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QUANDO CONSPIREI COM DOMINIQUE

Os meses se passaram e deixei de me aborrecer tanto com Nat Pepys; com o tempo suas visitas se tornaram menos frequentes e, quando ele vinha, não parecia tão interessado em Dominique como eu tinha imaginado. Continuei meu trabalho, mas pensando seriamente em ir embora. Meus dois receios eram, primeiro, como Tomas reagiria à notícia, pois, de nós três, fora ele quem melhor se adaptara à vida ali — e não havia a menor possibilidade de eu partir sem ele. Segundo, se Dominique iria ou não comigo. Ao contrário do meu irmão, ela não era uma criança e podia tomar suas próprias decisões.

Era verão e havia uma festa de aniversário para Alfred Junior, o religioso filho do meio de Sir Alfred Pepys. Cerca de cinquenta pessoas tinham comparecido para as festividades ao ar livre. O orvalho da manhã deixara a grama brilhando, reluzindo sob os raios do sol. Os canteiros estavam todos floridos e a mansão parecia mais bem cuidada e cheia de vida do que nunca.

Eu e Jack cuidávamos das carroças e dos cavalos, enfileirados desde a frente da mansão Cageley até os estábulos onde costumávamos trabalhar. Transportávamos com dificuldade baldes e baldes de água para os animais, a fim de evitar a desidratação por causa da alta temperatura; na verdade, nós mesmos sentíamos os efeitos da onda de calor ao irmos de um extremo a outro do terreno com os baldes pesados. Não tínhamos permissão para tirar a camisa quando havia convidados e, com o suor, elas grudavam em nossas costas. Comecei a perder a noção do que estava fazendo, indo de um lado a outro sem me dar conta da passagem do tempo ou da quantidade de cavalos que cuidávamos. Diante dos meus olhos, o dia se tornou quase branco de tão claro, e não conseguia enxergar nem ouvir mais nada. Enfim, quando eu enchia mais um balde de água na torneira próxima aos estábulos, senti a mão de Jack no meu ombro, me sacudindo com gentileza.

“Já é o suficiente”, ele disse, desmoronando na grama ao meu lado. “Já fizemos o suficiente por enquanto. Estão todos bem.”

“Você acha?”, perguntei, quase gemendo de alívio. “Podemos fazer uma pausa?”

Ele concordou com a cabeça. À distância, no gramado, podíamos ver alguns convidados conversando, circulando, bebericando copos de limonada bem gelada. Ouvi passos atrás de mim e sorri ao ver Dominique vindo em nossa direção com uma bandeja. “Estão prontos para comer alguma coisa?”, ela disse, sorrindo, e duvido que algum de nós tenha ficado mais feliz na vida ao ver um ser humano do que naquele momento. Ela tinha nos preparado sanduíches de carne, e no centro da bandeja havia uma jarra alta de limonada com canecas de cerveja. Comemos e bebemos por alguns minutos, agradecidos e calados enquanto recuperávamos nossas forças. Senti a limonada descer pela garganta e entrar no meu corpo, sua doçura ajudando a restabelecer o nível de açúcar no sangue; comecei a ficar menos trêmulo e a me sentir cansado.

“Isto não é vida”, comentei depois de algum tempo, esfregando os músculos dos braços, espantado com o quanto meus antebraços tinham crescido nos últimos meses. Eu estava mais forte do que nunca, mas não como Jack, cujo corpo parecia naturalmente projetado para força e músculos; eu ainda não tinha porte, e os músculos pareciam quase inapropriados para minha estrutura juvenil. “Preciso de outro emprego.”

“Nós dois precisamos”, ele disse, embora estivesse mais próximo de conseguir isso do que eu. Jack tinha decidido não permanecer mais em Cageley depois do verão e me confidenciou que planejava entregar o pedido de demissão na semana seguinte. Tinha dinheiro suficiente para chegar até Londres e sobreviver por vários meses, se fosse necessário, embora estivesse convencido de que iria arrumar um emprego como caixeiro com relativa facilidade. Eu não duvidava. Ele comprara um terno novo e certa noite, quando o vestiu para me mostrar, fiquei chocado com a transformação. O cavalariço parecia muito mais homem do que qualquer herdeiro Pepys, que tinham sido conduzidos à vida adulta e à respeitabilidade sem esforço, através da idade e do dinheiro; Jack era alto e bonito e vestia o terno como quem tinha nascido para aquilo. E era também inteligente e perspicaz. Eu não imaginava uma situação em que ele não arranjasse um trabalho em questão de poucos dias.

