ABRIL DE 1999
O telefone tocou de madrugada e imediatamente temi o pior. Meus olhos se abriram para a escuridão completa, a figura de Tommy gravada em minha mente. O que vi foi a imagem do meu sobrinho morto em alguma sarjeta do Soho, seus olhos sem vida contemplando o céu, aterrorizados pela última coisa que tinham visto antes de morrer, sua boca aberta, seus braços dispostos em ângulos estranhos em relação ao torso, um filete de sangue saindo pela orelha esquerda e se distanciando à medida que o corpo ficava cada vez mais frio e rígido. Mais uma morte, outro sobrinho, outra criança que não pude salvar. Atendi o telefone e o pior se confirmou. Houvera, de fato, uma morte — por que outro motivo alguém seria incomodado em plena madrugada? —, mas não fora a de Tommy.
“Matthieu?”, disse a voz do outro lado da linha, atordoada e nervosa. Não era um policial, percebi de imediato, pois havia pânico na entonação, um senso de urgência assustada. Eu reconhecia a voz, mas não me lembrava de quem era, como se o eco do medo a tivesse modificado um pouco, o suficiente para que ela se afastasse da minha memória.
“Sim. Quem está falando?”
“É o P. W., Matthieu.” Meu amigo da indústria fonográfica e colega de investimentos na emissora via satélite. “Tenho uma notícia devastadora. Não sei nem como dizer.” Ele parou e se esforçou para encontrar duas palavras muito simples. “James morreu.”
Eu me sentei na cama, balançando a cabeça, sem acreditar. Vi muitas mortes ao longo da vida, algumas naturais, outras nem tanto, mas elas nunca deixam de me surpreender. Uma parte de mim não consegue entender de jeito nenhum por que os corpos das outras pessoas as abandonam com tanta frequência enquanto o meu é tão incrivelmente fiel a mim. “Por Deus”, eu disse depois de um instante, sem ter certeza de como reagir ou de que tipo de resposta ele queria ouvir. “O que aconteceu?”
“É meio difícil explicar por telefone, Matthieu. Você pode vir até aqui?”
“Até onde? Em que hospital você está?”
“Não estou num hospital, nem James. Estamos na casa dele. Precisamos de… uma ajuda.”
Meus olhos se estreitaram; ele não estava falando coisa com coisa. “James está morto e você está na casa dele?”, perguntei. “Você já chamou um médico ou então a polícia? Talvez ele não esteja morto. Talvez esteja só…”
“Matthieu, ele está morto. Acredite em mim. Você precisa vir até aqui. Por favor. Eu quase nunca peço nada a você, mas…” Ele começou a divagar sobre há quanto tempo nos conhecíamos, sobre o quanto eu significava para ele — o tipo de bobagem que um homem só deixa escapar em três ocasiões: quando está prestes a se casar, quando bebeu demais ou quando se vê falido. Afastei o telefone da orelha e estendi o outro braço para pegar o relógio no criado-mudo, que registrava 3h18. Suspirei e sacudi a cabeça com força para espantar o sono, passando a mão pelo cabelo e lambendo os lábios secos. Minha boca estava ressecada e a cama parecia quente e tentadora. Mas P. W. continuava falando e parecia disposto a prosseguir assim para sempre, até que fui obrigado a interromper.
“Estarei aí em trinta minutos”, eu disse. “E, pelo amor de Deus, é melhor você não fazer nada até eu chegar, está bem?”
“Ah, graças a Deus. Obrigado, Matthieu. Não sei como poderei…”
Desliguei.
Conheci James Hocknell há dois anos, em um jantar na prefeitura. Estávamos ali para celebrar a vida de algum figurão que tinha dedicado sua carreira ao jornalismo e que havia pouco recebera uma pequena fortuna graças à sua autobiografia — principalmente porque no livro ele sugeria relacionamentos entre políticos proeminentes dos últimos quarenta anos, e também certas ligações bem próximas da atual rainha com outras mulheres, algumas picantes, outras nem tanto. Porém, assim como tantos homens versados nas leis da calúnia e da difamação do país, ele tomou o cuidado de não revelar nada de concreto, já que a mera sugestão funcionava tão bem quanto, e jamais citou fontes, optando sempre pela frase “Amigos de… me disseram que…”, cuja eficácia o tempo já comprovara. Eu estava em uma mesa com o ministro das Relações Exteriores e sua esposa, com uma jovem atriz que acabara de ser indicada ao Oscar e seu namorado de meia-idade — um nome conhecido no mundo das corridas —, um casal de jovens da elite, que conversavam sobre uma supermodelo e seu vício em drogas, e também ao lado de minha companheira na época, cujo nome não lembro agora, mas que tinha cabelo escuro e curto, lábios cheios e trabalhava como especuladora de riscos na seguradora Lloyd’s.
