7
Hanio saiu para o ar fresco e luminoso do dia, levando ainda na mente o que achou ser um conselho bastante válido e prudente. Até mesmo ele sentia que a experiência daquela manhã se inscrevia na categoria das fantasias mais loucas. Pretendera fazer o papel do niilista típico, mas a sabedoria de um homem mais velho parecia tê-lo iluminado. Quando ouviu as suas palavras, Hanio percebeu que, afinal, ele o via como pessoa adulta e madura. Porque, até àquele momento, o homem tratara-o com punhos de renda, como se fosse ainda criança.
Enquanto caminhava pelas ruas invernosas, ocorreu-lhe que alguém podia estar a segui-lo. Olhou para trás, mas não viu ninguém. Pensar que logo ele, de entre todas as pessoas, se tinha deixado iludir por banda desenhada de suspense! E provavelmente não teria sido o único. O seu cliente, o velho da voz sibilante, provavelmente também caíra na esparrela.
Ali perto, havia uma pastelaria que abrira recentemente, e ele entrou para descansar um pouco. Pediu um café e um cachorro. A empregada trouxe-lhe o cachorro, com a carne fresca da salsicha reluzente a espreitar dos dois lados do pão, e mostarda francesa à parte. Hanio não conseguiu deixar de perguntar:
— Estás livre esta noite?
A rapariga era magra e de rosto fechado. Usava uma maquilhagem do tipo que se usa para sair à noite, embora ainda fosse dia, e tinha uns lábios que pareciam determinados a não sorrir sequer uma única vez na vida.
— Mas ainda é dia.
— Por isso é que estou a perguntar se estás livre logo à noite.
— A esta hora, ainda não sei como vai ser logo à noite.
— Ah, quer dizer que ainda estás um pouco às escuras quanto ao futuro?
— Exatamente. Nem sequer sabemos o que nos pode acontecer no próximo quarto de hora.
— Não é um pouco exagerado dividir tudo em intervalos de tempo tão curtos?
— Bom, é o que fazem na televisão. De quarto em quarto de hora há intervalos para os anúncios. É de propósito para nos criarem expectativas face ao que vem a seguir. E isso funciona também na vida real.
Riu-se alto quando se foi embora. Ele apanhara, sem dúvida, com um verdadeiro balde de água fria.
Mas Hanio não se sentiu nada incomodado com o episódio. A rapariga planeava tudo em função da televisão. E talvez desse modo pudesse ter uma vida mais equilibrada, mais certa e segura. Com intervalos publicitários a sucederem-se de quinze em quinze minutos, porque havia de sentir-se obrigada a pensar no que podia acontecer no mesmo dia à noite?
Como não podia fazer outra coisa senão regressar a casa, e ainda era cedo, Hanio andou a deambular pela cidade, esforçando-se, apesar disso, por gastar pouco dinheiro. Era já noite quando chegou a casa.
Tinha os cinquenta mil ienes no bolso de dentro, mas não conseguia deixar de pensar que devia devolvê-los. Quando é que o velho voltaria a aparecer? Até ele chegar e acertarem contas, continuava a ser dono da vida de Hanio, pelo que era melhor manter na porta o letreiro com a palavra «Vendida».
Nessa noite, Hanio dormiu profundamente. Na manhã seguinte, ouviu o som de passos que pararam junto à porta, mas quem quer que fosse deve ter visto o letreiro e foi-se embora sem tocar. De repente, pensou que podia ser um assassino. Mas não, isso não era provável. Era preciso parar de pensar que ainda estava a viver aquela fantasiosa história de suspense. Pôs a água a ferver para fazer café e, olhando para o seu reflexo no espelho da parede, achou-se um pouco louco: deitou a língua de fora e fez uma careta.
Hanio estava surpreendido consigo mesmo pela ansiedade com que passou o dia inteiro à espera do velho. Queria encontrar-se com ele o mais depressa possível e resolver a sua vida de uma maneira ou de outra. Um negócio é um negócio. Quem compra tem forçosamente de dar atenção ao que compra. Com medo de que o velho pudesse aparecer se saísse, Hanio permaneceu em casa o dia todo.
O sol de inverno estava a pôr-se. Já tinha escurecido quando o porteiro, que tinha por hábito distribuir o jornal da tarde aos utentes, o meteu debaixo da porta. Hanio abriu-o para ler um artigo da página três e ficou surpreendido ao ver uma fotografia enorme do rosto de Ruriko:
Beldade Encontrada Afogada no Rio Sumida
«Suicídio ou crime? Ainda é cedo para se saber. Cartão de Visita de “Ruriko Kishi” (morada desconhecida) na mala de mão encontrada à beira da ponte.»
O artigo descrevia a ocorrência nos tons mais sensacionalistas.