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AGOSTO-SETEMBRO DE 1999

Londres, 12 de agosto de 1999

Prezado sr. Zéla,

 

Desde o funeral do meu pai, pretendia lhe telefonar para agradecer suas palavras profundas na igreja naquele dia. Saber que nosso pai era tão respeitado e benquisto na indústria da televisão tem sido uma grande fonte de consolo para todos nós.

Gostei muito da nossa conversa depois do enterro e lamentei que você tenha sumido de vista antes que pudéssemos terminá-la. Talvez se lembre que discutíamos meu trabalho — meu texto — e que você parecia ansioso para saber mais sobre a obra. Mencionou, inclusive, seu sobrinho Tommy, que, segundo me disse, provavelmente conhecia mais sobre o funcionamento da indústria da televisão do que você.

Seguindo seu conselho, terminei meu roteiro e o encaminhei a seu sobrinho, aos cuidados da BBC, e lamento dizer que ele o mandou de volta, sem ter lido, com um bilhete bastante seco. Talvez você tenha se esquecido de mencionar a ele que o roteiro estava a caminho.

Não tive a oportunidade de contar a ele nem a você sobre a história, portanto, na melhor tradição dos magnatas de Hollywood, achei que seria uma boa tentar vender a ideia em um parágrafo para você! Aqui está:

Certa noite, alguns amigos de meia-idade estão bebendo todas e, a caminho da casa de um deles, convidam uma puta menor de idade para acompanhá-los. Quando chegam, começam a se divertir com drogas com as quais não estão acostumados, até que um deles acaba morrendo. Um dos amigos fica desesperado, mas o outro mantém a cabeça no lugar e telefona para um rapaz que lhe deve alguns favores, pedindo-lhe ajuda. Juntos, eles levam o corpo até outro lugar e, quando o morto é descoberto, todo mundo acha que foi um acidente que ele provocou sozinho e, assim, ninguém é envolvido no escândalo. O que eles não sabem é que, no meio do tumulto daquela noite, o filho do morto acorda — eles nem sabiam que ele estava na casa —, ouve todo o plano e testemunha tudo o que eles fazem. Pensa em telefonar para a polícia e entregá-los, mas acaba mudando de ideia, pois sabe que aqueles dois homens podem ajudá-lo. Eles entendem o ponto de vista do filho do amigo morto, e a vida continua normalmente para todos os envolvidos. Ninguém descobre nada.

É isso, sr. Zéla. Gostou? Como pode ver, enviei-lhe também uma cópia do roteiro e o mandei outra vez para seu sobrinho, com uma carta de intenção mais clara. Tenho certeza de que você poderá me ajudar a conseguir o financiamento para produzi-lo. Aguardo sua pronta resposta com ansiedade.

 

Saudações cordiais,

Lee Hocknell

 

Convidei Martin para descer ao meu apartamento e beber alguma coisa, acreditando que o ambiente familiar e acolhedor da minha casa seria um lugar melhor para lhe dar a má notícia sobre o cancelamento do seu programa do que a atmosfera relativamente estéril dos escritórios da emissora. Pensei na situação dele e em como reagiria — um homem à beira da velhice, acostumado com os holofotes, habituado a ter cada palavra sua valorizada pelas pessoas, por mais ridículas que tais palavras pudessem ser, de repente sem emprego e deixado por conta própria. Ele enlouqueceria. E não por causa do dinheiro, pois não o pagávamos tão bem assim e ele já se achava em condições bastante confortáveis. Quando era político, havia ganhado o suficiente para se sustentar pelo resto da vida; era proprietário da casa em que vivia e tinha preenchido o lugar com belas pinturas e objets d’art que não haviam custado pouco. Levava o estilo de vida que gostava de ridicularizar nos outros, mas que apreciava para si mesmo. Eu queria que ele aceitasse bem a notícia, no entanto, por algum motivo, eu duvidava que seria assim.