“Vocês dois não têm trabalho a fazer?” Nat Pepys surgiu atrás de nós e nos sentamos, semicerrando os olhos e os protegendo do sol com as mãos.

“Estamos almoçando, Nat”, disse Jack, agressivo.

“Parece que você já terminou de comer, Jack”, o outro retrucou na mesma hora. “E é sr. Pepys para você.”

Jack bufou e se deitou outra vez; fiquei na dúvida do que fazer. Nat tinha medo de Jack — era fácil ver isso —, mas era improvável que acontecesse alguma coisa além de conversas ríspidas entre eles. Como se para reafirmar sua autoridade, Nat cutucou minhas costelas com a ponta da bota, fazendo com que eu me levantasse de um salto, com raiva.

“Venha, Matthieu”, disse, dessa vez chamando-me pelo primeiro nome. “Levante-se e dê um jeito nessas coisas.” Indicou a bandeja com os pratos e as canecas vazias. “Está uma bagunça. Vocês são uns porcos, vocês dois.”

Por um instante, eu não soube o que fazer, mas acabei recolhendo os objetos que tanto o incomodavam e os levei para a cozinha; joguei tudo na pia de um jeito abrupto, sobressaltando Dominique e Mary-Ann.

“Qual é o seu problema?”, perguntou Mary-Ann.

“Vamos, lavem essas coisas”, respondi em tom agressivo. “É trabalho de vocês, não meu.” Com um insulto, marchei para fora e voltei até onde Jack estava, agora apoiado nos cotovelos, observando eu me aproximar e Nat se afastar. Quando olhei outra vez para a porta da cozinha, Dominique e Nat conversavam bem próximos um do outro, e ela ria de alguma coisa que ele dizia. Minha respiração ficou pesada e senti meus punhos se fecharem com força. Uma mosca passou zunindo pelo meu rosto, agitei os braços para espantá-la e, ao olhar para cima, o sol momentaneamente me cegou. Quando voltei a enxergar, vi a cabeça deles bem juntas e a mão de Nat indo para a parte de trás do vestido dela, descendo, descendo, até que Dominique o olhou com recato e Nat abriu um sorriso asqueroso. Meu corpo todo ficou tenso por causa do que eu estava prestes a fazer.

“Mattie? O que foi?” Senti a presença vaga de Jack ao meu lado, tentando segurar meus braços enquanto eu caminhava na direção de Nat e Dominique. “Mattie, pare com isso, não vale a pena”, ele continuou, mas eu mal o notava, tão concentrado que estava no objeto da minha raiva — que, naquele momento, podia ser qualquer um dos dois; podia ser, inclusive, o próprio e inocente Jack, tamanha a fúria dentro de mim. Vi Nat se virar para me olhar, e a súbita consciência de que haveria problemas passou por seu rosto. Ele via que eu estava fora de mim e que posição social, emprego, dinheiro ou servidão não fariam a menor diferença naquele momento. Deu um passo para trás enquanto eu o alcançava, o agarrava pela lapela e o puxava, fazendo-o girar. Ele caiu desengonçadamente no chão e se esforçou para recuperar o equilíbrio enquanto eu o provocava.

“Levante-se”, eu disse, minha voz grave surgindo de um lugar que nem eu mesmo sabia existir. “Levante-se, Nat.”

Ele se levantou e começou a se virar, mas o peguei outra vez, bem no momento em que Dominique e Jack me seguraram. Sem perceber, eles tinham me agarrado dos dois lados, baixando minha guarda, deixando-me vulnerável para Nat, que recuperou o equilíbrio, retraiu um braço e acertou um soco no meu rosto. Não foi um soco convicto nem muito forte, mas me atordoou por um instante e fui jogado para trás, já me preparando para retomar o ataque e pular sobre ele — para matá-lo, se fosse o caso. Pisquei até a visão clarear de novo, fechei o punho direito com força, dei alguns passos na direção dele e já ia impulsionar o braço, quando Jack gritou para que eu parasse. Ele sabia quais seriam as consequências se eu esmurrasse Nat Pepys, então quando Dominique correu e se colocou entre nós, me atrapalhando por um momento, Jack mesmo o fez. Encontrando a mesma fúria dentro de si, e provavelmente querendo impedir que um homem como Nat Pepys destruísse minha vida, ele mesmo atacou o rapaz, derrubando-o com uma bofetada na face esquerda, um soco no estômago e um último gancho de direita no rosto.

