QUANDO BRIGUEI COM DOMINIQUE
Nos fins de semana, eu e Jack nos alternávamos para realizar as tarefas na mansão Cageley. Isso significava dias mais longos de trabalho, claro, pois as tarefas cumpridas por duas pessoas eram feitas por apenas uma, mas significava também que o fim de semana seguinte seria de tempo livre e lazer. Foi num desses domingos, enquanto eu relaxava na casa dos Amberton, jogando baralho com meu irmão mais novo e sentindo um tédio generalizado que quase me fez voltar aos estábulos, que a sra. Amberton me convenceu a ir com ela fazer compras no vilarejo.
“Quero abastecer a despensa”, ela me disse, atravessando rápido a cozinha e expelindo um jato de tabaco de mascar ao passar pela cuspideira. “Nunca vou conseguir sozinha. O sr. Amberton está com uma tosse daquelas, então é melhor você ir comigo e me ajudar.”
Concordei com a cabeça e terminei a partida antes de ir me arrumar para acompanhá-la. Eu não me importei; os Amberton raramente pediam alguma coisa e estavam sendo muito bondosos tanto com Tomas quanto comigo durante nossa estadia com eles. Os dois assumiram um interesse de pais por meu jovem irmão, cujos estudos tinham progredido bastante desde que ele começara a frequentar a escola, e pareciam se importar comigo por nenhum outro motivo além do fato de gostarem de mim. Nos meses que se seguiram ao fim de semana de caça e da morte da égua, pouca coisa tinha mudado em Cageley, exceto Nat Pepys passar cada vez mais fins de semana na mansão, a ponto de serem raras as tardes de sexta-feira em que não víamos sua silhueta baixa e curvada se aproximando a cavalo pela estrada enquanto o sol desaparecia no horizonte.
“Ele deve estar aprontando alguma”, Jack me segredou. “Deve achar que o velho vai bater as botas logo e quer garantir que receberá uma parte maior do cofre quando o dia chegar.”
Eu não estava tão certo disso. Não havíamos tido muito contato desde o incidente com o cavalo — creio que ele tinha consciência de que sua covardia ficara evidente naquela tarde e não sabia como lidar com seu sentimento de humilhação perante alguém que ele considerava inferior. No geral, ignorávamos um ao outro; eu cuidava de seus cavalos, ele cuidava do que era da conta dele, e assim coexistíamos com razoável conforto.
Naquele domingo em especial, um longo período de friagem tinha enfim se dissipado e o vilarejo achava-se imerso em uma luz dourada que parecia capaz de tirar das casas todos os residentes, que saíam piscando sob o sol. Eles passeavam pelas poucas lojas da cidadezinha e conversavam uns com os outros. A sra. Amberton cumprimentava todos por quem passava, e me dei conta de que aquelas pessoas, que conheciam muito bem umas às outras, jamais se chamavam pelo primeiro nome, preferindo sempre o tratamento de “sr.” e “sra.” seguido do sobrenome. Paramos e conversamos com alguns vizinhos nossos, trocando palavras amenas sobre o clima ou sobre o aspecto das roupas uns dos outros. Comecei a me sentir o filho da sra. Amberton, parado a seu lado toda vez que ela queria conversar com alguém, permanecendo em silêncio até o assunto se esgotar. Depois de algum tempo, aquilo me deixou desconfortável e desejei que ela se apressasse para fazermos logo o que precisávamos. Percebi que aquela vida estável de cidade pequena começava a perder os atrativos para mim.
Quando estávamos em uma esquina, conversando com uma tal sra. Henchley (que acabara de perder o marido para a pleurisia durante o clima ruim), vi uma coisa que me deixou doente de raiva. A sra. Amberton e a sra. Henchley falavam sem parar, dando tapinhas no braço uma da outra, assegurando-se mutuamente do quanto gostavam do falecido sr. Henchley, quando vi Dominique do lado de fora da pequena casa de chá no meio da quadra, à sombra de um toldo, conversando com um rapaz de perna engessada. Ela estava com uma elegante roupa de domingo que eu nunca tinha visto e uma touca delicada que deixava alguns cachos soltos nas laterais — adotara aquele penteado havia pouco tempo. A conversa entre os dois seguia animada e Dominique ria de vez em quando, cobrindo a boca com a mão, uma afetação feminina que ela com certeza tinha aprendido na mansão Cageley. Virei-me para a sra. Amberton, àquela altura esquecida de mim, pois ela e a amiga cutucavam o falecido como dois abutres em busca de carne não apodrecida, e segui sem pressa na direção de Dominique, semicerrando os olhos sob a luz do sol.
