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DIREITO EMPRESARIAL

Grifos e Comentários: Alexandre Demetrius

7.1 PROPRIEDADE INDUSTRIAL

7.1.1 Da marca

Direito empresarial. Impossibilidade de importação paralela de uísque de marca estrangeira sem o consentimento do titular da marca.

Não é possível a realização de “importação paralela” de uísque de marca estrangeira para o Brasil na hipótese em que o titular da marca se oponha à importação, mesmo que o pretenso importador já tenha realizado, em momento anterior à oposição, “importações paralelas” dos mesmos produtos de maneira consentida e legítima. O titular de determinada marca estrangeira e o seu distribuidor no Brasil podem firmar entre si um contrato de distribuição com cláusula de exclusividade territorial, de modo que aquele distribuidor contratante detenha a garantia de exclusividade na distribuição dos produtos daquela marca no território brasileiro. Nesse contexto, ocorre a chamada “importação paralela” na hipótese em que outro distribuidor que não tenha acordado cláusula de exclusividade na distribuição dos produtos da marca no território nacional adquira, no estrangeiro, isto é, fora dos circuitos de distribuição exclusiva, produtos originais daquela mesma marca estrangeira para a venda no Brasil, considerando o fato de que terceiros não estão obrigados aos termos de contrato celebrado entre o fornecedor e o seu distribuidor brasileiro exclusivo. Nesse caso, a mercadoria entra na área protegida não porque houve venda direta ou atuação invasiva de outro distribuidor, mas porque um adquirente “de segundo grau”, que comprou o bem do próprio titular ou de outro concessionário da mesma marca, revendeu-o no território reservado. No tocante ao regramento dado pelo sistema jurídico brasileiro às hipóteses de “importação paralela”, deve-se indicar que o art. 132, III, da Lei n. 9.279/1996 proíbe que o titular da marca impeça a livre circulação de produtos originais colocados no mercado interno por ele próprio ou por outrem com o seu consentimento. Ou seja, permitiu-se a chamada comercialização paralela interna ou nacional, hipótese em que, após a primeira venda do produto no mercado interno, o direito sobre a marca se esgota, de modo que o titular da marca não poderá mais invocar o direito de exclusividade para impedir as vendas subsequentes. Com isso, a nova Lei da Propriedade Industrial incorporou ao sistema jurídico brasileiro o conceito de exaustão nacional da marca, segundo o qual o esgotamento do direito sobre a marca somente se dá após o ingresso consentido do produto no mercado nacional, o que implica afirmar que o titular da marca ainda detém direitos sobre ela até o ingresso legítimo do produto no país. Dessa maneira, o titular da marca internacional tem, em princípio, o direito de exigir o seu consentimento para a “importação paralela” dos produtos de sua marca para o mercado nacional. Como ressalva, ademais, cabe afirmar que certos casos, como o dos medicamentos, podem vir a receber tratamento legal diferenciado, imposto por necessidades específicas determinadas por cada Estado, especialmente relacionadas à necessidade de fornecimento de determinados produtos à população, de estímulo à concorrência para evitar a formação de monopólios ou cartéis ou de atendimento privilegiado de determinadas áreas do consumo. Não se cogita, no entanto, nenhuma dessas hipóteses no caso em que se está diante de importação de uísque, produto desprovido de fornecimento imprescindível e que, além disso, possui farto fornecimento por diversos produtores e marcas em salutar concorrência no mercado nacional. REsp 1.200.677-CE, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 18/12/2012. (Informativo 514 – 3ª Turma)

RR Comentários: Os acórdãos do STJ sobre propriedade industrial tocam em temas extremamente relevantes. Os temas tratados são: importação paralela, marca de alto renome e possibilidade de o INPI ou o Poder Judiciário declararem uma marca dessa categoria, o prazo prescricional para a indenização do titular de marca por uso ilegal ou indevido e, finalmente, a questão do uso de elemento evocativo ou genérico em marca e o grau de sua proteção.

Analisemos brevemente os temas tratados.

A importação paralela é um dos temas mais controversos no direito de propriedade industrial. Consiste, em verdade, na internalização no mercado nacional de um produto importado, por um agente econômico que não tenha a autorização direta do importador, titular da marca respectiva, ou não pertença à rede de distribuição autorizada por este.

A questão tem fundamento no art. 132, III, da Lei 9.279/1996, que denega ao titular da marca o direito de impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento. Muito embora controverso o entendimento desse artigo, entende-se que sua interpretação deve ser a de que o titular da marca não tem o direito de proibir a revenda ou distribuição interna (o que se convencionou denominar de princípio da exaustão das marcas). No entanto, teriam o importador ou o distribuidor (nacional) autorizado o direito de obstar a introdução de produtos importados em território nacional sem a autorização do titular da marca.

Direito empresarial. Possibilidade de obtenção de uma declaração geral e abstrata do INPI referente à caracterização de uma marca como de alto renome.

É legítimo o interesse do titular de uma marca em obter do INPI, pela via direta, uma declaração geral e abstrata de que sua marca é de alto renome. A denominada “marca de alto renome”, prevista no art. 125 da Lei de Propriedade Industrial, consiste em um temperamento do princípio da especialidade, pois confere à marca proteção em todos os ramos de atividade. Tal artigo não estabeleceu os requisitos necessários à caracterização do alto renome de uma marca, de modo que a regulamentação do tema ficou a cargo do INPI. Atualmente, a sistemática imposta pela aludida autarquia, por meio da Resolução n. 121/2005, somente admite que o interessado obtenha o reconhecimento do alto renome pela via incidental, a partir do momento em que houver a prática, por terceiros, de atos potencialmente capazes de violar a marca. Inexiste, portanto, um procedimento administrativo tendente à obtenção de uma declaração direta e abstrata. Parte da doutrina entende que o alto renome não dependeria de registro. Nessa concepção, a marca que possuísse a condição de alto renome no plano fático seria absoluta, de sorte que ninguém, em sã consciência, poderia desconhecê-la. Entretanto, ainda que uma determinada marca seja de alto renome, até que haja uma declaração oficial nesse sentido, essa condição será ostentada apenas em tese. Dessa forma, mesmo que exista certo consenso de mercado acerca do alto renome, esse atributo depende da confirmação daquele a quem foi conferido o poder de disciplinar a propriedade industrial no Brasil, declaração que constitui um direito do titular, inerente ao direito constitucional de proteção integral da marca, não apenas para que ele tenha a certeza de que sua marca de fato possui essa peculiaridade, mas, sobretudo, porque ele pode – e deve – atuar preventivamente no sentido de preservar e proteger o seu patrimônio intangível, sendo despropositado pensar que o interesse de agir somente irá surgir com a efetiva violação. Deve-se considerar, ainda, que o reconhecimento do alto renome só pela via incidental imporia ao titular um ônus injustificado, de constante acompanhamento dos pedidos de registro de marcas a fim de identificar eventuais ofensas ao seu direito marcário. Ademais, não se pode perder de vista que muitas vezes sequer ocorre a tentativa de depósito da marca ilegal junto ao INPI, até porque, em geral, o terceiro sabe da inviabilidade de registro, em especial quando a colidência se dá com marca de alto renome. Nesses casos, a controvérsia não chega ao INPI, impedindo que o titular da marca adote qualquer medida administrativa incidental visando à declaração do alto renome. Acrescente-se, por oportuno, que, ao dispor que “a proteção de marcas de alto renome não dependerá de registro na jurisdição em que é reivindicada”, a Association International e pour la Protection de la Propriété Industrielle (AIPPI) não isentou – ou pelo menos não impediu – essas marcas de registro, tampouco afirmou que essa condição – de alto renome – independeria de uma declaração oficial; apenas salientou que elas estariam resguardadas mesmo sem prévio registro, ou seja, prevaleceriam sobre marcas colidentes, ainda que estas fossem registradas anteriormente. REsp 1.162.281-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/2/2013. (Informativo 517 – 3ª Turma)

Direito empresarial. Impossibilidade de o poder judiciário reconhecer, antes da manifestação do INPI, a caracterização de uma marca como de alto renome.

Caso inexista uma declaração administrativa do INPI a respeito da caracterização, ou não, de uma marca como sendo de alto renome, não pode o Poder Judiciário conferir, pela via judicial, a correspondente proteção especial. A lacuna existente na Resolução n. 121/2005 – que prevê a declaração do alto renome de uma marca apenas pela via incidental – configura omissão do INPI na regulamentação do art. 125 da LPI, situação que justifica a intervenção do Poder Judiciário. Entretanto, até que haja a manifestação do INPI pela via direta, a única ilegalidade praticada será a inércia da Administração Pública. Assim, é incabível, ao menos nesse momento, a ingerência do Poder Judiciário no mérito do ato omissivo, competindo-lhe, caso provocado, a adoção de medidas tendentes a ocasionar a manifestação do INPI. Desse modo, na ausência de uma declaração administrativa da referida autarquia, a decisão judicial que reconhece o alto renome de uma marca caracteriza usurpação de atividade que legalmente compete àquele órgão, consistindo em violação da tripartição dos poderes do Estado, assegurada pelo art. 2º da CF/1988. REsp 1.162.281-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/2/2013. (Informativo 517 – 3ª Turma)

RR Comentários: De acordo com o art. 125 da Lei 9.279/1996, à marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade. Definindo o que seja marca de alto renome, a Resolução 121/2005 do INPI, em seu art. 2º ressalta que: “Para os efeitos desta Resolução, considera-se de alto renome a marca que goza de uma autoridade incontestável, de um conhecimento e prestígio diferidos, resultantes da sua tradição e qualificação no mercado e da qualidade e confiança que inspira, vinculadas, essencialmente, à boa imagem dos produtos ou serviços a que se aplica, exercendo um acentuado magnetismo, uma extraordinária força atrativa sobre o público em geral, indistintamente, elevando-se sobre os diferentes mercados e transcendendo a função a que se prestava primitivamente, projetando-se apta a atrair clientela pela sua simples presença.”

O grande problema das marcas de alto renome é saber qual o momento em que esta pode ser assim considerada. A dúvida surgia justamente em virtude de que a Resolução 121/2005 do INPI mencionava, em seu art. 3º, que a proteção especial conferida pelo art. 125 da LPI deveria ser requerida ao INPI, pela via incidental, como matéria de defesa, quando da oposição a pedido de registro de marca de terceiro ou do processo administrativo de nulidade de registro de marca de terceiro que apresente conflito com a marca invocada de alto renome, no INPI.

Assim, nos termos da normatização mencionada, o titular de marca de alto renome necessitaria esperar eventual conflito entre sua marca e outra requerida por terceiros para, como matéria de defesa, alegar – e ter reconhecida – a condição de alto renome de sua marca. O STJ, entretanto, entendeu que o titular da marca de alto renome não necessitaria esperar eventual conflito entre sua marca e a marca de terceiro, podendo obter previamente do INPI, na via administrativa, a declaração dessa qualidade. No entanto, o mesmo STJ ressalvou que tal declaração compete unicamente ao INPI, não podendo o Judiciário se imiscuir previamente ao pronunciamento daquela autarquia para declarar, por si, o alto renome de uma marca.

Direito civil e empresarial. Termo inicial do prazo prescricional para pleitear indenização decorrente do uso de marca industrial que imite outra preexistente.

O termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 225 da Lei 9.279/1996) para pleitear indenização pelos prejuízos decorrentes do uso de marca industrial que imite outra preexistente, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia registrada (art. 124, XIX), é a data da violação do direito à propriedade industrial e se renova enquanto houver o indevido uso. Isso porque o prazo prescricional começa a correr tão logo nasça a pretensão, a qual tem origem com a violação do direito subjetivo - o direito de propriedade industrial. Ademais, considerando que a citada violação é permanente, enquanto o réu continuar a utilizar marca alheia registrada, diariamente o direito será violado, nascendo nova pretensão indenizatória, motivo pelo qual não há como reconhecer que a pretensão do autor estava prescrita quando do ajuizamento da demanda. REsp 1.320.842-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/5/2013. (Informativo 525 – 4ª Turma)

RR Comentários: Prescrição da pretensão indenizatória por violação de marca – A Lei 9.279/1996 é clara ao fixar o prazo de cinco anos para o exercício de pretensão indenizatória por violação de marca. No entanto, quando se inicia a contagem desse prazo? Com a primeira violação? Quando a violação se encerra? Usualmente, a violação de marca se protrai no tempo, consubstanciando-se em um prolongado uso indevido por parte de terceiros. Em ocorrendo essa forma de violação do direito à exclusividade de exploração constante da marca, no entendimento do STJ, o prazo de cinco anos deve renovar-se a cada violação ocorrida, continuamente.