Eu pedia bebidas no bar quando vi James pela primeira vez. Ele completara cinquenta anos havia pouco tempo e, depois de deixar o cargo de editor assistente de um jornal bem conceituado anos antes, tinha se tornado editor de um tabloide. A circulação vinha diminuindo desde que ele assumira, especialmente por causa da sua decisão de eliminar seios expostos nas páginas centrais do jornaleco, e ele exibia a expressão de um homem com medo de que todos ali estivessem conspirando contra ele, quando, na verdade, tudo o que faziam era ignorá-lo e permitir que ele bebesse em paz. Apesar de nunca ter conversado com ele, eu o abordei e disse que considerava seu trabalho no The Times admirável, em particular a cobertura de um escândalo político que viera à tona no final dos anos 1980. Mencionei um artigo que ele escrevera sobre De Klerk para a Newsweek que me impressionara por sua imparcialidade e habilidade em condenar a situação sem tomar partido, talento raro em um jornalista. Ele pareceu contente com minha familiaridade com seu currículo profissional e mostrou-se disposto a conversar mais.
“E o meu trabalho atual?”, perguntou, franzindo o cenho de leve enquanto aceitava a dose de conhaque que eu lhe oferecia. “Você não deve achar que o que estou fazendo agora preste para muita coisa, não é?”
Dei de ombros. “Tenho certeza de que é excelente”, respondi, talvez de um jeito condescendente demais para o meu próprio gosto. “O problema é que nunca tenho o tempo que gostaria para ler os jornais. Senão, eu teria uma ideia mais abrangente da sua œuvre atual.”
“É mesmo? Você trabalha com quê?” Pensei no assunto — não era uma pergunta fácil. Na época eu não fazia nada de muito expressivo. Apenas relaxava. Aproveitava a vida. Não era um jeito ruim de passar uma ou duas décadas.
“Sou um desses ricos ociosos”, respondi com um sorriso. “O tipo de pessoa que você deve detestar.”
“De jeito nenhum. Durante metade da minha vida desejei me juntar a essa classe.”
“Deu sorte?”
“Não muita.”
Ele abriu a boca e fez um gesto expansivo com a mão para indicar a massa de pessoas que circulava pelo saguão, cumprimentando-se com beijinhos fervorosos sem tocar os rostos, sacudindo as mãos umas das outras, exalando riqueza e superioridade por cada orifício e cada poro bem tratado da pele. Seios grandes, diamantes pequenos, homens mais velhos, mulheres mais novas. Muitos trajes a rigor e vestidos curtos pretos. Apertei os olhos, e o salão pareceu uma coleção de pontos pretos e brancos que se aproximavam e se afastavam uns dos outros a uma velocidade alarmante; por um momento me vieram imagens dos filmes antigos de Charlie. James parecia prestes a dizer algo importante sobre os outros convidados, les mots justes que definiriam aquela aglomeração de ridículos e suas inanidades generalizadas, mas a frase adequada lhe escapou e ele, por fim, apenas balançou a cabeça, derrotado. “Estou um pouco bêbado”, declarou, o que me fez rir, pois ele disse isso com um discreto orgulho de si mesmo, do tipo que poderia ser visto no rosto de um menino flagrado em um abraço malicioso com uma garota mais velha. Me apresentei e ele sacudiu minha mão com firmeza e depois chamou a garçonete com um estalo arrogante de dedos.
“Sabe o que eu odeio nos ricos?”, ele me perguntou, e fiz que não com a cabeça. “É que você só os encontra quando eles estão assim, desfilando seu glamour pra todo mundo ver, sempre muito felizes. Você já viu alguma classe social sorrir tanto quanto os ricos? É claro que eles são ricos, por isso são chamados assim, o que provavelmente explicaria…” James desistiu de concluir o raciocínio, perdido na natureza óbvia do que estava dizendo.
“Até os ricos têm seus problemas”, eu disse com tranquilidade. “Imagino que não deva ser um mar de rosas para ninguém.”
“Você é rico?”, ele me perguntou.
“Muito.”
“E é feliz?”
“Digamos que estou satisfeito.”
“Escuta, deixa eu te dizer mais uma coisa sobre dinheiro”, ele falou, inclinando-se na minha direção e batendo um dedo no meu ombro. “Estou na jogada há trinta anos e não tenho nenhum tostão para chamar de meu. Nem uma porra de um tostão. Estou vivendo quase sem ter o que comer, não sobra nada do meu salário. Claro, tenho uma casa bonita”, ele exclamou alto. “Mas também tenho três ex-esposas para sustentar e cada uma daquelas vacas tem pelo menos um filho para quem eu também tenho que dar dinheiro. O meu dinheiro não é meu, Mattie…”
“É Matthieu.”
“O dinheiro entra na minha conta no dia do pagamento e desaparece horas depois, chupado por essas sanguessugas com quem tive a infelicidade de me casar. Nunca mais, pode escrever. Não existe mulher neste mundo que consiga fazer eu me casar com ela. Não existe. Você é casado?”
“Já fui”, respondi.
“Viúvo? Divorciado? Separado?”
“Digamos apenas que já passei por muita coisa.”