Eu não contava que Polly, sua esposa, viesse com ele, e isso acabou com o discurso que eu tinha preparado. Polly é a segunda esposa de Martin e eles estavam casados havia sete anos. Desnecessário dizer que ela é bem mais nova do que ele — Martin tem sessenta e um e ela apenas trinta e quatro. A primeira esposa, Angela, que eu não conheci, esteve com ele por quase toda sua carreira no Parlamento, mas os dois se separaram pouco depois de ele voltar a ser um cidadão comum. Sem a necessidade de manter um casamento “feliz” diante da opinião pública, ele pediu o divórcio e foi atrás de gerações mais novas, encontrando Polly sem muita dificuldade, pois fama inspira atração. Sei pouco sobre o passado dela, exceto que tem um bom olho para arte — ela trabalhou em uma galeria em Florença cuja construção ajudei a financiar nos anos 1870 — e um bom ouvido para música, características muitas vezes ausentes em mulheres da sua geração. Ela se casou por dinheiro, é claro, mas ele também saiu ganhando. Era evidente que gostava de ser visto como o cavalheiro amadurecido de uma jovem e bela donzela e, supondo que ela permitisse que ele a tocasse, eu diria que ainda havia uma coisa ou outra que ela podia ensiná-lo.

“Martin”, eu disse, abrindo a porta, animado, e “Polly”, murmurei em seguida, meu sorriso congelando por um instante enquanto tentava avaliar como aquilo afetaria o encontro. “Estou contente que vocês tenham vindo.”

“É um prazer”, ele disse, entrando e virando a cabeça em todas as direções para ver se havia alguém mais ali ou algo novo para examinar. Ele tem o hábito de pegar meus pertences e inspecioná-los, para então me informar que tem um melhor ou que poderia ter conseguido para mim a mesma coisa por metade do preço. É uma de suas características menos agradáveis.

Conduzi os dois até a sala e ofereci bebidas. Martin aceitou um uísque, como sempre, mas Polly pediu um absurdo mint julep.

“Um o quê?”, perguntei, surpreso, pois não era minha intenção que aquilo virasse um coquetel ou uma cena de O grande Gatsby.

“Um mint julep”, ela repetiu. “É bourbon, folhas de hortelã, açúcar…”

“Eu conheço a receita”, respondi de imediato. “É que fiquei surpreso de você pedir isso.” Me ocorreu que eu não bebia um mint julep desde os anos 1920. “E duvido que eu tenha hortelã, para ser franco.”

“Você tem bourbon?”

“Claro.”

“Aceito uma dose então. Sem gelo.” De um coquetel para uma dose pura… que estranho. Fui até a cozinha e preparei as bebidas. Quando voltei, Martin estava em um canto, segurando de ponta-cabeça um candelabro de ferro ornamentado e o examinando com atenção, mantendo as três velas no lugar com cuidado — mesmo assim, pequenas lascas de cera endurecida chuviscavam facilmente no tapete. Depositei a bandeja com força na mesa de centro, esperando que o barulho o fizesse devolver o candelabro ao lugar.

“Onde foi que você conseguiu isto?”, perguntou, endireitando o objeto e raspando o ferro para ver se sairia alguma coisa. “Tenho um igualzinho, mas a cor sai quando você raspa.”

“Então é melhor não raspar”, eu disse com um sorriso discreto, me sentando enquanto Polly se virava na poltrona para observar o marido com mais atenção. “É como a velha história do sujeito que vai ao médico e diz que dói quando ele faz assim com o braço.” Observei-o recolocar o candelabro na mesa de canto e se juntar a nós, e me lembrei que aquele objeto tinha sido um presente de casamento da minha antiga sogra Margerita Fleming; eu fora tolo o suficiente para me casar com sua filha psicótica, Evangeline, no início do século XIX. Era uma das minhas poucas recordações daquele infeliz casamento suíço, que terminou com Evangeline se atirando do telhado do manicômio em que estava internada. Eu mesmo a tinha posto lá, claro, depois de ela haver tentado me matar, a imbecil, por achar que eu conspirava com Napoleão — logo ele, com quem nunca tive contato. Após sua morte, livrei-me da maior parte de nossos bens, pois não queria me lembrar daquele dervixe amargo e psicótico, mas guardei o candelabro por se tratar de uma peça especial e sempre elogiada pelos visitantes.

“Foi um presente de casamento”, expliquei quando ele repetiu a pergunta sobre a origem do candelabro, “da minha ex-sogra, que ela descanse em paz.” Os dois menearam a cabeça, compungidos, olhando para o chão por um instante em respeito às mortas, embora elas tivessem falecido havia quase duzentos anos. Eles devem ter achado que eu me referia à minha esposa mais recente. Foi como um minuto de silêncio em homenagem às duas, e fiz questão de interrompê-lo, pois elas não mereciam demonstrações respeitosas como aquela. “Parece que faz séculos que não nos reunimos”, eu disse, animado, relembrando nossos muitos jantares agradáveis na casa de cima. “E sabe-se lá quanto tempo faz desde a última vez que os convidei para vir aqui.”

