Capítulo 26

O fumante secreto

O fumante secreto deveria estar agrupado com os fumantes ocasionais, mas os efeitos de fumar escondido são tão terríveis que este tipo merece um capítulo à parte. Fumar em segredo pode abalar relacionamentos pessoais. No meu caso, quase levou ao divórcio.

Havia três semanas que eu estava, mais uma vez, tentando parar. Esse esforço tinha sido estimulado pela angústia de minha esposa com minha tosse constante e minha dificuldade de respirar. Eu disse a ela que não estava preocupado com minha saúde. Ela retrucou: “Sei que você não está, mas como se sentiria se tivesse que ver uma pessoa que você ama se destruindo sistematicamente?” Sem dúvida, um argumento irrefutável e daí a minha decisão de parar. Mas essa tentativa frustrou-se em três semanas, após uma acalorada discussão com um velho amigo. Somente muitos anos depois é que me dei conta de que minha mente perturbada havia provocado a tal briga. Fiquei muito ofendido na ocasião, mas sei que não foi coincidência, pois nunca havia me desentendido com aquele amigo antes e nunca mais discutimos desde então. Era, sem dúvida, o pequeno monstro atuando. De qualquer maneira, arranjei minha desculpa. Eu precisava desesperadamente de um cigarro e recomecei a fumar.

Mas não conseguia nem pensar na decepção que traria à minha mulher, por isso não contei a ela. Eu só fumava quando estava sozinho. Então, gradualmente, comecei a fumar na companhia de amigos até chegar a um ponto em que todos sabiam que eu estava fumando, menos a minha mulher. Eu me lembro de estar bastante satisfeito na época, pensando: “Pelo menos estou diminuindo o consumo.” Algum tempo depois, ela me acusou de ter voltado a fumar. Eu não havia percebido, mas ela descreveu as ocasiões em que eu provocava brigas e saía de casa. Outras vezes, eu levava duas horas para comprar algum item insignificante ou inventava desculpas esfarrapadas para ir sozinho a algum lugar aonde minha mulher sempre me acompanhara.

À medida que a fenda social entre fumantes e não-fumantes aumenta, há literalmente milhares de casos em que a companhia de amigos e parentes começa a ser restringida ou evitada por causa do amaldiçoado tabaco. O pior aspecto de fumar escondido é que essa atitude corrobora na mente do fumante a falácia de que ele está sendo privado de alguma coisa. Ao mesmo tempo, ela causa uma grande perda de respeito por si mesmo: uma pessoa que sempre agiu com honestidade acaba se forçando a enganar a família e os amigos.

É provável que isso já tenha acontecido ou esteja acontecendo com você, de alguma maneira.

Comigo, aconteceu várias vezes. Você alguma vez viu ou ouviu falar de uma série de detetives chamada Columbo exibida na TV nos anos 1970? Os episódios sempre começavam mostrando o assassino, em geral um homem de negócios rico e respeitável, cometendo um crime que ele considerava perfeito. Ao descobrir que o responsável pela investigação seria o inexpressivo e mal-ajambrado tenente Columbo, o vilão ficava ainda mais confiante.

O detetive tinha um hábito irritante. Assim que terminava seus interrogatórios, ele saía da sala garantindo ao suspeito que não havia provas contra ele. Mas, antes que o olhar de satisfação desaparecesse do rosto do assassino, o tenente reaparecia e dizia: “Apenas um pequeno detalhe, meu amigo, que o senhor, sem dúvida, saberá explicar…” O suspeito começava a gaguejar e sabíamos que ele tinha certeza de que Columbo iria vencê-lo pelo cansaço.

Por pior que fosse o crime, daquele ponto em diante toda a minha simpatia direcionava-se ao assassino. Era quase como se eu fosse o criminoso, pois era assim que aquelas sessões de tabagismo secreto me faziam sentir. As horas sem poder fumar, a fuga para a garagem para uma tragada secreta, os dez minutos de tremor no frio, perguntando a mim mesmo onde estava o prazer. O medo de ser surpreendido em flagrante delito. Será que ela iria descobrir onde eu havia escondido os cigarros, o isqueiro e as guimbas? O alívio de voltar para casa sem ter sido descoberto, seguido pelo medo de que ela sentisse o cheiro da nicotina no meu hálito ou nas minhas roupas. Quanto maiores os riscos, maior a certeza de que, cedo ou tarde, seria desmascarado. A humilhação e a vergonha quando a certeza se tornou um fato, seguido do imediato retorno ao tabagismo constante.

AH, AS ALEGRIAS DE SER FUMANTE!