Capítulo 23

Cuidado com a diminuição

Muitos fumantes recorrem à estratégia de diminuir o número de cigarros como um primeiro passo para parar ou como uma tentativa de controlar o pequeno monstro, e muitos médicos recomendam essa diminuição como uma forma de minorar os efeitos negativos do tabagismo.

É claro que quanto menos você fumar, melhor, mas, como primeiro passo para abandonar o cigarro, essa estratégia é fatal. São as nossas tentativas de diminuir que nos mantêm aprisionados por toda a vida.

Em geral, a redução do número de cigarros segue-se a tentativas fracassadas de parar. Depois de alguns dias ou horas de abstinência, o fumante diz a si mesmo algo como “Não posso lidar com a idéia de ficar sem um cigarro, por isso, de agora em diante, vou fumar apenas os mais especiais, ou vou fumar no máximo dez por dia. Se eu conseguir me acostumar a fumar somente dez, talvez possa manter esse número ou diminuí-lo ainda mais com o passar do tempo”.

Agora, coisas terríveis certamente irão acontecer.

  1. O fumante experimenta o pior de dois mundos. Ele continua viciado em nicotina e está mantendo o monstro vivo não apenas em seu corpo, mas em sua mente.
  2. Agora, ele está desejando que a vida corra depressa para poder fumar o próximo cigarro.
  3. Antes de diminuir a quantidade, sempre que desejava fumar, ele acendia um cigarro e aliviava, pelo menos em parte, os sintomas da abstinência. Agora, além do estresse e das aflições normais da vida, ele está impondo a si mesmo a síndrome de abstinência da nicotina durante grande parte de sua vida. Portanto, está trazendo para si mesmo um sentimento de infelicidade e um mau humor constantes.
  4. Quando fumava à vontade, ele não desfrutava muito dos cigarros porque nem percebia que os estava fumando. Era automático. Os únicos cigarros que ele supunha gostar eram aqueles fumados após um período de abstinência (por exemplo, o primeiro cigarro da manhã, o cigarro após as refeições, etc.).

Agora que dá um intervalo maior entre um cigarro e outro, ele “curte” cada um deles. Quanto mais tempo espera, mais agradável o ci garro lhe parece. Esse “prazer” não vem do cigarro em si, mas do fim de uma agitação causada pela leve ânsia física por nicotina ou pelo atordoamento mental. Quanto mais longo o sofrimento, mais “gostoso” o cigarro fica.

A maior dificuldade enfrentada pelos que desejam parar de fumar não é a dependência química. Isso é fácil. Os fumantes passam a noite inteira sem um cigarro, e o anseio nem chega a acordá-los. Muitos fumantes saem do quarto antes de acender o primeiro cigarro. Outros esperam para fumar depois do café da manhã. Alguns esperam até chegarem ao trabalho.

Eles passam dez horas sem um cigarro e isso não os perturba. Mas, se passassem dez horas sem fumar durante o dia, estariam arrancando os cabelos.

Muitos fumantes compram um automóvel novo e não fumam dentro dele. Eles vão a supermercados, teatros, médicos, hospitais, dentistas, sem grandes problemas. Há os que se abstêm na presença de nãofumantes. Os fumantes chegam a ficar satisfeitos quando lhes dizem que não podem fumar. Na verdade, eles têm um prazer secreto em ficar longos períodos sem cigarro. Isso lhes dá a esperança de que um dia talvez não queiram mais fumar.

O verdadeiro problema quando resolvemos parar de fumar é a lavagem cerebral, a ilusão de que o cigarro é algum tipo de muleta ou recompensa e de que a vida jamais será a mesma sem ele. Em vez de ajudá-lo a parar de fumar, a diminuição do número de cigarros faz você se sentir inseguro e infeliz, além de convencê-lo de que o bem mais precioso do mundo é o próximo cigarro e que não há jeito de ser feliz sem ele.

Não há nada mais patético que um fumante tentando diminuir. Ele se engana acreditando que quanto menos fumar, me nos irá desejar fumar. Entretanto, ocorre exatamente o contrário. Quanto menos ele fuma, mais sofre os sintomas da abstinência. Quanto mais ele “curte” o cigarro, mais desagradável ele se torna. Mas isso não o impede de fumar. O gosto nunca teve nada a ver com isso. Se as pessoas fumassem para apreciar o sabor, ninguém fumaria mais que um único cigarro. Você duvida? Então vamos analisar a situação. Qual é o cigarro que tem o pior de todos os sabores? Isso mesmo, o primeiro que fumamos de manhã, aquele que, no inverno, nos faz tossir e cuspir. E qual é o cigarro mais precioso para a maioria dos fumantes? Exatamente aquele primeiro cigarro da manhã! Você ainda acredita que está fumando para desfrutar o gosto e o cheiro, ou acha mais racional a explicação de que está aliviando nove horas de abstinência?