Nat desmoronou, sangrando e inconsciente, e nós três ficamos ali parados, contemplando com horror cada vez maior o resultado das nossas ações. A coisa toda não tinha durado nem um minuto.

Jack foi embora antes mesmo de Nat recobrar a consciência. Ele ficou caído no chão, à nossa frente, destruído, o rosto coberto de sangue, que jorrava tanto do nariz quanto da boca. Em poucos minutos, os convidados da festa acorreram em nossa direção. Uma senhora gritou, outra desmaiou. Os homens pareciam indignados. Depois um médico veio até nós e se debruçou sobre Nat para examiná-lo.

“Precisamos levá-lo para dentro”, disse o médico, e alguns homens mais jovens ergueram o ferido e o levaram até a mansão. Em pouco tempo, restaram apenas eu, Dominique e Mary-Ann do lado de fora.

“Para onde foi Jack?”, perguntei, entorpecido, sem acreditar na sequência de eventos que nos deixara naquela situação. Olhei em volta sem foco, à procura do meu amigo.

“Pegou um cavalo e fugiu”, disse Mary-Ann. “Não viu?”

Balancei a cabeça. “Não”, respondi depois de um tempo.

“Passou pela multidão há alguns minutos. Ninguém percebeu, porque todo mundo estava olhando para Nat, no chão.”

Pensei se Nat ficaria bem e afastei o cabelo do rosto, frustrado. Tudo culpa minha. Virei-me e encarei Dominique com raiva. “O que era aquilo?”, gritei. “Que diabos estava acontecendo ali?”

“Você pergunta para mim?”, ela esbravejou, agora com o rosto pálido. “Foi você que avançou para cima de nós. Parecia que ia matá-lo.”

“Ele estava agarrando você!”, rugi. “Eu vi para onde as mãos dele estavam indo. Você não entende…”

Eu não sou sua para você querer me proteger!”, ela gritou antes de girar nos calcanhares e voltar correndo para a cozinha. Balancei a cabeça, frustrado. Sob meus pés havia se formado uma poça opaca de água e sangue.

Quando anoiteceu, a história já tinha se espalhado pelo vilarejo. Jack atacara Nat Pepys, quebrara sua mandíbula — fazendo-o perder a maioria dos dentes — e também duas costelas, roubara um cavalo do patrão e desaparecera. A polícia já estava à sua procura. Na casa dos Amberton, eu não conseguia dormir por causa da preocupação por meu amigo. Todos os planos que ele tinha feito, tudo o que pretendia conquistar nos próximos meses… Tudo provavelmente destruído por culpa minha. Por meu ciúme. Pelo menos Nat não havia morrido; já era um começo. Tudo em que consegui pensar foi que Jack fizera aquilo porque era algo que precisava ser feito; tinha agido para evitar que eu agisse.

Na manhã seguinte, me levantei às cinco horas e fui direto para a mansão Cageley. Eu não fazia ideia se ainda estava empregado — achava que não. Mas aquela era uma consequência que não me preocupava muito, pois eu já sabia que iria embora de Cageley em breve; meu tempo ali já tinha acabado. Eu queria ver Dominique. Queria que ela me dissesse como se sentia. Encontrei-a caminhando pelo campo ao nascer do sol, seu rosto branco e seus olhos pesadamente vermelhos. Era óbvio que ela também não tinha dormido.

“Nenhum sinal dele ainda”, eu disse, sem saber se era uma pergunta ou uma afirmação. Ela negou com a cabeça.

“Ele já deve estar longe daqui”, ela disse. “A essa altura deve estar a meio caminho de Londres. Jack não é burro.”

“Não?”, perguntei, e ela me encarou.

“O que você quer dizer?”

“Ele ia embora de qualquer jeito”, eu disse. “Já tinha economizado o suficiente para isso. Comprou um terno. Planejava trabalhar como caixeiro em Londres. Ia entregar o pedido de demissão na semana que vem.”

Ela respirou fundo e achei que fosse chorar.