Tive a impressão de que ela olhou para mim várias vezes antes de perceber quem eu era, quando então parou de rir e ajeitou a postura, tossindo com discrição ao dizer alguma coisa para o companheiro antes de me indicar com um gesto de cabeça. Ele se virou para me olhar também e de repente encontrei os olhos de Nat Pepys, que não tinha aparecido no entardecer da sexta-feira e que, portanto, achei ter outros compromissos naquele fim de semana.
“Olá, Dominique”, eu disse, curvando-me um pouco à sua frente, como um nobre. Eu tinha noção do quanto minhas roupas estavam imundas e que eu não tomava banho havia uns dias, enquanto os dois ali estavam como o cavalheiro e a dama perfeitos, com seus melhores trajes de domingo. Meu cabelo precisava de um corte e de uma lavagem e se enroscava sem jeito em volta da minha gola. “Sentimos sua falta ontem à noite.” Ela vinha com frequência jantar conosco na casa dos Amberton, mas não havia comparecido na noite anterior nem dado explicações.
“Me desculpe, Matthieu”, ela disse em tom cordial. “Eu esqueci que tinha outros planos.” Depois de um instante, ela apontou Nat com a cabeça. “Vocês se conhecem, não é mesmo?”
“Claro”, disse Nat, abrindo um grande sorriso, como se nossas experiências anteriores estivessem esquecidas. “Como está, Zulu?”
“É Zéla”, retruquei, cerrando os dentes de raiva. “Matthieu Zéla.”
“É claro, é claro”, ele disse na mesma hora, sacudindo a cabeça como se estivesse se esforçando para memorizar aquilo, apesar de provavelmente saber muito bem qual era meu nome. “É essa maldita língua francesa. Ela não entra na minha cabeça. Meu irmão David, esse sim é com quem você devia falar. Francês, italiano, latim, grego. Sabe todas.”
Assenti com a cabeça de maneira rude e olhei para a perna envolta em gesso branco; ele se apoiava em uma bengala de mogno muito bonita. “O que aconteceu com você?”, perguntei, resistindo à tentação de acrescentar “Nat” no fim da frase, pois não tinha a mesma coragem de Jack Holby, mesmo que compartilhássemos a opinião sobre a estupidez daquele almofadinha. “Um acidente, foi?”
Ele riu. “Foi a coisa mais inusitada, Zéla”, ele respondeu, enfatizando o nome com cuidado. “Eu estava tentando instalar lampiões novos na minha casa em Londres e caí da escada. Não estava em um degrau muito alto, mas, de alguma maneira, caí de mau jeito sobre a perna e quebrei um osso. Nada muito sério, fico feliz de dizer, mas preciso ficar com esse gesso por mais algumas semanas.”
“Certo”, eu disse. “Então havia alguém lá para ajudar você, não?” Ele me encarou, intrigado, e inclinou a cabeça para o lado. “Quando você caiu”, continuei, depois de um momento, “tinha alguém para buscar ajuda? Você não ficou simplesmente largado ali?” Um sorriso tênue surgiu em seu rosto e vi seus olhos azuis se tornarem um pouco mais frios enquanto tentava concluir se eu estava sendo ofensivo ou apenas conversando.
“Havia alguns empregados em casa”, ele disse. “Eu estaria perdido, não estaria” — e aqui ele enunciou cada palavra devagar — “sem todos vocês para me servir no que eu preciso?” As palavras flutuaram no ar entre nós. Ele tinha me insultado, e a Dominique também, que olhou para o chão, constrangida, seu rosto ganhando uma coloração rosada de desconforto enquanto aguardávamos que algum de nós quebrasse o silêncio.
“Estranhei não tê-lo visto chegar a cavalo ontem à tarde”, eu disse, escolhendo as palavras com cuidado, querendo fazer uma alusão ao nosso último encontro sem mencioná-lo com todas as letras.
“Vim de carruagem”, ele explicou, hesitante. “E acabei chegando bem tarde.”
“Levará algum tempo até você poder montar de novo, não?”, comentei, indicando a perna engessada. “Por sorte não agimos com pessoas feridas da mesma forma que agimos com animais feridos, não é mesmo?”
Houve uma pausa. “O que você está querendo dizer?”, ele perguntou, enfim, os lábios se estreitando ao puxá-los para dentro da boca.
