Sua pergunta fez o coração de Lianae doer.
Mas não mais do que o seu beijo.
Toda vez que ele ofereceu seus lábios, ele mexeu em algumas novas partes dela; e desta vez, tinha sido seu coração. Ele estendeu a mão, segurando Lianae firmemente contra o peito e em seguida, baixou o braço e cercou sua cintura e ela segurou sua respiração, com medo que ele pudesse descobrir que ela estava bem acordada. Por um momento muito, muito longo, o coração dela recusou-se a se acalmar, e Lianae temia que o batimento de seu coração pudesse traí-la. Depois de um momento, ele enterrou o rosto na parte de trás do cabelo dela. Inalando profundamente o cheiro dela, ele exalou um suspiro rouco que a fez ficar arrepiada. Era o abraço de um amante — diferente de tudo o que Lianae já tinha conhecido.
Nenhum homem a tinha segurado com tanta ternura.
Ela tinha o desejo mais irresistível de se aconchegar em seus braços, de beijá-lo mais e mais uma vez... Mas medo a fez ficar quieta. Após um momento, ela ouviu a suave e fácil respiração de Keane e viu que ele tinha dormido.
Ah, era hora de ir embora!
O que ela estava pensando quando veio junto com ele? Homens como Keane tinham muito pouco para oferecer. E ela era uma mulher sem um lar, sem nem mesmo um país, e ele era homem sob o juramento do rei.
Ele é seu inimigo, ela tentou se convencer, mas isso não a fez se sentir bem. E ainda assim, o plano para seduzi-lo parecia de repente absurdo. Em breve eles partiriam para Keppenach, e Lianae não poderia se juntar a eles porque Keppenach era o último lugar que ela deveria ir — especialmente com o rei na fortaleza. Nunca na vida ela se sentiu mais confusa.
Ficar, ir, ela estava perdida de qualquer forma para qualquer lado que ela se virasse.
E o que ela de verdade sabia sobre Keane?
Ele era mais um mistério do que ela. Ele usava a farda do rei, no entanto, ela percebia que ele não tinha nenhum interesse na política do rei. Ele a testava sempre que podia, e então ele mostrava sua bondade. Ele a chamou de mentirosa, e então ele a beijou docemente sobre a cabeça. Quem era este homem que se vestia com roupa de lobo, mas era gentil como uma ovelha?
Tremendo, ela entrou mais profundamente debaixo das cobertas, reconhecendo que havia pouco sobre sua aparência que lembrava as ovelhas. Por tudo o que ela sabia, ele podia ser seu carrasco! Agora, antes que fosse tarde demais, ela devia encontrar um jeito de ir embora...
Hoje à noite.
Consciente das idas e vindas dos homens — todos sofrendo da mesma doença — Lianae se virou, esperando sua chance de sair. Ela não estava doente como eles estavam e ela não sabia o que estava acontecendo com eles, mas ela iria usar a desculpa da doença para conseguir tempo ausente do acampamento e, conseguir fugir.
Agora, mais do que nunca, ela devia encontrar seus irmãos.
Ao amanhecer, Keane ficou imediatamente ciente de duas coisas: um, estava nevando outra vez, e dois, Lianae tinha ido embora. Em primeiro lugar, ele pensou que ela devia ter ido até o riacho, como ela tinha ido uma ou duas vezes durante a noite.
Ele tinha dormido profundamente — muito mais do que esperava... ele levantou a cabeça, colocando uma mão na parte de trás do seu couro cabeludo, vesgo contra a névoa. Não havia vento esta manhã, mas a neve estava caindo tão grossa que era difícil ver alguma coisa além de sua palete. Se não fosse pelo galho de árvore acima dele, ele poderia ter ficado coberto pela neve. Seu manto pesado estava em cima dos cobertores, abandonado.
