Quando a noite chegou após o crepúsculo ir embora, as florestas, além das ruínas cresceram pretas, encobertas na névoa e rodeada por sombras, trazendo maus pressentimentos. Os sons dos grilos nos arbustos do pântano cresciam.
Lianae estremeceu, se aconchegando ainda mais no seu manto, protegendo a nuca de um vento cortante. Os pés dela estavam quase congelados, mas havia pouco a ser feito sobre isso agora, a não ser bloquear o vento com o vestido dela. Ela teve sorte porque o tempo mais quente tinha ficado bastante tempo, por isso o frio não era tão forte. Mas agora havia uma mudança no ar. O inverno tinha finalmente chegado.
Seu olhar voltou-se para o estranho de cabelos escuros. Ela se sentia ao mesmo tempo atraída e repelida por ele. Mas havia algo civilizado sobre o homem. Se seu exército parecia mais inglês do que escocês, era outra coisa — um espectro do passado de Lianae. Ao contrário dos outros, ele não usava nenhuma armadura ou escudo. Ele não tinha nenhum elmo brilhante amarrado a sua sela. O cabelo estava trançado em suas têmporas e alguns cachos estavam livres para voarem ao vento. Ele usava um hauberk (17) de couro, com uma túnica cinza surrada, mas sua capa era simples ao contrário das que os seus camaradas usavam e ela era feita principalmente de peles dos lobos cinzentos, bem grossa e acolchoada nos ombros. E apesar dele não parecer em nada com eles, era claro para Lianae quem estava no comando.
Ele estava.
Em pé com as mãos na cintura, com seu cabelo escuro batendo em seu rosto, ele assistia a cada movimento de Lianae, embora ele mantivesse certa distância, dando ordens para seus homens.
Enquanto ele ficou olhando para ela, a tropa sarnenta de escoceses marchou até o pé da colina para montar acampamento para a noite, fixando os cavalos sob uma lona improvisada, verificando suas patas e reunindo madeira para uma fogueira.
Todos os seus homens usavam as cores do rei, alguns sobre hauberks de couro, outros sobre as armaduras. Nenhum deles parecia muito com um escocês — mais como Sassenachs (28), se a verdade fosse dita, com suas armaduras de prata e brilhantes elmos de metais, cobrindo suas cabeças oleosas.
Estranhamente, Lianae não tinha medo dele — nem um pouco — apesar dela sentir que seus homens estavam inclinados a ter. Cada um deles fez o que o homem mandou sem uma palavra de queixa, apesar de eles parecerem desconfiados desse lugar. Ela podia ver a apreensão em seus corpos e a forma que eles olhavam por cima dos ombros para as florestas circundantes, começando quando alguém se aproximava. Chegava a ser quase cômico assistir — homens adultos com medo da própria sombra.
Na verdade, Lianae tinha sentido que, se eles pudessem escolher, nenhum deles permaneceria neste lugar, mas mesmo o homem que tinha desafiado o líder pintado já não parecia inclinado a protestar. Em vez disso, ele manteve-se distante, meditando sozinho perto do fogo, vendo-o queimar.
Havia tensão entre os dois homens. Lianae arquivou esta informação para ser usada mais tarde caso surgisse uma necessidade.
Mas diversas vezes seu olhar era atraído para o homem de cabelo trançado, sentindo seu olhar, como ela sentia certamente as pedras que iam em direção da neve.
Ela tinha deixado algumas caírem quando ele a colocou em seus braços— braços fortes, parecendo o tronco de uma árvore pequena. Ele era forte, mas rápido, e ele a tinha tirado do chão com pouco esforço — algo que ela nunca tinha visto alguém fazer — nem mesmo seu pai quando ela tinha três anos.
Neste caso, ela pensou em sua força como uma bênção, pois, por enquanto, ninguém ousara se aproximar dela. Então ela continuou à procura das pedras, ficando perto do local onde ela as tinha deixado cair. Os pés dela estavam meio dormentes, mas ela ainda podia sentir os macios seixos sob seus dedos. Agora a camada de neve era de quase meia polegada. Se continuasse a cair nesse ritmo, pela manhã, haveria dois pés ou mais, e aí as pedras estariam perdidas. Mancando, ela descobriu duas das pedras de Uhtreda e ela as colocou no bolso que estava costurado na bainha do seu vestido. Ela continuou a procurar, inclinando-se de vez em quando para afastar um pouco de lixo, meramente para descartá-lo, para que eles não suspeitassem que ela estivesse acumulando outra coisa qualquer. Se eles soubessem sobre o tesouro que ela possuía, não havia garantias que eles permitiriam que ela ficasse com ele, e Lianae não acreditava que ela tinha recebido as pedras só para perdê-las tão facilmente. Felizmente, a maioria dos homens tinha a mente pequena... salvo ele.
