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— Por onde hei de começar?
Quando o primeiro homem começou a falar, Hanio reparou que as rugas à volta dos seus olhos não eram apenas sinal de agruras, mas também de um coração de ouro.
— Antes do mais, importa dizer que não podemos divulgar os nossos nomes nem aquilo a que nos dedicamos. Dada a natureza do que lhe vamos pedir para fazer, certamente compreenderá. Como é fácil ver, somos japoneses. Contudo, o que lhe vamos contar não tem qualquer relação com o Japão. Diz respeito a embaixadas de dois países estrangeiros, de resto bastante diferentes. Chamemos-lhes País A e País B.
«Ora bem, a mulher do embaixador do País A, que é muito bonita e conhecida, organizou uma festa na embaixada, para a qual ela e o marido convidaram embaixadores de diversos países. Este acontecimento é tão comum numa embaixada como eu e o senhor convidarmos alguns amigos para jogarem mahjong connosco. Nessa noite, a mulher do embaixador recebeu os convidados usando um vestido de cauda verde-esmeralda. Fazia-o, porque estava presente um príncipe da família imperial, obrigando assim a que houvesse alguma formalidade no vestir. Digo-lhe, já agora, que não estou autorizado a revelar a natureza da nossa relação com a festa, que decorreu nessa embaixada. Mas prosseguindo: como mandam as regras do bom gosto, um vestido verde-esmeralda, com bordados da mesma cor, requer joias a condizer. A mulher do embaixador do País A exibia um colar de extraordinária beleza, uma peça maravilhosa, constituída por trinta e cinco magníficas esmeraldas intercaladas por pequenos diamantes. O baile começou, as luzes do salão de banquete diminuíram de intensidade e os convidados foram-se deixando arrastar ao sabor do ambiente e das danças. Mas, quando a festa chegou ao fim, a mulher do embaixador deu-se conta, subitamente, de que o colar tinha desaparecido. Manteve a serenidade e quase nenhum dos convidados percebeu o que se passava. Aqueles que repararam assumiram simplesmente que ela o teria retirado em qualquer momento.
«Metade dos convidados já tinha saído antes de o baile terminar, pelo que o ambiente no salão era mais sossegado quando a festa chegou ao fim. A mulher, embora pálida devido ao choque, arranjou coragem para se despedir de todas as pessoas com um sorriso. Depois de o último convidado ter saído, caiu nos braços do marido a soluçar.
«— Ah, isto é horrível! Horrível! Roubaram-me o colar de esmeraldas — disse ela.
«O colar custara uma fortuna, não era um roubo sem importância. Mas, como dizia agora ao marido, não podia fazer uma cena embaraçosa no meio de uma festa para a qual convidara todas aquelas pessoas ilustres.
«Face ao que ouvia, o embaixador ficou lívido. Não era possível considerá-lo uma pessoa agarrada ao dinheiro. Na verdade, dizia-se que possuía até uma fortuna considerável na sua terra e que apenas aceitara ser embaixador por mero passatempo. Não havia motivo aparente para ficar assim tão transtornado por causa de um colar. O problema, porém, é que a sua mulher desconhecia que o colar era importante por outras razões. Bom, antes de continuar a história, talvez seja boa ideia falar-lhe um pouco desta pedra preciosa, que dá pelo nome de esmeralda. A maioria das joias são avaliadas de acordo com a perfeição da sua superfície. A esmeralda é uma exceção. É sempre naturalmente imperfeita — tem aquilo a que se chamam inclusões. Estas inclusões fazem parte do encanto natural das esmeraldas: o efeito que provocam é muitas vezes semelhante ao que vemos quando olhamos para um mar completamente verde. Existe mesmo uma escala de ordem estética para avaliar as pedras em função das diferentes disposições das fissuras. Pode dizer-se que as esmeraldas, ao contrário dos diamantes, possuem alguma coisa de sensual. Se considerarmos que são estas fissuras interiores e mais densas que atribuem a essa maravilhosa pedra verde a sua força vital, não podiam deixar de conferir-lhe certo mistério orgânico.
