Capítulo 25
Fumantes ocasionais, adolescentes, não-fumantes
Os fumantes inveterados tendem a invejar os fumantes ocasionais. Todos nós conhecemos esses personagens: “Eu posso passar a semana inteira sem fumar e isso não me incomoda nem um pouco.” Aí pensamos: “Como eu gostaria de ser assim.” Sei que é difícil acreditar, mas ninguém gosta de ser fumante. Nunca se esqueça de que:
Eu costumava ser fanático por golfe. Estava sempre me vangloriando da freqüência com que jogava e queria jogar ainda mais. Por que os fumantes se gabam do pouco que fumam? Se esse é o verdadeiro critério, então o maior dos louvores é não fumar nada.
Se eu lhe dissesse: “Sabe de uma coisa? Eu poderia passar a semana inteira sem comer cenouras e isso não me incomodaria nem um pouco”, você pensaria que sou louco. Se eu gosto de cenouras, por que ficaria uma semana inteira sem comê-las? Se não gosto, por que faria tal afirmação? Então, quando um fumante garante que pode passar uma semana sem fumar porque isso não o perturba, ele está tentando convencer a si mesmo e você de que ele não tem nenhum problema. Mas não haveria necessidade de fazer tal declaração se realmente estivesse tudo bem. Na verdade, o que ele está dizendo é: “Consegui sobreviver uma semana inteira sem cigarro.” Provavelmente, tinha a esperança de poder passar o resto da vida sem tabaco. Mas só conseguiu ficar alguns dias, e dá para imaginar o quanto aquele cigarro lhe pareceu valioso após uma semana de privação.
É por isso que os fumantes ocasionais são mais viciados que os que fumam sem parar. Não só a ilusão de prazer é maior como eles têm menos incentivo para parar, porque gastam menos dinheiro e são menos vulneráveis aos riscos à saúde.
Lembre-se: o único prazer que os fumantes têm é aliviar os sintomas da abstinência e, como já expliquei, até esse prazer é uma ilusão. Imagine o pequeno monstro devorador de nicotina dentro do seu corpo como uma coceira permanente tão leve que, na maior parte do tempo, você nem a percebe.
Ora, quando se tem uma coceira, a tendência natural é coçá-la. À medida que seu corpo se torna imune à nicotina, você fica mais propenso a consumir um cigarro atrás do outro.
Existem três fatores principais que impedem os fumantes de acenderem um cigarro no outro:
Eu costumava considerar uma fraqueza fumar um cigarro atrás do outro, como eu fazia. Não conseguia entender por que meus amigos eram capazes de limitar seu consumo a dez ou vinte por dia, e eu não. Sei que sou uma pessoa com grande força de vontade. Nunca me ocorreu que grande parte dos fumantes não tem capacidade para fumar sem intervalo, pois é preciso ter pulmões extremamente fortes para isso. Alguns desses indivíduos que acendem cinco cigarros por dia – tão invejados pelos fumantes crônicos – não ultrapassam esse limite porque sua constituição física não suporta mais, ou porque não podem assumir uma despesa tão grande, ou porque seu emprego, a sociedade ou o ódio que sentem do próprio vício não permitem que fumem mais.
Acredito que, neste momento, seja interessante apresentar algumas definições:
O NÃO-FUMANTE. É um indivíduo que nunca caiu na armadilha, mas que não deve se envaidecer por isso. Ele só está nesta categoria pela misericórdia divina. Todos os fumantes achavam que jamais iriam viciar-se e alguns não-fumantes insistem em experimentar um cigarro ocasional.
O FUMANTE OCASIONAL. Existem duas classes básicas de fumantes ocasionais:
O FUMANTE DOS CINCO POR DIA. Se ele gosta de cigarro, por que só consome cinco por dia? Se tem a opção de continuar ou parar, por que insiste em fumar? Lembre-se: o “hábito” está realmente batendo a sua cabeça contra a parede para que você tenha uma sensação de relaxamento quando acender o próximo cigarro. O fumante dos cinco por dia está aliviando os sintomas da abstinência por menos de uma hora, todos os dias. O resto do tempo, embora não perceba, ele está batendo a cabeça contra a parede e age assim durante a maior parte da vida. Ele se limita a cinco por dia ou porque não tem dinheiro para fumar mais ou porque está preocupado com os riscos à saúde. É fácil convencer um fumante inveterado de que ele não tem prazer com o tabaco, mas tente persuadir um fumante ocasional. Qualquer um que tenha tentado diminuir o consumo de cigarros sabe que essa é a pior das torturas, além de ser uma garantia quase absoluta de que você vai se manter viciado pelo resto da vida.
