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NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1999

Foi Tara quem sugeriu nos encontrarmos no mesmo restaurante italiano no Soho, onde, meses antes, tínhamos discutido suas perspectivas profissionais e a possibilidade de ela deixar nossa emissora. Eu ainda não sabia como me sentia sobre esse encontro e estava um pouco nervoso enquanto esperava por ela, já sentado a uma mesa. Fazia mais de seis meses que não nos víamos e, nesse período, eu mal acompanhara seu trabalho na televisão.

Ainda assim, quando telefonei para Tara, depois de Caroline e seus aliados na emissora insistirem muito, ela logo concordou em me ver. Conversamos por cerca de dez minutos antes de combinarmos um lugar e um horário.

Quando ela chegou, fiquei muito surpreso. Da última vez que a vira, ela era a imagem perfeita da mulher contemporânea focada na carreira. Usava um terninho de um estilista famoso (Tara — ou Tart, como James a chamava — não gostava de roupas genéricas) e seu cabelo loiro assentava-se com perfeição, como se seu cabeleireiro estivesse do lado de fora do restaurante para dar os retoques finais antes de ela entrar na passarela. Mas agora, passados seis meses, mal a reconheci. O terninho tinha sido substituído por uma elegante calça jeans branca e uma blusa simples, aberta no pescoço. Deixara o cabelo crescer um pouco e agora ele terminava logo acima do pescoço, em um penteado simples; estava moreno e com discretas luzes loiras. Ela trazia uma agenda organizadora, o que imaginei ser de rigueur, e seu rosto quase não tinha maquiagem. Estava fantástica, aparentando a própria idade.

“Tara”, eu disse, quase sem fôlego diante daquele novo visual maduro. “Quase não a reconheci. Você está fantástica.”

Ela parou e me encarou por um momento, admirada, e então abriu um grande sorriso. “Obrigada”, disse, rindo, e (pensei) um pouco corada. “Você é muito gentil. Você também não está nada mal para um homem de meia-idade.”

Eu ri — quantos homens de meia-idade com quinhentos anos ela conhecia? — e sacudi a cabeça para quebrar meu encanto por ela. Depois de terminadas as formalidades e de pedirmos um almoço relativamente leve, nos reclinamos nas cadeiras e um silêncio incerto pairou sobre nós. O encontro tinha sido proposto por mim, portanto esperava-se que eu iniciasse a conversa.

“E então? Como está a vida na Beeb? Muito melhor do que conosco, imagino.”

Ela deu de ombros. “Está indo bem”, respondeu, sem muito entusiasmo. “É diferente do que eu esperava.”

“Como diferente?”

“Bom, eles te põem um monte de dinheiro na mão, mas na maior parte do tempo não parecem muito interessados em que você trabalhe. Acho um jeito bem estranho de administrar um negócio.”

“Isso se chama monopólio de talentos”, expliquei. “Eles se dispõem a pagar uma porção de gente, mantêm todos sob contrato, mas não exatamente com o objetivo de que trabalhem para eles, mas a fim de impedi-los de trabalharem para os outros. É uma estratégia antiga. Já vi isso antes.”

“Não me entenda mal”, ela acrescentou na hora, ansiosa por não parecer insatisfeita com o novo emprego. “Tem bastante coisa acontecendo. Vou ao Rio de Janeiro daqui a algumas semanas, gravar um programa para o fim de ano. Vou participar do Question Time deste fim de semana. E eu e Gary Lineker vamos redecorar as salas um do outro para um especial sobre design que vai ao ar mês que vem. Temos apenas dois dias para fazer tudo, então deve ser bem…” Ela se esforçou para encontrar a palavra adequada, mas não conseguiu e desistiu. Baixei os olhos para a refeição que tinha acabado de chegar e comecei a comer, sem vontade de olhar para Tara, caso seu rosto tivesse assumido uma expressão de total infelicidade.

“Fico feliz que esteja correndo tudo bem e que você se sinta produtiva”, eu disse depois de algum tempo. “Apesar de sentirmos sua falta, é claro.”

“Até parece. Vocês não viam a hora de se livrar de mim.”

“Não é verdade”, protestei. “Tinha muita coisa acontecendo naquela época e achei que, se você estava recebendo uma oferta respeitável da BBC, aceitá-la seria do seu maior interesse. Apenas pensei no seu futuro.”

Tara riu. Ela não acreditou naquilo — nem eu. “Enfim”, ela disse. “Agora não tem mais importância, para falar a verdade. Em todo caso, acho que fui um pouco sacana na coisa toda. Eu tinha outros motivos para sair da emissora, além de propostas de trabalho, e tenho certeza que você sabe disso.”

Olhei para ela, surpreso, mas Tara prestava atenção em alguma coisa atrás de mim, um casal de celebridades que tinha acabado de ocupar uma mesa. Ela os cumprimentou com um aceno de cabeça antes de voltar para sua pizza. “Ah, e como está Tommy?”, perguntou depois de um instante, me olhando como se tivesse preparado essa pergunta para fazê-la no momento em que chegasse ao restaurante.

“Não muito bem”, respondi.

“Fiquei triste quando li sobre o que aconteceu.”

“Era previsível. Ele estava caminhando nessa direção fazia muito tempo. A história não está a favor dele.”

“Mas ele já saiu do coma, pelo menos?”

Assenti com a cabeça. “Ah, sim. E ele já voltou para casa, o que é bom. Mas está muito deprimido. E ainda não sabemos se vai ter emprego quando se recuperar por completo.”

“Que situação difícil. Conheço a produtora dele, ela é uma filha da puta. Uma tremenda hipócrita que se acha defensora da moral. Ela não se importa nem um pouco de explorar todo tipo de comportamento humano e perversão no programa, mas se uma pessoa age como um ser humano na vida real, ela acha o fim do mundo. Essa mulher é um pesadelo… Não que eu possa falar muito.”

“Ah, deixe disso”, eu disse, sorrindo, na dúvida se ela queria empatia genuína ou se estava apenas provocando meu lado apaziguador. “Você não é tão ruim assim”, acrescentei, com um toque de malícia.

“Mas já fui. Fui exatamente como ela.” Tara parou e mordeu o lábio por um instante, com a expressão de alguém ponderando se teria coragem de falar o que havia planejado. No fim, gaguejando de leve, continuou. “Escute, Matthieu. Tem uma coisa que eu preciso dizer. Já faz tempo que eu queria ligar para você e falar sobre isto, mas toda vez que tento me falta coragem. Como você acabou me telefonando e aqui estamos, acho melhor eu engolir o orgulho e falar de uma vez.”

Olhei para ela e pousei meu garfo no prato. “Diga.”

“É sobre o que aconteceu. Entre nós, quero dizer. Quando eu… fiquei interessada pelo seu sobrinho.”

“Isso faz muito tempo, Tara”, eu disse, irritado, sem a menor vontade de voltar ao assunto.

“Eu sei que faz, eu sei. Mas preciso desabafar.” Ela respirou fundo e me olhou nos olhos com intensidade. “Me desculpe”, disse. “Me desculpe pelo que eu fiz. Eu estava errada. Fui injusta com você e fui injusta com Tommy. Não sei no que eu estava pensando, agi como uma menininha apaixonada. Mas é como você diz, faz muito tempo mesmo e… acho que eu mudei. Por isso queria pedir desculpas, só isso. Sua amizade sempre foi muito importante para mim, e senti falta dela. Me comportei mal e quero me desculpar. Você foi a primeira pessoa…”

Coloquei minha mão sobre a dela. “Tara, não tem problema. É tudo passado. Ninguém é perfeito. Você não faz ideia dos erros que cometi nos meus relacionamentos todos esses anos.”

