SAPIR E WHORF
Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf foram dois pensadores norte-americanos que formularam a assim chamada hipótese Sapir-Whorf, correlacionando a linguagem de uma sociedade com sua visão de mundo e mostrando assim que essa visão é relativa a traços característicos da língua de um determinado povo.
Edward Sapir (1884-1939) foi um antropólogo nascido na Alemanha, mas cujos pais emigraram para os Estados Unidos quando era ainda criança. Estudou na Universidade de Columbia, em Nova York, com o antropólogo Franz Boas, também de origem alemã, e por influência deste estudou várias línguas de tribos indígenas norte-americanas. Uma de suas principais obras é intitulada Language: An Introduction to the Study of Speech (1921), em que defende a ideia de que a linguagem é fundamentalmente de caráter cultural e histórico, e não biológico. Sua inspiração é derivada de Wilhelm von Humboldt (ver o capítulo correspondente) e de pensadores nacionalistas como o alemão Johannes Herder e o italiano Giambattista Vico, que consideravam a língua como constituidora da identidade de um povo e uma das formas mais importantes de expressão de sua cultura. Sapir aplicou essas ideias ao estudo de línguas indígenas, sobretudo norte-americanas (dos Estados Unidos e do Canadá), em um sentido comparativo, sendo um dos pioneiros da antropologia linguística.
Mas a hipótese Sapir-Whorf foi de fato formulada por seu aluno Benjamin Lee Whorf (1897-1941), como um princípio de relatividade linguística (encontrada entre vários textos reunidos em Language, Thought and Reality, coletânea publicada postumamente em 1956). Mas, como suas ideias a esse respeito foram fortemente influenciadas pelas de Edward Sapir, seu mestre na Universidade de Yale, ficou conhecida por esta denominação. Embora engenheiro químico de formação e trabalhando como perito de seguros, Whorf estudou e trabalhou com Sapir na Universidade de Yale. Tinha interesse por línguas indígenas das Américas do Norte e Central, e desenvolveu um estudo pioneiro e de grande influência sobre a língua dos hopi, tribo do sudoeste do Estados Unidos, hoje localizada principalmente em reservas no estado de Arizona. Whorf concluiu pelo estudo da língua dos hopi que sua concepção de tempo era inteiramente distinta da encontrada nas línguas originárias da Europa ocidental. Whorf estudou também a escrita hieroglífica dos maias da América Central.
A HIPÓTESE SAPIR-WHORF
Linguagem e cultura
Segundo a hipótese Sapir-Whorf, a língua de uma determinada comunidade organiza sua cultura, sua visão de mundo, pois uma comunidade vê e compreende a realidade que a cerca através das categorias gramaticais e semânticas de sua língua. Há portanto uma interdependência entre linguagem e cultura. Um povo vê a realidade através das categorias de sua língua, mas sua língua se constitui com base em sua forma de vida.
Não há propriamente um único texto que resuma e sintetize essas ideias, ou que seja a formulação canônica da “hipótese”; elas se encontram em diversos textos de Sapir e de Whorf, dos quais apresento a seleção que se segue.
Esses textos pioneiros deram início a uma discussão fundamental para o desenvolvimento da antropologia linguística e da sociolinguística, originando assim um novo campo de estudos da linguagem em relação às ciências sociais.
“A linguagem é um guia para a “realidade social”. Embora a linguagem não seja normalmente considerada de interesse essencial para os estudiosos de ciências sociais, condiciona fortemente nosso pensamento sobre problemas e processos sociais. Os seres humanos não vivem apenas no mundo objetivo, tampouco no mundo das atividades sociais como as compreendemos comumente, mas se encontram sob a influência da língua específica que se tornou o meio de expressão de sua sociedade. Trata-se de uma ilusão supor que nos ajustamos à realidade essencialmente sem o uso da linguagem e que a linguagem é apenas um meio incidental de resolver problemas específicos de comunicação e de reflexão. De fato, o “mundo real” é em larga escala construído de forma inconsciente com base nos hábitos linguísticos do grupo. Não há duas línguas que sejam suficientemente semelhantes para serem consideradas como representando a mesma realidade. Os mundos em que sociedades diferentes vivem são mundos distintos, e não apenas o mesmo mundo com diferentes rótulos.
