UM FINAL
No fim, todas as histórias e todas as pessoas se fundem em uma só.
Tenho boa memória e uma mente alerta, mas neste livro houve momentos em que sofri por causa de nomes e admito que, para uma ou duas pessoas ao longo do caminho — algumas mães dos Thomas, por exemplo —, me vi forçado a criar pseudônimos ou então ignorá-las por completo. É muita gente para recordar, e duzentos e cinquenta e seis anos é um tempo bastante longo.
Além disso, a esta altura a maioria está morta. Eu e Jack Holby escapamos da Inglaterra sem sermos capturados e viajamos para o continente, onde depois de poucos meses nos separamos. Jack seguiu para a Escandinávia e nunca mais tive notícias dele. Fiquei feliz por não tê-lo traído, e o sentimento sobre a morte de Dominique foi sempre curiosamente indeterminado. Às vezes, você percebe que uma pessoa não merece o seu amor, mas a ama mesmo assim. Você cria um vínculo afetivo inexplicável com ela, que não se rompe nem mesmo quando o seu objeto de amor quebra a confiança que você depositara nele. Às vezes, a pessoa que você ama é cega para os seus sentimentos e, mesmo tendo à disposição todas as palavras do mundo, você não encontra palavras para expressá-lo.
Tomas, o irmão mais novo que deixei morando com o sr. e a sra. Amberton, cresceu e foi me procurar na minha nova casa em Munique, onde deu início a uma breve carreira como ladrão de bancos, tendo sido morto em seu vigésimo terceiro aniversário por um contundente golpe desferido por um caixa de banco. Talvez eu devesse tê-lo levado comigo, como era o plano original.
Cometi muitos erros na vida, mas, pelo menos no final, acertei. Porque Tommy está vivo. Ele começou a trabalhar um dia depois do Natal e já me apresentou várias boas ideias para o futuro. Estou oficialmente aposentado. Ele vai se sair muito bem.
Meus planos para o dia eram simples. A cidade fervilhava com os preparativos para as festas de Ano-Novo e a última coisa que eu queria era fazer parte daquela insana assembleia de bêbados, profetas, terroristas e plebeus que sentem um anseio súbito de marcar um momento no tempo com os outros membros de sua espécie. Eu imaginava a cena com perfeição, pois já a tinha visto antes.
Já testemunhara duas viradas de século, e mais uma se aproximava. Nunca me canso de viver. Hoje as pessoas acham difícil imaginar como serão as coisas daqui a cem anos, como se o nível de avanços já estivesse no limite. Quando nasci, viajávamos em cavalos e em carroças. Agora, viajamos para a Lua. Escrevíamos com canetas em papéis, mandávamos cartas para nos comunicarmos. Não mais. Descobrimos uma maneira de escapar da única coisa que nossa existência nos garante — a vida neste planeta.
Então decidi dar uma caminhada. Pus um casaco e um cachecol, pois o inverno chegara e de repente senti frio, e peguei uma bengala em um suporte na entrada de casa, presente da secretária de Bismarck no meu oitavo casamento (que foi com ela, aliás), e saí para as ruas de Londres. Caminhei por muitas horas, até me cansar. Tive vontade de vagar por aí e passei pela Charing Cross Road, cruzei para a Oxford Circus, fui até o Regent’s Park e ao zoológico de Londres, que não visitava fazia anos. Virei na direção de Kentish Town, comi um sanduíche e tomei uma cerveja em um pub decorado para as festividades. Três mesas adiante, uma ao lado da outra, havia um casal de idosos, os dois concentrados na comida e felizes na companhia silenciosa um do outro; marido e mulher de meia-idade tamborilando os dedos na mesa, irritados, já parecendo estressados e exaustos; e um casal de adolescentes, ambos usando o que imaginei serem as roupas e o cabelo da moda, rindo, fazendo piadas, tocando, sentindo, beijando. Durante um desses beijos, a mão do rapaz desviou com delicadeza para o seio da jovem, e ela a afastou com um tapinha, rindo, ele mostrou a língua para ela com um grande sorriso, encostando o polegar na ponta do nariz e mexendo os dedos de um jeito teatral antes de os dois cederem às risadas, e eu ri também.