Ela sorriu e eu comecei a rir e a balançar a cabeça. Me surpreendi por me sentir tão feliz com o que ela havia dito. Recomeçamos a comer e uma sensação agradável de felicidade tomou conta da mesa. Éramos amigos de novo, e aquilo era bom. Mais do que isso: ela parecia diferente da Tara por quem eu perdera o interesse e mais próxima da Tara por quem eu tinha me apaixonado.

“Bom, diga a Tommy que eu lhe desejo melhoras”, ela disse depois de algum tempo, mas logo se arrependeu. “A não ser que você não ache uma boa ideia. Talvez seja melhor não dizer nada sobre mim. Ele não deve ser meu fã número um. Não depois de… Bom, eu não fui de muita ajuda, não é?” A coluna “Tara diz” que havia causado problemas consideráveis a Tommy ainda não tinha surgido na conversa. Mudei de assunto.

“Esqueça isso. Aliás, eu não trouxe você aqui para falar sobre Tommy ou sobre o passado. Era para ser uma reunião de negócios, sabia?”

“É mesmo?”, ela disse, mas nem por um instante acreditei que ela tivesse achado que fosse por outro motivo. “Certo. Como vão as coisas na minha antiga casa?”

“Movimentadas. Bem movimentadas.”

“Você conseguiu alguém para substituir James?”, ela perguntou, e neguei com a cabeça.

“Não. Estou no cargo desde que ele morreu. E P. W. se mandou para o Caribe, ou sei lá para onde, e deixou sua filha elétrica cuidando da parte dele, e ela está perto de ser a pior coisa que já me aconteceu na vida, o que é algo notável.”

“Por quê?”, perguntou Tara, e percebi que eu não me importava de falar sobre aquelas coisas com ela. Um ano antes, ou até mesmo seis meses antes, eu teria me preocupado que qualquer coisa que eu dissesse acabaria em uma coluna de jornal ou espalhada pela emissora antes do fim do expediente, mas agora, mesmo estando juntos havia apenas meia hora, eu confiava nela. Senti que podia desabafar sobre aqueles problemas e sobre como eles me faziam sentir. E percebi que eu não tinha ninguém na vida com quem pudesse fazer isso. Contei-lhe sobre Caroline e sobre como ela estava, aos poucos, tentando se envolver cada vez mais profundamente na emissora, embora eu não a achasse tão boa no que fazia, e sobre como ela ainda forçava a barra para conseguir o cargo de James Hocknell.

“Mas ela não vai ficar com a vaga, vai?”, perguntou Tara, bebendo um longo gole de água mineral depois de terminar de comer. Neguei com a cabeça.

“Ah, não”, respondi. “Mas eu também não vou. Já estou nesse cargo há quase seis meses e não aguento mais. Preciso de férias. Já não sou tão novo assim.”

“Você quer é voltar aos seus dias de ociosidade e a uma vida de lazer”, ela afirmou com um sorriso, e concordei na hora.

Quero”, respondi, sem a menor vergonha de admitir. “Quero mesmo. Veja bem, desejo continuar envolvido com a emissora, mas não nesse nível. Não como o responsável por tudo que acontece lá. Quero voltar aos velhos dias.”

“E quem não quer?”, ela disse baixinho, e guardei essa frase, pois imaginei que fosse mais uma dica que Tara me dava. “E o que você vai fazer?”, ela perguntou. “Recrutar alguém de outra emissora? Acho que posso lhe dar alguns nomes que…”

“Não, não. Não é preciso. Tenho uma ideia vaga do que vou fazer, mas ainda não sei bem se a coisa faz sentido. Preciso pensar. Enfim. Me conte de você. Mas agora fale a verdade. Está feliz com o seu trabalho?”

“Tão feliz quanto você com o seu”, ela respondeu com sinceridade, e em seguida suspirou. “Não estou exatamente sobrecarregada, Matthieu. Estou é entediada com os programas que faço, isso sim, e o resto do tempo é só pesquisa e burocracia, que me interessam tanto quanto interessam a você. Quero voltar para a frente das câmeras. Quero apresentar um noticiário sólido, é isso que eu quero. Desenvolver um projeto, pensar em um novo formato, montar uma equipe e me dedicar para que o resultado seja um sucesso. Um bom noticiário. É só o que eu quero.”

Assenti com a cabeça e olhei para a mesa. Todo meu corpo saltitava de alegria; o encontro tinha sido muito melhor do que eu havia imaginado. “Tara”, eu disse, “acho que chegou a hora de colocarmos todas as cartas na mesa, não acha?”

Esperei até que Tommy tivesse tido tempo para se instalar de novo em sua casa antes de telefonar para combinarmos uma visita. Andrea abriu a porta e pareceu aliviada ao me ver, apesar de não termos morrido de amores um pelo outro em nosso encontro no hospital. A gravidez dela estava bastante avançada e suas bochechas pareciam um pouco inchadas, mas ela aparentava boa saúde e talvez apenas um pouco de cansaço.

“Como está o paciente?”, perguntei, entrando no apartamento e tirando o casaco. “Achei melhor dar a ele um ou dois dias antes de vir lhe fazer uma visita.”

“Quem me dera eu pudesse ter um ou dois dias”, ela disse, me conduzindo até a sala de estar, onde Tommy estava com os olhos vidrados na televisão. “Mas agora que você está aqui posso sair um pouco. Vejo você mais tarde, Tommy, está bem?” Sua atitude era grosseira, irritadiça, como se ela não aguentasse mais ser a babá do meu sobrinho.

Ele grunhiu e ela desapareceu pela porta, deixando-nos sozinhos. Ele estava deitado no sofá diante da televisão, de camiseta, calça de moletom e meia grossa de lã. Seu cabelo não estava lavado e parecia um tanto ensebado; o rosto ainda estava pálido e ele mal olhou na minha direção — em vez disso, aumentou o volume da TV. Programação infantil, desenhos animados.

“Sabe como você pode distinguir uma pessoa de desenho animado de uma real?”, ele perguntou de sua posição prostrada.

“Não. Como?”

“Pelos dedos”, ele disse baixinho. “As pessoas de desenhos animados têm quatro dedos. É assim que você sabe. Por que será que é desse jeito?”

Pensei no assunto. “Bom, é verdade. Isso e o fato de as pessoas de desenhos animados serem, em geral, desenhos animados. O que foi, Tommy? Sente-se e aja como um adulto, está bem? Vou fazer café. Você quer?”

“Chá”, ele murmurou. Eu tinha esquecido; apesar de viciado em diversos narcóticos e substâncias químicas, a única droga à qual Tommy parecia indiferente era cafeína.

Depois de preparar as bebidas, atravessei a sala e desliguei a televisão.

“Ei”, reclamou Tommy. “Eu estava assistindo.”

“Agora não está mais”, eu disse, me inclinando para deixar a caneca de chá na frente dele. Ainda deitado, ele franziu o cenho e cobriu os olhos com as mãos, esperando que eu dissesse alguma coisa. Suspirei. “Então?”, eu disse depois de algum tempo. “Como você está? Se sentindo melhor?”