“Ora”, respondi, dando uma risada curta, “se você fosse um cavalo e tivesse se machucado desse jeito, nós teríamos que sacrificá-lo, não? Ou melhor, eu teria.”
Dominique me encarou e fez um não bem devagar com a cabeça. A expressão em seu rosto — que eu tinha esperado ser de admiração por minha capacidade de insultar Nat, mesmo que de forma indireta — refletia irritação, como se ela não quisesse participar de nenhum jogo infantil entre nós dois. Engoli em seco e senti meu rosto enrubescer enquanto esperava um deles dizer alguma coisa. Por fim, Nat quebrou o silêncio.
“Seu irmão é um rapaz inteligente, não é?”, ele disse, olhando para ela, e ela levantou a cabeça e sorriu, olhando para mim como se quisesse pedir desculpas por seu papel naquela situação tensa, até mesmo se recusando a ficar do meu lado. “Ele nunca esquece de nada.” Nat respirou fundo e se reposicionou para aliviar o peso da perna machucada. “Mas algumas vezes é melhor esquecer. Você consegue imaginar a quantidade de coisas que teríamos na cabeça se lembrássemos de cada coisinha que acontece?”
A sra. Amberton aproveitou a oportunidade para surgir ao meu lado, ofegante, sua língua pendendo na lateral da boca enquanto olhava para Nat Pepys, estupefata; eles nunca tinham se encontrado, mas ela sabia que ele era da mansão Cageley — e teria caído de joelhos para engraxar seus sapatos com o maior prazer, se ele tivesse pedido.
“Sra. Amberton, este é Nat Pepys”, eu disse depois de um momento, sentindo que uma apresentação se fazia necessária. “O filho mais novo do meu patrão. Esta é a sra. Amberton, minha senhoria”, acrescentei, olhando para ele.
“Encantado”, ele disse, disparando um olhar de desagrado para mim por causa da minha penúltima frase, enquanto começava a coxear em outra direção. “Infelizmente, preciso ir. Dominique, nos vemos na mansão, não é mesmo?” Ele disse esta última frase um pouco mais baixo, apenas para ela, mas com a intenção de que eu também ouvisse. “Zulu, sra. Amberton”, ele disse, nos cumprimentando com a cabeça enquanto se afastava.
“Que rapaz agradável”, comentou a sra. Amberton com olhos alegres, observando-o se distanciar. “Esperem só até eu contar ao sr. Amberton com quem conversei!” Olhei para Dominique, que me devolveu o olhar com firmeza, sem piscar, levantando uma sobrancelha de leve, como quem pergunta “Algum problema?”.
Jack estava sentado com as costas apoiadas em uma árvore e com um pedaço de madeira maciça no colo, muito concentrado, entalhando-o com uma faca. Fui até ele devagar, curioso, mas temendo assustá-lo. Observei seus olhos focados na tarefa, sem olhar para os lados nem por um instante enquanto a lâmina removia pequenas lascas aqui e ali, criando um objeto que eu ainda não conseguia identificar. Esperei, até que ele parou por um momento, ergueu a madeira contra a luz e assoprou as lascas e a poeira, então me aproximei, pisando com força para que ele me ouvisse e eu não precisasse dizer nada.
“Olá”, ele disse, semicerrando os olhos sob a luz do sol quando olhou na minha direção. “O que está aprontando?” Tirei as mãos de trás das costas para revelar duas garrafas de cerveja. Bati uma na outra em um brinde, fazendo uma careta de bêbado ao sorrir para Jack. Ele riu, deixou seu material de lado e fez um gesto negativo com a cabeça. “Matthieu Zéla… roubando a despensa de Sir Alfred, hein?”, ele disse, mordendo a boca. “Treinei você muito bem, meu pupilo.” Pegou uma das garrafas com satisfação e, com um movimento rápido e despreocupado, arrancou sua tampa com a palma de uma das mãos e o polegar da outra.
“Então Nat voltou”, comentei depois de um instante, apreciando a sensação do líquido descendo pela garganta e resfriando meu corpo. “Você acreditou nessa história dos lampiões que ele está contando?”
Ele deu de ombros. “Eu mal estava escutando quando ele me contou, se quer saber a verdade. Mas ele parecia fazer questão de me contar e, como contou para você também, eu duvido. Sabe lá o que aconteceu.” Ele assobiou e olhou para a mão; enquanto conversava comigo, tinha deixado a garrafa de lado e recomeçado a entalhar a madeira, porém se distraiu e cortou o dedo. O sangue brotou na ponta, mas parou assim que ele pressionou o machucado no polegar, esperando o sangue estancar. “Você já viu o mar, Mattie?”, ele perguntou, e eu ri, surpreso.