“Então você sabe bem do que estou falando. Vacas sanguessugas. Tem dia que mal consigo pagar três refeições decentes para mim, e elas por aí, vivendo felizes e contentes, sem merda de preocupação nenhuma. Eu te pergunto: está certo isso?” Eu ia começar a responder, mas ele me interrompeu. “Escuta”, continuou, como se eu tivesse alguma escolha, agora que ele falava — como descobri depois — sobre seu tema favorito. “Quando eu era garoto e comecei nessa área, com meus vinte e poucos anos, eu vivia assim, mas na época fazia sentido, porque eu tinha o futuro todo pela frente. Eu também não tinha um centavo no bolso naqueles tempos e, quando chegava o fim do mês, estava comendo bolacha com queijo e uma xícara de chá fraco todas as noites, chamando isso de jantar. Mas eu não ligava, porque sabia que iria longe no jornalismo e que, quando fosse a hora, faria uma fortuna. Batalhei para que isso acontecesse, e aconteceu, mas nunca imaginei que teria que ver toda essa merda de dinheiro ir embora, é isso.”
Na época em que conheci James, eu estava cansado do meu estilo de vida ocioso e procurava um novo investimento. Eu não trabalhava desde os anos 1950, quando deixei a Califórnia com Stina depois de toda a situação com Buddy Rickles e, embora meu saldo bancário estivesse mais do que saudável e minha renda anual pudesse bancar as despesas anuais de, digamos, Manchester, comecei a ficar inquieto com minha própria companhia e precisava injetar algum entusiasmo de novo em minha vida. Eu tinha ido ao jantar na prefeitura por recomendação de um amigo banqueiro, que me assessorava em certas possibilidades de investimento para reintroduzir-me no mundo financeiro. Ele já havia me apresentado a P. W. e a Alan, que demonstraram interesse em criar uma emissora de televisão via satélite, e a ideia me parecera atraente. Minhas experiências anteriores com televisão tinham sido na produção e, apesar de terem terminado em um desastre digno de lista negra, gostei do período em que trabalhei com isso, e me atraía a ideia de um cargo administrativo em que eu pudesse me manter a uma certa distância, como o de Rusty Wilson durante minha época na emissora do pavão. O conceito de transmissão via satélite era algo muito novo, e esse foi sempre um fator de grande influência nas minhas decisões de me envolver com algum empreendimento. Porém, nenhum deles havia gerido um negócio daquela dimensão antes, e eu tinha certeza de que não queria administrar tudo sozinho; apenas me interessava pela ideia. Depois de consultar meus colegas investidores, resolvi conversar com James, em um jantar terrível no restaurante San Paolo.
“James, é o seguinte”, eu disse depois da refeição, quando nós quatro estávamos sentados em poltronas de couro perto da lareira no bar do restaurante, acompanhados de conhaque e charutos. “Temos uma proposta para lhe fazer.”
“Imaginei que teriam, cavalheiros”, ele disse com um sorriso largo, reclinando-se na poltrona e colocando o charuto entre os dentes, como uma estrela de cinema prestes a fechar um contrato de milhões e milhões de dólares. “Não achei que tivessem me trazido para cá só para ser plateia enquanto eu me empanturrava e coçava a bunda.”
Alan estremeceu e tive que tossir para disfarçar o riso. “Nós três”, comecei, indicando P. W., Alan e a mim mesmo, “estamos planejando um empreendimento, e pensamos que talvez você esteja interessado em se juntar a nós.”
“Não tenho nenhum dinheiro”, ele respondeu de imediato, introduzindo seu assunto favorito antes que eu pudesse impedi-lo. “Não adianta vir me pedir dinheiro, porque aquelas sanguessugas…”
“Calma, James”, eu disse, levantando a mão para silenciá-lo. “Primeiro escute a proposta, é tudo que eu peço. Não estamos querendo dinheiro.”
“Pus todas as minhas economias nesse empreendimento”, P. W. interveio, nervoso, e olhei para ele com ar de reprovação, pois não gosto de perder o ímpeto em uma conversa, ainda mais quando estou tentando obter alguma coisa. “Então precisamos fazer isso funcionar”, ele acrescentou, antes de ver minha expressão e calar a boca.
“Estamos planejando um empreendimento”, repeti, a voz um pouco mais alta para evitar interrupções. “O capital está engatilhado e já começamos a selecionar pessoas. É uma emissora de televisão via satélite. Terá basicamente noticiários e programas de comportamento, além de algumas séries dramáticas importadas dos Estados Unidos. As boas. Por assinatura, claro. Estamos à procura de um diretor executivo. Alguém que cuide das operações no dia a dia, que traga expertise ao projeto; alguém que tome as decisões no batente, por assim dizer. Nós três queremos manter certa distância, mas não totalmente, sabe, e precisamos de uma pessoa em quem possamos confiar e que entenda o universo da mídia hoje. Alguém que faça a emissora funcionar. Em resumo, James, queremos que você assuma esse trabalho.”