“Ah, sim”, ele respondeu com sarcasmo. “É como se eu tivesse ganhado na loteria. Deixe-me ver… Tive uma overdose e quase morri. Para combater meu vício, agora estou tomando um monte de remédios esquisitos que destroem meu estômago e me dão diarreia quase o tempo todo. Não tenho dinheiro, minha namorada está prestes a me abandonar e vou ser pai daqui a um mês. Ah, e fui demitido. Com todas essas coisas boas me acontecendo, como eu poderia não estar delirando de felicidade? Mas você é um docinho por perguntar.”

“Você foi demitido?”, perguntei, espantado. “Quando?”

“Ontem”, ele respondeu baixinho e acho que um pouco envergonhado. “Stephanie ligou para saber como eu estava, ou pelo menos foi o que ela falou quando atendi, mas depois disse que achava que eu devia dar um tempo do programa. Que as minhas atividades extracurriculares, como ela definiu, estavam pegando mal para a imagem deles e que eles não podiam mais me manter ali. Tipo, valeu por ter nos dado nove anos da sua vida, mas agora sayonara, meu querido.” Ele bateu a mão na testa, imitando uma continência militar.

Balancei a cabeça. Aquilo não me surpreendeu, mas me irritei por eles não terem esperado um momento mais oportuno para dizer isso a ele. Afinal, de qualquer forma ele estaria de licença médica por cerca de um mês, e durante esse tempo, se tudo corresse bem, Tommy iria pôr sua vida em ordem. Não havia necessidade daquela precipitação.

“Sinto muito”, eu disse. “Lamento que isso tenha acontecido, mas…”

“Mas você sabia que ia acontecer”, ele disse, me interrompendo. “Tá bom, não precisa me dizer que você já tinha me avisado. Você vem falando disso há anos.”

“Não era isso que eu ia dizer. O que eu ia dizer é que talvez já fosse mesmo a hora de você sair do programa. Quer dizer, você está nele desde que tinha o quê…? Doze anos?”

“Catorze.”

“Você não queria passar a vida inteira fazendo um único personagem, queria?”

“É só um trabalho, tio Matt”, ele disse, agora se sentando e me olhando com uma expressão de autopiedade. “O problema é que eu fiquei lá muito tempo. Você acha que algum diretor de elenco de qualquer programa de TV ou um diretor de cinema vai olhar para mim e ver Tommy DuMarqué? Não! Eles vão ver Sam Cutler. O imbecil do Sam. O moço com um coração de ouro e com apenas dois neurônios para chamar de seus. Virei ator de um personagem só. Quer dizer, por onde anda Mike Lincoln, hein? Ou Cathy Eliot? Ou Pete Martin Sinclair? Onde você vê qualquer um deles hoje em dia?”

“Quem?”, perguntei, a princípio sem entender, até ser tarde demais.

“É isso!”, ele rugiu. “Eles foram tão famosos quanto eu já fui. E onde eles estão agora? São uns nadas! Uns ninguéns! Devem estar trabalhando em algum restaurante, perguntando se o sujeito quer fritas como acompanhamento. Esse é o meu futuro. Na TV, ninguém vai me contratar. Sou incontratável!” Enterrou a cabeça nas mãos e por um instante achei que estivesse chorando, mas não estava. Tommy só queria a escuridão. Não queria ver mais nada nem ninguém. Queria deixar de existir. “Eu devia ter morrido”, ele disse quando ergueu o rosto para respirar. “Eu queria ter morrido de overdose.”

“Agora, chega”, eu disse, furioso, indo até ele e me sentando ao seu lado. Segurei seu rosto em minhas mãos, mas ele desviou os olhos; parecia tão cansado, tão exausto da vida, que me senti solidário. E naquele momento, em seu rosto, no rosto daquele menino agonizante, vi seus antepassados, cada um morto ou à beira da morte nessa mesma idade. Derrotado, deprimido, Tommy estava pronto para se juntar a eles. “Você não vai morrer”, eu disse com firmeza.

“O que me resta?”

“Um filho, para começar”, respondi, e ele deu de ombros. “Me diga uma coisa”, acrescentei depois de um instante. “Você me falou uma porção de vezes como detestava a atenção que recebia por ser famoso, como não sentiria falta disso. Disse que não suporta as pessoas olhando o tempo todo para você…”

“Bom, não o tempo todo”, ele murmurou, ainda com uma discreta centelha de humor em seu estado miserável.

“Quanta falta isso faria?”, perguntei. “Para você, qual é a importância da fama? Hein? Responda, Tommy. Qual é a importância da fama? Quanto ela significa? O quanto é importante para você ter dezenas de amigos famosos pairando à sua volta o tempo todo?”

Ele se concentrou por um momento, pensando no que eu tinha dito, como se soubesse que essa resposta poderia influenciar seu futuro. “Não muito”, disse, e isso foi quase uma revelação para ele. “Fui famoso. Sou famoso. Isso não quer dizer muita coisa. Só quero ser bem-sucedido. Não quero ser um perdedor a vida toda. Tenho… sei lá… ambição. Preciso me sentir bem-sucedido na vida. Que sou alguém. Não posso ficar parado. Preciso… realizar!”, bradou. “Minha vida precisa terminar tendo algum significado.”

“É isso!”, comemorei, triunfante. “Você está falando sério, não está? Está falando sério mesmo? Quer ser bem-sucedido?”

“Quero.”

“Ótimo. Então todas essas coisas não significam nada. Esqueça o programa. Você pode fazer muito mais agora. Olhe para você; você está com vinte e poucos anos, pelo amor de Deus. Tem a vida toda pela frente. Conquistou tanta coisa na última década, dez vezes mais do que a maioria das pessoas da sua idade. Imagine o que pode fazer no futuro! Junte seus pedaços, senão você vai morrer. Vai acabar se matando, como quase já conseguiu.”

“Bela merda”, ele disse, desanimando outra vez.

“Está bem, Tommy”, eu disse baixinho. “Quero que você se sente direito e me escute. Vou lhe contar sobre sua família. Sobre seu pai, o pai dele e o pai do pai dele. Nunca fiz isso, acredite. Vou mostrar onde eles erraram e, por Deus, se você não conseguir mudar sua vida depois disso, não fará nenhum sentido continuarmos aqui, nem eu nem você. Nove gerações de DuMarqué tiveram destinos sobre os quais você nada sabe, mas, ainda assim, está percorrendo o mesmo caminho que eles até o túmulo. Isso vai terminar agora, Tommy. Vai terminar aqui e agora. Hoje.”

Ele me encarou como se eu tivesse enlouquecido. “Do que você está falando?”, perguntou.

“Estou falando do passado.”

“Do passado.”

“Sim! Estou falando sobre você repetir o padrão de todos os seus antepassados, porque você é estúpido demais para abrir os olhos e se permitir viver! Nenhum de vocês dava a mínima importância para a vida e por isso a sacrificaram. E eu ganhei os anos de todos vocês. Não aguento mais, ouviu bem?” Eu gritava — e dizia coisas que jamais imaginei ser capaz de dizer.

“Do que você está falando? Como você poderia afirmar essas coisas? Quero dizer, você deve ter conhecido meu pai, e talvez o pai dele, mas como poderia…”

“Tommy, apenas fique aí sentado e quieto, e me deixe falar. Não diga nada até eu terminar. Pode fazer isso por mim?”

Ele deu de ombros. “O.k.”, disse em tom de derrota, inclinando-se para a frente e pegando a caneca de chá.

“Certo”, eu disse, voltando para a poltrona e respirando fundo. Eu tinha decidido salvar a vida de Tommy. Eu exigi de mim mesmo salvá-lo. “Certo”, repeti, respirando fundo outra vez e me preparando para começar minha história. “A história é a seguinte. Apenas escute. Existe uma coisa sobre mim que você não sabe e que provavelmente não vai ser fácil entender, mas vou tentar explicar mesmo assim. É o seguinte: eu não morro. Apenas fico mais e mais e mais velho.”