Tentando não pensar sobre ele — ou nos homens do Conde que ainda estavam por aí — Lianae mentalmente recontou as pedras que ela já tinha recuperado — três ao todo — menos da metade do número que estava originalmente na bolsa. Algumas permaneciam perto da parede onde ele tinha atirado uma flecha através da bolsa.
Num determinado ponto, ela o viu ir, e arrancar sua flecha e então guardá-la, inspecionando sua ponta. Ela segurou sua respiração quando ele em seguida inclinou-se para pegar algo do chão — presumivelmente os restos da bolsa de Lianae. Ele olhou para ela e então colocou sua flecha em sua aljava — talvez para re-utilizar a flecha mais tarde — e enfiou as pedras de sua bolsa no cinto dele. Mas depois disso, ele não se preocupou em pesquisar o solo sob seus pés, e Lianae soltou a respiração que ela estava segurando quando ele se dirigiu para atender sua égua.
Por longos momentos, ela o assistiu escovar o flanco do animal com uma mão carinhosa. Avançando, ele acariciou o focinho da égua e então pareceu sussurrar em seu ouvido. Hipnotizada pela sua gentileza com o animal, Lianae desistiu de procurar por suas pedras e se sentou sobre um corredor arruinado para inspecionar seus pés, tentando determinar em sua mente onde estaria o restante de suas pedras.
Quantas ela pegou antes dela fugir? Ela não tinha tido a oportunidade de contá-las ainda. Talvez ela tivesse todas até agora e o resto estaria embaixo dos arbustos, onde os homens do rei tinham colocado sua lona.
Mas ela disse a si mesma, não se preocupe. Mesmo se eles estivessem em cima de uma das suas pedras, a maioria destes idiotas não saberia o que elas eram. Este fato lhe deu um pouco de alívio — mais até do que o estado de seus pobres pés.
Apesar do frio crescente, a parte inferior de um pé continuou a sangrar por causa de um corte abaixo do dedo. Resumidamente, ela estava considerando rasgar a bainha do seu vestido, a fim de envolver os pés dela, mas o vestido estava protegendo suas pernas do vento. Como isso então estava fora de questão, por enquanto ela simplesmente ia se sentar em cima dos pés para aquecê-los e pela manhã, ela tentaria encontrar uma nova solução.
Não havia dúvida que ela devia fugir, mas ela não iria a lugar nenhum antes da manhã e nesse meio tempo, ela sentiu que estes homens não seriam ameaça — muito menos do que ela poderia esperar lá fora com os homens do Conde. Sim, por agora, ela ia dar um tempo. E se os homens do Conde viessem espionar o brilho da fogueira deles, eles teriam muito mais vontade de ficar longe.
Independentemente disso, Lianae não estava mais com medo. Muito antes de Lilidbrugh tornar-se um refúgio para as fadas, ela tinha pertencido aos homens simples. Havia uma lenda contada sobre uma relíquia que os dún Scoti tinham pegado no dia que eles tinham fugido para o Mounth. Ninguém sabia exatamente o que era, mas Lianae tinha suas suspeitas.
Uma vez perdida no meio dos Sìol Ailpín (29) — todos os clãs de Highlands que afirmavam linhagem de sangue com o primeiro rei — a espada da Righ Art tinha sido recentemente encontrada. Segundo a lenda, essa espada tinha sido dada de presente para Kenneth MacAilpín no dia em que ele foi coroado. A espada desapareceu no mesmo tempo que um golpe de estado tirou a vida do rei Aed. Mas, então, há dez anos a mesma espada ressurgiu e foi dada de presente a David da Escócia por um humilde escocês de Chreagach Mhor — um homem chamado Broc Ceannfhionn. E, claro, uma vez que ele teve a posse dela, David usou a espada do Rei Supremo e Chefe dos Chefes para continuar suas reivindicações. Na verdade, ele a tinha empunhado naquele dia da batalha de Stracathro em Forfarshire, na qual morreram quatro mil homens de Moray, incluindo o pai de Lianae. A morte de Óengus viajou rapidamente e foi a dor desta notícia que matou sua mãe, especialmente quando seus irmãos Graeme e Ewen desapareceram depois disso.