Reclinei-me com um sorriso de satisfação, contente com a simplicidade da minha explicação e com a maneira como o rosto dele foi se revelando cada vez mais ávido, em especial ao escutar palavras como “diretor executivo”, “tome as decisões” e “nós três queremos manter certa distância”. Fez-se um silêncio por alguns momentos, até que James se sentou na beirada da cadeira, sorriu com generosidade e tirou o charuto da boca.
“Cavalheiros”, ele disse, os olhos reluzindo de entusiasmo, “vamos falar sobre números.”
No final das contas, depois dos devidos ajustes, os números acabaram por satisfazer a todos, assim como uma exigência até então inesperada de cinco por cento dos lucros brutos, algo que tive prazer em conceder a ele, durante o período inicial de três anos, no lugar de bônus anuais. No primeiro mês, ele já chegava ao trabalho antes dos faxineiros da manhã e saía depois dos últimos zeladores do turno da noite. Ao longo dos dois anos seguintes, James tomou decisões significativas na emissora, algumas das quais eu aprovara, outras das quais me deixaram um tanto desconfortável — todas, porém, provaram que contratá-lo fora a melhor opção desde o início. Ele trouxe para a emissora uma equipe sólida de âncoras e jornalistas, com destaque para a srta. Tara Morrison, que deve muito a ele, e reorganizava os cronogramas o tempo todo para que houvesse um fluxo natural de apresentadores entrando e saindo da programação, planejada com o máximo de cuidado. Nossa participação no mercado teve um aumento considerável e todos nós ganhamos dinheiro. Juntos, nos tornamos um sucesso.
Paralelamente a nossas conquistas profissionais, James e eu nos tornamos bons amigos. Éramos homens muito diferentes, mas nos respeitávamos e apreciávamos a companhia um do outro. Discutíamos na mesa de reuniões, sempre com um respeito saudável pela opinião do outro e pelo sucesso da emissora. Uma vez por mês, nos encontrávamos apenas os dois, para comer e beber, quando então a regra era não mencionarmos nada relacionado à emissora; em vez disso, conversávamos sobre política, história e arte. Sobre nossas vidas. (Claro que ele era um pouco mais sincero ao falar de sua vida do que eu ao falar da minha, mas os bons relacionamentos são todos assim: um dos lados precisa economizar certas verdades, principalmente quando não há nada a ganhar com a revelação de tudo.) Ele tinha uma relação profissional razoável com P. W. e Alan, apesar de não serem próximos, e foi justamente esse fato que me intrigou enquanto eu pegava um táxi para ir à casa de James nas primeiras horas daquela manhã de março encoberta pela neblina e chuviscos londrinos. O que diabos P. W. estava fazendo lá e quais teriam sido as circunstâncias que levaram à morte de James? Eu teria receado pelo pior se pelo menos tivesse uma ideia do que poderia ser “o pior”. Depois de pagar o motorista e sair do táxi, parei um momento na rua silenciosa e deserta. As luzes de quase todas as casas estavam apagadas, mas havia cinco postes de rua cujas lâmpadas brilhavam com intensidade. A casa de James estava às escuras, com exceção das janelas vitorianas da sala de estar; uma pequena fresta de luz passava pelas cortinas pesadas, no ponto em que elas não se encontravam por completo. Respirei fundo e subi correndo os degraus para tocar a campainha.
Dois dias depois, com os acontecimentos exaustivos das últimas quarenta e oito horas deixados para trás, sentei-me à escrivaninha e disquei com atenção o número desconhecido. A conexão pareceu levar uma eternidade para se completar, depois o toque da chamada durou bastante tempo, até que alguém atendeu com um berro que soava como a voz de uma jovem da periferia londrina com lábios cheios de piercings.
“Doze!”, ela berrou ao telefone e ergui uma sobrancelha, surpreso. Será que eu tinha discado o número errado? Será que “Doze” era o nome dela? Ou seria algum tipo de secretária eletrônica? “Sete doze!”, ela berrou em seguida.
“Sete doze!”, repeti alto, sem saber por quê, parecendo mais uma ordem do que qualquer outra coisa.
“Sete doze!”, a voz disse outra vez. “Quem está falando?”
“Desculpe”, respondi rápido, me recompondo ao entender que ela tinha dito set referindo-se ao estúdio de filmagem, e não ao número sete. “Eu gostaria de falar com Tommy DuMarqué, por favor.”
“Quem está falando?”, ela perguntou de novo, dessa vez mais desconfiada. “Quem te deu esse número?”
“Ele, claro”, respondi, surpreso com o tom agressivo dela. “Como é que eu…”
“Você não é um desses fanáticos, é?”, ela perguntou, e fiquei boquiaberto. Não soube o que responder. “Ou um desses jornalistas.” Ela cuspiu a palavra com a repulsa de alguém que sabia que nunca leria seu próprio nome impresso. “Tommy está gravando”, ela acrescentou, o tom um pouco menos desconfiado, como se de repente tivesse medo de quem poderia ser e da possibilidade de eu ter alguma influência em seu emprego. “Ele ainda vai demorar umas… não, espere um pouco. Ele acabou de chegar. Mas não sei se está ocupado. Quem gostaria de falar com ele?”