Ao longo dos dias, fiquei espantado com a reação do público à demissão de Tommy. Apesar de no início os tabloides se mostrarem horrorizados com sua overdose e com os excessos daquela juventude destruída, que tinha jogado tanta coisa fora — reação previsível e absolutamente hipócrita, considerando que eles mesmos haviam ajudado a construir essa imagem dele —, a opinião pública foi mudando aos poucos, passando a demonstrar solidariedade e compreensão.

O fato é que Tommy DuMarqué se tornara parte da vida da nação nos últimos nove anos. Todos o viram amadurecer, passar de um adolescente violento e perturbado para um homem responsável, mesmo que promíscuo — ou melhor, as pessoas tinham visto Sam Cutler amadurecer, mas, para a maioria delas, os dois nomes eram indissociáveis, assim como as duas vidas. Todos acompanharam suas aventuras nos jornais, adquiriram seus discos, penduraram seus pôsteres nas paredes do quarto, compraram as revistas de celebridades em que tinham forjado uma casa para fingir que era dele. Todos compraram um dia uma publicação semanal só porque ela mostrava Sam Cutler e Tina se abraçando; e também a compraram na semana seguinte, porque mostrava Tommy DuMarqué e sua mais recente namorada. Os limites entre os dois eram tênues; as distinções, vagas. O público havia abraçado aquela vida — de quem quer que fosse, de Tommy ou Sam — e não desistiria dela sem lutar.

Noticiários de várias emissoras começaram a exibir matérias sobre a quantidade de cartas que os produtores estavam recebendo, condenando-os por terem dispensado Tommy no momento em que ele mais precisava de ajuda. Depois de o terem incubado por tanto tempo e o transformado em uma estrela, diziam essas cartas, era vergonhoso agora demiti-lo por ele haver adotado justamente o estilo de vida ao qual fora incentivado.

Um jornal divulgou uma campanha para que todos os que se opunham à demissão de Tommy DuMarqué não assistissem ao episódio de terça-feira do programa, e a audiência daquela noite de fato despencou, caindo dos costumeiros quinze milhões de telespectadores para apenas oito milhões. Eu nem de longe imaginava o que devia estar acontecendo nas reuniões de produção da novela, mas suspeitei que a situação estivesse feia.

Telefonei para Tommy querendo saber se ele estava entusiasmado com as notícias, mas não o encontrei em casa. “Para sair, ele precisou ir até um apartamento do térreo e pular uma janela lateral”, explicou Andrea. “Parece que metade da imprensa do planeta está acampada aqui fora. Todos esperando alguma declaração de Tommy.”

“Diga a ele para não fazer declaração nenhuma”, sugeri com firmeza. “A última coisa que ele precisa agora é entrar em uma guerra verbal com os produtores. Diga para ele se calar sobre esse assunto. Se Tommy quer mesmo voltar, é a melhor chance que tem.”

“Não se preocupe, é o que ele está fazendo.”

“E como ele está?”

“Nada mal, na verdade”, ela respondeu com otimismo. “Muito melhor do que na semana passada. Ele voltou ao hospital para fazer um checkup. Diz que vai participar de um grupo de ex-usuários de drogas, o que deve ajudar.”

“É mesmo?”, exclamei, contente por saber disso. “Que boa notícia.”

“Isso se ele for mesmo. Você sabe como ele é.” Ela fez uma pausa. “Você acha que ele vai conseguir voltar ao emprego?”

Hesitei. “Não sei. Eu não teria muita esperança. O público é inconstante. Isso é notícia grande agora, mas daqui a duas semanas não vai ser. Tudo o que eles precisam fazer é inventar algum acontecimento gigante na novela para que todo mundo volte a assistir. Por quê? Ele ainda está esperando um telefonema deles?”

“Acho que está pensando no assunto, não sei. Ele não disse muita coisa. Anda com um humor esquisito, para falar a verdade, desde que você veio aqui. Desde aquele dia, a postura dele mudou.”

“É mesmo?”, eu disse, consciente de que ela estava esperando uma resposta, mas sem disposição para lhe oferecer uma. A princípio, a reação de Tommy ao que contei foi de desconfiança, o que era muito natural. Ele foi a primeira pessoa a quem falei sobre minha vida, e ele riu, achando que eu estava fazendo algum tipo de brincadeira com ele.

Conversamos por horas e horas e lhe contei muitas histórias sobre seus antepassados, e também sobre incidentes com os quais me envolvi. Contei sobre minha juventude e sobre meu primeiro amor, que nasceu condenado ao fracasso e que acabou em tragédia. Cheguei até a admitir que é possível apaixonar-se por alguém que não merece nosso amor. Contei-lhe tudo. Falei sobre o século XVIII, sobre o XIX e sobre o XX. A ambientação passou da Inglaterra para a Europa e daí para os Estados Unidos, voltando depois para a Europa. Falei sobre pessoas que ele conhecia da história e sobre aqueles cujos nomes desapareceram depois que eles se foram, sobrevivendo apenas na lembrança de seus correlatos, que morreram também, deixando apenas um — eu, o mais velho de todos.

No fim, ainda não convencido de todo, Tommy estava desnorteado quando me despedi dele. “Tio Matt”, disse enquanto eu saía. “Todas essas pessoas, meu pai, meu avô, meu bisavô, e assim por diante. É algum tipo de metáfora? Você está inventando tudo isso para me convencer de alguma coisa?”

Eu ri. “Não. De jeito nenhum. Essas coisas aconteceram. Elas realmente aconteceram, acredite em mim. Extraia delas o que você quiser. E agora é a sua vez, só isso. Contei tudo isso a você, o que nunca fiz com nenhum de seus ancestrais. Talvez eu devesse ter contado. O conhecimento disso talvez pudesse tê-los salvado. Mas agora você sabe. O que você vai fazer com essa informação é problema seu. Só mais uma coisa…”

“O quê?”

“Mantenha isso só entre nós dois. A última coisa que eu quero é uma fama igual à sua.”

Ele riu. “Então somos dois.”

“Ele ainda deve estar sob os efeitos das últimas semanas”, eu disse a Andrea. “Dê tempo a ele. Tommy vai ficar bem. E você, como está se sentindo? Não deve faltar muito tempo.”

“Umas duas semanas”, ela disse, feliz. “Só espero que ele ou ela não nasça no Natal, apenas isso. Antes ou depois, tudo bem. Mas não no dia.”

“Desde que ele seja saudável”, eu disse, como todas as pessoas dizem.

“Ou ela.”

“Claro”, admiti, como se houvesse alguma chance de isso acontecer.

Caroline estava se tornando um empecilho na minha vida. Apesar de trabalhar bastante, ela se esforçava demais para agradar. Tinha opinião para tudo e, mesmo sem muito conhecimento da indústria, não se importava de expressar absolutamente todos os seus pontos de vista nas reuniões da diretoria. Às vezes, as coisas que dizia tinham um charme ingênuo — concordo que ela era capaz de entender rápido os jargões da área e tendia a me desafiar no que dizia respeito ao grande abismo entre o que o público queria assistir e minha percepção do que eles deveriam assistir (que era nada) —, porém o mais comum era sua falta de experiência ficar evidente e ela apenas acabar irritando os colegas, que a consideravam arrogante e incompetente. Eu cometera um erro ao contratá-la, ou pelo menos ao contratá-la para um cargo tão alto, mas, verdade seja dita, no momento em que a decisão precisou ser tomada eu praticamente não tive escolha. Afinal, ela controlava as ações do pai, e P. W. ainda era um membro importante da diretoria, além de um dos proprietários da emissora. Mas, se eu gostava ou não do que estava acontecendo, não fazia diferença; ela estava ali para ficar — a não ser, claro, que eu convencesse seu pai a voltar, embora isso não fosse garantia de que ela sairia da empresa.