Direito empresarial. Mitigação da exclusividade decorrente do registro no caso de marca evocativa.

Ainda que já tenha sido registrada no INPI, a marca que constitui vocábulo de uso comum no segmento mercadológico em que se insere – associado ao produto ou serviço que se pretende assinalar – pode ser utilizada por terceiros de boa-fé. Com efeito, marcas evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, possuindo um âmbito de proteção limitado. Isso porque o monopólio de um nome ou sinal genérico em benefício de um comerciante implicaria exclusividade inadmissível a favorecer a detenção e o exercício do comércio de forma única, com prejuízo não apenas à concorrência empresarial – impedindo os demais industriais do ramo de divulgarem a fabricação de produtos semelhantes através de expressões de conhecimento comum, obrigando-os a buscar nomes alternativos estranhos ao domínio público –, mas sobretudo ao mercado geral, que teria dificuldades para identificar produtos similares aos do detentor da marca. Nesse sentido, a Lei 9.279/1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, em seu art. 124, VI, dispõe não ser registrável como marca sinal de caráter genérico, necessário, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço. Vale destacar que a linha que divide as marcas genéricas – não sujeitas a registro – das evocativas é extremamente tênue, por vezes imperceptível, fruto da própria evolução ou desenvolvimento do produto ou serviço no mercado. Há expressões, por exemplo, que, não obstante estejam diretamente associadas a um produto ou serviço, de início não estabelecem com este uma relação de identidade tão próxima ao ponto de serem empregadas pelo mercado consumidor como sinônimas. Com o transcorrer do tempo, porém, à medida que se difundem no mercado, o produto ou serviço podem vir a estabelecer forte relação com a expressão, que passa a ser de uso comum, ocasionando sensível redução do seu caráter distintivo. Nesses casos, expressões que, a rigor, não deveriam ser admitidas como marca – por força do óbice contido no art. 124, VI, da Lei 9.279/1996 – acabam sendo registradas pelo INPI, ficando sujeitas a terem sua exclusividade mitigada. Precedente citado: REsp 1.166.498-RJ, Terceira Turma, DJe 30/3/2011. REsp 1.315.621-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/6/2013. (Informativo 526 – 3ª Turma)

RR Comentários: Uso de elementos genéricos em marca – Quando uma marca é composta por elementos evocativos, genéricos, comuns, representativos de baixo grau de originalidade ou novidade, o STJ entende que a proteção a tais elementos distintivos deve ser mitigada. A rigor, como reconheceu este tribunal, há uma linha muito tênue entre os elementos evocativos, de baixa originalidade ou novidade, e aqueles elementos gerais ou sinais de caráter genérico, necessários, comuns, vulgares ou simplesmente descritivos, cujo registro como marca é vedado pelo art. 124, VI, da Lei 9.279/1996. Assim, o entendimento pronunciado relata que, mesmo que tais elementos se encontrem na composição de marcas anteriormente registradas pelo INPI, devem ter sua proteção (exclusividade) mitigada, a bem da concorrência no mercado empresarial.

7.2 PROPRIEDADE INTELECTUAL

7.2.1 Do direito autoral

Direito civil. Limites à utilização de trechos de obra musical.

Constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, sem autorização ou menção aos seus autores, em periódico de cunho erótico, de trechos de determinada obra musical – que vinha sendo explorada comercialmente, em segmento mercadológico diverso, pelos titulares de seus direitos patrimoniais – no caso em que o trecho tenha sido utilizado para dar completude ao ensaio fotográfico publicado, proporcionando maior valorização do produto comercializado. Em regra, a exploração comercial da obra e a escolha dos meios em que ela ocorrerá são direitos exclusivos do autor. De fato, a utilização de pequenos trechos de obras preexistentes somente não constitui ofensa aos direitos autorais quando a reprodução, em si, não seja o objetivo principal da obra nova, não prejudique a exploração normal daquela reproduzida, nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores (art. 46, VIII, da Lei 9.610/1998). Nesse contexto, verificado que a situação em análise não se enquadra na exceção, por ter sido a obra utilizada em caráter de completude, e não de acessoriedade, bem como pelo fato de que esta vinha sendo explorada comercialmente em segmento mercadológico diverso pelos titulares de seus direitos patrimoniais, deve-se reconhecer, na hipótese, a ocorrência de efetiva violação aos direitos dos autores. REsp 1.217.567-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 7/5/2013. (Informativo 524 – 4ª Turma)

RR Comentários: O limite de reprodução de obra somente será lícita quando a reprodução, em si, não seja o objetivo principal da obra nova, não prejudique a exploração normal daquela reproduzida, nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Direito civil. Semelhança temática entre obras artísticas.

Não configura violação de direitos autorais a produção e veiculação de minissérie que utilize o mesmo título, derivado da música brasileira mais conhecida da época retratada pela criação, bem como a mesma ideia central contida em roteiro anteriormente produzido e registrado por terceiro, na hipótese em que não tenham sido substancialmente utilizados a habilidade técnica e o labor intelectual da obra anterior. Isso porque o direito autoral protege apenas a criação de uma obra, caracterizada sua exteriorização sob determinada forma, e não a ideia em si ou um tema determinado. Com efeito, não há violação de direitos autorais pelo simples fato de as ideias de uma obra serem usadas em outra. Assim, considerando o fato de as obras em cotejo apenas contarem histórias semelhantes, mas não iguais, não fica configurado o plágio, mas apenas a identidade de temas, o que é plenamente possível, não ocorrendo, assim, violação de direitos autorais (art. 8º, I, da Lei 9.610/1998). REsp 1.189.692-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/5/2013. (Informativo 527 – 4ª Turma)

RR Comentários: Proteção à forma, mas não à ideia em si – Importante distinção fez o STJ em matéria de proteção intelectual, seguindo o que preconiza boa parte da doutrina. Os direitos autorais, ao contrário dos que protegem a propriedade industrial, cingem sua esfera de proteção à forma da criação, não se estendendo à ideia em si. Dessa forma, não há direito autoral sobre a ideia de uma obra (p.ex.: sobre a matéria “Direito Penal”), mas sobre a forma com que a ideia é externalizada. Por isso, o STJ entendeu que identidade de temas entre obras intelectuais, com formas distintas, não importam violação ao direito do autor.

Direito civil. Legitimidade do ECAD para a fixação do valor a ser recebido a título de direitos autorais.

O ECAD tem legitimidade para reduzir o valor a ser recebido, a título de direitos autorais, pelos autores de obras musicais de background (músicas de fundo), bem como estabelecer, para a remuneração desse tipo de obra, valor diferente do que o recebido pelos compositores das demais composições, de forma a corrigir distorções na remuneração pela execução das diversas obras musicais. Com efeito, o ECAD é uma associação civil constituída pelas associações de direito do autor com a finalidade de defesa e cobrança dos direitos autorais, nos termos do que prevê o art. 99 da Lei 9.610/1998. Vale ressaltar que, com o ato de filiação, as associações atuam como mandatárias de seus filiados na defesa dos seus interesses (art. 98), principalmente junto ao ECAD, que tem a competência para fixar preços, efetuar a cobrança e distribuir os valores referentes aos direitos autorais. Ademais, apesar de a lei de direitos autorais não fazer distinção entre os tipos de obras, outorgando-lhes igual proteção, verifica-se que não há nada que impeça que o critério adotado pelo ECAD para a distribuição dos valores arrecadados entre os autores leve em consideração o fato de as músicas de fundo serem obras de menor evidência do que as composições que, por exemplo, são temas de novelas, de personagens etc. Dessa forma, entende o STJ que, em se tratando de direito de autor, compete a este a fixação do seu valor, o que pode ocorrer diretamente ou por intermédio das associações e do próprio ECAD, que possui métodos próprios para a elaboração dos cálculos diante da diversidade das obras reproduzidas, segundo critérios eleitos internamente, já que não há tabela oficial regulamentada por lei ou normas administrativas sobre o assunto. REsp 1.331.103-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/4/2013. (Informativo 524 – 3ª Turma)

Direito civil. Suspensão ou interrupção da transmissão de obras musicais em razão da falta de pagamento do valor dos respectivos direitos autorais.

A autoridade judicial competente pode determinar, como medida de tutela inibitória fundada no art. 105 da Lei 9.610/1998, a suspensão ou a interrupção da transmissão de determinadas obras musicais por emissora de radiodifusão em razão da falta de pagamento ao ECAD do valor correspondente aos respectivos direitos autorais, ainda que pendente ação judicial destinada à cobrança desse valor. Deve-se destacar, inicialmente, que o ajuizamento de medida destinada à obtenção de tutela ressarcitória não exclui a possibilidade de que se demande pela utilização de mecanismo apto à efetivação de tutela inibitória. De fato, trata-se de pretensões que não se confundem, pois, enquanto a tutela ressarcitória visa à cobrança dos valores devidos, a tutela inibitória se destina a impedir a continuação ou a repetição do ilícito. Observe-se que o caput do artigo 68 da Lei 9.610/1998 dispõe que, sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em representações e execuções públicas. Por sua vez, o § 4º do mesmo artigo especifica que, previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central de arrecadação e distribuição a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais. Portanto, conclui-se que a autorização para exibição ou execução das obras compreende o prévio pagamento dos direitos autorais, feito por meio do recolhimento dos respectivos valores ao ECAD. Nesse contexto, admitir que a execução das obras possa continuar normalmente, ainda que sem o recolhimento dos valores devidos, porque essa cobrança já seria objeto de tutela jurisdicional própria, seria o mesmo que permitir a violação dos direitos patrimoniais do autor, em razão da relativização da norma contida no art. 68, caput e § 4º, da Lei 9.610/1998, comprometendo, dessa maneira, a sua razão de ser. Ressalte-se, ainda, que a tutela inibitória do art. 105 da Lei 9.610/1998 – que permite que a autoridade judicial competente determine a imediata suspensão ou interrupção da transmissão e da retransmissão realizadas mediante violação de direitos autorais – apresenta, de fato, caráter protetivo dos direitos autorais. Assim, autorizar sua aplicação quando houver violação dos direitos patrimoniais de autor, representada pelo não recolhimento dos valores devidos, não a transforma em medida coercitiva. Diversamente, põe-se em evidência a proteção dos direitos autorais, impedindo-se que se prossiga auferindo vantagens econômicas, derivadas da exploração da obra, sem o respectivo pagamento. REsp 1.190.841-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/6/2013. (Informativo 526 – 3ª Turma)

Direito civil. Responsabilidade pelo pagamento de taxa ao ECAD na hipótese de execução de músicas, sem autorização dos autores, durante festa de casamento realizada em clube.