Claro, que David mac Mhaoil Chaluim tinha chamado ambos de covardes, despojando os dois de seus direitos, e dando os seus títulos para homens como William fitz Duncan.
E Lulach, que tinha apenas quinze anos quando seu pai e irmãos foram para a guerra, tomou para si uma noiva inglesa. O resto era história, ou foi o que eles contaram.
Seu coração se enchia de saudade sempre que ela pensava em seus irmãos, Graeme e Ewen. Ela não via nenhum dois em mais de cinco anos, mas um dia após o funeral da sua mãe, ela tinha descoberto um lírio branco no túmulo dela. Não tinha sido Elspeth ou Lianae que tinha colocado ele lá e certamente não tinha sido Lulach, que, ao contrário, e infelizmente, raramente pensava em alguém além de si mesmo. E foi para cá que o lírio a tinha levado, a Lilidbrugh, para o Lírio Branco de Fidach...
Lianae sentia que seus irmãos estavam aqui... em algum lugar. Ela podia sentir isso em seus ossos, da mesma forma que ela sentiu a presença das pedras de Uhtreda.
Como ela adoraria ver os escoceses depostos e William fitz Duncan retornando à Inglaterra onde ele pertencia. Mais do que isso, fitz Duncan merecia morrer, mas Lianae não achava que ele merecia o bom solo de Moray para ser enterrado. Melhor que ele voltasse para a Inglaterra. Ela preferia congelar até a morte nas mãos desses idiotas escoceses do que sair e ficar à mercê de William. Eles sem dúvida ainda estavam à procura nos montes e vales, se por nenhuma outra razão de recuperar as pedras de encanto de Uhtreda. Como uma dádiva de Deus, a bolsa tinha sido abandonada no vestiário ontem à noite. A rabugenta da mãe do Conde às vezes usava os antigos banhos e para ter certeza de que Lianae usaria antes do padre chegar, eles devem ter apressado à velha. A bolsa tinha sido deixada por um dos seus servos, e assim que Uhtreda desse falta dela, ela sem dúvida ficaria com raiva, porque estas eram as pedras que ela usava para esconder sua idade. Este pensamento fez Lianae rolar os olhos dela. Qual fosse a magik que Uhtreda possuísse, era um pouco devido a bolsa do pai dela. Afinal, ela era a filha do Conde da Northumbria e consorte de um rei.
Levantando um dedo para a parte dolorida de sua bochecha, ela se perguntou, onde um homem como fitz Duncan tinha aprendido a ser tão monstro. Enquanto as lesões passavam, a contusão se tornava inconsequente — mais até do que a dor em seu coração. Mas com o tempo ela ainda podia sentir o golpe do punho do Conde depois que ela lhe dissera que preferia morrer a se casar com um traidor como ele. Foi quando ele a colocou deitada... na cama... ao lado da irmã... E ele a teria tomado lá, salvo que a esposa de Lulach correu para dizer que o irmão dela tinha chegado.
Ele havia pedido para fitz Duncan esperar.
Para esperar?
Para esperar!
Bem, ele podia esperar até o fim de seus dias — até que ele ficasse frio no chão e os vermes se deleitassem com seu pênis sujo. Acontecesse o que pudesse acontecer, ela nunca iria se casar com aquele homem odioso — e maldito Lulach por ser um idiota ganancioso.
Ela estava no meio de reposicionar-se, cruzando as pernas e dobrando o vestido e capa abaixo dela como uma tenda, quando o "homem-lobo" veio lhe oferecer comida. Ele segurava a refeição nas mãos dele, envolvida em um guardanapo.
"O que é isto?"
"Comida," ele respondeu simplesmente, falando como sua mãe poderia ter feito.
Lianae franziu a testa. Ela olhou para o buraco escuro no meio do pátio. Ele não era um homem muito civilizado. Será que todas aquelas crianças trocadas tinham sido deixadas aqui para ele? "Por acaso você come bebês?"