Passei por Camden Town, descendo até St. Pancras e pela Russell Square, e por Bloomsbury, onde um pequeno parque à frente de um imenso hotel com tijolos vermelhos tinha sido coberto por uma lona, preparando-se para as celebrações da noite. Depois, para a Tottenham Court Road, para a Whitehall e para o interior do St. James Park, onde a multidão já se avolumava, sinal para eu voltar logo para casa. Dali fui ao Memorial da Rainha Vitória, onde parei e olhei para o palácio, lembrando-me por um momento das três vezes em que estivera lá, de um romance terrível e dos personagens que vi ocuparem o prédio que agora encarava o novo milênio, e engoli em seco. E por fim de volta para casa, em Piccadilly, onde deixei o século XX para trás, essas duas palavras tão simples que pareciam representar progresso, revolução, esperança e ambição mais do que quaisquer outras, e me preparei para receber seu sucessor.
O telefone tocou no fim da tarde, por volta das seis horas. Atendi, precavido, pronto para recusar qualquer convite de última hora. Mas era Tommy, telefonando do mesmo hospital onde tinha estado em coma meses antes.
“Parabéns”, eu disse, abrindo um sorriso largo quando ele me deu a notícia. “E como está Andrea? Ela está bem?”
“Está cansada. Mas vai ficar bem. Não foi um parto difícil. Bom, pelo menos não para mim…”
Eu ri. “Que notícia maravilhosa”, eu disse. “Estou muito feliz por vocês.”
“Obrigado, tio Matt. E, olha, quero agradecer de novo pelo que você fez por mim. É um recomeço. Tenho a sensação de que a minha vida começa agora. Deixei o seriado, estou recuperando a saúde. Tenho uma família, um emprego ótimo.” Ele parou e eu não sabia o que dizer; ele estava genuinamente agradecido e aquilo me fez sentir muito bem por ter acertado, pelo menos dessa vez. “Só quero… Obrigado”, ele disse.
Dei de ombros. “Não há de quê. Para que servem os tios? Agora, me diga, qual vai ser o nome dele? Sabe que não temos um bom e velho ‘Tom’ faz uns oitenta anos? O que acha? Ou talvez ‘Thomas’. Ou acha formal demais para um bebê?”
Tommy riu. “Acho que não vamos pôr nenhum desses”, ele disse e pisquei, surpreso.
“Mas é a tradição. Todos os seus antepassados deram…”
“Estamos pensando em Eva”, ele se apressou em dizer.
“Eva?”
“Isso. É uma menina, tio Matt. Desculpe desapontá-lo, mas tivemos uma menininha. Acho que quebrei o ciclo. Você acha que consegue dar conta de uma sobrinha, para variar?”
Eu ri com gosto e sacudi a cabeça. “Ora, eu…”, eu disse, maravilhado com a notícia. “Uma menina. Nem sei o que dizer.”
Desliguei o telefone e fiquei parado por alguns instantes, perdido em pensamentos, finalmente exaurido de palavras. Jamais tinha imaginado uma menina — mas, de certa maneira, parecia perfeito. Eu estava feliz por ele. E por ela. Era um novo começo, uma nova linhagem. Talvez não houvesse mais Tommys daqui para a frente. Por fim, saí do meu devaneio e comecei a me dirigir sem pressa para a sala. Parei no banheiro e entrei, acendi a luz acima da pia puxando a pequena corda que a controlava. Depois de abrir a torneira, inclinei-me para a frente e permiti que a água fria corresse por meus dedos. Isso me provocou arrepios e então, parado com uma toalha nas mãos, vi meu rosto no espelho. Não havia dúvida. Eu estava com uma forma admirável para um homem da minha idade. Mas, ao olhar mais de perto, percebi algumas rugas pequenas sob os olhos, onde, algumas semanas antes, não havia nada. E meu cabelo, sempre com um atraente tom grisalho, parecia ter começado a embranquecer. E debaixo da orelha esquerda se espalhava uma marca escura, perigosamente parecida com uma mancha senil. Encarei meu reflexo, chocado, e prendi a respiração.
Puxei a pequena corda com um movimento abrupto e a luz se apagou.