“O mar?”
“Sim, isso mesmo. Por que não?”, ele disse, dando de ombros. “Você já viu?”
“Claro. Tivemos que pegar um navio da França para a Inglaterra. Foi quando eu vi o mar. E passei um ano em Dover, contei a você.”
Ele suspirou e concordou com a cabeça, lembrando-se das minhas histórias sobre Paris e sobre quando cheguei à Inglaterra. “É mesmo, é mesmo”, disse. “Bom, eu nunca vi o mar. Mas já ouvi falar sobre ele. O mar, as praias. Eu nunca nadei, sabia?” Dei de ombros. Na verdade, eu também não tinha nadado muito. “Eu gostaria de fazer essas coisas.”
Dei um gole longo e olhei a paisagem à minha frente. O terreno da mansão Cageley se estendia diante de nós, a grama verde quase reluzente com a luz que a banhava até onde meus olhos alcançavam. Eu ouvia os cavalos rinchando nos estábulos ao longe e uma ou outra risada mais ruidosa vinda dos fundos da casa, onde os empregados batiam nos tapetes para tirar o pó no ar do verão. Senti uma onda de contentamento e felicidade me engolir, preenchendo meu corpo com um calor que quase me fez chorar. Olhei para o meu amigo e ele estava com a cabeça apoiada na árvore, uma das mãos puxando o cabelo loiro para trás e segurando-o naquela posição, os olhos fechados, a boca se mexendo preguiçosamente naquele momento de relaxamento.
“Só mais alguns meses, Mattie”, ele disse depois de algum tempo, e despertei do meu devaneio. “Só mais alguns meses e será a última vez que vai me ver por aqui.”
Olhei para ele, surpreso. “O que você quer dizer?”, perguntei e ele se sentou direito, olhando para os lados, para ver se não havia alguém escutando.
“Você sabe guardar segredo?”, ele perguntou e concordei com a cabeça. “Bom”, ele começou, “você sabe que eu venho economizando, não sabe?”
“Claro”, respondi; ele falava disso com frequência.
“Agora já tenho uma boa quantia guardada, sabe? Estou economizando desde os quinze anos, se quer saber. E daqui a alguns meses vou ter o que preciso. Vou pegar tudo e ir para Londres e me acertar pelo resto da vida. Jack Holby não vai mais limpar esterco nenhum.”
Fiquei triste e, mesmo antes de ele terminar, minha mente saltou rápido para a ideia de todos nós irmos embora juntos um dia, apesar de eu estar verdadeiramente satisfeito em Cageley. “O que você vai fazer?”, perguntei.
“Sei ler e escrever. Estudei um pouco antes de vir trabalhar aqui. Vou procurar emprego como caixeiro. Encontrar uma boa empresa que me aceite e que me deixe estudar mais. Talvez policial ou guarda-livros, não importa. Alguma coisa sólida. Com horas regulares. Agora tenho o suficiente para bancar minha entrada em uma empresa e deixar que eles me sustentem dali para a frente. Conseguir algum lugar para morar. Estarei garantido pelo resto da vida.” Seu rosto estava radiante com aquela perspectiva.
“Mas você não vai sentir falta daqui?”, perguntei, e ele riu alto.
“Você está aqui há pouco tempo, Mattie. Ainda encara Cageley como uma estabilidade, coisa que você nunca teve. Passei minha vida toda aqui. Cresci aqui. E se gente como Nat Pepys pode ter uma vida boa, nadar em dinheiro e mandar em todo mundo, por que não posso fazer a mesma coisa? A diferença entre mim e ele é que eu terei conquistado a minha saída. Terei trabalhado por isso. E, um dia desses, será ele, o maldito, quem vai me chamar de ‘senhor’.”
A antipatia entre os dois — que, devo admitir, existia mais por parte de Jack — nunca ficou tão clara para mim quanto naquele momento. E não era apenas por Nat ter maltratado sua amiga Elsie, tampouco por ele agir o tempo todo como um lorde conosco. Era mais do que isso. Tinha a ver com o fato de Jack não suportar a ideia de alguém sentir que tinha autoridade sobre ele. Ele não admitia isso. Tinha vivido em um regime de semiescravidão a vida toda e isso o repugnava. Jack foi o revolucionário original. A diferença é que não era precipitado; nunca iria embora até acreditar que era o momento certo de fazê-lo e que conseguiria viver por conta própria.