O FUMANTE DIURNO OU NOTURNO. Ele pune a si mesmo sofrendo os sintomas da síndrome de abstinência durante metade do dia para poder aliviá-los na outra metade. Pergunte a ele por que, se gosta tanto de cigarro, não fuma o dia inteiro, ou por que, se não gosta, dáse ao trabalho de fumar.
O FUMANTE SEIS MESES SIM, SEIS MESES NÃO. (Ou “Posso parar quando quiser. Já parei milhares de vezes”.) Se ele gosta tanto de fumar, por que pára por seis meses? Se não gosta, por que recomeça? A verdade é que ele ainda está viciado. Embora consiga driblar a dependência física, continua com o principal problema – a lavagem cerebral. Cada vez que pára, ele espera que seja para sempre, mas logo cai na armadilha outra vez. Muitos fumantes invejam este tipo, pensando: “Como ele tem sorte de poder parar quando deseja.” O que ninguém percebe é que essas pessoas que param e recomeçam não têm o controle da situação. Quando estão fumando, desejariam não fazê-lo. Então, enfrentam todas as complicações para parar, depois começam a se sentir privadas, caem na armadilha outra vez e lamentam novamente ter caído. Elas conseguem obter o pior dos dois mundos. Quando são fumantes, desejariam não sê-lo; quando são não-fumantes, desejariam poder fumar. Se pensarmos bem, isso se aplica a toda a nossa vida de fumantes. Quando temos permissão para dar nossas baforadas, fumamos sem prestar atenção ou desejamos não estar fumando. Somente quando não podemos fumar é que os cigarros nos parecem tão valiosos. Este é o terrível dilema dos fumantes: eles nunca conseguem sair vitoriosos, pois estão sofrendo por um mito, uma ilusão. Só há uma maneira de vencer: parar de fumar e parar de sofrer!
O FUMANTE QUE SÓ ACENDE UM CIGARRO EM OCASIÕES ESPECIAIS. Isso mesmo. No início é assim para todos. Mas não é incrível observar como o número de ocasiões especiais parece aumentar com rapidez e, antes que possamos perceber, estamos fumando em todas as ocasiões?
O FUMANTE QUE JÁ PAROU, MAS AINDA ACENDE UM CIGARRO/CHARUTO DE VEZ EM QUANDO. De certa maneira, esses são os fumantes mais patéticos. Ou passam a vida inteira acreditando que estão sofrendo uma privação ou, mais freqüentemente, o cigarro/charuto ocasional se torna dois. Eles permanecem na ladeira escorregadia que só leva a um lugar – PARA BAIXO. Mais cedo ou mais tarde, voltam a ser fumantes inveterados. Caem de novo na mesma armadilha que os vitimou na primeira vez.
Existem outros dois tipos de fumantes ocasionais. O primeiro é aquele que fuma apenas um cigarro ou charuto de vez em quando, em encontros sociais. Essas pessoas são, na verdade, não-fumantes. Elas não gostam de fumar. Mas sentem que estão perdendo alguma coisa. Desejam participar dos acontecimentos. Todos nós começamos assim. Da próxima vez que distribuírem charutos numa festa, observe como, após algum tempo, os fumantes param de acendê-los. Até mesmo os fumantes inveterados ficam ansiosos para acabar de fumar os tais charutos. Eles prefeririam mil vezes estar fumando suas marcas prediletas de cigarros. Quanto mais caro e maior o charuto, mais frustrante é a situação – aquele rolo maldito parece durar a noite inteira.
O segundo tipo é muito raro. Na verdade, de todos os milhares de indivíduos que buscaram a minha ajuda, só me lembro de uma dúzia de exemplos. Este tipo pode ser bem descrito através de um dos casos mais recentes de que tratei.
Uma mulher me telefonou pedindo uma sessão particular. Era uma advogada que fumava há 12 anos e nunca acendia nem mais nem menos que dois cigarros por dia, em toda a sua vida de fumante. Era uma pessoa de grande força de vontade. Expliquei a ela que o índice de sucesso em sessões de grupo era tão alto quanto em sessões privadas e que eu só fazia terapia individual quando lidava com alguém tão conhecido a ponto de atrapalhar o andamento do grupo. Ela começou a chorar e eu não tive coragem de dizer não.