Os nubentes são responsáveis pelo pagamento ao ECAD de taxa devida em razão da execução de músicas, sem autorização dos autores, na festa de seu casamento realizada em clube, ainda que o evento não vise à obtenção de lucro direto ou indireto. Anteriormente à vigência da Lei 9.610/1998, a jurisprudência prevalente no âmbito do direito autoral enfatizava a gratuidade das apresentações públicas de obras musicais, dramáticas ou similares como elemento de extrema relevância para distinguir o que ensejava ou não o pagamento de direitos. De fato, na vigência da Lei 5.988/1973, a existência do lucro se revelava como imprescindível à incidência dos direitos patrimoniais. Ocorre que, com a edição da Lei 9.610/1998, houve significativa alteração em relação a esse ponto. De fato, o confronto do art. 73 da Lei 5.988/1973 com o art. 68 da Lei 9.610/1998 revela a supressão, no novo texto, da cláusula “que visem a lucro direto ou indireto”, antes tida como pressuposto para a cobrança de direitos autorais. Nesse contexto, o STJ, em sintonia com o novo diploma legal, alterou seu entendimento, passando a não mais considerar a utilidade econômica do evento como condição para a percepção da verba autoral. Passou-se, então, a reconhecer a viabilidade da cobrança dos direitos autorais também nas hipóteses em que a execução pública da obra protegida não tenha sido realizada com o intuito de lucro. Destaque-se, ademais, que o art. 46, VI, da Lei 9.610/1998, efetivamente, autoriza a execução musical independentemente do pagamento de qualquer taxa, desde que realizada no recesso familiar. Todavia, não é possível admitir interpretação que confira à expressão “recesso familiar” amplitude não autorizada pela norma, de modo a abarcar situações como a ora analisada. Com efeito, não é admissível que sejam ultrapassados os limites legais impostos aos direitos de autor, tendo em vista que a interpretação em matéria de direitos autorais deve ser sempre restritiva, à luz do art. 4º da Lei 9.610/1998. Observe-se que a referida lei, nos termos de seu art. 68, § 2º, considera execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade. Além disso, o § 3º do mesmo artigo considera os clubes, sem qualquer exceção, como locais de frequência coletiva. Portanto, deve-se concluir que a limitação do art. 46, VI, da Lei 9.610/1998 não abarca eventos – mesmo que familiares e sem intuito de lucro – realizados em clubes. Assim, é devida a cobrança de direitos autorais pela execução de músicas durante festa de casamento realizada em clube, mesmo sem a existência de proveito econômico. Quanto à definição de quem deve ser considerado devedor da taxa em questão – cobrada pelo ECAD em decorrência da execução de músicas em casamentos – não há previsão explícita na Lei de Direitos Autorais. Em seu capítulo sobre a comunicação ao público, há um alerta no sentido de que, anteriormente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais (art. 68). Mais à frente, quando da previsão das sanções civis decorrentes das violações de direitos autorais, a Lei 9.610/1998 prevê que respondem solidariamente por estas os organizadores dos espetáculos, os proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários dos locais previstos no referido art. 68. Sobre o assunto, o próprio sítio eletrônico do ECAD informa que os valores devem ser pagos pelos usuários. Ademais, o regulamento de arrecadação do ECAD afirma que devera ser considerada “usuário de direito autoral toda pessoa física ou jurídica que utilizar obras musicais, lítero-musicais, fonogramas, através da comunicação pública, direta ou indireta, por qualquer meio ou processo similar, seja a utilização caracterizada como geradora, transmissora, retransmissora, distribuidora ou redistribuidora”. Nesse contexto, conclui-se ser de responsabilidade dos nubentes, usuários interessados na organização do evento, o pagamento da taxa devida ao ECAD, sem prejuízo da solidariedade instituída pela lei. REsp 1.306.907-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 6/6/2013. (Informativo 526 – 4ª Turma)

RR Comentários: Prerrogativas do ECAD e cobrança de nubentes – Duas decisões razoavelmente polêmicas do STJ. A primeira, delas possibilitando ao ECAD a legitimidade para reduzir o valor a ser recebido, a título de direitos autorais, pelos autores de obras musicais de background (músicas de fundo). A segunda, permitindo a cobrança dos nubentes, pelo ECAD, de direitos autorais referentes à execução de obra musical em festa de casamento.

Nesse ponto, com a devida vênia, divergimos de ambas as decisões.

Da primeira, porque o ECAD é apenas mandatário do titular do direito autoral. Ao mandatário, salvo autorização expressa e específica, não é permitido renunciar ou transigir a respeito do direito do mandante (CC, art. 661, parágrafo único).

Da segunda, porque confere amplitude demasiada aos responsáveis pelo pagamento de direitos autorais, considerando a responsabilidade solidária dos nubentes, dada sua condição de “usuários interessados” no evento. Se assim considerarmos, será também responsável, na condição de usuário interessado,o convidado para a festa? E o cliente de um estabelecimento que possui música ambiente? Tal amplitude de sujeitos passivos, a nosso ver, causa enorme insegurança jurídica e desincentivo a atividades econômicas lícitas.

7.3 TÍTULOS DE CRÉDITO

7.3.1 Nota promissória

Direito empresarial. Execução de avalista de nota promissória dada em garantia de crédito cedido por factoring.

Para executar, em virtude da obrigação avalizada, o avalista de notas promissórias dadas pelo faturizado em garantia da existência do crédito cedido por contrato de factoring, o faturizador exequente não precisa demonstrar a inexistência do crédito cedido. Com efeito, ainda que as notas promissórias tenham sido emitidas para garantir a exigibilidade do crédito cedido, o avalista não integra a relação comercial que ensejou esse crédito, nem é parte no contrato de fomento mercantil. Na condição de avalista, questões atinentes à relação entre o devedor principal das notas promissórias e a sociedade de fomento mercantil lhe são estranhas. Isso decorre da natureza pessoal dessas questões e da autonomia característica do aval. Assim, na ação cambial somente é admissível defesa fundada em direito pessoal decorrente das relações diretas entre devedor e credor cambiários, em defeito de forma do título ou na falta de requisito necessário ao exercício da ação. REsp 1.305.637-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/9/2013. (Informativo 532 – 3ª Turma)

RR Comentários: Há muita divergência quanto à possibilidade de, em contrato de factoring, ser emitida nota promissória como forma de garantir o direito de regresso do faturizador em relação ao faturizado, pois, nesse tipo de contratação, como regra, não há direito de regresso. Grande parte da jurisprudência não admite o saque de nota promissória para esse fim, cominando tal operação econômica como nula. No entanto, o STJ entendeu válida a cobrança de nota promissória sacada em garantia de factoring em relação ao avalista (não em relação ao faturizado, que seria devedor principal). Isso porque prestigiou a autonomia das obrigações cambiais, garantindo um dos princípios basilares do direito cambiário, qual seja, a segurança e a regularidade na circulação do crédito.

7.3.2 Cédula de crédito

Direito processual civil. Suspensão do processo de execução em decorrência do ajuizamento de ação na qual se busque o alongamento da dívida rural.

A propositura de ação visando ao alongamento da dívida rural acarreta a suspensão, e não a imediata extinção, do processo de execução anteriormente proposto com base em cédulas de crédito rural firmadas como garantia do custeio de atividades agrícolas desenvolvidas pelo executado. É direito do devedor o alongamento de dívidas originárias de crédito rural, desde que preenchidos os requisitos legais. O exercício desse direito acarreta a perda da exigibilidade do título executivo extrajudicial, gerando a extinção do processo de execução. Todavia, nas situações em que há lide instaurada, somente ocorrerá o efetivo exercício do direito após o reconhecimento judicial do preenchimento dos requisitos legais. Assim, enquanto pendente a ação na qual se pretende o alongamento da dívida rural, deve ser determinada a suspensão da execução. Desse modo, na referida situação, até que haja a definição acerca da existência do direito ao alongamento, impõe-se a suspensão do processo, que só poderá ser extinto quando reconhecido o direito. Precedentes citados: REsp 316.499-RS, DJ 18/3/2002, e AgRg no REsp 932.151-DF, DJe 19/3/2012. REsp 739.286-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/2/2013. (Informativo 515 – 3ª Turma)

Direito empresarial. Aval em cédula de crédito rural.

Tratando-se de Cédula de Crédito Rural emitida por pessoa física, é nulo o aval prestado por pessoa física estranha ao negócio jurídico garantido. Segundo o art. 60, caput, do Decreto-lei 167/1967, são aplicáveis às cédulas de crédito rural as mesmas regras de direito cambiário, no que forem cabíveis, inclusive em relação ao aval, dispensado o protesto para assegurar o direito de regresso contra endossantes e seus avalistas. Contudo, o § 3º do mencionado dispositivo define que são nulas quaisquer garantias reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, pela própria empresa ou por outras pessoas jurídicas. Precedente citado: REsp 599.545-SP, Terceira Turma, DJ 25/10/2007. REsp 1.353.244-MS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 28/5/2013. (Informativo 525 – 3ª Turma)

RR Comentários: A respeito das CCRs, espécie de títulos que representam promessa de pagamento em dinheiro, sem ou com garantia real cedularmente constituída, o STJ proferiu duas decisões importantes.

A primeira delas diz respeito à suspensão da exigibilidade do título (e consequente suspensão da execução), quando instaurado o processo de execução da CCR (Dec. Lei 167/1967), sobrevier o ajuizamento de ação de conhecimento visando à obtenção de alongamento de dívida rural (Lei nº 9.138, de 29 de novembro de 1995).

A segunda se refere à impossibilidade de aval dado por pessoa física estranha ao negócio em CCR (art. 60, §§ 1º e 3º, do Dec. Lei 167/1967). Embora houvesse divergência quanto à aplicabilidade dessas disposições às CCRs, o STJ adotou a postura mais restritiva, impedindo que pessoa física alheia ao negócio possa prestar qualquer garantia nos títulos mencionados.

Direito civil. Emissão de CPR sem a antecipação do pagamento do preço.

A emissão de Cédula de Produto Rural – CPR em garantia de contrato de compra e venda de safra futura não pressupõe, necessariamente, a antecipação do pagamento do produto. Isso porque a emissão desse título de crédito pode se dar tanto para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, como numa operação de hedge, na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretenda apenas se proteger dos riscos de flutuação de preços no mercado futuro. Nesta hipótese, a CPR funciona como um título de securitização, mitigando os riscos para o produtor, que negocia, a preço presente, sua safra no mercado futuro. Além disso, o legislador não incluiu na Lei 8.929/1994 qualquer dispositivo que imponha, como requisito de validade desse título, o pagamento antecipado do preço. Assim, não é possível, tampouco conveniente, restringir a utilidade da CPR à mera obtenção imediata de financiamento em pecúnia. Se a CPR pode desempenhar um papel maior no fomento ao setor agrícola, não há motivos para que, à falta de disposições legais que o imponham, restringir a sua aplicação. Precedente citado: REsp 1.023.083-GO, Terceira Turma, DJe 1º/7/2010. REsp 866.414-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/6/2013. (Informativo 526 – 3ª Turma)

RR Comentários: A respeito das CPRs, espécie de títulos que representam promessa de entrega de produtos rurais, tendo como emissor o produtor rural, suas associações ou cooperativas, o STJ proferiu decisão esclarecedora a respeito de sua finalidade econômica.

A decisão se refere ao fato de que a CPR nem sempre pressupõe o financiamento de uma safra rural, isto é, de uma operação em que o financiador antecipa ao produtor rural os recursos para o plantio, emitindo, em garantia da entrega futura da safra, o título executivo em comento.

Entende o STJ, reconhecendo outra importante função econômica da CPR, que esse título também pode ser emitido como forma de proteção contra oscilação de preços do produto rural (hedge), possibilitando o travamento ou prefixação de preços para a aquisição da safra no futuro, protegendo o produtor contra as oscilações no preço da safra.

RR | Direito empresarial e processual civil. Exequibilidade de cédula de crédito bancário. Recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. 8/2008-STJ).

A Cédula de Crédito Bancário – título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza –, quando acompanhada de claro demonstrativo dos valores utilizados pelo cliente, é meio apto a documentar a abertura de crédito em conta-corrente nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. Com efeito, a partir da Lei 10.931/2004, em superação à jurisprudência firmada pelo STJ, a Cédula de Crédito Bancário passou a ser título executivo extrajudicial representativo de operações de crédito de qualquer natureza, podendo, assim, ser emitida para documentar a abertura de crédito em conta-corrente. Ressalte-se, contudo, que, para ostentar exequibilidade, o título deve atender às exigências taxativamente elencadas nos incisos do § 2º do art. 28 do mencionado diploma legal. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza, circunstância que autoriza sua emissão para documentar a abertura de crédito em conta corrente, nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial. O título de crédito deve vir acompanhado de claro demonstrativo acerca dos valores utilizados pelo cliente, trazendo o diploma legal, de maneira taxativa, a relação de exigências que o credor deverá cumprir, de modo a conferir liquidez e exequibilidade à Cédula (art. 28, § 2º, incisos I e II, da Lei n. 10.931/2004)”. Precedentes citados: REsp 1.283.621-MS, Segunda Seção, DJe 18/6/2012; AgRg no AREsp 248.784-SP, Quarta Turma, DJe 28/5/2013. REsp 1.291.575-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/8/2013. (Informativo 527 – 2ª Seção)

RR Comentários: A respeito das CCBs, o STJ seguiu o entendimento já consubstanciado na I Jornada de Direito Comercial, que produziu o Enunciado 41, com o seguinte teor: “A cédula de crédito bancário é título de crédito dotado de força executiva, mesmo quando representativa de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito bancário em conta-corrente, não sendo a ela aplicável a orientação da Súmula 233 do STJ”.