“Diga que é o tio Matthieu”, respondi, me sentindo exausto outra vez num piscar de olhos. “Se não for muito incômodo.” O telefone foi largado em uma mesa, ouvi sussurros ao fundo e a voz de Tommy se elevando para dizer “Não tem problema mesmo”, seguido por “Cinco minutos, o.k.?” um pouco mais alto antes de ele atender.
“Tio Matt?”, ele disse, e respirei aliviado.
“Finalmente. Essa garota é muito mal-educada. Quem é ela?”
“É só uma garota da produção. Esqueça. Ela acha que é diretora ou alguma coisa assim. Sabe lá Deus. Este é o número restrito, afinal.”
“Bom, não importa. Liguei para dizer ‘obrigado’, só isso. Pelo que você fez naquela noite. Fiquei muito agradecido.”
Tommy riu como se aquilo não tivesse sido nada, como se aquele tipo de coisa acontecesse com ele o tempo todo, o que me deixou preocupado. “Sem problema”, disse. “Você já me ajudou tantas vezes, não é? Fiquei contente de poder retribuir um pouco.”
“Devo admitir que estou tendo uns acessos de culpa”, eu disse. “Você não acha um pouquinho imoral o que fizemos?”
“Eu não acredito nessa babaquice”, ele disse, indiferente, e em seguida ficou calado. Eu não falei nada, esperando que ele preenchesse o silêncio. Queria que Tommy me tranquilizasse, dissesse que minhas atitudes tinham sido apropriadas e justificadas. Vivi muito tempo e, ainda que não tenha sido um santo, gosto de acreditar que nunca machuquei ninguém de propósito desde Dominique, sobretudo meus amigos. “Do meu ponto de vista, o cara já estava morto, de qualquer forma; tudo que fizemos foi minimizar o estrago. Não há nada que eu, você ou aqueles seus amigos esquisitos pudéssemos ter feito para melhorar ou piorar a situação. Você foi obrigado a se envolver em uma coisa que não tinha nada a ver com você, só isso. Você precisa escolher melhor seus amigos, tio Matt.”
“Eu não os chamaria de amigos”, ressaltei.
“Não deixe isso pesar na sua consciência”, disse Tommy. “Não foi você quem o matou.”
“Não, não foi.”
“Então relaxe. Já passou. Resolvemos uma situação, só isso. Vamos em frente, o.k.?” Ele soava como um personagem do seu programa de TV. Concordei, mas ainda não estava muito feliz com o jeito que as coisas tinham terminado.
“Obrigado, Tommy”, eu disse por fim, ao perceber que não tínhamos mais nada a dizer sobre o assunto. Se houvesse mais reflexões sobre aquilo, eu teria de refletir sozinho. “Nos falamos em breve, certo?”
“Espero que sim. Você vai ficar contente de saber que o câncer de testículo está em remissão. Receberei a boa notícia dos médicos hoje, mais tarde. Parece que não vou ficar sem trabalho tão cedo, o que é ótimo, pois a última coisa de que preciso agora são mais problemas de dinheiro.”
“O quê?”, falei, ficando tenso de repente. “Que câncer de test… Ah!”, eu disse, rindo enquanto desabava mais uma vez na cadeira. “O do personagem, você diz. Qual é o nome dele mesmo?”
“Sam.”
“Você precisa parar de achar que é seu personagem, sabia?”
“Por quê? O resto do país acha. Ontem uma senhora me atacou no supermercado e disse que a culpa era toda minha, por eu ter traçado a Tina pelas costas do Carl. Ela disse que era a vingança de Deus nas minhas bolas.”
“Vingança de Deus, claro”, respondi, soltando um suspiro. “Você sabe que não faço ideia de quem sejam essas pessoas. Eu devia começar a assistir ao seu programa.”
“Eu não me daria ao trabalho”, ele disse, como se estivesse respondendo à pergunta de um jornalista usando um texto pronto. “Claro, o programa tem um certo toque de realismo urbano que reflete e subverte o colapso do círculo familiar tradicional de Londres, ou seja, a memória histórica coletiva, que hoje se transforma em um desejo de prazeres singulares e gratificação pessoal. Por isso há temas universais a serem explorados, mas os roteiros são uma bosta e a atuação é apressada e sempre uma mesmice, por causa da falta de tempo para ensaiar e das diretrizes de produção que pedem o menor número de tomadas possível. Todo mundo sabe disso.”
Fiquei sem fala por muito, muito tempo, piscando rápido com a surpresa. “O quê?”, perguntei enfim, sem ter certeza se aquela análise tinha mesmo saído da boca do meu sobrinho drogado e festeiro. “O que você acabou de dizer?”