Eu fazia hora extra por causa de alguns problemas no cronograma e achei que fosse a única pessoa no prédio quando Caroline entrou no meu escritório, ficou parada à porta e me encarou com um sorriso misterioso.

“Caroline”, eu disse, surpreso e não muito feliz por vê-la ali. “O que ainda está fazendo por aqui? Achei que todo mundo já tivesse ido para casa.”

“E o que eu tenho me esperando em casa?”, ela perguntou baixinho, um sorriso tremulando na boca. Pensei por um momento. Eu não sabia. Nunca tínhamos trocado nenhuma informação pessoal. “Matthieu”, ela disse, mordendo o lábio e saindo da sala. “Pode ficar aí um instante? Quero ir buscar uma coisa.”

Larguei a caneta de lado e cocei os olhos. Eu estava cansado e sem a menor disposição para jogos; sem a menor disposição até para conversas sobre trabalho. Seja lá o que Caroline queria, eu esperava que ela despejasse o mais rápido possível. Cogitei levar toda a minha papelada para casa, mas tenho uma regra sagrada que diz que eu trabalho no escritório e moro em casa, e nem mesmo a possibilidade de uma longa conversa com Caroline foi suficiente para que eu mudasse isso.

Ela reapareceu com uma garrafa de champanhe e duas taças e fechou a porta atrás de si com o calcanhar. “Por que isso?”, perguntei, surpreso, pois era a última coisa que eu esperava.

“Quer dizer que você não sabe?”, ela perguntou, sorrindo e colocando os objetos na mesa diante de mim.

“Estamos comemorando alguma coisa?”

“É nosso aniversário, Matthieu. Não me diga que esqueceu.” Pensei por um instante. Eu não era tão novo, claro, mas minha memória estava ótima e eu sabia que, embora eu tivesse me casado com alguns estorvos nesta vida, ela não tinha sido um deles. Sacudi a cabeça e sorri, constrangido.

“Desculpe. Mas…”

“Faz cinco meses que nos conhecemos”, ela explicou. “O dia em que você me convenceu a trabalhar aqui, lembra?”

“E isso se qualifica como um aniversário?”, perguntei.

“Ah, deixe disso”, ela disse, abrindo a garrafa e servindo as duas taças. “Não precisamos de uma desculpa para tomarmos um drinque juntos, precisamos? Somos amigos.”

“É verdade”, respondi, hesitante, aceitando a taça e brindando na dela. “Então, um brinde a mais cinco meses maravilhosos”, eu disse, seco.

“E muito mais do que isso!”, ela complementou, dando um tapinha no meu braço. “Vejo um grande futuro para nós aqui, Matthieu. Para mim e para você. Tenho muitos planos para este lugar, sabe? Há tantas coisas que posso fazer aqui… Sou uma mulher extraordinária, sabia? Se você se permitisse me conhecer melhor, perceberia isso.”

Assenti com a cabeça devagar. Agora eu estava entendendo. Curioso como, mesmo depois de duzentos e cinquenta e seis anos, eu ainda demoro algum tempo para perceber quando alguém está flertando comigo. Nesse caso, deve ter sido porque eu suspeitava de intenções ocultas. Caroline não era o tipo de mulher que oferecia algo sem esperar outra coisa em troca.

“Escute, Caroline”, comecei, mas ela me interrompeu.

“Você conversou com Tara Morrison?”, ela perguntou, e balancei a cabeça.

“Sim, sim. Almoçamos há alguns dias.”

“E você lhe ofereceu o trabalho?”

“Conforme as ordens.”

Ela arregalou os olhos. “E…?”, perguntou, ansiosa. “O que ela disse?”

“Prometeu pensar no assunto. Tara não me daria uma resposta ali, na hora, daria? Mas suponho que ela deve vir para cá, sim. Estou quase certo disso. Acho que ela mudou. Continua ambiciosa, porém de um jeito diferente. Um jeito melhor.”

“Todo mundo é ambicioso, Matthieu.”

“Sim, mas ela quer… Como posso dizer…” Tentei pensar no que mais havia me impressionado em Tara durante nosso encontro; o que a fez parecer diferente da Tara que eu havia conhecido. “Ela quer sentir orgulho do que faz, sabe? Quer ser…” Eu ri. “Bom, ela quer ser muito boa no que faz. Acho que quer conquistar um pouco de autorrespeito. Fazer algo do qual possa se orgulhar.”

“Ótimo”, disse Caroline. “Vou começar a pensar em algumas coisas para ela.”

“Não faça isso”, eu disse com firmeza. “Eu cuido de Tara. Ainda estamos nos estágios delicados da negociação. Não ponha isso a perder. Você nem a conhece.”

“Mas acho que, se eu começar a pensar em algumas ideias de programas para ela…”

“Ouça o que estou dizendo, Caroline”, eu a interrompi, firme. “Quero que fique fora disso. Deixe comigo que tudo ficará bem. Tara devoraria você e depois cuspiria longe; é preciso saber lidar com ela.” Caroline se reclinou na cadeira com a expressão um pouco irritada. Naquele momento, eu soube que ela não ousaria se intrometer.

“Desculpe”, ela disse depois de algum tempo. “Eu não faria nada que você não quisesse, claro.” Dei de ombros. “É que eu também quero me orgulhar do meu trabalho. E quero que você se orgulhe de mim.” Baixei os olhos para a mesa e, no instante seguinte, senti sua mão acariciando minha bochecha. “Acho que não somos tão próximos quanto poderíamos ser, Matthieu.”

Empurrei a cadeira um pouco para trás e ergui as mãos em protesto. “Me desculpe, Caroline. Eu realmente não acho que isso seria uma boa…”

“Acho que você não percebe o quanto eu gosto de você, Matthieu”, ela continuou, se levantando e contornando a mesa para se aproximar de mim; sua atitude sedutora era forçada e parecia copiada da TV. “Sempre senti atração por homens mais velhos.”

“Não tão velhos quanto eu. Acredite. Estou realmente falando sério, eu…”

“Apenas experimente”, ela sussurrou, debruçando-se sobre mim para me beijar. Eu me afastei.

“Sinto muito”, eu disse, tocando de leve em seu braço. “De verdade.”

Ela alisou sua roupa e se recompôs. “Tudo bem. Estou bem. Vou embora.” Dizendo isso, seguiu depressa para a porta, virando-se para um último golpe. “Mas lembre-se, Matthieu, de que ainda sou um dos principais acionistas deste lugar e, se eu quiser me envolver com as coisas, é exatamente isso que vou fazer.”

Suspirei e voltei ao trabalho.

Alguns dias depois, o telefone tocou. Era Tara, animada e ansiosa para aceitar minha proposta de trabalho. “E a Beeb?”, perguntei. “Eles estão dispostos a deixar você sair?”

“Bom, não”, ela respondeu. “Meu agente teve algumas discussões com eles. Acusou-os de falta de compromisso com a minha carreira, esse tipo de coisa. Ameaçou processá-los e, depois de uma negociação, no momento estou basicamente desempregada.”