Assim, mesmo que se entenda que, em princípio, os valores devidos em virtude de contratos de abertura de crédito não se constituam em títulos executivos extrajudiciais, por lhes faltar a liquidez e certeza necessárias a tanto; ao serem documentados por CCBs, desde que devidamente particularizado e liquidado o valor do crédito, abre-se a via executiva para sua cobrança.

7.3.3 Cheque

Direito empresarial. Efeitos da pós-datação de cheque.

A pós-datação de cheque não modifica o prazo de apresentação nem o prazo de prescrição do título. Isso porque conferir eficácia à referida pactuação extracartular em relação aos prazos de apresentação e de prescrição descaracterizaria o cheque como ordem de pagamento à vista. Além disso, configuraria infringência ao disposto no art. 192 do CC, de acordo com o qual os prazos de prescrição não podem ser alterados por acordo das partes. Ademais, resultaria violação dos princípios cambiários da abstração e da literalidade. Dessa forma, deve-se ressaltar que o prazo de apresentação deve ser contado da data de emissão (isto é, aquela regularmente consignada na cártula, oposta no espaço reservado para a data), sendo de trinta dias para os cheques emitidos na mesma praça daquela em que se situa a agência pagadora; e de sessenta dias, a contar também da data de emissão, para os cheques emitidos em outra praça. O prazo de prescrição, por sua vez, inicia-se seis meses contados a partir da expiração do prazo de apresentação. REsp 1.124.709-TO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/6/2013. (Informativo 528 – 4ª Turma)

Direito empresarial. Protesto de cheque nominal à ordem por endossatário terceiro de boa-fé.

É possível o protesto de cheque nominal à ordem, por endossatário terceiro de boa-fé, após o decurso do prazo de apresentação, mas antes da expiração do prazo para ação cambial de execução, ainda que, em momento anterior, o título tenha sido sustado pelo emitente em razão do inadimplemento do negócio jurídico subjacente à emissão da cártula. Isso porque o cheque, sendo título de crédito, submete-se aos princípios da literalidade, da abstração, da autonomia das obrigações cambiais e da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé. Além disso, caracterizando o cheque levado a protesto como título executivo extrajudicial, dotado de inequívoca certeza e exigibilidade, não se concebe que o credor de boa-fé possa ser tolhido de seu direito de se resguardar quanto à prescrição, tanto no que tange ao devedor principal, quanto em relação aos demais coobrigados, haja vista que, conforme o disposto no art. 202, III, do CC, o protesto cambial interrompe o prazo prescricional para ajuizamento de ação cambial de execução – ficando, nesse contexto, superada, com a vigência do CC, a Súmula 153 do STF. Além do mais, tem-se que o protesto – meio extrajudicial mediante o qual o devedor é intimado pelo tabelião para que pague ou providencie a sustação do protesto, antes que venha a ser lavrado – representa medida bem menos severa ao emitente se comparada a outra medida cabível em consideração à executividade do cheque levado a protesto: a execução do título de crédito na via judicial. Isso porque, além de o protesto não envolver atos de agressão ao patrimônio do executado, a publicidade negativa ao demandado em execução é tão ou mais ampla do que a decorrente do protesto, haja vista que, além de ser possível a consulta do processo mediante simples acesso aos sites de tribunais, os órgãos de proteção ao crédito também fazem uso de dados de caráter público da distribuição do Judiciário, referentes a ações executivas para negativação do nome dos executados. Ademais, como o art. 1º da Lei 9.492/1997, em cláusula aberta, admite o protesto de outros “documentos de dívida” – entenda-se: prova escrita a demonstrar a existência de obrigação pecuniária, líquida, certa e exigível –, não há razoabilidade em entender que o protesto, instituto desde a sua origem concebido para protesto cambial, seja imprestável para o protesto facultativo de título de crédito dotado de executividade. REsp 1.124.709-TO, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/6/2013. (Informativo 528 – 4ª Turma)

Súmula n.º 153 – Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição.

RR Comentários: Sobre os cheques, o STJ marcou posição em dois assuntos: (1) possibilidade de protesto pelo endossatário de boa-fé, mesmo que sustado o valor por inexecução do negócio base; (2) impossibilidade de alteração do prazo de apresentação e do prazo prescricional por pós-datação do cheque.

Ressalte-se que, no primeiro caso, o STJ privilegiou o princípio da autonomia, abstração e inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, inerentes aos títulos de crédito. Ademais, seguiu indiretamente o ensinamento de grande parte da doutrina, que preconiza que os cheques não podem ser sustados em virtude de inexecução do negócio que lhe deu origem justamente em virtude da possibilidade de futuro endosso.

No segundo caso, embora se cuide de matéria divergente, o STJ fixou a inoperância da convenção de pós-datação entre as partes para alteração do prazo de apresentação e do prazo prescricional. Segundo o acórdão, cuida-se de matéria de ordem pública e a consideração da convenção entre as partes como produtora de efeitos sobre o prazo de apresentação e sobre o prazo prescricional seria equivalente a desnaturar o cheque como ordem de pagamento à vista, além de contrariar expressa disposição legal que proíbe que as partes convencionem o prazo prescricional.

Direito empresarial. Termo inicial dos juros de mora relativos a crédito veiculado em cheque.

Os juros de mora sobre a importância de cheque não pago contam-se da primeira apresentação pelo portador à instituição financeira, e não da citação do sacador. A mora ex re independe de qualquer ato do credor, como interpelação ou citação, porquanto decorre do próprio inadimplemento de obrigação positiva, líquida e com termo implementado, desde que não seja daquelas em que a própria lei afasta a constituição de mora automática. Assim, em se tratando de mora ex re, aplica-se o antigo e conhecido brocardo dies interpellat pro homine (o termo interpela no lugar do credor). Com efeito, fica límpido que o art. 219 do CPC, assim como o 405 do CC, deve ser interpretado à luz do ordenamento jurídico, tendo aplicação residual para casos de mora ex persona – evidentemente, se ainda não houve a prévia constituição em mora por outra forma legalmente admitida. Assim, citação implica caracterização da mora apenas se ela já não tiver ocorrido pela materialização de uma das diversas hipóteses indicadas no ordenamento jurídico. No caso, a matéria referente aos juros relativos à cobrança de crédito estampado em cheque por seu portador é regulada pela Lei do Cheque, que estabelece a incidência dos juros de mora a contar da primeira apresentação do título (art. 52, II). Ademais, por materializar uma ordem a terceiro para pagamento à vista, o momento natural de realização do cheque é a apresentação (art. 32), quando a instituição financeira verifica a existência de disponibilidade de fundos (art. 4º, § 1º), razão pela qual a apresentação é necessária. REsp 1.354.934-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013. (Informativo 532 – 4ª Turma)

RR Comentários: Consagrou o STJ que a mora e os juros dela decorrentes têm início com a apresentação à instituição financeira e não quando da posterior citação, privilegiando o princípio do dies interpellat pro homine.

7.4 DIREITO SOCIETÁRIO

RR | Direito empresarial. Legitimidade da Brasil Telecoms/a para responder pelos atos praticados pela TELESC. Recurso repetitivo (art. 543-Cdo CPCe Res. 8/2008-STJ).

A Brasil Telecom S/A tem legitimidade para responder pelos atos praticados pela Telesc quanto a credores cujo título não tiver sido constituído até o ato de incorporação, independentemente de se referir a obrigações anteriores a ele. Isso porque a sucessão, por incorporação, de empresas determina a extinção da personalidade jurídica da incorporada, com a transmissão de seus direitos e obrigações à incorporadora. De fato, a incorporação, conforme o art. 227 da Lei 6.404/1976 e o art. 1.116 do CC, é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Por esse instituto, em linhas gerais, determinada sociedade empresarial, a incorporadora, engloba outra, a incorporada, integrando ao seu patrimônio tanto o ativo quanto o passivo da incorporada, a qual terá extinta sua personalidade jurídica, conforme se extrai dos enunciados normativos dos arts. 219 e 227, § 3º, da Lei 6.404/1976 e do art. 1.118 do CC. Dessa forma, fica claro que a incorporação caracteriza-se, essencialmente, por dois requisitos: a absorção total do patrimônio da incorporada pela incorporadora (todos os direitos e obrigações) e a extinção da personalidade jurídica da incorporada. Assim, deve-se reconhecer a legitimidade da sociedade empresária sucessora, por incorporação, para responder pelos atos da incorporada, inclusive quanto a credores cujo título não esteja constituído até o ato de incorporação, independentemente de se referir a obrigações anteriores a ele. REsp 1.322.624-SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 12/6/2013. (Informativo 522 – 2ª seção)

RR Comentários: No campo do direito societário, o STJ analisou a responsabilidade da incorporadora em face de credores com títulos formados anteriormente à incorporação. É sempre importante salientar que, de acordo com o art. 232 da Lei 6.404/1976, até 60 (sessenta) dias depois de publicados os atos relativos à incorporação ou à fusão, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear judicialmente a anulação da operação. Findo o prazo, decairá do direito o credor que não o tiver exercido. Como defesa da companhia, os§§ 1º e 2º do art. 232 supracitado permitem que a sociedade consigne a importância em pagamento, prejudicando a anulação pleiteada, ou, sendo ilíquida a dívida, resta a possibilidade de a companhia garantir-lhe a execução, suspendendo-se o processo de anulação.

Independentemente da existência de um pleito anulatório, o STJ considerou que a incorporadora absorve os ativos (bens e direitos) e passivos (dívidas e obrigações) da sociedade incorporada. Assim, há plena sucessão em direitos e obrigações, respondendo a incorporadora em face dos credores da incorporada, anteriores à operação.

Direito empresarial. Prazo prescricional para a cobrança de debêntures.

Prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de valores relativos a debêntures. Isso porque, nessa hipótese, deve ser aplicada a regra prevista no art. art. 206, § 5º, I, do CC, que estabelece em cinco anos o prazo de prescrição “de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular”. Ressalte-se que não cabe na hipótese, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, aplicar às debêntures o prazo prescricional relativo às notas promissórias e às letras de câmbio, bem como o prazo prescricional para haver o pagamento de título de crédito propriamente dito. Com efeito, deve-se considerar que a interpretação das normas sobre prescrição e decadência não pode ser realizada de forma extensiva. Precedentes citados: AgRg no AREsp 94.684-DF, Primeira Turma, DJe 25/5/2012; e AgRg no REsp 1.149.542-PR, Segunda Turma, DJe 21/5/2010. REsp 1.316.256-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/6/2013. (Informativo 526 – 4ª Turma)

RR Comentários: Agiu corretamente o STJ ao diferenciar os títulos de crédito dos valores mobiliários (no caso, debêntures), aplicando-se a estas o prazo prescricional da Lei 6.404/1976 e não o congênere existente no diploma legal que rege os primeiros. De fato, a doutrina há muito diferencia os institutos citados, dado que nos valores mobiliários temos: emissão em massa, empreendimento coletivo, risco de perda, entre outros elementos que estão ausentes nos títulos de crédito.

7.5 CONTRATOS MERCANTIS

7.5.1 Do arrendamento mercantil

RR | Direito civil. Caráter facultativo da celebração do contrato de arrendamento imobiliário especial com opção de compra previsto no art. 38 da Lei 10.150/2000. Recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. 8/2008-STJ).

As instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e que operem crédito imobiliário, inclusive a Caixa Econômica Federal, estão autorizadas, e não obrigadas, a promover contrato de “Arrendamento Imobiliário Especial com Opção de Compra” dos imóveis que tenham arrematado, adjudicado ou recebido em dação em pagamento por força de financiamentos habitacionais por elas concedidos. Essa é a interpretação mais adequada a ser conferida ao art. 38 da Lei n. 10.150/2000, que é claro ao estabelecer que tais instituições estão apenas autorizadas a celebrar o contrato, não impondo qualquer dever de contratação. Ademais, o dispositivo legal se dirige às instituições financeiras em geral que operem crédito imobiliário, não sendo compatível com o sistema constitucional em vigor a interpretação que imponha obrigação de contratar apenas à CEF, em prejuízo do princípio da livre autonomia da vontade e da igualdade constitucional de regime jurídico no campo das obrigações civis. Além de estar submetida a regime jurídico de direito privado, a CEF não é a única instituição financeira operando no mercado de mútuo habitacional, razão pela qual, na interpretação do art. 38 da Lei n. 10.150/2000, há de prevalecer a livre iniciativa e, como corolário desta, a liberdade contratual, que se expressa, antes de tudo, na faculdade de contratar ou não contratar. Tal interpretação também se coaduna com os princípios da moralidade, do uso racional dos recursos públicos e da segurança jurídica, pois, analisando a questão sob o aspecto de que, numa empresa pública, o capital é público, eventuais prejuízos causados por uma contratação forçada afetariam, ainda que indiretamente, o interesse coletivo. Outrossim, a lei não estabelece prazo de duração para o contrato de arrendamento, nem os critérios relativos ao preço de compra ou às prestações mensais, de modo que, caso se entendesse como de realização obrigatória, o contrato haveria de ser completado, pelas partes, em todos os seus elementos essenciais. Por todos esses motivos, percebe-se que o artigo em questão não está relacionado a uma atividade plenamente vinculada, capaz de obrigar, por si só, qualquer agente financeiro captador de depósito à vista e que opere crédito imobiliário à promoção do contrato. REsp 1.161.522-AL, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 12/12/2012. (Informativo 514 – 2ª Seção)

7.5.2 Do contrato de leasing

RR | Direito empresarial. Devolução da diferença entre o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem e o total pactuado como VRG no contrato de leasing financeiro. Recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. n. 8/2008-STJ).

Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais. No chamado leasing financeiro, o arrendador adquire o bem indicado pelo contratante sem nenhum interesse em mantê-lo em seu patrimônio após o término do contrato, de modo que a devolução do bem ao final da contratação levaria o produto à venda. Nessa modalidade, prepondera o caráter de financiamento na operação, colocado à disposição do particular, à semelhança da alienação fiduciária, como mais uma opção para a aquisição financiada de bem pretendido para uso, com custos financeiro-tributários mais atraentes a depender da pessoa arrendatária. Além disso, o Conselho Monetário Nacional, ao regulamentar o leasing financeiro, considera-o como a modalidade de arredamento mercantil em que “as contraprestações e demais pagamentos previstos no contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos” (art. 1º, I, da Res. n. 2.309/1996 do CMN). Nesse contexto, deve-se observar que a integral devolução ao arrendatário do pagamento prévio (antecipado ou diluído com as prestações) do chamado valor residual garantido (VRG) pode fazer com que a arrendadora fique muito longe de recuperar ao menos o custo (mesmo em termos nominais) pela aquisição do produto, o que atentaria flagrantemente contra a função econômico-social do contrato e terminaria por incentivar, de forma deletéria, especialmente nos casos de elevada depreciação do bem, a inadimplência, na medida em que, com a entrega do bem, teria o arrendatário muito mais a ganhar do que com o fiel cumprimento do contrato, eximindo-se quase completamente do custo da depreciação, que é, de fato, seu. É, portanto, inerente à racionalidade econômica do leasing financeiro a preservação de um valor mínimo em favor do arrendador pelo produto financiado, a servir-lhe de garantia (daí o nome: “valor residual garantido”), a depender, no caso de não exercida a opção de compra pelo arrendatário, do valor recebido com a venda do produto. Nesse sentido, o STJ tem estabelecido o entendimento de que o VRG pago antes do término do contrato não constitui propriamente um pagamento prévio do bem arrendado, mas sim um valor mínimo garantido ao arrendador no caso em que não exercida a opção de compra. A propósito, inclusive, a Portaria n. 564/1978 do Ministério da Fazenda (referente à tributação das arrendadoras nas operações de arrendamento mercantil) definiu o VRG como o “preço contratualmente estipulado para exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra”. Sendo assim, conclui-se que somente será possível a devolução ao arrendatário da diferença verificada no caso em que o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem tenha sido maior que o total pactuado como VRG na contratação, cabendo, ainda, o desconto prévio de outras despesas ou encargos contratuais eventualmente estipulados pelo contrato. Entende-se que assim, observando-se fielmente a finalidade do VRG, possa o arrendamento mercantil ter seu equilíbrio econômico-financeiro resguardado, preservando sua função social como pactuação propícia à proteção da confiança, da boa-fé, pelo estímulo à adimplência e ao cumprimento dos contratos. Como consequência, tem-se a redução dos custos financeiros e do spread bancário, a minoração das taxas de juros e, sobretudo, o incremento da atividade econômica em geral, tudo a bem da construção de uma sociedade em que vigore a livre iniciativa, mas com justiça social. Precedente citado: REsp n° 373.674/PR, Terceira Turma, DJ 16/11/2004. REsp 1.099.212-RJ, Rel. originário Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/2/2013. (Informativo 517 – 2ª Seção)

RR Comentários: Tratou o STJ sobre o leasing ou arrendamento mercantil em duas oportunidades.

Inicialmente,ponderou que as instituições financeiras que operam em crédito imobiliário, particularmente os bancos com controle titularizado por entes públicos, não estão obrigadas a realizar contrato de arrendamento especial dos imóveis que tenham recebido em virtude de financiamento. Isso porque o art. 38 da Lei 10.150/2000 ressalta expressamente que: “Ficam as instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e que operem crédito imobiliário autorizadas[e não obrigadas] a promover Arrendamento Imobiliário Especial com Opção de Compra dos imóveis que tenham arrematado, adjudicado ou recebido em dação em pagamento por força de financiamentos habitacionais por elas concedidos” (g.n.). Não se trata, portanto, do que a melhor doutrina convencionou denominar de contrato coativo ou contrato obrigatório, à semelhança do que ocorre com a renovação compulsória de locação empresarial ou com o seguro obrigatório.

Outra questão importante tratada pelo STJ foi referente ao cabimento da devolução do montante do VRG (valor residual garantido) nas hipóteses de restituição de posse fundada no inadimplemento do contrato.

Como se sabe, o leasing financeiro – contrato que, economicamente, equipara-se a uma compra e venda financiada – costuma ter como uma de suas cláusulas a obrigatoriedade do pagamento do valor residual (= valor normalmente devido pelo exercício da opção de compra do bem), independentemente do exercício da opção pelo arrendatário. Esse valor, por vezes, já consta implícita ou explicitamente estipulado nas parcelas devidas pelo arrendatário, ou é pago separadamente durante ou ao final do contrato.

Ocorre que, ao ser retomada a posse do bem pelo inadimplemento, o arrendatário pode já ter quitado parte do VRG. Nesse caso, o STJ entendeu que, quando o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais.

Em suma, teremos:

Se VRG contratado > VRG quitado + valor de venda do bem à cabível a restituição de diferenças ao arrendatário – despesas e encargos contratuais.

7.5.3 Do contrato de concessão comercial

Direito empresarial. Lei Renato Ferrari. Pagamento antecipado ao faturamento.

O distribuidor não poderá exigir da concessionária de veículos automotores o pagamento antecipado do preço das mercadorias por ele fornecidas se não houver a referida previsão no contrato, hipótese em que o pagamento somente poderá ser exigido após o faturamento do respectivo pedido, e, apenas se não realizado o pagamento, poderá ser oposta a exceção de contrato não cumprido. A Lei Renato Ferrari (Lei n. 6.729/1979) estabelece, de forma genérica, os direitos e obrigações do concedente e do concessionário, dispondo, em seu art. 11, que o “pagamento do preço das mercadorias fornecidas pelo concedente não poderá ser exigido, no todo ou em parte, antes do faturamento, salvo ajuste diverso entre o concedente e sua rede de distribuição”. As Convenções da Categoria Econômica dos Produtores e da Categoria Econômica dos Distribuidores de Veículos Automotores foram firmadas como fontes supletivas de direitos e obrigações para disciplinar as relações desse ramo econômico. Tais convenções não determinam que o pagamento do preço seja efetuado antes do faturamento do pedido de mercadoria. Portanto, somente ocorrendo o descumprimento da obrigação de uma das partes, pode a outra deixar de cumprir sua parcela na obrigação, conforme art. 476 do CC (exceção de contrato não cumprido), porque, em tese, poderá não receber o que lhe seria devido. Assim, a concessionária só pode ser penalizada se deixar de cumprir sua obrigação de pagar à vista e após o faturamento. Precedente citado: REsp 981.750-MG, DJe 23/4/2010. REsp 1.345.653-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/12/2012. (Informativo 512 – 3ª Turma)

RR Comentários: Concessão Comercial – Sobre os contratos de concessão comercial, disciplinados na Lei Ferrari (Lei n. 6.729/1979) decidiu o STJ que o distribuidor não poderá exigir da concessionária veículos automotores o pagamento antecipado do preço das mercadorias por ele fornecidas se não houver a referida previsão no contrato.

Trata-se, sem dúvida, de uma medida protetiva, visando à preservação do caixa das concessionárias, que não estão obrigadas a antecipar ao fornecedor os recursos antes da venda do bem, se não houver tal previsão em contrato.

7.5.4 Do contrato bancário

RR | Direito civil. Tarifas de abertura de crédito e de emissão de carnê até 30/4/2008. Recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. 8/2008-STJ).

Nos contratos bancários celebrados até 30/4/2008 (fim da vigência da Resolução 2.303/1996 do CMN), era válida a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC), ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei 4.595/1964, recebida pela CF como lei complementar, compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários e ao Bacen fazer cumprir as normas expedidas pelo CMN. Ao tempo da Resolução CMN 2.303/1996, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições financeiras era essencialmente não intervencionista. A regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela instituição. A cobrança das tarifas TAC e TEC é, portanto, permitida se baseada em contratos celebrados até o fim da vigência da Resolução 2.303/1996 do CMN, ressalvado abuso devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão aos conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto”. REsp 1.251.331-RS e REsp 1.255.573-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 28/8/2013. (Informativo 531 – 2ª seção)

RR | Direito civil. Tarifas de abertura de crédito e de emissão de carnê e tarifa de cadastro após 30/4/2008. Recurso repetitivo (art. 543-C do CPC e Res. 8/2008-STJ).

Não é possível a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) após 30/4/2008 (início da vigência da Resolução 3.518/2007 do CMN), permanecendo válida a pactuação de Tarifa de Cadastroexpressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. Com o início da vigência da Resolução 3.518/2007 do CMN, em 30/4/2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pelo Bacen. Em cumprimento ao disposto na referida resolução, o Bacen editou a Circular 3.371/2007. A TAC e a TEC não foram previstas na Tabela anexa à referida Circular e nos atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30/4/2008. Permanece legítima, entretanto, a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual remunera o serviço de “realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente” (Tabela anexa à vigente Resolução 3.919/2010 do CMN, com a redação dada pela Resolução 4.021/2011). Ademais, cumpre ressaltar que o consumidor não é obrigado a contratar esse serviço de cadastro junto à instituição financeira, pois possui alternativas de providenciar pessoalmente os documentos necessários à comprovação de sua idoneidade financeira ou contratar terceiro (despachante) para fazê-lo. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.” REsp 1.251.331-RS e REsp 1.255.573-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 28/8/2013. (Informativo 531 – 2ª seção)

7.6 DIREITO FALIMENTAR

7.6.1 Da falência

Direito empresarial e processual civil. Legitimidade ativa. Impossibilidade de a sociedade falida ajuizar ação com o objetivo de receber valor que deveria ter sido exigido pela massa falida.

A sociedade empresária falida não tem legitimidade para o ajuizamento de ação cujo objetivo seja o recebimento de valor que, segundo alega, deveria ter sido exigido pela massa falida, mas não o fora. Decretada sua falência, a sociedade não mais possui personalidade jurídica e não pode postular, em nome próprio, representada por um de seus sócios, direitos da massa falida, nem mesmo em caráter extraordinário. Somente a massa falida, por seu representante legal, que é o síndico (administrador), tem legitimidade para postular em juízo buscando assegurar seus próprios direitos. É certo que se assegura à sociedade falida o direito de fiscalizar a administração da massa; todavia, mesmo nessa hipótese, a falida somente poderá intervir na condição de assistente, mas nunca como autora. REsp 1.330.167-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 5/2/2013. informativo 513 – 3ª Turma)

RR Comentários: Legitimidade do falido para pleitear direitos – Um primeiro acórdão do STJ trata da legitimidade do devedor falido (pessoa jurídica) para pleitear em nome próprio direitos que não o foram pelo síndico ou administrador judicial.