“Esqueça. É só televisão”, ele respondeu, rindo alto. “É só ficção. Tudo faz de conta.” Ele parou de falar e esperou que eu dissesse mais alguma coisa, mas eu não tinha nada a acrescentar. O que eu poderia dizer depois daquilo? “Até mais, tio Matt”, ele disse para o silêncio, rindo enquanto desligava. Segurei o aparelho por alguns instantes, ouvindo o som de ocupado antes de colocá-lo no gancho e fechar os olhos para recapitular. Não havia dúvida: pela primeira vez, um dos Thomas tinha me ajudado. Uma mudança bem-vinda.
P. W. abriu a porta e me agarrou pelos ombros de um jeito dramático. Seu cabelo, que ele deixava crescer de um lado para depois pentear por cima da careca até o outro, estava todo torto, pendurado como uma cortina atrás da orelha esquerda, o que não era uma visão nada bonita. Usava uma camisa azul-clara, com manchas escuras de suor crescendo sob as axilas, e calçava apenas meia, sem sapato. “Graças a Deus”, disse, em um tom que beirava o pânico, me puxando para dentro e fechando a porta atrás de mim. “Não sei como isso foi acontecer”, começou. “A gente estava apenas… apenas…”
“Se acalme”, eu disse, recuando um passo quando um cheiro de bebida avassalador me atingiu. “Por Deus, homem. Quanto você bebeu hoje?”
“Muito. Além da conta. Mas agora estou sóbrio, juro.”
E estava mesmo. Parecia o homem mais sóbrio do país, apesar do rosto pálido e de tremer um pouco. Segui para a porta que levava à sala de estar e, quando pus a mão na maçaneta, ele colocou a dele sobre a minha, detendo-me por um instante. Eu o encarei. “Antes de você entrar”, ele se apressou em dizer, “quero que saiba que não foi culpa minha. Eu juro que não foi culpa minha.”
Concordei com a cabeça e senti uma súbita onda de medo misturado com pânico. Fiquei genuinamente amedrontado com o tipo de horror que poderia encontrar do outro lado da porta. No fim, apesar de o resultado ser tão danoso quanto eu esperava, a cena em si era bastante mundana. James estava sentado no chão, as costas apoiadas no sofá, vestido, as pernas afastadas uma da outra, um copo grande de uísque entre elas. Os braços estavam largados com a palma das mãos voltadas para cima. Os olhos estavam abertos e ele encarava a parede em frente. Apesar de eu ter percebido na hora que ele estava morto, meus olhos saltaram de imediato para o lado oposto do aposento, para ver o que ele encarava. Naquele canto, quase no escuro, encolhida em uma cadeira com outro copo de uísque, havia uma garota que não devia ter mais do que dezoito anos. Ela tremia com violência e abraçava o próprio corpo enquanto fitava James, olhos fixos um no outro como se estivessem em uma competição idiota. “Pegue um cobertor”, eu disse com urgência a P. W., que, nervoso, pairava atrás de mim à espera da minha reação. “Ou melhor, pegue dois.” Ele desapareceu e voltou um instante depois com dois cobertores pesados, um dos quais usei para cobrir o corpo de James. Assim que o fiz, a menina teve um estalo e voltou à realidade, me encarando com olhos arregalados. Fui até ela com o outro cobertor e ela se retraiu, o corpo prensado contra o assento, em pânico.
“Está tudo bem”, eu disse com calma, erguendo uma das mãos em um gesto amigável. “É para você se aquecer, só isso. Estou aqui para ajudar.”
“Não fui eu”, ela disse no mesmo instante. “Não tenho nada a ver com isso. Ele falou que aguentava, foi isso. Falou que já tinha usado.” Ela era surpreendentemente bem articulada para uma garota que, sem dúvida, era prostituta. Suas inflexões eram de escola particular; sua postura, de aulas de etiqueta, de classe alta. O tipo de garota de que James gostava, claro. Tinha um rosto bonito e usava pouca maquiagem, apesar dos olhos delineados e com excesso de rímel, que agora borravam por causa do calor na sala.
“Quantos anos você tem?”, perguntei com delicadeza, me ajoelhando à sua frente e ajeitando o cobertor na cadeira.
“Quinze”, ela respondeu de pronto, com a mesma polidez e sinceridade que dirigiria a um professor ou um parente.
“Ah, pelo amor de Deus”, eu disse, me virando para encarar P. W. com repugnância. “Que merda vocês dois andaram fazendo?” Não costumo falar palavrão, mas a resposta da menina me levara a tanto. “Que merda aconteceu aqui esta noite?”
“Desculpe, Matthieu”, respondeu P. W., enquanto roía as unhas, o rosto coberto de lágrimas. “A gente não sabia. Ela disse que era mais velha. Ela disse que…”
Um reflexo de luz chamou minha atenção e olhei para o chão, onde havia uma pequena colher de chá prateada, com a parte côncava um pouco queimada e uma pequena bolha cintilando na ponta. Eu a peguei e a analisei por um momento antes de largá-la. “Puta merda”, eu disse, indo até o corpo de James e levantando o cobertor. A menina gritou quando arregacei a manga da camisa dele e vi a seringa enfiada em uma veia, o êmbolo empurrado até o fim, o conteúdo esvaziado. “O que tinha aqui?”, perguntei. “O que ele usou?”
