Capítulo 15

Escravidão auto-imposta

Em geral, quando os fumantes param, as razões principais são saúde, dinheiro e estigma social. Parte da lavagem cerebral dessa terrível droga é a absoluta escravidão.

Sabemos que o homem lutou arduamente nos últimos séculos para abolir a escravidão. Entretanto, o fumante passa a vida sofrendo uma escravidão auto-imposta. Ele parece não ter consciência de que, quando lhe é permitido fumar, desejaria ser um não-fumante. A maioria dos cigarros que acendemos na vida não nos traz nenhum prazer e nós nem percebemos que os estamos fumando. Somente depois de um período de abstinência é que temos a ilusão de que gostamos do cigarro.

O cigarro só se torna algo precioso quando estamos tentando diminuir sua quantidade ou evitá-lo ao máximo, ou quando a sociedade tenta nos forçar a não fumar (por exemplo, em igrejas, hospitais, supermercados, teatros, etc.).

O fumante inveterado deve ter em mente que essa tendência vai crescer cada vez mais. Hoje são os trens do metrô. Amanhã serão todos os lugares públicos.

Já se foram os dias em que o fumante, ao chegar à casa de um amigo ou de um estranho, podia perguntar: “Você se incomoda se eu fumar?” Hoje em dia, ao visitar alguém pela primeira vez, ele procura desesperadamente um cinzeiro na esperança de encontrar guimbas. Se não houver cinzeiros, ele tentará se controlar. Mas, se não conseguir, pedirá permissão para fumar e terá uma grande chance de ouvir: “Fume, se precisar”, ou “Eu preferia que você não fumasse. É que o cheiro fica impregnado no ambiente”.

O infeliz do fumante, que já estava se sentindo um pobre coitado, fica desejando que o chão se abra e o engula.

No tempo em que eu fumava, ir à igreja era um sufoco. No casamento da minha filha, quando eu deveria estar me sentindo um pai orgulhoso, de pé, na frente de todos, o que eu estava fazendo? Estava pensando: “Tomara que acabe logo para eu poder ir lá fora acender um cigarro.”

É interessante observar os fumantes nessas ocasiões. Eles se agrupam. Nunca há apenas um maço de cigarros, mas vinte sendo passados de mão em mão, e a conversa é sempre a mesma:

– Você fuma?

– Fumo. Pegue um dos meus.

– Agora, não. Eu experimento mais tarde.

Eles acendem os cigarros, dão uma baforada profunda e pensam: “Como somos sortudos. Temos a nossa pequena recompensa. O coitado do não-fumante não tem nada disso.”

O “coitado” do não-fumante não precisa de recompensa. Nós não fomos projetados para passar a vida envenenando nosso organismo. O mais patético é que nem quando está com um cigarro na boca o fumante alcança o sentimento de paz, confiança e tranqüilidade que o não-fumante experimenta a vida inteira. O não-fumante não fica na igreja agitado e rezando para que seu problema simplesmente desapareça. Ele pode usufruir a vida por inteiro.

Lembro-me também de estar jogando bocha com meus amigos e fingir que estava apertado para ir ao banheiro para poder desaparecer por alguns instantes e fumar. Não, não estou falando de um estudante de 14 anos, mas de um contador formado de quarenta anos. Que patético! E mesmo quando eu voltava e continuava a jogar, não conseguia me divertir. Ficava louco para que a partida acabasse logo e eu pudesse fumar outra vez, embora, teoricamente, aquele passatempo fosse uma boa oportunidade para relaxar.

Para mim, uma das maiores alegrias de ser um não-fumante é estar livre dessa escravidão, ser capaz de desfrutar minha vida por inteiro e não passar metade dela ansiando por um cigarro para, logo após acendê-lo, desejar não tê-lo feito.

Quando estiver na casa ou na companhia de pessoas que não fumam, o fumante deve ter sempre em mente que o sentimento de privação que está experimentando não é causado pelos fanáticos não-fumantes, mas pelo “pequeno monstro”.