“Você ainda está saindo com Tara Morrison?”, perguntou Polly, se inclinando para a frente, e alguma coisa me fez olhar de relance para suas mãos, para ver se ela empunhava um gravador.

“Não, não”, respondi, rindo. “Não estamos juntos já faz tempo. Infelizmente não fomos feitos um para o outro.”

“Que pena”, ela comentou; suspeitei que ela fosse fã da coluna “Tara diz”. Imaginei que ela seguia as regras de vida de Tara com algo próximo a um transtorno obsessivo-compulsivo. Ela mal havia conseguido tirar os olhos da celebridade na última vez que tínhamos jantado com eles e mais tarde a encurralara, em busca de conselhos matrimoniais de uma mulher que jamais havia conseguido ter um relacionamento estável na vida. “Para mim, vocês pareciam o casal perfeito”, acrescentou com generosidade.

Dei de ombros. “Não sei”, eu disse, e fiquei impressionado ao constatar que, de repente, meus pensamentos se aproximaram de Tara com uma emoção muito próxima à do arrependimento pela perda. Me ocorreu que eu pensava nela com frequência, no quanto ela tinha me encantado e enfurecido na mesma proporção e em como eu estava feliz com a possibilidade de trazê-la de volta à emissora. Senti um arrepio. “Nós temos vidas muito ocupadas”, continuei, “a de Tara ainda mais do que a minha. Ela tinha tantos compromissos que era difícil conseguirmos um espaço para ficar juntos. Ela passa boa parte do tempo tentando encontrar o tema de sua próxima coluna. Não deve ser fácil para ela. Além disso, há a diferença de idade.”

“Ah, que bobagem”, disse Polly, furiosa, e na mesma hora percebi meu deslize ao olhar para o casal de gerações diferentes à minha frente. “Idade não tem nada a ver com isso. E você não é tão mais velho do que ela. Ela deve ter por volta de trinta e cinco, no máximo. Aposto que você nem existia durante a guerra.”

Abri a boca e pensei no assunto. “Nasci em 43”, respondi com sinceridade.

“Então. Quanto dá isso? Cinquenta e seis?”

“Cinquenta e seis”, confirmou o marido, meneando a cabeça como uma calculadora humana.

“Então”, ela repetiu, disposta a não deixar aquilo de lado sem antes martelar suas objeções. “Viu só? Não é uma diferença tão grande.” Dei de ombros e decidi mudar de assunto. Percebi que Martin estava desconfortável com aquela situação; idade era um tema que sempre o incomodava. Certa vez ele me confidenciou que, depois dos dezenove anos, passou a ficar deprimido toda vez que via mais um ano ir embora. Aniversários o destruíam; hoje, com sessenta e um anos, ele olha para o passado e relembra de coisas de dez, vinte, trinta anos atrás e se dá conta de como era jovem, mas isso não o ajuda a ver como tudo é relativo. Se ele estivesse prestes a entrar em seu quarto século de vida, aí sim se sentiria velho.

Uma das coisas que talvez tornassem o avanço da idade difícil para Martin era a questão da fidelidade de Polly. Meses antes, em uma noite em que se bebeu muito, ele mencionou que achava que Polly estava tendo um caso com um assistente de produção do seu programa. O rapaz — descobri quem ele era dias depois — não tinha mais que dezenove anos, era alto e bonito e com um ar arrogante que, diziam, encantava as pessoas com quem ele trabalhava. Martin quis que eu demitisse Daniel (era esse o nome dele), mas me recusei, e isso foi um teste para nossa amizade por algum tempo. Eu não poderia demiti-lo se ele estivesse realizando um bom trabalho, e, pelo que ouvi de seu supervisor, ele fazia um excelente trabalho; além disso, não havia nenhuma prova contra ele. Depois, por meio de uma fonte na emissora, descobri que, embora Polly e Daniel não houvessem propriamente tido um caso, viveram algo rápido, mas nunca mais falei no assunto com Martin, que parecia disposto a fingir que nada tinha acontecido. De qualquer maneira, eu sabia que a juventude — a própria natureza da juventude — o irritava até a alma.