“Você devia começar a pensar nisso”, ele disse depois de algum tempo. “Quero dizer, não pode ficar aqui para sempre. É jovem, devia começar a economizar seu…”
“Mas eu preciso pensar em Tomas”, eu mencionei, interrompendo-o. “E em Dominique. Não posso simplesmente subir em um cavalo e ir para onde eu bem entender. Tenho responsabilidades.”
“Mas os Amberton não estão cuidando de Tomas?”
“Eu não iria embora sem ele”, eu disse com firmeza. “Ele é meu irmão. Não abandonamos um ao outro. Nem Dominique.” Ele riu, bufando, e me virei para encará-lo. “O que foi?”, perguntei. “Por que a risada?”
Ele deu de ombros e parecia não querer responder. “É só que…”, começou, hesitante, pensando nas palavras com cuidado. “Não acho que ela precise que você tome conta dela, só isso. Ela parece bem capaz de cuidar de si mesma, se quer saber minha opinião.”
“Você não a conhece”, respondi.
“Sei que ela não é sua irmã”, ele disse, suas palavras soando tão claras e inesperadas que precisei de algum tempo para registrá-las. “Eu sei disso, Mattie.”
Olhei para ele e senti meu rosto ficar pálido, sem saber o que responder. “Como você…?”, comecei. “Como você soube?”
“É óbvio, pelo jeito como você olha para ela. Eu percebi. E pelo jeito como ela olha para você, de vez em quando. É o olhar de duas pessoas que já foram um pouco mais do que irmão e irmã, se quer saber. Eu posso ter passado a vida toda enfiado nesta prisão, mas conheço uma coisa ou outra sobre esse assunto.”
Encostei-me no tronco da árvore e, por um momento, me perguntei por que eu nunca tinha contado a ele; por que não tínhamos contado a todos eles. No início, ficamos com tanto medo de sermos separados que inventamos a história, e depois que nos ajustamos tão bem à vida por ali, talvez não tivesse surgido uma oportunidade para desfazermos a mentira.
“Mais alguém sabe?”, perguntei, e ele negou com a cabeça.
“Nunca ouvi nenhum comentário. Mas a questão é que você não pode deixar sua vida ser guiada por isso, não importa o que sinta por Dominique. Viva sua própria vida.”
Concordei com a cabeça. “Nós iremos embora um dia. Quando estivermos prontos.”
“Então você a ama?”, ele perguntou, e, para minha irritação, meu rosto corou intensamente. Apesar de já fazer dois anos que aquela emoção primária habitava minha mente — o desejo ofuscante que me torturava desde as primeiras horas do dia até as últimas, sempre que eu a via e sempre que não a via —, eu nunca tinha falado sobre o assunto abertamente com ninguém, e foi estranho ouvir a pergunta de repente e não encontrar palavras para responder.
“Sim”, respondi, afinal. “Amo. Simples assim.”
“E você acha que ela ama você?”
“Sem dúvida”, eu disse, dessa vez sem hesitar, embora não estivesse tão convencido disso. “Como não me amar?”, acrescentei, sorrindo, para diminuir o peso daquele momento.
“Não sei…”, ele disse, pensativo, e por um momento não tive certeza se ele queria dizer que não sabia como não me amar ou se não sabia se ela me amava ou não.
“O problema”, continuei, ignorando suas dúvidas e agora, mais do que nunca, querendo me assegurar de que ela me amava, “o problema é que ela me vê como um…” Parei, tentando entender exatamente como ela me via. “Como um… um…” E não consegui terminar a frase por nada nesta vida. Jack apenas assentiu com a cabeça e deu o último gole na bebida antes de se levantar e alongar braços e pernas.
“Acontece que ela acredita”, ele disse. “Na mentira. Ela conseguiu se convencer de que é verdade.” Olhei para ele, intrigado. “Que vocês são irmão e irmã”, explicou. “Ela passou a sentir que é essa a relação natural de vocês.”
“Ela está apenas escondendo seus sentimentos”, eu disse. “Você não a conhece como eu.”
Ele riu. “E nem sei se quero, Mattie.”
Levantei-me de um salto e o encarei, furioso. “O que você quer dizer com isso?”, perguntei, meus punhos se fechando automaticamente e querendo que ele parasse com aquilo.