“É tudo culpa minha”, ela disse, o sotaque francês voltando a aparecer à medida que ela se distanciava mentalmente de Cageley. “Não devíamos ter vindo para cá. Tínhamos planos. Devíamos ter seguido nossos planos.”

Nós. Havia quanto tempo que eu não a escutava usar essa palavra? Por mais desprezível que me parecesse, comecei a enxergar uma consequência positiva em tudo aquilo: as coisas voltariam a ser como eram dois anos atrás, em Dover. Iríamos embora juntos, moraríamos juntos, ficaríamos juntos, envelheceríamos juntos. Percebi que eu afastava para longe os pensamentos relacionados a Jack, como se fossem inconvenientes para os meus planos e, por mais que me odiasse por fazer isso, não pude evitar. Mordi o lábio, frustrado.

“O que foi?”, ela perguntou, parando de andar e pegando minha mão. Senti lágrimas surgirem em meus olhos e mordi o lábio com mais força.

“Ele…”, comecei, esfregando a palma da mão nos olhos para me livrar das lágrimas. “Ele é meu amigo”, eu disse, minha voz falhando de leve. “Jack… ele… ele é meu amigo. Veja o que ele fez por mim. E veja o que fiz a ele. Eu… eu…” Cedi às lágrimas e desmoronei no chão, enterrando a cabeça nos braços para impedir que Dominique me visse naquele estado. Quanto mais eu tentava me conter, mais fortes os espasmos ficavam, até que balbuciei uma torrente de bobagens e minha boca se contorceu de infelicidade.

“Matthieu, Matthieu”, ela sussurrou, me envolvendo com seu corpo, me segurando contra si enquanto eu chorava em seu ombro. Dominique me acalmou e me embalou como um bebê, até que, enfim, não consegui mais chorar e me afastei dela, tirando a camisa de dentro da calça para enxugar o rosto. “Não é culpa sua”, ela disse, mas não havia convicção em sua voz; nem precisei responder “Claro que é”. Eu tinha destruído Jack, meu melhor amigo, e ele havia me salvado. E tudo em que eu conseguia pensar era levar todos nós para longe dali e largá-lo para trás.

“Que tipo de homem eu sou?”, perguntei, hesitante.

Voltamos para a mansão caminhando sem pressa. Não tínhamos ideia do que nos aguardava. Havia uma boa chance de o emprego de Dominique estar a salvo por enquanto, mas eu temia o que poderia acontecer comigo. Como era de esperar, vi Sir Alfred na porta da frente com um policial. Eles nos observaram atravessar o campo, sem parar de conversar entre si, mas também sem tirar os olhos de mim enquanto eu seguia na direção dos dois. Ao chegarmos ao ponto em que eu iria para os estábulos e ela para a cozinha, Sir Alfred chamou meu nome e me virei; ele fez um gesto para que eu me aproximasse. Suspirei e olhei para Dominique, pegando em suas mãos.

“Se pudermos ir embora sem nenhum problema”, perguntei, “você vem comigo?”

Ela me olhou nos olhos, exasperada, e depois para o céu. “Para onde iríamos?”, perguntou.

“Londres”, respondi. “Como nosso plano original. Eu, você e Tomas. Tenho um pouco de dinheiro guardado. E você?”

“Também. Um pouco. Mas só um pouco.”

“Podemos fazer as coisas darem certo”, eu disse, na dúvida se eu mesmo acreditava naquilo. Sir Alfred me chamou mais uma vez e, quando olhei em sua direção, percebi que ele estava ficando nervoso.

“Eu não sei…”, ela disse, e ouvimos outro grito me chamando. Soltei as mãos de Dominique e fui andando de costas na direção de Sir Alfred e do policial. “Venho hoje à noite”, eu disse. “Conversaremos quando eu voltar. Depois da meia-noite, está bem?”

Ela assentiu com um gesto quase imperceptível, depois se virou e se afastou, com a cabeça baixa de tristeza.

Sir Alfred Pepys era corpulento e gordo; seu rosto, uma abóbora madura sobre um corpo de pura obesidade. Para ele, era cada vez mais difícil se locomover por causa da artrite, e raramente o víamos na área externa da mansão Cageley, pois quase sempre ele preferia ficar em casa, lendo seus livros, bebendo seu vinho e comendo pratos preparados com animais da propriedade.