“Eu queria falar sobre o programa”, comecei, depois que toda aquela conversa fiada acabou, “sobre os rumos que você vê para ele. Sobre o que você pensa para o formato dele daqui para a frente.” Ouvi as palavras saindo da minha boca e as considerei um tanto alarmantes; eu tinha preparado um início bastante adequado e, em vez disso, comecei sugerindo que eu considerava seu programa uma fonte de preocupação.

“E em boa hora”, disse Martin, sempre disposto a conversar sobre sua carreira. “Não sei quanto a você, Matthieu, mas acho que já fizemos tudo o que podíamos com o programa do jeito que está. Preciso ser muito sincero com você sobre isso.”

“Você acha?”, perguntei, surpreso.

“Sim, sem dúvida”, ele respondeu, firme. “Aliás, é algo que eu já queria conversar com você. Na verdade, eu e Polly temos discutido sobre o assunto faz um bom tempo e chegamos ao que considero uma ideia muito boa. Um caminho à frente. Espero que faça sentido para você”, acrescentou, com o ar de alguém que, na verdade, esperava que eu achasse o quanto aquilo que ele iria dizer fazia, de fato, sentido.

Ele vai se aposentar, pensei, contente. Ele vai se aposentar!

“Precisamos ir para o horário nobre”, ele disse, enfim, com um sorriso, erguendo as palmas das mãos no ar como se já pudesse ver seu nome escrito em néon. “Passamos o programa para o horário nobre e aumentamos sua duração para uma hora. Um painel de convidados toda semana. Plateia ao vivo.” Ele se inclinou para a frente, como se estivesse prestes a colocar uma cereja no topo da cobertura de um bolo. “Eu poderia andar entre as pessoas com um microfone!”, continuou, entusiasmado. “Pense nisso. Será grandioso.”

Assenti com a cabeça. “Sei. É uma ideia, sem dúvida.”

“Matthieu”, interveio Polly com a voz suave — e, por algum motivo, entendi que, se eu concordasse com aquela ideia absurda, ela se candidataria ao cargo de produtora; reconheço uma proposta de trabalho quando vejo uma. “O formato com que estamos trabalhando… já é coisa do passado. Qualquer um vê isso.”

“Ah, eu concordo”, eu disse. “Isso é indiscutível.”

“Mas ainda temos muito a oferecer. Ainda temos o nosso público. Precisamos apenas modernizar o programa, só isso. Os políticos estão cada vez mais distantes da figura de alguém que esteja de fato no poder, e o Liberal Ultrajado… Você viu quem foi ao programa na semana passada?” Neguei com a cabeça; eu nunca assistia televisão se pudesse evitar, muito menos minha própria emissora. “Um apresentador de TV que era uma criança”, disse Polly, balançando a cabeça com ar desgostoso. “Um moleque de dezessete anos com cachinhos loiros e covinhas. Ele parecia que ia participar de um teste para o papel de Oliver. Perguntamos o que ele achava sobre o euro, e tudo que ele sugeriu foi que deveríamos adotar a moeda, mas trocar o rosto da rainha pelo de uma das Spice Girls.” (De novo ela usou o “nós”.) “Quero dizer, francamente, Matthieu. Martin não deveria entrevistar pessoas assim. Estão abaixo da capacidade dele.”

“Estão mesmo. Eu sei que estão”, respondi. De fato eu concordava com ela. No auge, Martin fora excelente no que fazia. Seus pontos de vista insanos ofereciam um entretenimento valioso, e ele nunca se esquivava de fazer a pergunta certa ou de procurar descobrir um traço de hipocrisia em uma resposta preparada e ensaiada com cuidado, redigida pelo governo e idealizada pelos mandachuvas. Sem dúvida, o que ele fazia agora era um insulto a suas glórias passadas. Contudo, ele estava ficando velho e não era mais tão perspicaz quanto antes; nos últimos tempos, comecei a duvidar se ele acreditava mesmo no que afirmava ou se dizia certas coisas apenas para chocar, e a segunda opção parecia cada vez mais correta. A idade o tinha deixado amargurado. Descartei meus planos anteriores e decidi arriscar outra estratégia, talvez mais perigosa.

“Você nunca se sente… velho?”, perguntei baixinho, reclinando na cadeira e despejando água de uma garrafa em meu copo. Uma gota espirrou em meu rosto e a sequei bem devagar, para não ver as reações imediatas deles.

