhecido.10 A maioria das autoridades estima o número de mortos na faixa de 1 a 2 milhões, e Ben Kiernan acha que 1.670 mil,11 aproximadamente um quinto da população, é provavelmente o número específico mais amplamente aceito.

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