"Dificilmente." Seu sorriso torcido como o de um menino travesso. "É meramente carne de cavalo," ele disse.
A julgar pela maneira que ele tratava sua égua amada, Lianae duvidava da veracidade do que ele afirmava, mas ela olhou sobre a lona, contando silenciosamente os cavalos. Ela contou três cabeças, antes que ela o ouvisse rir — um som rico que enviou um frisson estranho pela sua espinha.
"Cavalo da floresta," ele esclareceu.
Lianae fechou o rosto dela. "Cavalo da floresta?"
"Selvagem. Eles são grandes e estúpidos e lentos, mas saborosos — especialmente quando é a única coisa que a gente tem para comer."
"Qual seria a alternativa?"
"Fome," ele respondeu com um sorriso.
Muito engraçado. Mas droga, Lianae recusava-se a rir, apesar disso o sorriso dele tirou seu fôlego. Ele era muito mais bonito quando sorria. Mas, sim, ela estava com fome, na verdade. Pegando o guardanapo, ela aceitou a oferta de comida, agradecendo-lhe suavemente — embora ela pudesse ter ficado ressentida, porque além de arrancá-la do chão e depois jogá-la de volta para baixo, ele tinha feito pouco para ofendê-la. Apesar de não ser completamente a verdade, porque ela olhou para ele e atirou-se livre, após isso ele tinha meramente olhado para ela como se ela fosse o agressor.
E agora ele ficou parado, esfregando a cabeça, observando-a com essa cara de lobo, e ela teve um instante de arrependimento.
Nem mesmo seu mal-humorado amigo tinha feito alguma coisa para prejudicá-la. Eles tinham simplesmente deixado-a em paz, enquanto todos eles faziam seus negócios, e nenhum dos dois tinha falado com ela. Por tudo o que Lianae sabia, ela os tinha assustado tanto quanto eles a tinham assustado...
Mas a pergunta continuava: o que essas pessoas faziam em um lugar como Lilidbrugh? Passou pela sua cabeça que talvez eles também pudessem estar procurando por seus irmãos... mas seria isso provável?
Por um longo instante, o homem-lobo ficou assistindo-a comer e Lianae tentou ignorá-lo — não era uma tarefa difícil e ela estava repentinamente voraz. Ela não tinha comido nada desde o casamento de sua irmã, dois dias atrás. E embora eles provavelmente estivessem servindo outra "festa" de restos de comida, para o casamento do Lianae, Lianae não tinha permanecido para vê-lo.
Como conveniente devia ser.
Fitz Duncan matou uma mulher e tinha sido poupado. Ele teria dado duas festas pelo preço de uma.
Ah, mas, desde o instante em que ela tinha deixado o Castelo de Kinneddar, ela ainda não tinha parado tempo suficiente para pensar em seus pés, evidenciado pelo estado lastimável que eles estavam agora. Por um lado, ela temia que eles pudessem alcançá-la, mas então ela tinha ido para a floresta de pinheiros e por um longo, longo tempo, ela seguiu o fluxo, cobrindo o cheiro para iludir os cães. Provavelmente foi onde ela tinha cortado os pés dela — nas moitas.
Despreocupada com as boas maneiras, ela devorou a comida que ele deu para ela, pensando com ela mesma que era a melhor comida que ela já tinha comido.
Graças a Deus eles eram grandes e estúpidos e lentos!
Fascinado, Keane assistiu a garota rasgar a asa da perdiz, como se ela não tivesse comido durante semanas.
Que contradição ela, vestida com ornamentos finos, sem se queixar sobre seus pés descalços. Ela comia como uma criança abandonada e falava como uma pessoa de sangue real. Ela tinha o comportamento de um soldado e a dicção de uma rainha. "Você deve deixar-me olhar o seu pé," ele sugeriu.
Ela olhou para ele, os lábios brilhantes, e ele teve o estranho desejo de lambê-los e limpá-los — uma noção ridícula e ele se perguntou se a jovem tinha de alguma forma viciado seu cérebro com o golpe na cabeça dele.
Olhando para ele, ela segurou a comida diante dela, congelando sua postura, parecendo um animal pronto a atacar. "Você pode ver muito bem de onde você está?"