“Se eu nunca o quê?”, perguntou Martin, chocado. “Se eu nunca me sinto…”

“Às vezes”, eu disse, falando mais alto do que ele e olhando para o horizonte, “sinto-me terrivelmente velho e quero apenas desistir de tudo e me mudar para, sei lá, o sul da França ou algum outro lugar. Uma praia. Mônaco, talvez. Nunca estive em Mônaco, sabia?”, acrescentei, pensativo, me perguntando por que nunca tinha ido lá. Mas havia bastante tempo para isso, claro.

“Mônaco”, repetiu Polly, olhando para mim como se eu tivesse enlouquecido.

“Você nunca sente vontade de relaxar?”, perguntei em seguida, meus olhos fixos nos de Martin. “Nunca sente vontade de dormir até tarde? De fazer o que quiser do seu dia? De não ter que ficar conferindo a audiência o tempo todo? De poder deixar o colarinho aberto o dia inteiro?”

“Não”, respondeu Martin, mas agora com certa insegurança na voz. “Bom, não… Na verdade, não. Quero dizer, gosto do meu… Por que está me perguntando isso?”

“O programa não está funcionando, Martin”, eu disse sem rodeios. “E não são os convidados, não é o tempo de duração dele, não são os adolescentes com covinhas e não é o formato. Não é nem você. O momento passou, só isso. Pense nos grandes programas de TV dos, vamos dizer, últimos trinta anos. Dallas, Cheers, The Buddy Rickles Show. Para todos eles, depois de algum tempo, chegou a hora de acabar. Isso não diminui a excelência que tiveram ou a diversão que ofereceram. Às vezes, é preciso reconhecer que o fim chegou. Que é hora de dizer adeus.”

Houve um silêncio por um momento, enquanto os dois pensavam no assunto. Foi Polly quem, enfim, falou primeiro.

“Você está dizendo que vão cancelar o programa?”, ela perguntou. A princípio, não respondi nada; apenas levantei uma sobrancelha.

“Ora, não vamos exagerar”, disse Martin, seu rosto avermelhado, com certeza desejando poder voltar vinte minutos no tempo e evitar a existência dessa conversa. “Tudo o que eu disse foi que podíamos torná-lo mais interessante, só isso. Minha intenção não era que você achasse que…”

“Martin”, eu disse, interrompendo-o, “infelizmente foi por essa razão que convidei você para vir até aqui hoje. Vocês dois”, acrescentei com generosidade, mesmo que eu nunca tivesse tido a intenção de falar com Polly sobre isso. Por mim, ele mesmo teria conversado com ela. “Lamento dizer que o programa acabou. Nós o estamos cancelando. Conversamos sobre isso e sentimos que chegou o momento de encerrá-lo com dignidade.”

“E o que vou fazer no lugar dele?”, perguntou, seu corpo todo parecendo afundar na poltrona, os ombros descaídos, a pele pálida e manchada, olhando para mim como se eu fosse seu pai ou seu agente, alguém de alguma maneira responsável por seu sucesso futuro. “Vocês não vão me dar algum game show horroroso, vão? E não tenho paciência para documentários. Posso ser âncora, acho. Posso trabalhar em um noticiário. É nisso que estão pensando?” Ele buscava qualquer coisa em que se agarrar e, por um instante terrível, achei que fosse chorar.

“Nada”, disse Polly, dizendo o óbvio em meu lugar. “Você não fará nada. Você acabou de ser demitido. É isso, não é, Matthieu?”

Respirei fundo pelo nariz e mantive os olhos voltados para o chão. Eu odiava esse tipo de coisa, mas já tinha feito antes, quando foi necessário, e, por Deus, faria de novo. “É”, respondi de forma prática. “Em resumo, infelizmente, é isso mesmo, Martin. Estamos encerrando seu contrato.”

Qualquer porco com o mínimo de amor-próprio se recusaria a viver no apartamento do meu sobrinho Tommy.

Dois ou três anos antes, quando fez sucesso com algumas canções em uma carreira musical paralela à de ator, ele teve o bom senso de investir em um imóvel e comprou uma cobertura de dois dormitórios com vista para o rio Tâmisa. É seu único bem de valor, e acho incrível que nesse tempo todo ele não o tenha vendido para financiar suas necessidades químicas, em vez de recorrer a mim e sempre ouvir minha reprovação. Imagino que a propriedade dê a Tommy o mínimo de estabilidade que ele precisa na vida.