“Estou apenas dizendo que, sejam quais forem seus sentimentos por ela, não existe nenhuma garantia de que ela sinta o mesmo, só isso. Ela talvez esteja manipulando isso. Você é uma rede de segurança para ela. Ela sabe que pode contar com você sem precisar retribuir.”
“Mas como ela poderia retribuir?”, perguntei, furioso, e ele hesitou antes de responder.
“Ora… Quando foi a última vez que você passou uma noite no quarto dela, Mattie?” As palavras mal tinham saído de sua boca quando lancei o primeiro soco. Ele deu um passo rápido para trás e meu braço passou direto, sem acertar. Jack agarrou meu punho e riu sem jeito. “Calma”, ele disse, talvez um pouco aborrecido pela minha reação.
“Retire o que você disse!”, gritei, o rosto vermelho, principalmente porque ele segurava firme meu braço direito e não parecia disposto a largar. “Você não conhece Dominique, portanto retire o que disse!”
Ele me empurrou e eu tropecei em uma raiz da árvore, o que me fez cair com força no chão. Gemi ao sentir uma pontada de dor nas costas. Jack olhou para mim e chutou a poeira do chão, irritado. “Olhe só o que você fez”, disse. “Eu não queria machucá-lo, Mattie. Estou apenas dizendo o que acho. Não há necessidade de nada disso.”
“Retire o que você disse!”, repeti, talvez longe de estar na posição de dar ordens, mas ainda disposto a me levantar e enfrentá-lo se fosse necessário.
“Certo, certo, eu retiro o que disse.” Jack suspirou e balançou a cabeça. “Mas pense no que falei. Talvez faça sentido em algum momento. Tome.” Ele jogou o pedaço de madeira para mim; olhei para a peça e a ergui, enfim entendendo o que era. Ele tinha removido a parte interna da madeira com cuidado, deixando uma casca em volta do buraco — e um cubo sólido em forma de jaula na minha mão. Era como um quebra-cabeça ou a peça de um jogo, e o encarei com um misto de raiva, pela maneira como ele tinha falado sobre Dominique, e decepcionado com aquela discussão que eu nunca poderia ter esperado. Queria continuar nossa conversa, convencê-lo do quanto ela me amava, fazê-lo repetir isso, mas ele já voltava para a mansão e, em poucos minutos, desapareceu na colina, deixando-me lá sozinho com a caixa de madeira na mão.
“Ela me ama, sim”, murmurei antes de me levantar e limpar a parte de trás da minha calça.
A areia sob meus pés era de um dourado-escuro e enterrei os dedos nela o máximo que pude, até ser impossível afundar mais. Eu me deitei, o corpo imprimindo uma marca na areia, e permiti que o sol resplandecesse sobre mim. Tinha acabado de sair da água fria e minha pele estava molhada, com gotículas espalhadas ao acaso pelo peito e fazendo minhas pernas parecerem mais escuras, pois os pelos haviam grudado delicadamente ao corpo. Corri a mão até abaixo da cintura, os dedos apreciando a textura da minha pele quente, os olhos fechados para bloquear a luz, enquanto me alongava dentro de mim mesmo. Eu poderia ficar assim para sempre, pensei. Então minha mão subiu na direção da cabeça e se contorceu para sacudir meu ombro, arrastando-me de volta à consciência.
“Matthieu”, disse a sra. Amberton dentro de sua camisola, a própria imagem da assombração para meus olhos ainda adormecidos. Lambi a boca, emitindo sons desagradáveis enquanto a abria, e encarei minha senhoria, confuso. Pensei no que ela fazia ali; eu estava tendo um sonho muito agradável. “Matthieu”, ela repetiu, agora mais alto, sacudindo meu ombro nu sob o lençol. “Você precisa se levantar. É Tomas. Ele não está bem.”
Abri os olhos e me sentei na cama, sacudindo a cabeça e tirando o cabelo dos olhos com os dedos. “O que ele tem?”, perguntei. “O que está acontecendo?”
“Ele está na cozinha. Venha. Venha vê-lo.”
Ela me deixou sozinho e saí da cama tropeçando, vestindo a calça depressa antes de entrar na cozinha. Tomas, que acabara de fazer oito anos, estava sentado no colo do sr. Amberton, na cadeira de balanço perto da lareira, gemendo de modo dramático.
“Tomas?”, chamei, me inclinando sobre ele e colocando a mão em sua testa para verificar a temperatura. “O que você tem?”