O STJ estabeleceu que a sociedade empresária falida não tem legitimidade para o ajuizamento de ação cujo objetivo seja o recebimento de valor que, segundo alega, deveria ter sido exigido pela massa falida, mas não o fora.

Segundo o tribunal, decretada sua falência, a sociedade não mais possui personalidade jurídica e não pode postular, em nome próprio, representada por um de seus sócios, direitos da massa falida.

Com a devida vênia, entendemos que, embora correta a conclusão do acórdão quanto à ausência de legitimidade do falido, a premissa estabelecida para tanto é equivocada. Na verdade, a falência é causa de dissolução da sociedade falida, que não estará extinta até se ultimarem os atos de liquidação no processo falimentar e, finalmente, ser realizado o registro de sua extinção ou baixa na respectiva junta comercial.

Estivesse extinta sua personalidade, aliás, nem mesmo poderia intervir em processos como assistente (providência que o próprio acórdão admite como viável), muito menos pleitear no próprio processo falimentar, a extinção de suas obrigações e eventual continuidade de seus negócios.

Direito empresarial e processual civil. Impossibilidade de sustentação oral no julgamento de agravo de instrumento ocorrido após a revogação do § 1º do art. 207 do Dec.-Lei 7.661/1945, no caso de falência decretada antes da vigência da Lei 11.101/2005.

No caso de falência decretada antes do início da vigência da Lei n. 11.101/2005, não é possível a realização de sustentação oral no agravo de instrumento se, na data da sessão de julgamento, já não mais vigorava o § 1º do art. 207 do Decreto-lei n. 7.661/1945, revogado pela Lei n. 6.014/1973. A falência decretada antes da entrada em vigor da Lei n. 11.101/2005 deve seguir as regras contidas no Decreto-lei n. 7.661/1945. A Lei n. 6.014/1973 excluiu o § 1º do art. 207 do referido decreto-lei, eliminando a possibilidade de sustentação oral no julgamento do agravo de instrumento em processo falimentar e determinando que, em tais processos, os procedimentos e os prazos do agravo de instrumento deveriam observar as normas contidas no CPC. Assim, se, na data da sessão de julgamento, já não mais vigorava o § 1º do art. 207 do Decreto-lei n. 7.661/1945, devem ser aplicadas, subsidiariamente, as normas do CPC, que não autorizam a realização de sustentação oral em agravo de instrumento. AgRg no REsp 1.229.579-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/12/2012. (Informativo 513 – 4ª Turma)

RR Comentários: Sustentação oral em agravo – Medida excepcional permitida na legislação falimentar anterior, a sustentação oral em agravo foi considerada pelo STJ como não mais admitida no ordenamento falimentar brasileiro. Assim, em falência decretada antes do início da vigência da Lei 11.101/2005, não é possível a realização de sustentação oral no agravo de instrumento se, na data da sessão de julgamento, já não mais vigorava o § 1º do art. 207 do Decreto-Lei 7.661/1945.

Direito empresarial e processual civil. Desconsideração da personalidade jurídica. Extensão, no âmbito de procedimento incidental, dos efeitos da falência à sociedade do mesmo grupo.

É possível, no âmbito de procedimento incidental, a extensão dos efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de utilização da personalidade jurídica da falida com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros, e desde que, demonstrada a existência de vínculo societário no âmbito do grupo econômico, seja oportunizado o contraditório à sociedade empresária a ser afetada. Nessa hipótese, a extensão dos efeitos da falência às sociedades integrantes do mesmo grupo da falida encontra respaldo na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo admitida pela jurisprudência firmada no STJ. AgRg no REsp 1.229.579-MG, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 18/12/2012. (Informativo 513 – 4ª Turma)

RR Comentários: Extensão dos efeitos da falência – O STJ vem sendo razoavelmente permissivo com a extensão de efeitos de falência a empresas do mesmo grupo econômico, aplicando ao caso a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Nos termos decididos pelo tribunal, é possível, no âmbito de procedimento incidental, a extensão dos efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de utilização da personalidade jurídica da falida com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros, e desde que, demonstrada a existência de vínculo societário no âmbito do grupo econômico, seja oportunizado o contraditório à sociedade empresária a ser afetada.

Algumas considerações aqui são pertinentes e não estão plenamente resolvidas pelo STJ:

(1) No acórdão em comento, exige-se o atendimento ao princípio do contraditório, em relação à sociedade a ser afetada, para a desconsideração. Essa matéria é divergente na doutrina e na própria jurisprudência do STJ;

(2) A jurisprudência não define de forma precisa qual o estado da empresa afetada. Em outras palavras, a extensão dos efeitos implica falência da sociedade afetada ou só a arrecadação de bens desta última? Em princípio, entende-se que a sociedade afetada não será considerada falida, até porque a aplicação da teoria da desconsideração (base para a extensão dos efeitos) não implica extinção de personalidade, mas sim suspensão de sua eficácia em relação a alguns atos.

(3) Qual a abrangência da extensão? Poderão ser arrecadados todos os bens da sociedade afetada ou o juiz deverá determinar quais os limites da arrecadação, apontando os bens determinados que estarão sujeitos à medida? Essa questão dificilmente é enfrentada na jurisprudência. Veja-se que, em se determinando a arrecadação total dos bens, possivelmente será inviabilizada qualquer atividade econômica, levando à inarredável falência a sociedade afetada.

Direito empresarial. Possibilidade de inclusão de multa moratória de natureza tributária na classificação dos créditos de falência decretada na vigência da Lei 11.101/2005.

É possível a inclusão de multa moratória de natureza tributária na classificação dos créditos de falência decretada na vigência da Lei n. 11.101/2005, ainda que a multa seja referente a créditos tributários anteriores à vigência da lei mencionada. No regime do Decreto-Lei n. 7.661/1945, impedia-se a cobrança da multa moratória da massa falida, tendo em vista a regra prevista em seu art. 23, parágrafo único, III, bem como o entendimento consolidado nas Súmulas 192 e 565 do STF. Com a vigência da Lei n. 11.101/2005, tornou-se possível a cobrança da multa moratória de natureza tributária da massa falida, pois o art. 83, VII, da aludida lei preceitua que “as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias”sejam incluídas na classificação dos créditos na falência. Além disso, deve-se observar que a Lei n. 11.101/2005 é aplicável às falências decretadas após a sua vigência, em consideração ao disposto em seu art. 192. REsp 1.223.792-MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 19/2/2013. (Informativo 515 – 2ª Turma)

Súmula n.º 192 – Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena administrativa.

Súmula n.º 565 – A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência.

RR Comentários: Multa Moratória – O STJ fixou claramente as distinções entre a Lei 11.101/05 e o Dec. Lei 7.661/1945. Enquanto a primeira admite a inclusão de multas tributárias de caráter moratório, o segundo, durante sua vigência (acompanhado pelo entendimento jurisprudencial do STF), não as admitia.

A base para a admissão desses créditos, segundo o STJ, é a data em que foi decretada a quebra. É possível a inclusão de multa moratória de natureza tributária na classificação dos créditos de falência decretada na vigência da Lei 11.101/2005, ainda que a multa seja referente a créditos tributários anteriores à vigência da lei mencionada.

Direito empresarial. Legitimidade para a propositura de ação de nulidade de negócio jurídico efetivado pela sociedade empresarial falida.

O ajuizamento de típica ação revocatória pelo síndico no âmbito de procedimento falencial regido pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945 não retira a legitimidade de qualquer credor habilitado para a propositura de ação com pedido de reconhecimento de nulidade de negócio jurídico envolvendo bem de sociedade empresarial falida. Cuidando-se de ações distintas, não é aplicável à ação de nulidade o regramento da ação revocatória estabelecido pelo art. 55 do Decreto-Lei n. 7.661/1945, cujo teor confere legitimidade apenas subsidiária aos credores em relação ao síndico da massa. Desse modo, qualquer credor, por força do disposto art. 30, II, do Decreto-Lei n. 7.661/1945, é, em princípio, parte legítima para a propositura da ação anulatória. REsp 1.353.864-GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 7/3/2013. (Informativo 517 – 3ª Turma)

Direito empresarial. Inaplicabilidade do prazo previsto no art. 56, § 1º, do Decreto-Lei 7.661/1945 à ação anulatória de negócio jurídico realizado por sociedade empresarial falida.

O direito de credor habilitado da massa falida de anular, mediante ação anulatória, negócio jurídico realizado pela sociedade empresarial falida não está sujeito ao prazo decadencial de um ano. Efetivamente, a referida ação não se confunde com a típica ação revocatória, de modo que não lhe é aplicável o prazo previsto no art. 56, § 1º, do Decreto-Lei n. 7.661/1945. REsp 1.353.864-GO, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 7/3/2013. (Informativo 517 – 3ª Turma)

RR Comentários: Ação revocatória e ação de nulidade – Nesse campo, o STJ estabeleceu clara distinção entre a ação revocatória (buscando a ineficácia de atos perante a massa) e as ações de nulidade ajuizadas por credor.

O tribunal estabeleceu verdadeira independência dessas ações: o ajuizamento de revocatória pelo síndico no âmbito de procedimento falencial regido pelo Decreto-Lei 7.661/1945 não retira a legitimidade de qualquer credor habilitado para a propositura de ação com pedido de reconhecimento de nulidade de negócio jurídico envolvendo bem de sociedade empresarial falida.

Do mesmo modo, o direito de credor habilitado da massa falida de anular, mediante ação anulatória, negócio jurídico realizado pela sociedade empresarial falida não está sujeito ao prazo decadencial de um ano, existente no Decreto-Lei 7.661/1945 para ação revocatória.

Direito empresarial e processual civil. Custas judiciais nas habilitações retardatárias de crédito.

Nas falências regidas pelo Decreto-Lei 7.661/1945, a habilitação retardatária de crédito enseja o pagamento de custas judiciais. Embora os arts. 82 e 98 do Decreto-Lei 7.661/1945, que tratavam da habilitação de crédito, não fizessem menção expressa ao recolhimento de custas processuais nas habilitações retardatárias, o art. 23 do referido diploma legal estabelecia que, em algumas situações, haveria a necessidade de seu recolhimento. Desse modo, enquanto a habilitação de crédito formulada no prazo do edital de convocação de credores é mero incidente processual – o que acarreta a isenção de custas –, a habilitação tardia do crédito constitui procedimento autônomo, que acarreta a movimentação de toda a máquina judiciária para seu processamento e para sua análise, ensejando, assim, o pagamento de custas judiciais. Confirmando esse entendimento, a Lei 11.101/2005, em seu art. 10, § 3º, prevê que os credores retardatários ficarão sujeitos ao pagamento de custas. Isso ocorre porque são eles que dão causa às despesas, com a efetivação dos atos processuais da habilitação. REsp 512.406-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 27/8/2013. (Informativo 528 – 4ª Turma)

RR Comentários: Habilitação retardatária e custas – Estabeleceu o STJ que nas falências regidas pelo Decreto-Lei 7.661/1945, a habilitação retardatária de crédito enseja o pagamento de custas judiciais.

De fato, as habilitações retardatárias são verdadeiras ações judiciais, ajuizadas necessariamente mediante a representação por advogado, diferentemente das habilitações tempestivas que são mero atendimento ao chamamento feito pelo síndico (administrador) aos credores, podendo ser efetuadas sem o requisito da capacidade postulatória inerente à atividade advocatícia.

Direito processual civil. Habilitação de crédito previdenciário em processo de falência.

É desnecessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista. Com efeito, a constituição do crédito tributário pela via administrativa do lançamento, da qual resulta a CDA, título executivo extrajudicial conforme o art. 585, VII, do CPC, não se confunde com o crédito materializado no título executivo judicial no qual foi reconhecida uma obrigação tributária, nascida com o fato gerador, cuja ocorrência se dá “na data da prestação do serviço” (art. 43, § 2º, da Lei n. 8.212/1991). Efetivamente, a sentença da justiça laboral que condena o empregador a uma obrigação de caráter trabalhista e, por consequência, reconhece a existência do fato gerador da obrigação tributária insere-se na categoria geral de sentença proferida no processo civil que reconhece a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia (art. 475-N, CPC). Desse modo, a sentença consubstancia, ela própria, título executivo judicial no qual subjaz o crédito para a Fazenda Pública. REsp 1.170.750-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/08/2013. (Informativo 530 – 4ª Turma)

RR Comentários: O fisco tem várias possibilidades para cobrar seu crédito. No caso de contribuições previdenciárias descontadas, mas não recolhidas, tem a possibilidade de pedir restituição de seus valores. Nos demais casos, pode ajuizar e prosseguir com eventual execução fiscal, que não se suspende pela falência. Além disso, hoje se reconhece a possibilidade de o fisco se habilitar no processo falimentar. No caso concreto, tratou-se de sentença trabalhista que, ao condenar o empregador ao pagamento de verbas dessa natureza, incluiu na condenação a obrigação de recolhimentos à Previdência Social. Nesse caso, a sentença já se consubstancia em documento suficiente para possibilitar a habilitação do INSS nos autos, independentemente da juntada de CDA.