“Foi ela!”, P. W. gritou com raiva. “Foi ela que trouxe. Ela disse que seria mais gostoso.”
“É mentira!”, retrucou a menina. “Você disse que queria que eu trouxesse, que precisava dela pra se divertir. Você me deu a merda do dinheiro por ela, seu filho da puta!”
Furioso, P. W. avançou na direção da menina, mas eu o impedi e o empurrei para o sofá, e por pouco ele não caiu sobre o corpo de James. “Fique sentado!”, eu disse com firmeza e com a sensação de que estava separando uma briga entre duas crianças no recreio, e não tentando impedir um homem de meia-idade de agredir uma menina quarenta anos mais nova do que ele. “Agora me contem o que aconteceu.”
Houve alguns instantes de silêncio enquanto esperei que um deles falasse. Enfim, P. W. deu de ombros e olhou para mim com ar arrependido. “A gente só queria se divertir um pouco”, explicou. “Só isso. Saímos para uns drinques. A coisa ficou meio turbulenta. Você sabe como ele gostava de beber. Fazia todo mundo beber tanto quanto ele. Estávamos procurando um táxi. Foi quando ele viu essa vaca aí.”
“Vá se foder!”, ela gritou.
“James foi até ela e perguntou se ela estava a fim de um pouco de… você sabe, e ela disse que sim, e…”
“Isso também é mentira!”, ela esbravejou e me virei para encará-la com um olhar furioso que a fez se encolher na cadeira no mesmo instante, soltando um gemido lamuriento e com uma expressão de quem nunca mais diria uma palavra na vida.
“Continue”, eu disse a P. W. ao me virar para ele mais uma vez. “Conte como aconteceu. A verdade, ouviu bem?”
“Bom, viemos para cá,” ele continuou, “e estávamos prontos para nos divertir. Eu iria primeiro e depois James teria a vez dele. Ele disse que andava tendo dificuldades nos últimos tempos. Pro pau levantar, sabe? Disse que precisava de alguma coisa pra ajudar a subir. Perguntou se ela tinha e foi aí que ela mostrou a heroína.”
“Mas isso o derrubaria por completo!”, protestei, me virando para olhar para ela. “Que ideia foi essa?”
“Não se atreva a gritar comigo!”, ela exclamou. “Não é minha culpa. Você acha que eu queria esse gordo filho da puta em cima de mim, me comendo? Eu disse o que tinha, ele falou que queria a heroína, eu perguntei se ele já tinha usado e ele jurou que sim, então dei a heroína pra ele. Desde que me paguem, pouco me importa. Eu não sou a merda da mãe dele, tá bom?”
“Olhe para ele!”, esbravejei. “Ele está morto, pelo amor de Deus!”
“Ele enfiou a agulha”, continuou P. W., “e então começou a tremer da cabeça aos pés. A boca salivou e ele teve algum ataque. Caiu no chão e, um minuto depois, parou de se mexer. Aí eu o levantei e o encostei no sofá. Não foi culpa de ninguém, na verdade. Ninguém pode culpar nenhum de nós dois. Ele fez isso sozinho.”
“Por Deus, P. W.”, eu disse, olhando nos olhos dele. “Você contratou uma prostituta. E ainda por cima uma prostituta menor de idade. Você tem drogas aqui. Drogas pesadas. E um corpo. Não tem nada dentro da lei em nenhuma dessas frases.”
Ele enterrou a cabeça nas mãos e voltou a chorar. Olhei para o outro lado, na direção da garota, que encarava P. W. com nojo e que, por algum motivo, pegara uma lixa do bolso e começara a lixar as unhas com nervosismo. “Vou embora”, ela disse quando a encarei. “Não tenho nada a ver com isso.”
“Não se mexa”, eu disse. “Ninguém vai a lugar nenhum. Pelo menos até eu decidir o melhor jeito de resolver essa situação. Ninguém sai desta sala até eu dizer que pode sair. E não quero ouvir nem mais uma palavra, entendido?”
Fui para o corredor, como o pai de duas crianças pequenas flagradas conversando durante a madrugada, e fechei a porta atrás de mim com força. Cheguei a pensar em trancá-la, mas a chave estava do lado de dentro. Sentei na escada e refleti sobre a situação. Eu poderia simplesmente ir embora. Poderia abrir a porta da frente, descer os degraus do jardim e ir para casa. Deixar que os dois se virassem. Eu não tinha nada a ver com aquela história, afinal. Certo, um taxista havia me deixado ali e, àquela altura, minhas impressões digitais estavam espalhadas pela casa inteira, inclusive na seringa, mas eu tinha uma boa explicação. Poderia explicar tudo, sem dúvida. E o que acontecesse com aqueles dois lá dentro, ora, não era problema meu, não é mesmo? Eu podia simplesmente ir embora.