Seu apartamento tem pé-direito alto e janelas esplêndidas com vista para o rio. Elas ocupam uma parede inteira do chão ao teto e, como uma criança, fiquei a um passo de distância delas e me inclinei para a frente, apoiando as mãos no vidro enquanto olhava para baixo, esperando ser tomado pela arrebatadora sensação de vertigem. A sala de estar em que eu me encontrava não fazia jus ao nome, pois eu não conseguia imaginar quem ou que espécie de ameba poderia ficar ali sem sentir a necessidade de tomar um banho a cada cinco minutos. Um sofá razoável estava coberto de jornais e revistas de moda; no chão, garrafas, latas e copos espalhados por todos os lados, a maioria com restos de cigarros e baseados. A um canto, atrás de uma poltrona grande com estofado exagerado, largada no chão à vista de todos, havia uma camisinha usada, e a observei com assombro, estupefato com a imundice que me cercava. Isto aqui, pensei incrédulo, é o lar de uma pessoa.

Abri a janela de correr, que levava a uma varanda estreita com parapeito gradeado, e saí. Lá embaixo, um barco navegava pelo Tâmisa e casais e famílias passeavam pelas margens do rio. À distância, vi a Tower Bridge e o Parlamento, uma visão que sempre me impressiona.

“Tio Matt.” Dei meia-volta e vi Tommy surgir do quarto, colocando uma rara camiseta branca e a estendendo até o shorts. Ele tinha prendido o cabelo, que chegava até os ombros em um rabo de cavalo, mas algumas mechas que escaparam emolduravam seu rosto, tão pálido que era quase fantasmagórico. Os olhos estavam com bordas vermelhas e olheiras, mas não eram nada comparados ao nariz, que se mexia e fungava constantemente, inflamado por causa do mais recente mau uso que Tommy fizera dele. Sacudi a cabeça e senti pena; toda vez que acredito estarmos nos aproximando e que ele talvez sobreviva, alguma coisa acontece, alguma coisa como essa, e percebo como meus esforços não têm utilidade nenhuma. Ele parecia — e eu não uso este termo com frequência — a Morte.

“Como você consegue…?”, comentei, olhando para o Vietnã que me cercava, mas ele me interrompeu antes que eu pudesse continuar a repreendê-lo.

“Não comece, por favor”, ele disse, irritado. “Já estou me sentindo bem mal. Teve uma festinha aqui ontem à noite. Fui dormir muito tarde.”

“Bom, graças a Deus que não é assim sempre”, eu disse. “Você acabaria contraindo a peste negra ou alguma outra coisa neste lugar. Eu vi o que ela faz com as pessoas, e não é nada bonito.”

Ele abriu espaço no sofá e na poltrona; hesitante, me sentei no sofá, enquanto ele se sentou na poltrona, em posição de lótus, cobrindo os pés com o corpo para mantê-los aquecidos. Pensei em me oferecer para fechar a janela, mas não tive a menor vontade — o oxigênio era bem-vindo — e, conforme olhei para ele, minha atenção foi desviada mais uma vez para o preservativo largado ali de um jeito deprimente, murcho e enrugado, não muito longe dele. Tommy acompanhou meu olhar, pegou um jornal e jogou sobre a camisinha, escondendo-a com um sorriso tênue. Imaginei quanto tempo aquilo ficaria ali, procriando sob o papel, produzindo sabe-se lá quantas galáxias de bactérias no tapete.

“Temos um problema”, eu disse a ele, que bocejou com vontade.

“Eu sei. Também recebi a carta.”

“De Hocknell?”

“O próprio.”

“Com o roteiro?”

“Ele mandou junto, mas ainda não tive tempo de ler. Estive ocupado me preparando para a festa e tudo o mais e, além disso, esta semana inteira trabalhei tipo dezoito horas por dia. Mas li o argumento. É bem claro o que ele está dizendo.”

“Bom, eu li o roteiro.”

“E?”

“Ah, é puro lixo”, eu disse, rindo, apesar de saber que não devia. “Quer dizer, nada ali presta. Não existe nenhuma possibilidade de sequer cogitarmos produzi-lo. A ideia não é ruim, acho, mas a maneira como ele a desenvolve…” Sacudi a cabeça. “Alguns diálogos…”

A porta de um dos quartos se abriu e dali surgiu uma jovem vestida com uma cueca samba-canção e uma camiseta. Ela não veio do quarto de Tommy e era evidente que não estava grávida, portanto eu sabia que não era Andrea. Mas me era familiar; uma cantora, atriz, alguém do tipo. Eu a conhecia dos tabloides ou das revistas de celebridades, seu habitat natural. Olhou em nossa direção, ficou intrigada por um momento, seus ombros penderam em uma expressão de infelicidade extrema, e voltou para o quarto com um gemido, batendo a porta atrás de si. Tommy a viu desaparecer, depois pegou um maço de cigarros e acendeu um. Seus olhos piscaram rápido assim que a primeira nicotina do dia penetrou seus pulmões.