Direito empresarial. Compensação no processo falimentar.

Os valores a serem restituídos à massa falida decorrentes da procedência de ação revocatória não podem ser compensados com eventual crédito habilitado no processo de falência pelo réu condenado. Isso porque à ação revocatória subjaz uma situação de ilegalidade preestabelecida em prejuízo da coletividade de credores, ilegalidade que não pode beneficiar quem a praticou, viabilizando satisfação expedita de seus créditos. Nessa ordem de ideias, a ação revocatória, de eficaz instrumento vocacionado à restituição de bens que escoaram fraudulentamente do patrimônio da falida, tornar-se-ia engenhosa ferramenta de lavagem de capitais recebidos em desconformidade com a par conditio creditorum. Ademais, a doutrina vem apregoando que as hipóteses legais que impedem a compensação do crédito perante a massa não estão listadas exaustivamente no art. 46 do Decreto-Lei n. 7.661/1945 (correspondente, em parte, ao art. 122 da Lei n. 11.101/2005). Aplicam-se também ao direito falimentar as hipóteses que vedam a compensação previstas no direito comum, como aquelas previstas nos arts. de 1.015 a 1.024 do CC de 1916, entre as quais se destaca a compensação realizada em prejuízo de direitos de terceiros (art. 1.024). REsp 1.121.199-SP, Rel. originário Min. Raul Araújo, Rel. para acórdão Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 10/9/2013. (Informativo 531 – 4ª Turma)

RR Comentários: Claramente o STJ reconheceu a impossibilidade de compensação entre crédito habilitado e valores oriundos de ação revocatória. Isso porque estes últimos são um direito pertencente à coletividade de credores, e não a um único credor habilitado, além de provirem de ato repudiado pelo ordenamento jurídico, que o tem como ineficaz.

7.6.2 Da recuperação judicial

Direito civil e empresarial. Recuperação judicial. Transferência de valores levantados em cumprimento de plano homologado para a garantia de juízo de execução fiscal em trâmite simultâneo.

As verbas previstas em plano de recuperação judicial aprovado e essenciais ao seu cumprimento não podem ser transferidas a juízo executivo com o intuito de garantir o juízo de execução fiscal ajuizada em face da empresa em crise econômico-financeira, ainda que a inexistência de garantia do juízo da execução gere a suspensão do executivo fiscal. O princípio da preservação da empresa foi alçado como paradigma a ser promovido em nome do interesse público e coletivo, e não com esteio em meros interesses privados circunstancialmente envolvidos, uma vez que a empresa, na qualidade de importante instrumento de organização produtiva, encerra em si um feixe de múltiplos interesses, entre os quais se destacam os interesses dos sócios (majoritários e minoritários), dos credores, dos parceiros e fornecedores, dos empregados, dos consumidores e da comunidade (ante a geração de impostos, criação de postos de trabalho e movimentação do mercado). Dessa forma, embora o deferimento do processamento da recuperação judicial ou a homologação do plano aprovado não tenham, por si só, o condão de suspender as execuções fiscais ajuizadas contra a empresa em crise econômico-financeira, são vedados os atos judiciais que inviabilizem a recuperação judicial da empresa, ainda que indiretamente resultem efetiva suspensão do procedimento executivo fiscal, não pelo mero deferimento do processamento da recuperação ou pela simples homologação do plano, mas por ausência de garantia do juízo executivo. Por consequência, os valores previstos em plano de recuperação judicial aprovado e essenciais ao seu cumprimento não podem ser transferidos a juízo executivo com o intuito de garantir o juízo de execução fiscal, na medida em que representam atos judiciais que inviabilizam a recuperação judicial da empresa. O interesse no prosseguimento da execução fiscal que não fora oportunamente garantida não pode se sobrepor de tal maneira a fazer sucumbir o interesse público da coletividade na manutenção da empresa tida ainda por economicamente viável. REsp 1.166.600-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 4/12/2012. (Informativo 512 – 3ª Turma)

RR Comentários: Verbas em plano de recuperação e execuções fiscais – Aplicando o princípio da preservação da empresa e evitando sua inviabilização, o STJ decidiu que as verbas previstas em plano de recuperação judicial aprovado e essenciais ao seu cumprimento não podem ser transferidas a juízo executivo com o intuito de garantir o juízo de execução fiscal ajuizada em face da empresa em crise econômico-financeira, ainda que a inexistência de garantia do juízo da execução gere a suspensão do executivo fiscal.

Agiu bem o STJ, uma vez que a preservação do crédito fiscal não pode prevalecer sobre os benefícios sociais que a atividade empresarial gera, notadamente o emprego e o estímulo à economia como um todo.

Direito empresarial. Sujeição dos créditos cedidos fiduciariamente aos efeitos da recuperação judicial.

Não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente como garantia de contrato de abertura de crédito na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei n. 4.728/1965. A Lei n. 11.101/2005 estabelece, como regra geral, que estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (art. 49, caput). Todavia, há alguns créditos que, embora anteriores ao pedido de recuperação judicial, não se sujeitam aos seus efeitos. Segundo o § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Ademais, de acordo com o art. 83 do CC/2002, consideram-se móveis, para os efeitos legais, os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações. O § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, após estabelecer a regra de que o credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis “não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial”, estabelece que “prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”. Isso, contudo, não permite inferir que, não sendo o título de crédito “coisa corpórea”, à respectiva cessão fiduciária não se aplicaria a regra da exclusão do titular de direito fiduciário do regime de recuperação. Com efeito, a explicitação contida na oração “prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa” tem como escopo deixar claro que, no caso de bens corpóreos, estes poderão ser retomados pelo credor para a execução da garantia, salvo em se tratando de bens de capital essenciais à atividade empresarial, hipótese em que a lei concede o prazo de cento e oitenta dias durante o qual é vedada a sua retirada do estabelecimento do devedor. Assim, tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusulas de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Portanto, em face da regra do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, devem ser excluídos dos efeitos da recuperação judicial os créditos que possuem garantia de cessão fiduciária. REsp 1.263.500-ES, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 5/2/2013. (Informativo 514 – 4ª Turma)

Direito empresarial. Não sujeição do crédito garantido por cessão fiduciária de direito creditório ao processo de recuperação judicial.

O crédito garantido por cessão fiduciária de direito creditório não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005. Conforme o referido dispositivo legal, os créditos decorrentes da propriedade fiduciária de bens móveis e imóveis não se submetem aos efeitos da recuperação judicial. A cessão fiduciária de títulos de crédito é definida como “o negócio jurídico em que uma das partes (cedente fiduciante) cede à outra (cessionária fiduciária) seus direitos de crédito perante terceiros em garantia do cumprimento de obrigações”. Apesar de, inicialmente, o CC/2002 ter restringido a possibilidade de constituição de propriedade fiduciária aos bens móveis infungíveis, a Lei n. 10.931/2004 contemplou a possibilidade de alienação fiduciária de coisa fungível e de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição contrária, é atribuída ao credor a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito. Além disso, a Lei n. 10.931/2004 incluiu o art. 1.368-A ao CC/2002, com a seguinte redação: “as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial”. Desse modo, pode-se concluir que a propriedade fiduciária contempla a alienação fiduciária de bens móveis, infungíveis (arts. 1.361 a 1.368-A do CC) e fungíveis (art. 66-B da Lei n. 4.728/1965), além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito. Assim, o crédito garantido por cessão fiduciária de direito creditório, espécie do gênero propriedade fiduciária, não se submete aos efeitos da recuperação judicial. Como consequência, os direitos do proprietário fiduciário não podem ser suspensos na hipótese de recuperação judicial, já que a posse direta e indireta do bem e a conservação da garantia são direitos assegurados ao credor fiduciário pela lei e pelo contrato. REsp 1.202.918-SP, Rel. Min. Villas BôasCueva, julgado em 7/3/2013. (Informativo 518 – 4ª Turma)

RR Comentários: Recuperação judicial e créditos fiduciários – Uma das maiores polêmicas existentes na atualidade se refere à inclusão ou não dos créditos cedidos fiduciariamente em garantia de financiamentos bancários. A hipótese restou conhecida pelo jargão de mercado “trava bancária, que veremos a seguir.

É usual em financiamentos bancários que a instituição financeira exija a cessão fiduciária dos créditos (recebíveis) do devedor, como forma de garantia da operação. Com isso, a instituição financeira passa a deter a propriedade ou titularidade dos créditos ou dos títulos que os corporificam, passando, muitas vezes, a recebê-los diretamente dos devedores do financiado.

Exemplo muito comum disso é a cessão fiduciária de recebíveis concernentes aos pagamentos de clientes do financiado realizados por cartões de crédito. Nessas hipóteses, a instituição financeira passa a titularizar (e receber diretamente) todos os pagamentos feitos por clientes do financiado por intermédio de cartões de crédito, como garantia de pagamento efetivo da operação.

A questão que se opera na prática, dado que muitas dessas operações abrangem a quase totalidade dos créditos de um empresário ou sociedade empresária, é a seguinte: o titular do crédito cedido fiduciariamente se sujeita à recuperação judicial pleiteada pelo financiado em dificuldades econômicas?

A resposta é tormentosa e, muitas vezes, de difícil resolução prática.

Muitas vezes, a abrangência da cessão de créditos do financiado é tão pronunciada que a não sujeição ao processo de recuperação do credor titular dos recebíveis cedidos inviabiliza a recuperação daquele.

Imagine-se a hipótese em que a quase totalidade dos pagamentos do financiado seja efetuada pelo clientes deste com o uso de cartões de crédito. As receitas do negócio, em um caso como esse, estarão, em grande parte,vinculadas ao pagamento por intermédio de cartões e imediatamente cedidas à instituição financeira, tornando impossível o pagamento de outros credores com o faturamento obtido. Isso, consequentemente, inviabiliza a recuperação do empresário por falta de recursos para o pagamento dos demais créditos.

Por outro lado, o art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005 exclui da sujeição à recuperação judicial os créditos objeto de cessão fiduciária.

Nessa polêmica, que angaria posições divergentes na jurisprudência, o STJ vem decidindo pela não sujeição aos efeitos da recuperação judicial dos créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente.

Direito empresarial. Sujeição de crédito derivado de honorários advocatícios sucumbenciais à recuperação judicial.