“Então vamos resolver essa situação agora”, eu disse, animado. “Estou muito feliz com a sua volta.” Hesitei por um instante antes de acrescentar: “Senti sua falta”.

Em seguida foi a vez dela de hesitar. “Também senti sua falta”, ela disse enfim. “Senti falta da nossa amizade. Sem falar das nossas discussões.”

“Bom, as coisas vão ser diferentes desta vez. A emissora será diferente. Você vai ter mais autonomia. Confio em você.”

“A única coisa que me preocupa”, ela disse, agora com a voz um pouco tensa, “é: quem vai estar no comando da emissora.”

“Ora, eu por enquanto.”

“Você disse que deseja se afastar.”

“Das operações do dia a dia, com certeza. Preciso de outro James Hocknell para tocar o lugar. Mas continuarei como acionista e membro da diretoria.”

“Certo”, disse Tara. “E quando acha que isso vai acontecer? Já começou a procurar a pessoa?”

“Não”, admiti. “Mas, como eu disse, já tenho uma ideia do que vou fazer. Só não encontrei ainda a oportunidade certa para apresentar a proposta. Além disso, preciso ter certeza de que estou fazendo a coisa certa. Deixe comigo. O que eu decidir fazer, farei logo.”

“Preciso te contar uma coisa: conversei com Alan e P. W.”

“É mesmo?” Fiquei surpreso. Fazia tempo que eu não falava com Alan e também não tinha notícias de P. W. desde que ele havia deixado o país. “Como você conseguiu encontrar P. W.?”, perguntei.

“Tenho minhas fontes”, ela disse, rindo. “Ele vai se casar nas Bermudas, sabia?”

“Meu Deus, não. Aposto que é alguma dançarina do ventre de dezessete anos, acertei?”

“Bom, ela tem dezesseis, mas as restrições de idade são bem menos rígidas por lá.”

Foi minha vez de rir. “Não consigo imaginar o que ela viu naquele milionário”, comentei com sarcasmo.

“Nem eu. De qualquer forma, achei que devia falar com os dois antes de voltar, e tudo correu bem, a não ser por uma coisa que P. W. disse.”

“É mesmo?”

“Ele quer vender a parte dele. Você sabia?”

Fiquei surpreso. Era a primeira vez que eu ouvia falar disso. “Não, eu não sabia. Quando ele tomou essa decisão?”

“Bom, ele disse que há pouco tempo, mas que ainda não fez nada de concreto a respeito. Quer esperar até acabar toda essa história do casamento dele, para então vender o que tem aqui. Parece que com o dinheiro eles vão abrir uma emissora de rádio nas Bermudas.”

“Uma emissora de rádio!”, eu disse, intrigado. “Que coisa inusitada. Me diga, Tara, você por acaso tem o telefone dele aí com você?”

“Tenho, sim. Está com papel e caneta na mão?”

“Sim, claro. É melhor você me passar, antes que outra pessoa ouça essa informação.” Anotei o número e deixei ao lado do telefone, para usá-lo em seguida. “Você vem amanhã e eu preparo os contratos?”, perguntei.

“Vou, mas não muito cedo. Quero dormir até tarde pelo menos uma vez.”

“Bom, então no meio da tarde, o que você acha? E… posso confiar em você para discutir um assunto?”

“Claro. Eu não acabei de confiar em você para contar sobre P. W.?”

“É exatamente por isso que quero ouvir seu conselho. É sobre quem vai assumir o cargo de James quando eu sair. Ouça a minha ideia, mas espere eu terminar antes de dizer qualquer coisa. É muito mais promissora do que pode parecer a princípio.”

Primeira reunião. Tommy chegou ao meu escritório pontualmente às onze da manhã, e fiquei feliz, pois eu teria um dia movimentado pela frente e queria resolver todos aqueles problemas antes do Natal. Por um instante, não o reconheci. Fazia duas semanas que não o via, desde a tarde em que havíamos conversado no apartamento dele; nesse meio-tempo tínhamos nos falado pelo telefone apenas uma ou duas vezes, e por poucos minutos. Ele havia tirado férias (se é que esta é a palavra) de uma semana em um spa e entrado em um programa de reabilitação que não exigia internação, o que me deixou muito orgulhoso.

“Tommy”, eu disse, erguendo os olhos quando ele surgiu na minha sala, depois de ter seduzido minha secretária a deixá-lo entrar sem ser anunciado. “O que você fez consigo mesmo?” Seu cabelo estava curto e arrepiado num corte moderno. Suas lentes de contato tinham ficado para trás e ele usava elegantes óculos redondos, com uma armação de tartaruga de cor clara. Estava com um terno leve e esportivo, e fazia muito tempo que não parecia tão saudável.

“Decidi chamar menos atenção na rua”, ele explicou. “Mas também não vai demorar muito até eu ser esquecido.”

“Bom, com certeza você está diferente”, comentei, impressionado com seu visual amadurecido. “Está muito mais bonito. É para algum papel?”

“Não, é para mim”, ele disse, sorrindo. “Até parece que eu iria conseguir algum papel neste momento. Você tem ideia de quanto custaria agora a apólice de seguro do meu contrato?”

“Bom, sem pesquisar, não sei”, respondi, indicando a cadeira à minha frente. “Mas entendo o que você quer dizer. Vamos, sente-se. Vou pedir um café.”

“Para mim, chá”, ele disse enquanto eu usava o telefone interno para pedir bebidas para nós. “Bom”, ele continuou, olhando em volta de um jeito despreocupado, “este lugar não parece muito divertido. Você é o quê? Uma espécie de Scrooge daqui?”

“Sou o fantasma do Natal passado. Mas não tive tempo para as decorações natalinas. Para mim, elas não valem muito o esforço. Os anos passam tão rápido… Estão se fundindo em um só.”

“E são tantos, não são?”, ele comentou com um sorriso maldoso. Percebi que Tommy ainda estava em dúvida sobre o que eu havia lhe contado, mas sabia que ele acreditava pelo menos um pouco na história, pois estava mantendo certa distância nervosa de mim, o que não era típico dele.

“Sim, foram alguns anos. E Andrea, como está?”, perguntei, mudando de assunto; depois de contar tudo a ele, não queria repetir a história. Em duzentos e cinquenta e seis anos, Tommy era a única pessoa a quem eu havia contado tudo, e eu imaginava que só iria falar disso de novo dali a um bom tempo. Ele que acreditasse ou não; a escolha era dele.

“Ela está enorme”, ele disse, rindo. “O bebê está para nascer. Ela está apavorada que nasça amanhã.”

“Sim, ela mencionou isso. Bom, o tempo dirá.”

“Estamos pensando em nos casar, sabia?”, Tommy contou, e olhei para ele um tanto espantado.

“É mesmo?”

“Só pensando. Ela me apoiou muito nesses últimos meses. Combinamos que, se decidirmos nos casar, vamos esperar um ano entre a decisão e o ato. Só para termos certeza. Não queremos nos casar apenas por causa do bebê.”

“Me parece sensato”, eu disse. Peguei um peso de papel que estava na mesa e o examinei com atenção, hesitando um pouco antes de ir ao assunto que motivara nossa reunião. Era um dos raros objetos que me acompanhavam aonde quer que eu fosse; eu tinha roubado aquele peso de papel em Dover, por volta de 1759, e desde então ele viajara comigo pelo mundo inteiro. “Tommy”, continuei, mudando de assunto de repente. “Quero falar com você sobre uma coisa.”