“É Mercedes”, ele disse, indicando a porta fechada com a cabeça.

“Que Mercedes?”, perguntei.

“Apenas Mercedes”, ele respondeu, dando de ombros. “Ela não usa sobrenome. Como a Cher ou a Madonna. Você deve saber quem ela é. Ela tem apenas o disco pop mais vendido do ano. Está no quarto com Carl e Tina, do meu programa. Os três ficaram juntos ontem à noite. Sortudo filho da puta.”

Assenti com a cabeça. “Certo”, eu disse depois de uma pausa, sem o menor interesse pelas estripulias sexuais dos jovens. “Voltando a Lee Hocknell…”

“Ele que se foda”, disse Tommy com descaso. “Diga que o roteiro é uma bosta e que não há a menor chance de eu ou você chegarmos perto daquilo, e pronto. O que ele pode fazer? Telefonar para a polícia?”

“Ele talvez telefone”, eu disse.

“Com o quê? Ele não tem provas nem nada. Lembre-se, você não matou o pai dele. Nem eu. Apenas ajeitamos a situação, só isso.”

“Mas de forma ilegal”, eu disse. “Escute, Tommy. Não estou preocupado com o que ele pode ou não fazer. Acredite, já conheci gente muito pior do que ele e também já estive em situações muito piores do que esta. É que eu não gosto de ser chantageado, só isso, e quero que ele saia da minha vida. Não gosto de… complicações. Resolverei esta situação sozinho, você não precisa se preocupar, mas quis ter certeza de que você estava a par do que está acontecendo.”

“Certo. Obrigado”, ele disse e ficou em silêncio por algum tempo. Me levantei para ir embora.

“Como está… Andrea?”, perguntei, percebendo que nunca havia perguntado sobre a saúde dela.

“Está ótima”, ele disse, os olhos se iluminando ao olhar para mim. “Já está quase com seis meses. A barriga começando a aparecer. Ela vem para cá daqui a pouco, se você quiser ficar e conhecê-la.”

“Não, não”, eu disse, seguindo para a porta, tentando abrir o Mar Vermelho de sujeira entre nós dois. “Talvez outra hora. Chamo vocês para jantar lá em casa um dia desses.”

“Vai ser ótimo.”

“Conversamos em breve”, eu disse, fechando a porta atrás de mim e voltando ao ambiente relativamente limpo da escadaria. Respirei fundo, expulsei Lee Hocknell da cabeça e do meu resto de tarde e desci as escadas na direção da luz do sol e do ar fresco.

“E então, como foi? Ele aceitou bem ou brigou?”

Suspirei e desviei os olhos das anotações que estava fazendo para uma reunião mais tarde. Apesar de eu manter a porta aberta na maior parte do tempo, Caroline era a única funcionária da emissora que não fazia a menor menção de bater antes de entrar. Apenas a empurrava para longe do seu caminho, deixando a educação e o respeito do lado de fora.

“Martin era um grande amigo meu”, respondi, censurando-a por sua atitude e tropeçando nos tempos verbais ao fazê-lo. “Ele é um grande amigo meu. Não se trata de aceitar bem ou não. É o trabalho de um homem que foi tirado dele. Algum dia isso talvez aconteça com você, e você não gritará de alegria tão rápido.”

“Ah, por favor”, ela disse, desmoronando em uma cadeira à minha frente. “Ele era um velho desbotado cujo prazo de validade tinha acabado; estamos melhor sem ele. Agora podemos pôr alguém com um pouco de talento no lugar. Fazer esta emissora entrar no mapa. Sabe aquele moleque, Denny Jones? O que Martin entrevistou na semana passada no programa? O das covinhas? Ele seria bom para atrair o público jovem. Precisamos trazê-lo para cá de algum jeito.” Ela olhou para mim e deve ter percebido a fúria em meus olhos, minha vontade de erguê-la pelas orelhas e simplesmente atirá-la pela janela, pois recuou na mesma hora. “Está bem, está bem, me desculpe. Estou sendo insensível. Ele é seu amigo e você sente que deve alguma coisa a ele. Certo, que seja. Como ele recebeu a notícia? Mal?”