A compreensão de um simples poema, por exemplo, envolve não apenas a compreensão de cada palavra tomada individualmente em seu significado comum, mas uma compreensão mais completa da vida da comunidade tal como se reflete nas palavras, ou tal como é sugerida pelas suas tonalidades. Mesmo comparativamente simples experiências de percepção estão muito mais sob a influência dos padrões sociais que chamamos de palavras do que parece. Se desenhamos, por exemplo, uma dúzia de linhas de diferentes formatos, nós as percebemos como divisíveis em categorias tais como “reta”, “curva”, “sinuosa”, devido ao caráter sugestivo da categorização feita pelos próprios termos linguísticos. Vemos, ouvimos e temos vários tipos de experiência em grande parte devido ao modo como os hábitos linguísticos de nossa comunidade nos predispõe a certos tipos de interpretação.
[Sapir, “The status of linguistics as a science”, 1929]
A linguagem é uma grande força de socialização, provavelmente a maior que existe. Com isso não queremos dizer apenas o fato mais ou menos óbvio de que a interação social dotada de significado é praticamente impossível sem a linguagem, mas que o mero fato de haver uma fala comum serve como um símbolo peculiarmente poderoso da solidariedade social entre aqueles que falam aquela língua.
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Há muitos padrões linguísticos de tipo especial que são de interesse para o cientista social. Um destes é a tendência a criar tabus em relação a certas palavras ou nomes. Um costume muito difundido, por exemplo, entre povos primitivos é o tabu que não só se formula em relação ao uso do nome de uma pessoa recentemente falecida, mas também em relação a qualquer palavra que seja etimologicamente conectada segundo os sentimentos do falante com esse nome. Isso quer dizer que ideias devem ser com frequência expressadas por circunlóquios, ou que termos devem ser tomados de empréstimo de dialetos próximos. Em alguns casos, certas palavras ou nomes são tão sagrados que só podem ser pronunciados em condições muito especiais, e padrões de comportamento curiosos emergem com o objetivo de que se usem esses termos interditados.
[Sapir, Language, 1921]
Como surgiu historicamente essa rede de linguagem, cultura e comportamento? O que veio em primeiro lugar: os padrões linguísticos ou as normas culturais? De modo geral, devem ter se desenvolvido juntos, constantemente influenciando um ao outro. Mas, nessa relação, a natureza da linguagem é o fator que limita a plasticidade e torna mais rígidos os canais de desenvolvimento de um modo mais autocrático. Isso ocorre porque a linguagem é um sistema, e não apenas um conjunto de normas. Grandes formações sistemáticas só mudam dando origem a algo realmente novo de forma muito lenta, enquanto outras inovações culturais são comparativamente muito mais rápidas. A linguagem, portanto, representa o pensamento da massa, é afetada por invenções e inovações, mas de modo lento e aos poucos.
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Sintetizando, nossa questão inicial pode ser respondida da seguinte maneira: conceitos como “tempo” e “matéria” não são formulados substancialmente da mesma maneira pela experiência de todos os homens, mas dependem da natureza da língua ou das línguas através das quais se desenvolveram. Não dependem tanto de um único sistema (por exemplo tempos verbais ou substantivos) pertencente à gramática, mas dos modos de analisar e relatar a experiência que se tornaram fixos na língua, integrando “modos de falar”, e que se encontram em classificações gramaticais típicas, de tal maneira que esses “modos” podem incluir formas lexicais, morfológicas, sintáticas e de outros tipos sistêmicos coordenados em um quadro consistente. Nosso próprio conceito de “tempo” difere de modo marcante da “duração” dos hopi. É concebido como um espaço de dimensões estritamente limitadas, ou por vezes como um movimento nesse espaço, e desse modo é empregado como uma ferramenta intelectual. A “duração” para os hopi parece inconcebível em termos de espaço e movimento, na medida em que consiste no modo pelo qual a vida difere da forma e a consciência como um todo difere dos elementos espaciais da consciência. Certas ideias originárias de nosso conceito de tempo, tais como a de absoluta simultaneidade, seriam muito difíceis, ou até mesmo impossíveis de se expressar em hopi, ou seriam vazias de significado, sendo substituídas por conceitos operacionais.
[Whorf, The Relation of Habitual Thought and Behavior to Language, 1939]”
QUESTÕES E TEMAS PARA DISCUSSÃO
LEITURAS SUGERIDAS
Boas, Franz. Antropologia cultural, org. Celso Castro, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004.
Robins, R.H. Pequena história da linguística, Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1988.
Sapir, Edward. A linguagem, São Paulo, Perspectiva, 1980.