É essencial derrubar todos os mitos sobre o cigarro antes de apagar o último deles. Se você não se livrar da ilusão de que aprecia o gosto de certos cigarros antes de apagar o derradeiro, não haverá como provar isso, mais tarde, sem que você se vicie novamente. Portanto, se não estiver fumando agora, acenda um cigarro. Dê seis tragadas bem profundas do glorioso tabaco e pergunte a si mesmo o que há de tão maravilhoso no sabor. Talvez você acredite que apenas certos cigarros têm um sabor especial, como aquele após as refeições. Nesse caso, por que então fuma os outros? Seria porque adquiriu o hábito de acendê-los? Por que alguém alimentaria o hábito de fumar cigarros que acha detestáveis? E por que o mesmo cigarro, saído do mesmo maço, teria, após uma refeição, um sabor diferente do que tem de manhã? A comida não tem um paladar diferente após um cigarro. Então, por que o cigarro teria um sabor diferente após a comida?

Não acredite em mim, simplesmente. Faça um teste de forma consciente. Fume um cigarro após uma refeição para comprovar que o gosto é o mesmo de todos os outros. Os fumantes acreditam que os cigarros têm um sabor mais agradável depois de comer ou em reuniões sociais, junto com o álcool, porque esses são os momentos em que todos – fumantes ou não – estão mais felizes. Só que um viciado em nicotina jamais pode ser realmente feliz enquanto o pequeno monstro interior não estiver satisfeito. Não é que os fumantes apreciem o sabor do tabaco após as refeições – afinal, se não comemos o tabaco, o que é que o gosto tem a ver com isso? O problema é que o fumante se sente profundamente infeliz se não puder aliviar os sintomas da abstinência em momentos como esses. Então, a diferença entre fumar e não fumar passa a ser a mesma que há entre estar feliz ou infeliz. É por isso que o cigarro parece ter um sabor melhor nessas ocasiões.

Diminuir o número de cigarros não apenas é ineficaz como o coloca sob a pior das torturas. É uma atitude que não funciona porque, inicialmente, o fumante tem a esperança de que, adquirindo o hábito de fumar cada vez menos, acabe reduzindo o seu desejo de acender um cigarro. Mas fumar não é um hábito, é um vício – e a natureza de qualquer vício é querer mais e mais e não cada vez menos. Portanto, para diminuir o número de cigarros, o fumante precisa exercitar a força de vontade e a disciplina pelo resto da vida.

O maior problema de parar de fumar não é a dependência química da nicotina. Lidar com ela é fácil. O problema é a falsa crença de que o cigarro dá algum prazer. Essa ilusão é criada pela lavagem cerebral que recebemos antes de começarmos a fumar e é depois reforçada pela própria dependência. Tudo o que se consegue reduzindo o número de cigarros é alimentar ainda mais a falácia a ponto de fazer com que fumar domine completamente sua vida e o convença de que não há nada mais precioso no mundo do que o próximo cigarro.

Como já expliquei, diminuir nunca funciona porque é preciso exercitar a força de vontade e a disciplina pelo resto da vida. Se você não tiver força de vontade suficiente para parar, certamente também não terá para reduzir. Parar é muito mais fácil e menos doloroso.

Já ouvi falar de milhares de casos em que cortar o número de cigarros não funcionou. Os poucos sucessos que conheci foram alcançados após um período relativamente curto de redução, seguido da retirada total do cigarro. Os fumantes param apesar de terem reduzido a quantidade e não por causa disso. Diminuir só prolonga a agonia. Uma tentativa fracassada de redução deixa o fumante com os nervos em frangalhos e ainda mais convencido de que está viciado para sempre. Isso, em geral, é o suficiente para mantê-lo dando suas baforadas por mais vinte anos antes de tentar parar novamente.

A única vantagem de diminuir é que ajuda a ilustrar a total inutilidade do tabagismo, porque mostra com clareza que um cigarro só é agradável após um período de abstinência. É preciso ficar batendo a cabeça numa parede de tijolos (ou seja, sentir os sintomas da abstinência) para sentir o prazer de parar.

Portanto, você tem as seguintes opções:

  1. Diminua para sempre. Isso será uma tortura auto-imposta e, de qualquer maneira, você não será capaz de fazê-lo.
  2. Continue a sufocar-se cada vez mais, pelo resto da vida. E daí?
  3. Seja gentil consigo mesmo. Pare de fumar.

Um outro ponto importante que a diminuição demonstra é que não existe o chamado cigarro ocasional. Fumar é uma reação em cadeia que vai se estender pelo resto da vida, a não ser que você faça um esforço positivo para quebrá-la.

LEMBRE-SE: DIMINUIR O NÚMERO DE CIGARROS VAI PUXÁ-LO AINDA MAIS PARA O FUNDO DO POÇO.