Keane levantou uma sobrancelha escura. Ela tinha uma língua afiada como uma navalha — igual a suas irmãs. "Eu só quis dizer que você deveria me permitir ver a sua ferida, minha jovem. Seu pé parece estar sangrando." Ele assentiu com a cabeça para a neve que os cercava, só que com a nova camada as manchas de sangue quase tinham sumido. "Eu não preciso que você cuide de mim," ela disse, teimosamente e voltou para o jantar, se esforçando para ignorá-lo.
Jovem teimosa.
"Você está com frio?" ele perguntou, recusando-se a ser ignorado. Ele deslizou ao lado dela em cima da escadaria, insinuando-se se agradasse a ela ou não. Na verdade, ela lhe lembrava um pouco Catrìona, com seus olhos piscando e a crina de ouro-vermelho. Nenhuma de suas irmãs daria nem um dedo, a menos que você provasse a elas por que deveriam dar. O problema é que nenhum progresso poderia ser feito, a não ser que alguém tomasse à dianteira. Isso era algo que Cameron ainda tinha que aprender.
Ele dobrou as mãos entre seus joelhos, bem ciente de que ela estava olhando para ele pelo canto do olho. Mas ele não era uma ameaça para ela e ela precisava de sua ajuda, ela querendo admitir ou não — e claramente ela não queria admitir.
Aparentemente alheia à sua presença ao lado dela, ela continuou a comer, ignorando Keane, e ele sentiu o cheiro do cabelo dela tão perto: alecrim e lavanda, uma combinação inebriante... só um pouco mais do que o cheiro do seu jantar. Seu estômago resmungou.
Ele tinha desistido de sua parte da comida, não querendo deixar a garota sem ter o que comer e sem vontade de sair para caçar. Nem ele pediria a seus homens para fazê-lo, não esta noite. Considerando a desconfiança que eles tinham desse lugar, se ele permitisse que alguém saísse, eles poderiam não retornar. Infelizmente, agora que ele e Cameron estavam divididos, se ele falhasse e permitisse alguém sair, David exigiria suas cabeças por abandonarem seus postos e o destino deles ficaria sobre os ombros de Keane.
Quanto a Cameron... ele olhou para seu velho amigo, observando-o esculpir uma vara, tentando torná-la uma nova flecha, mas faltava-lhe a habilidade. Keane muitas vezes tentou ensinar-lhe a maneira correta, mas junto com um orgulho feroz, às vezes faltava um pouco de sagacidade para Cameron MacKinnon. Ele sentiu pena do homem, mas se fosse algo intencional ou não o equilíbrio de poder havia sido deslocado aqui hoje.
Algo havia mudado.
Até hoje, Keane não tinha sequer considerado tomar o que lhe foi oferecido, e a única coisa que o mantinha em seu posto era o simples fato de que ele já não tinha nada aguardando por ele em casa — e Cameron esperava ter o seu próprio feudo, um dia, então Aidan o acharia digno para receber a mão de Cailin. Agora ele estava sentado em um silêncio contemplativo, considerando o que fazer vendo uma garota estranha comer sua comida...
Keane era pouco mais do que um vagabundo, sem ter uma casa para ele mesmo, e sem nenhuma chance para sustentar uma esposa.
Veio a mente dele uma lembrança distante — de uma garota que uma vez ele amou... mas ele não era mais aquele rapaz de cara de bebê, um rapaz simples com um coração puro, que tinha amado uma garota simples.
Keane estudou a garota sentada ao lado dele. Por alguma razão, ela fazia seus pensamentos irem para lugares que não deveriam ir... Mas não era simplesmente sua aparência. Ela era linda, era verdade, mas era o fogo nos olhos dela que o atraía — algo que a pobre Meara nunca tinha possuído, embora suas irmãs tivessem bastante. Ele sentiu que, como suas irmãs, se um homem pudesse ganhar o coração da espinhosa jovem, ela seria uma boa, boa noiva.
Infelizmente, ela já pertencia à outra pessoa...
Era seu fino vestido inglês que a entregava.
Ela estremeceu um pouco e Keane sentiu vontade de colocar seus braços ao seu redor para mantê-la aquecida. "Certamente seu homem deve estar sentindo a sua falta?" ele perguntou.
Ela não respondeu, embora ela tenha hesitado antes de dar outra mordida.