“Imaginei”, ele observou. “Seu convite para nos encontrarmos parecia urgente.”

“Bom, não é tão urgente”, eu disse. “Mas é uma coisa que quero resolver. Antes de mais nada, quais são seus planos para o futuro? Ou você ainda não se decidiu?”

Ele respirou fundo e olhou em volta, como se eu tivesse acabado de perguntar qual era o sentido da vida. “Não sei”, ele respondeu depois de uma longa pausa. “Para ser bem sincero, não sei.”

“O seu programa de TV não vai querer que você volte? Agora que você está se cuidando?”

“Não”, ele disse, sacudindo a cabeça. “Definitivamente não. O público não se importa mais, então estou fora. Por contrato, ainda tenho que cumprir duas semanas de trabalho nos próximos dois meses, então eles vão me dar um câncer de testículo. Vão me matar. Vai ser rápido e doloroso.”

“Ah, sinto muito”, eu disse, sentindo uma vontade bizarra de reconfortá-lo e de perguntar se havia alguma coisa que eu pudesse fazer para ele não sofrer tanto.

“Bom, sempre houve a possibilidade do câncer voltar”, ele disse, pesaroso. “Estávamos preparados para isso. Fazer o quê? Ele vai se desenvolver rápido, então vou voltar dos meus três meses de férias nos Estados Unidos e ir direto para o hospital, onde sobreviverei a tempo de saber que Tina está grávida de mim e de ter um caso rápido com uma enfermeira, que será demitida duas semanas depois e acabará trabalhando como garçonete num pub, como as pessoas fazem. Eles querem transformá-la na próxima Sandy Bradshaw.”

“É mesmo?”, eu disse, mal prestando atenção. “Então é isso. Final de um capítulo, eu diria.”

“De nove longos anos.”

“Um romance, então. Não se preocupe. Todo bom romance tem um epílogo, e o seu também terá um. O que o seu agente diz? Há papéis para você? Você vai surpreender todo mundo e se reerguer das cinzas como uma fênix?”

Ele riu e sacudiu a cabeça. “Não haverá papel para mim durante muito tempo, tio Matt. Sou praticamente incontratável. Vou ter sorte se conseguir trabalho numa pantomima este ano, mas qualquer sujeito que tenha um fantoche consegue isso, o que é irritante pra caralho, porque sou bom no que faço.”

“Tenho certeza que é.”

“E eu conheço essa indústria como ninguém. É impossível você passar metade da sua vida fazendo uma coisa e não entender todos os aspectos do que faz”, ele disse, dando de ombros. “Não sei o que vou fazer.”

“Bom”, eu disse, deixando minha xícara sobre a mesa e me inclinando na direção dele, “é sobre isso que quero falar com você. Um emprego. Acho que eu posso lhe oferecer alguma coisa.”

“Eu não preciso de caridade, tio Matt”, ele disse, e ri por dentro, considerando os milhares de libras que eu tinha lhe dado ao longo dos últimos anos, financiando como um imbecil seus hábitos insalubres. Nessas ocasiões, ele não tivera princípios tão nobres.

“Não é caridade. Preciso de alguém, e acho que você pode ser esse cara. Pelo menos é o que eu acho. Estou assumindo um risco, mas é você que está sempre dizendo que conhece a indústria da televisão de cor e salteado. Me diga uma coisa, Tommy: você quer ser uma estrela ou quer trabalhar?”

Ele deu de ombros. “É como eu já disse. Já fui uma estrela. Não me interessa mais, não me atrai mais.”

“Ótimo”, respondi, sorrindo e me reclinando na cadeira. “Então é hora de trabalhar. O que você acha de administrar este lugar?”

Ele hesitou e olhou em volta, como se não tivesse certeza a que eu me referia. “Que lugar? Você quer dizer aqui? A emissora?”

“Sim.”

“Você quer que eu trabalhe para você?”

Fiz uma careta. “De certa maneira. Ainda serei acionista. Aliás, o acionista majoritário agora. Quero que você administre este lugar. O dia a dia da emissora. Gerência operacional completa e envolvimento direto. O que James Hocknell fazia. Minha função atual. O que me diz?”

Ele parecia abismado, como era de esperar, pois eu estava lhe fazendo uma proposta extraordinária. “Está falando sério?”, ele perguntou, e fiz que sim com a cabeça. Ele explodiu em risadas. “Você acha mesmo que eu consigo fazer isso?”, ele perguntou baixinho.

Eu não tinha certeza, para ser franco, mas jamais diria a ele. Eu confiava em Tommy. E acreditava que ele era sincero quando insistia em afirmar que conhecia muito bem a indústria da televisão. “Sim, eu acho que você consegue”, respondi. “Só preciso dizer mais uma coisa.”

“O quê?”

“Lee Hocknell.”

“Ah.” Tommy meneou a cabeça e pareceu um tanto constrangido. Para ele, a menção a Lee lembrava a overdose; para mim, significava algo um pouco mais sério.

“Tive uma conversa com ele outro dia”, contei. “Ele não está mais mexendo naquele roteiro, graças a Deus. Acho que sua singela experiência de quase-morte o perturbou um pouco. Mas ofereci a ele um emprego de redator aqui na emissora. O que você acha?”

“Por quê?”, ele perguntou, surpreso. “Você não quer se livrar dele?”

Dei de ombros. “Sei lá. O pai dele foi um grande amigo meu. Devo isso a ele. Mas eu disse a Lee, sem meias palavras, que se ele mencionasse as circunstâncias da morte do pai mais uma vez, eu… Bom, falei que mandaria matá-lo.”

“Você falou o quê?”

Eu ri. “Eu não estava falando sério, claro. Mas ele não precisa saber disso. De qualquer forma, como ele sabe que não fizemos nada para prejudicar seu pai, aceitou sem problemas. Só ficou com um pouquinho de medo. Imagino que ele vá usar este lugar como um trampolim para obter outra coisa, e acho uma estratégia válida. Você só precisa fazer cara de mau quando encontrá-lo no prédio. Ele é só um menino, se assusta fácil.” Tommy riu e balançou a cabeça, espantado. “E então? Sobre o emprego. O que me diz?”

Ele olhou para o chão e sacudiu a cabeça, sorrindo. “Você é um homem singular, tio Matt.” Eu ri.

“Tenho lá meus momentos. E então? Sim ou não? Ou você precisa de um tempo para pensar?”

“Não”, ele disse, e por um momento fiquei surpreso e frustrado. “Não preciso de tempo para pensar. Minha resposta é sim.”

Segunda reunião. Fui ao escritório de Caroline na hora do almoço e a encontrei de pé no meio da sala, olhando em volta, confusa, como se tivesse perdido alguma coisa, mas não lembrasse o quê.

“Tudo bem?”, perguntei e ela se virou abruptamente, levando a mão ao peito por causa do susto.

“Não vi que você estava aí, desculpe. Não, tudo bem. Só quero ter certeza de que não esqueci nada, só isso.”

“Certo”, respondi. “Por quê? Você já está indo?”

“Sim, estou”, ela disse, animada. “Uma semana inteira de folga, ainda bem.”

“Ainda bem para alguns”, respondi, apontando as cadeiras. “Vamos nos sentar por uns minutinhos?” Ela me encarou por um momento, como se temesse o pior, e preferiu se apoiar na borda da mesa. “O que você vai fazer no Natal?”, perguntei, em uma tentativa de quebrar o gelo. “Vai visitar seu pai?”