As sessões particulares eram caras. Na verdade, muitos fumantes questionariam por que ela desejava parar. Qualquer um deles pagaria com prazer o que eu estava cobrando daquela mulher só para ser capaz de fumar apenas dois cigarros por dia. Eles achavam, equivocadamente, que fumantes ocasionais são mais felizes e têm maior controle. Ora, os fumantes ocasionais podem até ter controle, mas não são felizes. Veja o exemplo da advogada. Seu pai e sua mãe haviam morrido de câncer de pulmão antes de ela se viciar. Como eu, até acender o primeiro cigarro, ela tinha muito medo de fumar. Como eu, essa mulher se deixou levar por fortes pressões e experimentou aquele primeiro cigarro. Como eu, ela também se lembrava do gosto ruim. Diferentemente de mim, que me rendi e me tornei um fumante inveterado com muita rapidez, ela continuava resistindo para não cair de vez na armadilha.
Tudo o que você usufrui de um cigarro é o fim do anseio por fumá-lo, seja ele o mais imperceptível desejo físico de nicotina ou a tortura mental de sentir uma coceira e estar com as mãos amarradas. Cigarro, por si só, nada mais é que sujeira e veneno. É por isso que você só tem a ilusão de obter prazer com ele após um período de abstinência. Assim como acontece quando você está com fome ou com sede, quanto maior o tempo de privação, maior será o prazer da saciedade. Os fumantes caem no erro de acreditar que fumar é apenas um hábito. Eles pensam: “Se eu conseguir estabelecer um limite, se fumar apenas em certas ocasiões, meu corpo e meu cérebro irão aceitar. Então, poderei manter esse nível ou diminuir, quando desejar.” Entenda bem: o “hábito” não existe. Fumar é estar viciado numa droga. A tendência natural é aliviar os sintomas da abstinência, e não suportá-los. Até para se conservar no patamar em que você se encontra é necessário exercitar a força de vontade e a disciplina pelo resto da vida, porque, à medida que seu organismo vai ficando imune à nicotina, ele deseja obter cada vez mais, e não cada vez menos. Enquanto a droga vai destruindo você física e mentalmente, enquanto ela vai aniquilando seu sistema nervoso, sua coragem e sua confiança, você começa a ficar cada vez mais incapaz de reduzir o intervalo entre um cigarro e outro. É por isso que, nos primeiros tempos, podemos pegar ou largar. Um simples resfriado, por exemplo, pode nos fazer parar. Isso também explica por que uma pessoa como eu, que nunca teve a ilusão de gostar do tabaco, se tornou um fumante inveterado mesmo que cada cigarro tenha se transformando em uma tortura física.
Não tenha inveja da mulher que descrevi. Quando você fuma um único cigarro a cada 12 horas, ele parece ser o que há de mais precioso sobre a face da Terra. Por 12 anos, aquela pobre mulher esteve no centro de uma batalha. Ela não era capaz de parar de fumar, e tinha medo de aumentar a quantidade de cigarros e acabar desenvolvendo câncer de pulmão como seus pais. Entretanto, por 23 horas e 10 minutos de cada um daqueles dias, ela teve de vencer a tentação. Só mesmo com uma gigantesca força de vontade ela conseguiu fazer o que fez, e, como já disse, esses casos são raros. Foi um sofrimento indescritível. Analisemos a situação racionalmente: ou existe uma muleta ou um prazer reais no cigarro, ou não existe nada disso. Se existe, quem esperaria uma hora, um dia ou uma semana para obtê-lo? Se não existe, por que acender um cigarro?
Lembro-me de outro caso, um homem que fumava cinco vezes ao dia. Ele começou a conversa ao telefone com uma voz gutural: “Sr. Carr, quero parar de fumar antes que eu morra.” Veja como ele descreveu a própria vida:
“Estou com 61 anos. Tenho câncer na garganta, conseqüência do cigarro. Hoje, só consigo suportar, fisicamente, cinco cigarros de enrolar por dia. Eu costumava dormir profundamente a noite toda. Agora, acordo de hora em hora e só consigo pensar em fumar. Até quando estou dormindo, sonho com cigarros. Só posso acender o meu primeiro cigarro às 10 horas. Levanto-me às 5 da manhã e bebo incontáveis xícaras de chá. Minha mulher levanta mais ou menos às 8 horas e, como meu humor a essa hora está péssimo, ela pede que eu saia de casa. Vou então para o jardim, onde temos uma estufa de plantas, e tento me ocupar, mas minha mente está obcecada pelo cigarro. Às 9 horas, começo a enrolar meu primeiro cigarro e só dou por terminada a tarefa quando ele fica perfeito. Não é que eu precise dessa pefeição, mas isso me dá algo para fazer. Então, espero até as 10 horas. Quando chega a hora, minhas mãos estão tremendo incontrolavelmente. Eu ainda não acendo o cigarro nesse mo mento. Se o fizer, terei de esperar três horas pelo próximo. Espero mais um pouco, acendo o cigarro, dou uma baforada e o apago imediatamente. Com esse processo, consigo fazer com que o cigarro dure uma hora. Eu fumo até o cigarro ficar com uns seis milímetros e espero pelo próximo.”