“Não!”, ele grunhiu, empurrando minha mão. Seus olhos estavam fechados e a boca bem aberta. O contato rápido que eu tivera com sua testa havia revelado que ele estava muito quente. Olhei para a sra. Amberton, surpreso.
“Ele está fervendo”, eu disse. “O que você acha que é?”
“Uma gripe de verão. Faz tempo que tenho desconfiado de alguns sintomas. Ele só precisa aguentar até ela passar. Só que ele não parece muito animado, não é? Devia estar na cama, mas não quer ir.”
“Tomas”, eu disse, sacudindo-o da mesma maneira que a sra. Amberton tinha me sacudido para me acordar, “vamos, você precisa ir para a cama. Você não está bem.”
“Eu quero Dominique”, ele disse de repente. “Quero que ela me ponha na cama.”
“Ela não está aqui, você sabe disso”, respondi, surpreso por ele estar chamando por ela.
“Eu quero ela!”, ele gritou, assustando a todos nós. Ele não era uma criança tempestuosa, quase nunca se comportava daquela maneira. “Eu quero Dominique!”, repetiu.
“Acho melhor você ir buscá-la”, disse a sra. Amberton.
“A esta hora? É quase uma da manhã.”
“Bom, ele não vai se deitar enquanto ela não vier”, ela retrucou, brava. “Faz meia hora que estou tentando fazê-lo dormir, mas ele só chama por ela. Diga que é uma emergência. Olhe para ele, Matthieu! Está com febre. Precisa ir para a cama.”
Suspirei e concordei com a cabeça antes de voltar para o quarto e terminar de me vestir. A cama parecia quente e tentadora e lamentei ter de abandoná-la. Pus duas camisas e um casaco para me proteger do frio. Quando saí para a noite, enrolando um dos cachecóis do sr. Amberton em volta do pescoço, sob o casaco, senti um arrepio e tentei imaginar como Dominique reagiria àquele pedido urgente.
Tomas quase não se lembrava da mãe. Ele tinha apenas cinco anos quando Philippe a matou e, quando alcançou a idade da razão e já podia se lembrar das coisas que aconteciam, tínhamos nos juntado a Dominique. Desde então, ela também passara a tomar conta dele, dividindo comigo as responsabilidades naqueles primeiros dias. Em Dover, ela era sua única proteção durante o dia, enquanto eu ia conseguir dinheiro para o jantar com minhas aventuras como batedor de carteira. Os dois eram amigos, tinham uma boa convivência, mas nunca me ocorrera — tampouco a Dominique, acho — o quanto ele a via como uma figura materna, o que, por sua vez, me fez perceber o quanto ele devia ver a mim como um pai. Desde nossa chegada a Cageley, essa “mãe” tinha quase desaparecido de sua vida. Embora ele a visse uma vez por semana, no jantar, e os dois muitas vezes se encontrassem por acaso no vilarejo, eles já não conviviam tanto. Creio que Tomas nem chegou a visitar a mansão Cageley, onde eu e Dominique passávamos a maior parte do tempo, e me ocorreu que eu sabia muito pouco sobre seus dias e o que ele fazia para ocupá-los. O sr. Amberton o aceitara em sua sala de aula e, ao que constava, Tomas ia muito bem. Mas e amigos? Interesses, passatempos? Eu não sabia nada sobre essas coisas. Me senti culpado por tudo isso enquanto caminhava pela estrada em direção à entrada de serviço, nos fundos da casa, e lamentei minha negligência com meu irmão nos últimos tempos.
Dominique e Mary-Ann tinham o hábito de deixar a porta da cozinha destrancada à noite; se alguém quisesse sair e voltar, era mais fácil usar aquele caminho do que abrir as fechaduras da porta principal. Havia poucas chances de roubo, pois Cageley sempre fora um lugar pacífico, e ninguém se arriscaria com os cães da propriedade se já não fosse familiarizado com eles, como era o meu caso.
Quando fiz a curva depois dos estábulos para ir até a cozinha, imaginei Jack dormindo em um dos quartos de cima, sonhando com a fuga daquele lugar, e invejei sua ambição. Fiquei surpreso ao ver uma vela acesa na janela da cozinha e, por um instante, pensei ter visto movimento lá dentro; diminuí o passo e me aproximei, tentando não fazer barulho. Hesitei do lado de fora e espiei pela janela; vi dois vultos à mesa, sentados um perto do outro, e os reconheci na mesma hora: Dominique e Nat Pepys, cuja cabeça estava abaixada enquanto segurava a mão dela. Ele tremia visivelmente.