Os créditos derivados de honorários advocatícios sucumbenciais estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, mesmo que decorrentes de condenação proferida após o pedido de recuperação. De fato, essa verba não pode ser considerada como “créditos existentes à data do pedido de recuperação judicial” (art. 49 da Lei 11.101/2005) na hipótese que tenha nascido de sentença prolatada em momento posterior ao pedido de recuperação. Essa circunstância, todavia, não é suficiente para excluí-la, automaticamente, das consequências da recuperação judicial. Cabe registrar que possuem natureza alimentar os honorários advocatícios, tanto os contratualmente pactuados como os de sucumbência. Desse modo, tanto honorários advocatícios quanto créditos de origem trabalhista constituem verbas que ostentam natureza alimentar. Como consequência dessa afinidade ontológica, impõe-se dispensar-lhes, na espécie, tratamento isonômico, de modo que aqueles devem seguir – na ausência de disposição legal específica – os ditames aplicáveis às quantias devidas em virtude da relação de trabalho. Assim, em relação à ordem de classificação dos créditos em processos de execução concursal, os honorários advocatícios têm tratamento análogo àquele dispensado aos créditos trabalhistas. É necessário ressaltar que os créditos trabalhistas estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial, ainda que reconhecidos em juízo posteriormente ao seu processamento. Dessa forma, a natureza comum de ambos os créditos – honorários advocatícios de sucumbência e verbas trabalhistas – autoriza que sejam regidos, para efeitos de sujeição à recuperação judicial, da mesma forma. Sabe-se que o art. 24 do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) prevê a necessidade de habilitação dos créditos decorrentes de honorários quando se constatar a ocorrência de “concurso de credores, falência, liquidação extrajudicial, concordata ou insolvência civil”. É importante ressaltar que o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) é anterior à publicação da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/2005), de modo que, por imperativo lógico, não se poderia exigir que vislumbrasse nas hipóteses de concessão de recuperação judicial. REsp 1.377.764-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/8/2013. (Informativo 531 – 3ª Turma)

RR Comentários: A questão dos honorários advocatícios na recuperação judicial e na falência sempre foi tema muito polêmico. Alguns entendem, como o fez nessa oportunidade o STJ, tratar-se de verba alimentar, que deve ter o mesmo tratamento dos créditos trabalhistas. A jurisprudência do STJ e de outros tribunais sobre a matéria ainda não é pacífica

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Resumo
Direito Empresarial

Não é possível a realização de “importação paralela” de uísque de marca estrangeira para o Brasil na hipótese em que o titular da marca se oponha à importação, mesmo que o pretenso importador já tenha realizado, em momento anterior à oposição, “importações paralelas” dos mesmos produtos de maneira consentida e legítima. Ocorre a chamada “importação paralela” na hipótese em que outro distribuidor que não tenha acordado cláusula de exclusividade na distribuição dos produtos da marca no território nacional adquira, no estrangeiro, isto é, fora dos circuitos de distribuição exclusiva, produtos originais daquela mesma marca estrangeira para a venda no Brasil, considerando o fato de que terceiros não estão obrigados aos termos de contrato celebrado entre o fornecedor e o seu distribuidor brasileiro exclusivo. O titular da marca internacional tem, em princípio, o direito de exigir o seu consentimento para a “importação paralela” dos produtos de sua marca para o mercado nacional.

É legítimo o interesse do titular de uma marca em obter do INPI, pela via direta, uma declaração geral e abstrata de que sua marca é de alto renome. Atualmente, a sistemática imposta pela aludida autarquia, por meio da Resolução n. 121/2005, somente admite que o interessado obtenha o reconhecimento do alto renome pela via incidental.

Caso inexista uma declaração administrativa do INPI a respeito da caracterização, ou não, de uma marca como sendo de alto renome, não pode o Poder Judiciário conferir, pela via judicial, a correspondente proteção especial. Até que haja a manifestação do INPI pela via direta, a única ilegalidade praticada será a inércia da Administração Pública. Assim, é incabível, ao menos nesse momento, a ingerência do Poder Judiciário no mérito do ato omissivo, competindo-lhe, caso provocado, a adoção de medidas tendentes a ocasionar a manifestação do INPI.

O termo inicial do prazo prescricional de cinco anos (art. 225 da Lei 9.279/1996)é a data da violação do direito à propriedade industrial e se renova enquanto houver o indevido uso. Enquanto o réu continuar a utilizar marca alheia registrada, diariamente o direito será violado, nascendo nova pretensão indenizatória.

A marca que constitui vocábulo de uso comum no segmento mercadológico em que se insere – associado ao produto ou serviço que se pretende assinalar – pode ser utilizada por terceiros de boa-fé. As marcas evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, possuindo um âmbito de proteção limitado.

A utilização de pequenos trechos de obras preexistentes somente não constitui ofensa aos direitos autorais quando a reprodução, em si, não seja o objetivo principal da obra nova, não prejudique a exploração normal daquela reproduzida, nem cause prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

O direito autoral protege apenas a criação de uma obra, caracterizada sua exteriorização sob determinada forma, e não a ideia em si ou um tema determinado. Com efeito, não há violação de direitos autorais pelo simples fato de as ideias de uma obra serem usadas em outra.

O ECAD tem legitimidade para reduzir o valor a ser recebido, a título de direitos autorais, pelos autores de obras musicais de background (músicas de fundo), bem como estabelecer, para a remuneração desse tipo de obra, valor diferente do que o recebido pelos compositores das demais composições, de forma a corrigir distorções na remuneração pela execução das diversas obras musicais.

A autoridade judicial competente pode determinar, como medida de tutela inibitória fundada no art. 105 da Lei 9.610/1998, a suspensão ou a interrupção da transmissão de determinadas obras musicais por emissora de radiodifusão em razão da falta de pagamento ao ECAD do valor correspondente aos respectivos direitos autorais, ainda que pendente ação judicial destinada à cobrança desse valor.

Os nubentes são responsáveis pelo pagamento ao ECAD de taxa devida em razão da execução de músicas, sem autorização dos autores, na festa de seu casamento realizada em clube, ainda que o evento não vise à obtenção de lucro direto ou indireto. Quanto à definição de quem deve ser considerado devedor da taxa em questão – cobrada pelo ECAD em decorrência da execução de músicas em casamentos – não há previsão explícita na Lei de Direitos Autorais,quando da previsão das sanções civis decorrentes das violações de direitos autorais, a Lei 9.610/1998 prevê que respondem solidariamente por estas os organizadores dos espetáculos, os proprietários, diretores, gerentes, empresários e arrendatários dos locais previstos no referido art. 68.

Para executar, em virtude da obrigação avalizada, o avalista de notas promissórias dadas pelo faturizado em garantia da existência do crédito cedido por contrato de factoring, o faturizador exequente não precisa demonstrar a inexistência do crédito cedido.

A propositura de ação visando ao alongamento da dívida rural acarreta a suspensão, e não a imediata extinção, do processo de execução anteriormente proposto com base em cédulas de crédito rural firmadas como garantia do custeio de atividades agrícolas desenvolvidas pelo executado.

Cédula de Crédito Rural emitida por pessoa física, é nulo o aval prestado por pessoa física estranha ao negócio jurídico garantido.

A emissão de Cédula de Produto Rural – CPR em garantia de contrato de compra e venda de safra futura não pressupõe, necessariamente, a antecipação do pagamento do produto. Isso porque a emissão desse título de crédito pode se dar tanto para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, como numa operação de hedge, na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretenda apenas se proteger dos riscos de flutuação de preços no mercado futuro.

A Cédula de Crédito Bancário – título executivo extrajudicial, representativo de operações de crédito de qualquer natureza –, quando acompanhada de claro demonstrativo dos valores utilizados pelo cliente, é meio apto a documentar a abertura de crédito em conta-corrente nas modalidades de crédito rotativo ou cheque especial.

A pós-datação de cheque não modifica o prazo de apresentação nem o prazo de prescrição do título.

É possível o protesto de cheque nominal à ordem, por endossatário terceiro de boa-fé, após o decurso do prazo de apresentação, mas antes da expiração do prazo para ação cambial de execução, ainda que, em momento anterior, o título tenha sido sustado pelo emitente em razão do inadimplemento do negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.

Os juros de mora sobre a importância de cheque não pago contam-se da primeira apresentação pelo portador à instituição financeira, e não da citação do sacador.

A Brasil Telecom S/A tem legitimidade para responder pelos atos praticados pela Telesc quanto a credores cujo título não tiver sido constituído até o ato de incorporação, independentemente de se referir a obrigações anteriores a ele. Isso porque a sucessão, por incorporação, de empresas determina a extinção da personalidade jurídica da incorporada, com a transmissão de seus direitos e obrigações à incorporadora. A incorporadora, engloba outra, a incorporada, integrando ao seu patrimônio tanto o ativo quanto o passivo da incorporada.

Prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de valores relativos a debêntures. Não cabe na hipótese, por ampliação ou analogia, sem qualquer previsão legal, aplicar às debêntures o prazo prescricional relativo às notas promissórias e às letras de câmbio, bem como o prazo prescricional para haver o pagamento de título de crédito propriamente dito.

As instituições financeiras captadoras de depósitos à vista e que operem crédito imobiliário, inclusive a Caixa Econômica Federal, estão autorizadas, e não obrigadas, a promover contrato de “Arrendamento Imobiliário Especial com Opção de Compra” dos imóveis que tenham arrematado, adjudicado ou recebido em dação em pagamento por força de financiamentos habitacionais por elas concedidos.

Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais. Somente será possível a devolução ao arrendatário da diferença verificada no caso em que o resultado da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem tenha sido maior que o total pactuado como VRG na contratação, cabendo, ainda, o desconto prévio de outras despesas ou encargos contratuais eventualmente estipulados pelo contrato.

O distribuidor não poderá exigir da concessionária de veículos automotores o pagamento antecipado do preço das mercadorias por ele fornecidas se não houver a referida previsão no contrato.

Nos contratos bancários celebrados até 30/4/2008 (fim da vigência da Resolução 2.303/1996 do CMN), era válida a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC).

Não é possível a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) após 30/4/2008 (início da vigência da Resolução 3.518/2007 do CMN), permanecendo válida a pactuação de Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

A sociedade empresária falida não tem legitimidade para o ajuizamento de ação cujo objetivo seja o recebimento de valor que, segundo alega, deveria ter sido exigido pela massa falida, mas não o fora. Decretada sua falência, a sociedade não mais possui personalidade jurídica e não pode postular, em nome próprio, representada por um de seus sócios, direitos da massa falida, nem mesmo em caráter extraordinário.

No caso de falência decretada antes do início da vigência da Lei n. 11.101/2005, não é possível a realização de sustentação oral no agravo de instrumento se, na data da sessão de julgamento, já não mais vigorava o § 1º do art. 207 do Decreto-lei n. 7.661/1945, revogado pela Lei n. 6.014/1973.

É possível, no âmbito de procedimento incidental, a extensão dos efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de utilização da personalidade jurídica da falida com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros, e desde que, demonstrada a existência de vínculo societário no âmbito do grupo econômico, seja oportunizado o contraditório à sociedade empresária a ser afetada.

É possível a inclusão de multa moratória de natureza tributária na classificação dos créditos de falência decretada na vigência da Lei n. 11.101/2005, ainda que a multa seja referente a créditos tributários anteriores à vigência da lei mencionada.

O ajuizamento de típica ação revocatória pelo síndico no âmbito de procedimento falencial regido pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945 não retira a legitimidade de qualquer credor habilitado para a propositura de ação com pedido de reconhecimento de nulidade de negócio jurídico envolvendo bem de sociedade empresarial falida.

O direito de credor habilitado da massa falida de anular, mediante ação anulatória, negócio jurídico realizado pela sociedade empresarial falida não está sujeito ao prazo decadencial de um ano.

Nas falências regidas pelo Decreto-Lei 7.661/1945, a habilitação retardatária de crédito enseja o pagamento de custas judiciais.

É desnecessária a apresentação de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para habilitação, em processo de falência, de crédito previdenciário resultante de decisão judicial trabalhista.

Os valores a serem restituídos à massa falida decorrentes da procedência de ação revocatória não podem ser compensados com eventual crédito habilitado no processo de falência pelo réu condenado. Isso porque à ação revocatória subjaz uma situação de ilegalidade preestabelecida em prejuízo da coletividade de credores, ilegalidade que não pode beneficiar quem a praticou, viabilizando satisfação expedita de seus créditos.

As verbas previstas em plano de recuperação judicial aprovado e essenciais ao seu cumprimento não podem ser transferidas a juízo executivo com o intuito de garantir o juízo de execução fiscal ajuizada em face da empresa em crise econômico-financeira, ainda que a inexistência de garantia do juízo da execução gere a suspensão do executivo fiscal.

Não estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial os créditos representados por títulos cedidos fiduciariamente como garantia de contrato de abertura de crédito na forma do art. 66-B, § 3º, da Lei n. 4.728/1965.

O crédito garantido por cessão fiduciária de direito creditório não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005. A propriedade fiduciária contempla a alienação fiduciária de bens móveis, infungíveis (arts. 1.361 a 1.368-A do CC) e fungíveis (art. 66-B da Lei n. 4.728/1965), além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito.

Os créditos derivados de honorários advocatícios sucumbenciais estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial, mesmo que decorrentes de condenação proferida após o pedido de recuperação. Possuem natureza alimentar os honorários advocatícios, tanto os contratualmente pactuados como os de sucumbência. Desse modo, tanto honorários advocatícios quanto créditos de origem trabalhista constituem verbas que ostentam natureza alimentar.