“Venha cá, Matthieu”, ele disse quando eu estava a apenas alguns passos de distância. Ele me agarrou com agressividade e me empurrou na direção do policial, que me encarou de cima a baixo várias vezes com desgosto. “Pois bem, senhor”, ele continuou, olhando para o homem mais novo do que ele, “pergunte o que o senhor quer perguntar.”

“Qual é o seu nome, meu jovem?”, perguntou o policial, um homem de meia-idade com uma densa barba avermelhada e sobrancelhas de um laranja marcante. Ele pegou um lápis e um bloco do bolso e lambeu a ponta com cuidado antes de anotar minhas respostas.

“Matthieu Zéla”, respondi, soletrando o nome para ele. Ele me olhou como se eu fosse algo que ele tivesse cuspido no chão fazia pouco tempo. Perguntou o que eu fazia na mansão Cageley e eu disse que era cavalariço.

“Então você trabalha com esse tal Jack Holby, não é mesmo?”, perguntou e eu concordei com a cabeça. “Que tipo de rapaz você diria que ele é?”

“Da melhor espécie”, respondi, endireitando a postura diante dele, como se dizer o nome de Jack significasse demonstrar algum sinal de respeito. “Um bom amigo, um trabalhador dedicado, um sujeito pacífico. Ambicioso também.”

“Pacífico, é?”, comentou Sir Alfred. “Ele não foi tão pacífico quando quebrou a mandíbula e as costelas do meu filho, foi?”

“Ele foi provocado”, eu disse — e, por um momento, achei que o próprio Sir Alfred me daria um soco, mas o policial interveio. Perguntou qual era a minha versão do que havia acontecido na tarde anterior e eu menti, é claro, dizendo que Nat tinha dado o primeiro soco e que Jack apenas se defendera. “Foi apenas um erro de Nat ele não ter tido chance contra Jack”, insisti. “Ele devia ter pensado melhor antes de começar a briga.”

O policial assentiu com a cabeça e esperei Sir Alfred me mandar embora da propriedade naquele mesmo instante, para nunca mais voltar, mas ele não o fez. Pelo contrário; perguntou se eu achava possível cuidar dos cavalos sozinho por enquanto, sugerindo, inclusive, que eu ganharia um pouco mais se o fizesse. Eu dei de ombros e disse que não seria problema nenhum.

“Precisarei arranjar outra pessoa em breve, é claro”, disse Sir Alfred, coçando a barba, pensativo. “Para substituir Holby, quero dizer. Ele não vai mais voltar para cá.” Apesar de eu já saber disso, fiquei triste com a confirmação. Decidi tentar ajudar Jack pelo menos um pouco, mesmo àquela altura.

“Não”, eu disse. “Provavelmente nunca mais o veremos. Deve estar a caminho da Escócia a essa altura.”

“Escócia?”, exclamou o policial, rindo. “Por que ele iria para a Escócia?”

“Sei lá”, respondi, dando de ombros. “Apenas imagino que ele iria para algum lugar bem longe daqui. Começar de novo. Vocês nunca vão pegá-lo, sabiam?” Eles olharam um para o outro e sorriram com maldade. “O que foi?”, perguntei. “O que foi?”

“Seu amigo Jack Holby está bem longe da Escócia”, disse o policial, inclinando-se na minha direção, e senti o fedor de seu hálito. “Foi capturado ontem à noite. Está em uma cela no vilarejo, esperando julgamento por lesão corporal gravíssima. Ele passará alguns anos na prisão, meu amigo.”

Naquela noite, eu e Dominique nos encontramos conforme o combinado. “Todo mundo está falando do Jack”, ela contou. “Sir Alfred diz que ele passará pelo menos cinco anos na cadeia por causa do que fez.”

“Cinco anos?”, exclamei, horrorizado. “Você não pode estar falando sério.”

“Dizem que talvez demore seis meses até Nat voltar a falar. E vão precisar esperar que a mandíbula melhore para começarem a implantar os dentes. Os médicos têm medo que a parte de baixo do rosto não aguente e entre em colapso nesse meio-tempo.”

Senti uma onda de náusea dentro de mim. Nem mesmo Nat Pepys merecia tal destino. Parecia que todos tinham saído perdendo — Jack perdera a liberdade, Nat perdera a saúde e eu, um amigo. Ainda me culpava por tudo aquilo e odiava imaginar o que o próprio Jack devia estar pensando de mim, sentado horas a fio em sua cela.