Chocado, abri a porta e entrei. Houve uma agitação súbita e eles se separaram, Dominique se levantando e ajeitando o vestido simples ao olhar para mim, Nat mal se importando com minha presença.
“Matthieu”, ela disse, surpresa. “O que você está fazendo aqui a esta hora?”
“É Tomas”, respondi, desconfiado, olhando de um para o outro. “Ele não está bem. Está chamando você.”
“Tomas?”, ela exclamou, arregalando os olhos e, apesar de tudo, me ocorreu o quanto ela devia gostar do menino. “Por quê? O que ele tem? O que aconteceu?”
“Nada”, dei de ombros. “Ele está doente, só isso. Com febre. Não quer ir dormir sem ver você. Desculpe ser tão tarde, mas…” Minha voz se perdeu. Eu não sabia o que dizer sobre a cena que havia testemunhado, se é que tinha visto o que achei ter visto. Àquela altura, Nat estava na pia, acendendo uma vela e olhando para o relógio.
“Já é muito tarde, Zéla”, ele disse, irritado, acertando meu nome, para variar. “Isso podia ter esperado até de manhã.”
“Ele está doente, Nat”, interveio Dominique no mesmo instante, e notei que ele não se incomodou por ela ter falado com tanta intimidade. “E ele é meu irmão.” Ela pegou um casaco atrás da porta e me acompanhou para fora. Caminhei alguns passos à frente dela e não disse mais nada. Ao longo do caminho para a casa dos Amberton, quase não trocamos palavras e não mencionei o que tinha visto — minha insegurança era tão grande que eu nem sabia se de fato tinha visto alguma coisa. Ela conseguiu que Tomas fosse dormir e em seguida foi embora — e fui eu quem passou a maior parte da noite acordado, revirando na cama, imaginando, pensando, cogitando.
Tentei voltar para a minha praia quente e pacífica, mas não a encontrei mais.
Somente na tarde seguinte consegui outro momento sozinho com Dominique e lhe perguntei sobre os acontecimentos da noite anterior. Eu estava cansado e irritadiço pela falta de sono e, ao mesmo tempo, furioso com ela, pois me convenci de que alguma coisa estranha estava acontecendo entre ela e Nat Pepys.
“Ah, fique fora disso, Matthieu”, ela disse, tentando se afastar de mim, mas bloqueei o seu caminho de volta à mansão. “Não é da sua conta.”
“É claro que é da minha conta”, esbravejei. “Quero saber o que está acontecendo entre vocês dois.”
“Não há nada acontecendo entre nós. Como se alguma coisa pudesse acontecer! Um homem da posição dele nunca se envolveria com alguém como eu!”
“Isso não é…”
“Estávamos apenas conversando, só isso. Ele é diferente do que você imagina. Você só vê preto e branco, mais nada. Qualquer coisa que aquele seu amigo Jack fala, você acredita.”
“Sobre Nat? Sempre. Sempre, Dominique”, respondi com firmeza.
“Escute, Matthieu.” Ela se inclinou na minha direção e vi, pela intensidade do seu olhar, que estava ficando com cada vez mais raiva, e temi ir longe demais, a um ponto em que não houvesse retorno. “Eu e você… Não há nada entre nós. Você entende isso? Eu me importo com você, mas…”
“É este lugar”, eu disse, me virando, sem querer ouvir nada daquilo. “Nos envolvemos tanto com este maldito lugar que nos esquecemos de como tudo começou para nós. Você se lembra do navio de Calais? Lembra do ano que passamos em Dover? Podíamos voltar para lá. Éramos felizes ali.”
“Eu não voltarei para lá”, ela respondeu, firme, uma risada frágil escapando de sua boca. “Não há a menor chance de isso acontecer.”
“E Tomas?”, eu disse. “Somos responsáveis por ele.”
“Eu não sou”, ela respondeu. “Gosto dele, claro, mas, sinto muito, minhas responsabilidades são apenas comigo mesma e com mais ninguém. E, se você não parar com isso, vai me afastar para sempre. Não percebe, Matthieu?”
Eu não tinha mais nada a dizer, e ela me empurrou para passar. Estava farto. Eu a odiei e a amei ao mesmo tempo. Talvez Jack tivesse razão, pensei. Era hora de ir embora de Cageley.