«Acontece que o embaixador, quando ofereceu o colar à mulher, mandou colocar uma esmeralda falsa no meio das verdadeiras. Essa pedra estava admiravelmente trabalhada, tão perfeita em termos de inclusões e cor que era impossível distingui-la das outras trinta e quatro. As imperfeições introduzidas na pedra falsa, contudo, tinham sido concebidas de forma a criar um código que permitia ao embaixador ler os telegramas confidenciais que o seu país, o País A, lhe enviava. Esta esmeralda especial atuava como prisma. A luz atravessava o labirinto das fissuras mais densas e era refratada na superfície do telegrama, de modo a permitir a leitura do que estava escrito.
«O embaixador já se tinha apercebido de que alguém intercetava os telegramas que o seu país lhe mandava, tendo a ideia, por isso, de introduzir uma chave de encriptação nessa esmeralda. Combinou com a mulher ser ele a guardar o colar num cofre, e sempre que precisasse dele para alguma festa ou outro acontecimento do género ele ia buscá-lo. Ela, obviamente, desconhecia o segredo do cofre.
«Notando como ele tinha ficado pálido, disse:
«— Quem poderia ter sido? Imagina só, roubar uma coisa assim tão descaradamente, mesmo debaixo do meu nariz. E pensar que os nossos convidados de hoje eram embaixadores e senhoras e cavalheiros dos mais ilustres do Japão!
«— Em que momento achas que isso aconteceu? — perguntou o embaixador com um ligeiro tremor na voz.
«— Durante o baile. Não pode ter sido noutra ocasião.
«— Com quem dançaste? Com quantos homens?
«— Com cinco, talvez seis.
«— Tenta lembrar-te de todos eles.
«— Bem, o primeiro foi o príncipe.
«— Acho que podemos excluir esse. Quem mais?
«— A seguir foi o ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão.
«— Também não terá sido ele, com toda a certeza. E depois?
«— O embaixador do País B.
«— Pode muito bem ter sido esse — disse o embaixador do País A, mordendo o lábio inferior.
«Estava a travar-se uma dura guerra de espionagem em Tóquio, entre o País A e o País B, sendo, portanto, natural que o embaixador do País B aparecesse como o suspeito óbvio. As pessoas tinham bebido muito, a sala estava cheia de gente e pouco iluminada, e a música estava ao rubro. O embaixador do País B tinha um aspeto anafado, mas, por absurdo contraste, os seus dedos eram de uma grande delicadeza. Teria habilidade suficiente para desapertar o colar à volta do esguio pescoço branco da mulher do embaixador do País A sem ela dar por nada.
«O embaixador e a mulher ficaram acordados toda a noite a falar no assunto, mas não chegaram a uma conclusão sobre transmitirem a informação à polícia. Ao amanhecer, era notória a sua exaustão devida à falta de sono. Foi então que um empregado lhes veio trazer um comum envelope castanho numa bandeja de prata.
«— Estava esta manhã na caixa de correio, Sr. Embaixador.
«Abriram-no e viram no seu interior o colar de esmeraldas. Não é difícil imaginar a alegria sentida pela mulher.
«— É evidente que alguém nos quis pregar uma partida. Um bocado estúpida, mas enfim… Quem quer que tenha sido, deve ter-se sentido depois muito envergonhado. E, realmente, é coisa indigna de um diplomata.
«— Tens a certeza de que é o mesmo colar?
«— Sim, a certeza absoluta.
«Ela ergueu o maravilhoso colar de trinta e cinco esmeraldas para o observar à luz do sol da manhã e abanou-o ligeiramente. O embaixador pegou nele depois e procurou a esmeralda que lhe interessava. Percebeu de imediato. A pedra falsa tinha sido substituída por uma esmeralda verdadeira.