“E então, você pensou sobre aquilo?”, perguntei a ela depois de algum tempo. “Sobre irmos embora?”

“Pensei”, ela respondeu com firmeza. “Sim, vou embora com você. Mas não podemos largar Jack nessa situação, não acha?”

“Vou resolver isso”, eu disse, sacudindo a cabeça. “Vou pensar em alguma solução.”

“E quanto a Tomas?”

“O que tem ele?”

“Ele vem com a gente também?”

Olhei para ela, surpreso. “É claro que sim. Você não acha que eu deixaria ele aqui, acha?”

“Não por escolha. Mas já conversou com ele sobre isso? Perguntou o que ele quer fazer?” Neguei com a cabeça. “Bom, pois devia”, ela continuou. “Ele parece feliz aqui. Está indo para a escola. Os Amberton praticamente o consideram um filho. Além disso, as coisas já vão ser bem difíceis para nós em Londres sem que a gente ainda precise se preocupar com uma…”

“Não posso deixá-lo aqui!”, eu disse, chocado por ela sugerir isso. “Ele é minha responsabilidade.”

“Sim”, ela respondeu, hesitante.

“Sou a única família que ele tem e ele precisa de mim. Não posso abandoná-lo.”

“Mesmo que aqui seja o melhor lugar para ele? Pense, Matthieu. Para onde vamos quando sairmos daqui?”

“Para Londres. O caminho todo dessa vez.”

“Está certo. Mas Londres não é barata. Temos um pouco de dinheiro, claro, mas quanto tempo ele vai durar? E se não encontrarmos trabalho? E se acabarmos na mesma situação que estávamos em Dover? Você quer ver o Tomas na rua, arrumando sabe lá que tipo de problema?”

Pensei no assunto. O que ela dizia fazia sentido, eu não tinha dúvida disso, mas eu não conseguia me sentir confortável com a ideia de deixar Tomas. “Não sei”, respondi. “Não consigo me imaginar sem ele. Ele sempre esteve comigo. Como eu disse, sou a única família que ele tem.”

“Você não está querendo dizer que ele é a única família que você tem?”, Dominique perguntou baixinho, e olhei para ela no escuro. Não, pensei. Tenho você também.

“Vou falar com ele assim que puder”, eu disse. “E então faremos nossos planos. Mas tenho uma coisa para fazer amanhã.” Dominique me encarou, intrigada, e dei de ombros. “Vou visitar Jack na prisão. Vou pensar em algum jeito de resolver esse problema, senão não vou embora. Não posso me sentir responsável por destruir os próximos cinco anos da vida dele.”

Ela suspirou e sacudiu a cabeça. “Às vezes não consigo entender você”, ela disse depois de um longo silêncio. “Você não consegue ver que as respostas para todos os nossos problemas estão bem na sua frente?”

Dei de ombros. “Como?”, perguntei.

“Todas essas coisas que estamos discutindo. Ir embora de Cageley. Ir para Londres. Começar de novo. Eu e você. E Tomas. A solução está bem ali, mas você não quer abrir os olhos para ver.” Encarei Dominique, esperando pela tal resposta mágica, sem saber do que ela estava falando — apesar de, em algum lugar nas profundezas da minha mente, eu já saber. “Jack”, ela disse depois de um momento de silêncio, a ponta do dedo descendo pelo meu pescoço, acariciando a pele até a metade do meu peito, onde a camisa estava abotoada. O toque de sua mão contra a minha pele gelada me distraiu e olhei para baixo, surpreso com a atitude dela; fazia muito tempo que ninguém me tocava, ainda mais ela. “Ele estava indo embora, não estava?”, Dominique perguntou.

“Sim”, respondi, a palavra engasgando em minha boca. Ela se inclinou em minha direção e as palavras que sussurrou preencheram meu ouvido.

“E como ele ia se sustentar em Londres, Matthieu?” Não respondi. Depois de um instante, ela recolheu a mão e deu um passo para trás. Fiquei em silêncio, enraizado no lugar, incapaz de mexer um músculo até ela ter partido. Enquanto Dominique desaparecia na escuridão da noite, suas últimas palavras ecoaram em meus ouvidos e não pude evitar que me seduzissem. “Cinco anos é bastante tempo na cadeia”, ela dissera.