Além dos outros problemas que enfrenta, esse pobre homem tem queimaduras nos lábios causadas pelo fato de fumar o cigarro até ele ficar pequeno demais. É provável que você o imagine como um idiota patético. Nada disso. Estou falando de um homem de mais de 1,80m, ex-sargento do Corpo de Fuzileiros Navais. Ele foi atleta e nunca desejou se tornar fumante. Entretanto, acabou se viciando ao ser enviado para a guerra, pois os homens nas frentes de batalha recebiam cigarros gratuitamente porque a sociedade acreditava que eles lhes davam coragem. Esse indivíduo praticamente recebeu ordens de se tornar um fumante. Ele passou o resto da vida pagando caro pelo vício, inclusive os altos impostos sobre o cigarro cobrados pelo governo, além de arruinar a própria saúde física e mental. Se fosse um animal, nossa sociedade já o teria livrado de tanto sofrimento. Entretanto, nós ainda permitimos que adolescentes física e mentalmente saudáveis transformem-se em viciados.
Você pode achar que esse caso é um exagero. Ele é extremo, mas não é único. Há milhares de histórias similares por aí. Aquele homem abriu o coração para mim, mas você pode ter certeza de que muitos dos amigos e conhecidos dele o invejavam por fumar apenas cinco por dia. Se você acha que isso jamais iria acontecer em sua vida, PARE DE ENGANAR A SI MESMO.
JÁ ESTÁ ACONTECENDO.
Por outro lado, os fumantes são notoriamente mentirosos, até para si mesmos. Eles precisam ser. Vários fumantes ocasionais consomem muito mais cigarros do que admitem e em muito mais ocasiões. Já conversei com inúmeros fumantes do tipo “cinco por dia” e os vi acenderem mais de cinco cigarros na minha frente. Observe os fumantes ocasionais em eventos sociais, como casamentos e festas em geral. Eles fumam um cigarro atrás do outro.
Você não precisa ter inveja dos fumantes ocasionais. Você não precisa fumar. A vida é infinitamente mais agradável sem o cigarro.
Os adolescentes são, em geral, mais difíceis de curar, não porque acham difícil parar, mas porque não acreditam que estão viciados ou porque estão no estágio inicial da doença e têm a ilusão de que terão parado antes do segundo estágio.
Gostaria de fazer uma advertência especial aos pais que têm filhos que odeiam cigarro. Eles devem tomar cuidado para não desenvolver um falso sentimento de segurança. Todas as crianças detestam o cheiro e o gosto do tabaco, até o dia em que se viciam. Você também já detestou. E que esses pais não se deixem enganar pelas campanhas amedrontadoras lançadas pelo governo. A armadilha é a mesma de sempre. As crianças e os jovens já sabem que cigarros matam, mas sabem também que um único cigarro não vai matá-los. Em determinado estágio, eles podem se deixar influenciar por namorados ou namoradas, colegas da escola ou do trabalho. Você pode achar que eles só precisam experimentar um cigarro, que terá um gosto horrível e os fará parar. Mas essa é a armadilha que irá convencê-los de que nunca ficarão viciados.
Acredito que a mais perturbadora das muitas facetas terríveis do vício é o fato de a sociedade não conseguir evitar que nossos filhos se tornem dependentes da nicotina e de outras drogas. Já pensei muito sobre isso e escrevi um livro que trata especialmente de como evitar que nossos filhos se viciem e como ajudá-los a sair dessa situação, caso já estejam viciados. É fato que a grande maioria dos jovens que se tornam dependentes de drogas pesadas é apresentada ao conceito de dependência química ao cair na armadilha da nicotina. Se você puder ajudar esses jovens a fugir dessa armadilha, reduzirá drasticamente o risco de virem a se tornar viciados em drogas mais pesadas. Eu lhe peço: não seja complacente com esse tema. É preciso proteger os jovens o mais cedo possível.