O que Keane verdadeiramente desejava saber era se havia alguém esperando por ela em casa. "Se você apenas me disser de onde você pertence, vou fazer que você seja devolvida a salvo."
Ela parou de comer e deu para Keane um olhar ruim e feio.
“Não pertenço a nenhum lugar," Lianae disse escolhendo suas palavras com cuidado. "A nenhum homem.”
Um pequeno sorriso transformou os lábios do seu captor, e ela estremeceu novamente — mas não com medo. Havia um saber no seu olhar que fez Lianae ficar cautelosa, pois ele não perdia nada. O olhar dele deslizou sobre seu vestido luxuoso — não tanto por sua forma, ela percebeu, porque havia algo muito menos lascivos sobre a inspeção, e ela entendeu que ele estava considerando o vestido dela. Seu olhar voltou para o rosto dela, retornado persistente para a bochecha, e seus olhos se fecharam ligeiramente.
Ela pensou se ele estava olhando para sua contusão, ou mesmo se era perceptível o suficiente para ver, Lianae resistiu à vontade de tocar seu rosto, e se forçou a comer.
"Tem certeza, moça?"
Com os nervos desgastados, Lianae se virou. "Claro que estou certa, eu não tenho homem! Se eu pertencesse a qualquer lugar, eu não seria a primeira, a saber?"
Com fúria, ela deu outra mordida na perdiz, mastigando sob seu olhar vigilante, ficando cada vez mais confusa. Era mais a forma que ele a olhava que fazia seus pulsos se acelerarem e seus pensamentos ficarem confusos. A expressão em seu rosto estava cheia do que parecia ser preocupação, mas Lianae sabia que não devia confiar em ninguém nestes dias e com a sua idade.
Vá embora, ela rezou em silêncio.
Se ela lhe contasse quem ela era e de onde ela vinha, ele teria sem dúvida que devolvê-la para o Conde. Ou se ela confessasse ser uma rebelde ele poderia até tirar a cabeça dela. Se ela implorasse para ele levá-la até Ewen e Graeme, ele iria reconhecê-la como uma rebelde e entregá-la ao seu rei. Ou pior, ele podia usá-la para desentocar os irmãos dela. Vivos ou mortos, os filhos de Óengus valeriam mais do que seu peso em ouro — certamente mais do que um punhado de pedras.
Não, era melhor ela não lhe dizer nada.
Deixe-o pensar o que ele quiser.
Em algum lugar lá fora, Graeme e Ewen esperavam por ela. Tudo o que Lianae precisava fazer era encontrá-los. E uma vez que ela conseguisse suas pedras, ela teria os meios para adquirir informações.
Amanhã.
Amanhã ela acharia um jeito de ir embora — assim que os homens do Conde desistissem da busca.
"Ah, jovem, você deve pertencer a algum lugar?" o homem a pressionou. E desta vez o tom dele era persuasivo — como o fogo, com suas luzes brilhantes quentes, atraindo vítimas infelizes até suas mortes. Lianae deu de ombros e ficou comendo, irritada com sua presença e sem saber por quê. Até então, ele tinha sido muito gentil.
Talvez fosse porque seu rosto lhe agradasse — um rosto finamente esculpido com uma mandíbula forte e brilhantes olhos verdes que a convidavam a abaixar sua guarda.
Mas eu não vou.
Depois de um tempo, ele se inclinou para colher um punhado de neve e começou a moldá-la entre as palmas das mãos. "Eu diria que você nasceu numa família de classe, pela sua aparência?" ele continuou a pressionar.
Mas ele não podia saber nem a metade.
Lianae deu-lhe um olhar de canto de olho, pois havia ainda uma questão em seu tom — uma pergunta que ela não tinha a intenção de responder.
Ela era filha de Óengus de Moray. Seu bisavô MacBeth tinha sido um homem do povo. Como Rei, ele tinha trazido dezessete anos de paz para a Escócia — a paz que seu povo conheceu até que Kenneth MacAilpín assassinou seus suseranos Pecht. Hoje, metade destes condes havia sido suplantada, aqui por William Rufus, a outra metade por seu irmão, Henry. Eles eram todos asseclas do inglês — por isso MacBeth depôs Duncan. Nenhum homem de Moray poderia, em sã consciência, seguir um Sassenach. Então, sim, ela era bem nascida, mas com seus irmãos ainda foragidos, eles só iriam vê-la como uma ameaça. E se eles não pudessem possuí-la, ou usá-la contra Ewen e Graeme, eles a matariam.