“Pelo amor de Deus, não”, ela disse, carrancuda. “Você não vai acreditar, mas ele vai se casar com uma menina qualquer nas Bermudas. Uma criança. Quer dizer, eu praticamente tenho idade para ser mãe dela. É óbvio que ela só está atrás do dinheiro dele. Afinal, não deve ser pelo corpo, né?”

“Eu não saberia dizer”, respondi, sentindo que não ganharia nada em contar que aquilo não era novidade para mim. “Talvez seja por amor”, acrescentei, só para irritá-la. Maldade minha, eu sei.

“Na verdade vou visitar minha mãe”, disse Caroline. “Ela vai me deixar louca em quinze minutos, mas, se eu não for, vai ser só ela e os gatos, e ela vai acabar enfiando a cabeça no forno em vez do peru.”

“Por que ela enfiaria a cabeça no peru?”, perguntei, e Caroline me lançou um olhar mortal. Pigarreei e prossegui. “Certo. Bom, escute, preciso conversar com você sobre uma coisa antes de você ir.” Cheguei a questionar o sentido de fazer aquelas duas reuniões na véspera do Natal, mas imaginei que uma delas teria um bom resultado e a outra provavelmente não; quer dizer, até mesmo esta tinha uma chance de ir bem, apesar de parecer difícil. De qualquer jeito, o que importava era que eu queria tudo resolvido até o Natal. “Então você falou com o seu pai.”

“Sim, claro. Na semana passada. Por quê?”

“Ah. E não falou com ele esta semana?”

Ela me olhou desconfiada e preferiu se desencostar da mesa e se sentar em uma cadeira. “Não. Por quê?”

“Bom, primeiro, quero falar com você sobre trabalho. O ex-cargo de James.”

“Você sempre se refere a ele como o ex-cargo de James, Matthieu, apesar de vir ocupando esse cargo nos últimos seis meses. Por que isso?”

“Faz tanto tempo assim?”, perguntei. “Meu Deus. Não é à toa que estou tão cansado.”

Um sorriso presunçoso cruzou seu rosto. “Então você tomou uma decisão”, ela disse, e eu concordei com a cabeça.

“Estou fazendo algumas mudanças. Primeiro, você vai ficar contente de saber que tudo correu bem com Tara Morrison. Ela vai voltar no dia 1o de janeiro e passará dois meses pesquisando os melhores formatos de noticiário que podemos adotar. Esperamos estrear alguma coisa talvez no início de março.”

“Excelente”, ela disse, assentindo com a cabeça. “Foi uma boa decisão”, acrescentou com firmeza, como se eu estivesse prestando contas ao meu oficial superior.

“Também tomei uma decisão sobre o ex-cargo de James, e reconheço que você estava certa sobre uma coisa. Não é preciso percorrer todos os degraus de uma indústria para chegar ao topo dela. Basta entender como a escada é construída.”

“Obrigada”, ela disse, sorrindo com entusiasmo, como se eu tivesse acabado de lhe oferecer o cargo. “Acredito ter provado, com a maneira que eu…”

Levantei a mão para silenciá-la. “Por esse motivo, decidi escolher uma pessoa que tem demonstrado uma grande dose de entusiasmo, que tem um histórico respeitável nesta indústria e que, além disso, entende de televisão. Alguém que sabe o que o público quer e que poderá oferecer isso a ele. Alguém em quem tenho absoluta confiança.”

Um longo silêncio. “Quem?”, ela sussurrou.

“O novo diretor executivo será Tommy DuMarqué”, eu disse por fim. Caroline piscou algumas vezes e, depois de um instante, explodiu em risadas.

“Tommy DuMarqué!”, ela urrou, como se fosse a ideia mais ridícula de todos os tempos. “Você só pode estar brincando. O galã da novela?”

“Não mais. Ele está com câncer no testículo.” Seus olhos e boca se abriram como os de um peixe e eu retifiquei na mesma hora. “Quero dizer, o personagem dele. Ele vai sair do programa. Você sabe sobre toda essa questão das drogas que tem…”

“Eu sei que ele é seu sobrinho, é isso que eu sei”, ela gritou. “Você está dando o cargo mais alto da emissora para o seu sobrinho, um viciado em drogas confesso que transa com a cunhada e que nunca pôs o pé para fora de Londres em nove anos? Que tipo de qualificações são essas? Que tipo de experiência?”

Eu a encarei, perplexo. “Acho que você está confundindo…”

Ela não deu a mínima. “Me diga quais são as qualificações dele, Matthieu. Você pode me dizer?”

“Posso”, respondi com convicção. “Eu posso. Acabei de dizer. Ele é dedicado, ele é capacitado, ele tem conhecimento. E virou uma página. Acho que Tommy fará jus ao cargo. São qualificações suficientes.”

“E você acha que ele vai virar essa página dele? Pelo amor de Deus, ele provavelmente vai é usá-la como papel para enrolar um baseado!”

Pensei em responder, mas mudei de ideia. Ela sacudiu a cabeça como se eu tivesse enlouquecido.

“Bom, sinto muito”, ela disse depois de algum tempo. “Mas você vai ter que dizer a ele que não vai acontecer.”

“Não posso fazer isso, Caroline.”

“Ora, então você precisa dar um jeito, está bem? Você e Alan podem ter a maioria das ações quando juntam forças, mas eu ainda controlo trinta por cento, e não admito que aquele homem seja diretor executivo.”

Suspirei. “Caroline, seu pai respondia por aquelas ações, não você. Elas não estão lá só para garantir um bom emprego a você.”

“E também não estão lá para empregar membros duvidosos da sua família. Pode ligar para Tommy agora mesmo e cancelar qualquer oferta idiota que você tenha feito, senão eu mesma vou ligar.”

“Você não é acionista”, insisti.

Meu pai é! E enquanto ele for…”

“Seu pai não é!”, eu disse, sobrepondo-me a seus gritos, e ela se calou na hora.

“Do que você está falando? É claro que ele é. Ele tem trinta…”

“Seu pai vendeu as ações”, expliquei. “Lamento ser eu a lhe informar isso; ele é quem devia ter lhe contado. Seu pai vendeu tudo, Caroline. Você não as controla mais.”

Ela sacudiu a cabeça outra vez e vi lágrimas se formando em seus olhos.

“Você está mentindo”, ela disse, apesar de saber que não era o caso.

“Infelizmente, não. Lamento.”

“Para quem ele vendeu?”

“Para mim, claro. Portanto, quem tem o controle sobre esses assuntos sou eu. Sinto muito que você esteja chateada, mas não quero perdê-la. Estou sendo sincero, Caroline, não quero perdê-la. Com o tempo, Tommy fará as mudanças que considerar adequadas, mas, pela minha honra, prometo que, enquanto eu tiver o controle acionário desta emissora, haverá um emprego aqui para você.”

Ela assentiu com a cabeça e olhou para o chão, sem ter mais nada a dizer. Considerei aquela a deixa para ir embora, me levantei e fui até a porta.

“Acontece que eu nunca tive filhos”, eu disse antes de sair. “E nunca fui dono do meu próprio negócio, por incrível que pareça. Colocar Tommy no comando… faz com que seja um negócio de família. Gosto dessa ideia. E ele está prestes a se tornar pai. Sei que você é capaz de entender.”

Não parecia haver mais nada a ser dito, portanto voltei à minha sala. Minutos depois, ouvi a porta de Caroline se fechar e seus saltos altos caminhando na direção dos elevadores. Suspirei aliviado. Estava feito. Eu estava livre. Tinha acabado.

Agora eu podia voltar para casa.