Ainda assim, não fui. O risco era muito grande. Prisão perpétua seria um tempo longo demais. Pensei na questão. Eu não era nenhum expert no uso atual de drogas; onde consegui-las, como são usadas, as reações que provocam. Precisava de alguém que conhecesse essas coisas. Peguei minha agenda de bolso e virei as páginas em busca do número, que disquei no telefone do corredor. Respirei fundo e torci para estar fazendo a coisa certa.
Tommy chegou vinte minutos depois, mais uma vez todo de preto, com o acréscimo de um gorro preto de lã. Eu não conhecia ninguém tão experiente com drogas quanto meu sobrinho. Ele decerto já tinha experimentado tudo o que havia disponível no planeta e visto situações como aquela. Saberia como lidar com ela. Tommy ouviu toda a história e fez um gesto negativo com a cabeça.
“Você já está envolvido”, ele disse. “Agora não há muito que possa fazer em relação a isso. Pra começar, esse cuzão não devia ter ligado para você, e talvez você não devesse ter vindo. Mas, já que está aqui, precisa resolver o problema.”
“Olha”, eu disse, depois de pensar no assunto enquanto ele estava en route. “Ele mesmo injetou a droga. Não é incomum isso acontecer e as pessoas morrerem assim. Tudo que precisamos é encontrar algum lugar para deixá-lo, de um jeito que pareça que ele fez isso sozinho. Afinal, ele de fato fez isso sozinho, mas precisamos deixar isso bem claro, para que não haja uma sombra de dúvida. Ele tinha um emprego estressante, esse tipo de coisa acontece o tempo todo. Você não faz ideia de quantas pessoas eu vi se matarem por causa de pressão no trabalho. Um sujeito fez isso bem na minha frente uma vez”, acrescentei, pensando no meu amigo de Wall Street, Denton Irving.
“O escritório dele”, disse Tommy, batendo as mãos uma na outra, animado. “Você tem a chave. Levamos o corpo para o escritório, colocamos na cadeira atrás da mesa e você chega de manhã e o encontra ali. Você liga para a polícia. Ninguém vai desconfiar de nada. Vão achar que foi culpa dele.”
“É uma boa ideia”, eu disse, concordando com a cabeça. “E aqueles dois lá dentro?”
Enquanto eu falava, a porta se abriu e a garota saiu. Tommy se virou para que ela não o visse, mas era tarde demais e seu rosto se contraiu de surpresa. “Sam?”, ela perguntou devagar. “Você é…”
“Volte para dentro!”, esbravejei; ela se assustou e deu um grito. “Volte para dentro e fique sentada até que eu diga o contrário. Senão vamos chamar a polícia agora mesmo. A escolha é sua.” Ela voltou correndo imediatamente e fechou a porta. Tommy se virou para mim, irritado.
“Viu como é?”, ele se queixou, desesperado.
Fizemos tudo como Tommy sugeriu. Colocamos o corpo de James no carro dele e o levamos até seu escritório, onde o “encontrei” na manhã seguinte. A garota tinha sumido quando voltei e P. W. agia como se nada de ruim tivesse acontecido. Foi manchete em todos os jornais no dia seguinte: “FIGURÃO DA TV TEM OVERDOSE NO ESCRITÓRIO”, “EXECUTIVO DE TELEVISÃO MORTO POR DROGAS”. A notícia seguia direto para as páginas cinco e seis dos tabloides, nas quais a perda da srta. Tara Morrison para a BBC, já antecipada pelos jornais, era citada como um dos possíveis motivos para o estresse acentuado que James Hocknell sofria nos últimos tempos. A própria Tara fez um artigo sobre seu ex-chefe, em que elogiava os talentos dele de maneira exagerada e também se desesperava — “Estou desesperada, queridos leitores” — pelo caminho que o país estava seguindo. Repassei diversas vezes com a polícia a história que construí com Tommy e eles, felizmente, acreditaram em cada palavra. Em uma semana, o motivo da morte foi declarado “acidental” e nosso antigo diretor executivo foi enterrado na presença de apenas umas vinte pessoas. Uma ausência notável foi a de P. W., que tinha contraído uma gripe.
Depois de tudo isso, reafirmei meu compromisso de salvar a vida de Tommy; se houvesse alguma dúvida antes, agora não existia mais. Eu não admitiria vê-lo ter um fim como aquele. Não o deixaria desaparecer da face da Terra como aconteceu com James ou com tantos antepassados de Tommy. Ele me ajudou; eu o ajudaria.
O cara já estava morto, de qualquer forma; tudo que fizemos foi minimizar o estrago. Apesar das tentativas de Tommy de aliviar minha consciência, não consegui deixar de me sentir um pouco culpado pelo que aconteceu. O crime não tinha sido meu, mas eu encobrira tudo, e rezei para que não houvesse mais perguntas sobre o assunto.