"Eu sou uma simples empregada de Moray," ela disse docemente, encontrando seu olhar.
Mas isso foi um erro, pois os olhos dela foram diretos para a pintura dele... uma tatuagem de lobo que espiava embaixo de sua túnica. As mandíbulas abertas sobre as cordas de seu pescoço, dentes à mostra sobre uma veia na sua garganta. Mesmo no estranho crepúsculo ao seu redor, ela podia ver a pintura claramente. Diziam que os filhos de Fidach eram filhos do lobo...
Eles estavam em Lilidbrugh...
Era uma coincidência, que ele tivesse sido atraído para este lugar?
Mas não, os filhos de Fidach estavam todos muito longe, ou eles alegavam estar. Não obstante, enervada, ela deu outra mordida na perdiz e mastigou pensativamente, muito consciente do homem sentado ao lado dela.
Ele continuou a moldar a neve entre as mãos, os músculos dos braços, flexionados como as cordas de seu pescoço, fazendo a tatuagem do lobo mover-se como se a fera estivesse movendo suas mandíbulas longas e poderosas. Na verdade, ele era muito parecido com um filhote de lobo, ela decidiu — com olhos grandes e ansiosos para puxar sua emoção, e era só ela baixar guarda que ele iria dar o bote.
Era uma questão curiosa, porque nenhum escocês que Lianae já tinha conhecido usava a pintura dos seus antepassados. Na verdade, seu próprio povo já não usava a pintura dos seus antepassados! Ainda assim, aqui estava este homem, usando-a... junto com o libré de David. E aqui estava ele na cidade perdida dos Pechts. Era um mistério, com certeza.
Confusa, Lianae olhou para longe. "Você não espera que uma moça se confesse para um homem que ela não conhece?"
Ele piscou para ela. "Ela deveria se precisasse de ajuda," ele disse e continuou a brincar com a neve em sua mão, ao mesmo tempo em que ele esfregava o chão com a ponta da sua bota, onde Lianae concentrara sua busca. Mesmo com uma nova camada de neve, sua procura estava perfeitamente evidente. A bota dele parou abruptamente e Lianae orou que não fosse por causa das pedras. Elas eram fáceis de reconhecer uma vez que elas estivessem sob seus pés, porque elas eram redondas e lisas.
Terminando sua refeição, ela limpou sua boca e colocou o guardanapo de lado. Ela não sabia como, mas ela sabia em seu coração que havia algo por baixo da bota. "Eu já disse que não preciso."
"Mas acho que você precisa."
O olhar dela passou pelo rosto dele, à procura de algum sinal de que ele sabia... de alguma coisa. Mas o que ela viu foram mais perguntas — e algumas sobre ela. Então Lianae blefou. Ela levantou o queixo dela. "Se você acredita nisso," ela o desafiou. "Então me liberte e veja quanto tempo eu vou ficar aqui?"
Havia um sorriso em seus olhos que não apareciam nos lábios.
"Você não é uma prisioneira aqui."
Surpresa de ouvi-lo dizer isso, Lianae franziu a testa. "Não?"
"Será que eu te prendi com cordas ou correntes?"
Lianae abanou a cabeça, percebendo com um pouco de desgosto que ele tinha falado a verdade.
"Eu coloquei guardas para tomar conta de você?"
Mais uma vez, ela abanou a cabeça, pois ele não tinha — ninguém além dele mesmo.
Seus lábios se curvaram em um sorriso, ele mudou sua bota de lugar e colocou uma mão para baixo na neve, tateando, procurando por algo, e então, parecendo encontrar alguma coisa, ele levantou a mão para cima, mostrando uma das pedras de Uhtreda.
Os olhos do Lianae se alargaram.
"Algo me diz, moça... se você quisesse nos deixar, você já teria ido embora."
(27) hauberk - armadura de escamas
(28) Sassenach - termo (escocês) ofensivo de referência a uma pessoa inglesa
(29) Sìol Ailpín – é uma família formada por sete clãs escoceses capazes de traçar sua descendência desde Ailpín, pai de Cinéad mac Alpín, Rei dos Picts, que a tradição escocesa considera o primeiro Rei da Escócia.