“Ora, ele não ficou feliz. Mas não disse muita coisa, para ser sincero. Foi Polly, a mulher dele, quem protestou mais. Parecia muito mais magoada do que ele.”

Depois que eu disse a Martin que seus serviços não seriam mais necessários, Polly tinha sido, de fato, quem demonstrou mais raiva. Enquanto o marido afundou na cadeira, cabisbaixo, com uma mão na testa contemplando o futuro — ou a falta dele —, ela partiu para o ataque, acusando-me de deslealdade e até mesmo de estupidez. Disse que devíamos muito ao seu marido por todos aqueles anos de trabalho, o que, na minha opinião, era um pouco de exagero, e que éramos tolos se não conseguíamos enxergar o valor e a utilidade dele para a emissora. Pelo comportamento dela, percebi que o que mais a preocupava era o marido não ter mais salário e a perspectiva de vê-lo excluído das festas, dos eventos e premiações do show business à medida que sua estrela fosse se apagando, até o ponto de qualquer apresentação vir sempre acompanhada de “Você não era aquele que…?”. Polly era jovem e agora estava presa a Martin dia e noite.

“Ela que se foda”, exclamou Caroline. “Ela é o menor dos nossos problemas.”

“Ela ambicionava ser produtora”, comentei, e ela riu alto. “Por que isso é tão engraçado?”, perguntei, espantado.

“Ora, me diga uma coisa: ela trabalha com televisão?”

“Não.”

“Ela já trabalhou com televisão?”

“Não que eu saiba.”

“Ela já trabalhou alguma vez na vida?”

“Sim. Trabalhou com artes. E sempre se interessou muito pelo programa de Martin”, eu disse, tentando entender por que eu estava dando explicações a Caroline.

“Acho que ela estava mais interessada na conta bancária dele”, ela concluiu, sacudindo a cabeça. “No que poderia ganhar com ele. Produção!”, ela bufou com escárnio. “Que ideia ridícula.”

Me levantei e contornei minha mesa para me sentar na beirada do móvel e encarar Caroline de cima a baixo, furioso. “Você já se esqueceu da nossa primeira conversa?”, perguntei. “Esqueceu como tentou me convencer a lhe dar o cargo mais alto desta organização, mesmo não tendo nenhum tipo de experiência nisso?”

“Tive anos de experiência gerencial com…”

“Varejo de discos, eu sei”, gritei, perdendo a paciência, o que é raro. “Pois bem, este mundo aqui é outra história, querida. Você talvez ainda não tenha percebido, já que fica só sentada, assistindo canais de todo o planeta, mas nós não vendemos discos. Nem livros, nem roupas, nem aparelhos de som, nem pôsteres de ídolos pop de doze anos e pele perfeita. Somos uma emissora de televisão. Produzimos entretenimento televisivo para as massas. E você não conhecia nada disso quando a admitimos. Ou conhecia?”

“Não, mas eu…”

“‘Não tem ‘mas’ coisa nenhuma. Você me pediu uma chance e eu lhe dei. Interessante saber que você não estaria disposta a fazer a mesma gentileza com outra pessoa. Existe uma parábola sobre isso em algum lugar da Bíblia, não existe?”

Ela sacudiu a cabeça e vi sua língua pressionada contra a bochecha conforme refletia sobre o que eu tinha dito. “Espere um minuto”, Caroline disse depois de algum tempo. “O que você está querendo dizer exatamente?” Olhou para mim, desolada. “Você não… Você não chegou a… Não me diga que mandou ele para o olho da rua e a contratou. Por favor, Matthieu, não me diga que fez isso.” Sorri e levantei uma sobrancelha de leve. Deixei-a sofrer um pouco. “Ah, pelo amor de Deus”, ela disse, “como é que a gente vai…”

“É óbvio que não a contratei”, respondi, interrompendo a explosão de raiva antes que o fluxo de lava emergisse de sua boca e se espalhasse sobre mim. “Acredite, Caroline, eu nunca darei um emprego a alguém que não tenha experiência para exercê-lo. Um cargo de assistente, claro, mas nada além disso. Para trabalhar nesse nível, você precisa saber o que está fazendo.”

Ela torceu a boca, contrariada, e eu fui até a janela e ali fiquei, observando a rua lá embaixo, até ouvi-la ir embora, seu salto alto fazendo clop, clop, clop no assoalho de madeira sob seus pés.