Acostumados a invernos no Mounth, Keane não tinha dificuldade para dormir ao relento na neve. Lá no vale, pelo menos uma vez por semana — primavera, verão, outono e inverno — ele sempre dormia na colina. Todos eles faziam isso, até Aidan ia de vez em quando, embora seu irmão fosse menos frequentemente agora que ele tinha Lìli na sua cama.
Saindo de sua palete e olhando em volta, ele viu alguns de seus homens acordados enquanto aguardava Lianae retornar, prontos para voltarem a cavalgar. E então ele percebeu que os mensageiros do rei também tinham ido embora — nenhum deles tinha ficado. Keane deu outra olhada no acampamento.
Cameron e Murdoch também não estavam em suas camas.
Há quanto tempo desde que Lianae tinha ido embora?
Seu coração se apertou com medo repentino, ele foi em direção ao riacho.
Por causa do seu primo Broc, Cameron tinha a intenção dele mesmo levar Lianae para David.
Ele esperou por ela perto do riacho.
Muitas vezes em sua vida ele tinha tomado as decisões erradas, mas nunca mais ele iria colocar seus parentes em risco — não por Keane, que era, de longe, seu melhor amigo. E não por Cailin, cujos sentimentos eram tão instáveis como o clima. Um dia ela o tinha beijado, como se não houvesse amanhã, e no dia seguinte ela mal podia olhar para ele.
Adorável, irritante jovem.
Um dia, ele esperava fazê-la sua esposa.
Mas não hoje.
Hoje, ele estava seguindo três homens cujas intenções estavam perfeitamente claras.
Todos os três juntos tinham emboscado Lianae perto do riacho. Como Cameron tinha pensado ele mesmo fazer, eles a seguiram e a levaram a força. A partir daí, foi fácil pegá-la sem fazer barulho no acampamento. Cobrindo a boca dela, eles amarraram seus braços, prendendo-a como uma prisioneira de guerra.
E era isso o que ela era.
Não havia nada que ele pudesse dizer sem se entregar. Estes homens não eram bandidos. Eles eram homens do rei, e tinham jurado lealdade a David assim como Cameron. Se ele se levantasse contra eles, e Lianae fosse de fato uma espiã, ele iria marcar todos eles como traidores — particularmente agora que Keane tinha admitido publicamente ajudar na busca de seus irmãos desaparecidos.
O que diabos o homem estava pensando?
Keane nunca tinha sido um homem ganancioso, e nunca tinha ocorrido a Cameron que ele poderia desejar algo mais do que ele já tinha. Desta forma, ele tinha feito a Keane um desfavor supondo que ele fosse ficar aparte e permitir que Cameron comandasse seus homens. Os dún Scoti viviam na simplicidade, viajavam com pouco e pareciam desinteressados em qualquer coisa de valor — por tudo o que Cameron tinha visto.
E agora de repente ele desejava liderar?
Por causa dela.
Mas por mais irritado que ele estivesse, ele compreendia muito bem pelo o que ele estava passando, porque ele mesmo sofria da mesma doença do coração, e Keane tinha tanto direito de liderar quanto Cameron.
Mas apesar de seus próprios planos frustrados de levar Lianae para o rei, Cameron era leal a Keane. Eles eram amigos agora a muito tempo para ele ser falso com o amigo. Ele simplesmente não estava disposto a colocar o primo em risco, permitindo que Keane abrigasse a garota em Dunloppe, nem ele acreditava que Keane estivesse pensando claramente sobre tudo isso. Ele salvaria o tolo de si mesmo.
Embora em conflito, Cameron perseverou apesar do tempo, rastreando os mensageiros ao longo da sua jornada para o Sul.
Pelo menos assim ele não seria forçado a tomar uma decisão difícil.
Estava nevando bastante agora e suas pegadas se enterravam debaixo de uma considerável quantidade de neve. Quanto mais eles viajavam para o sul, mais ele percebia que não podia voltar atrás, apesar de que ele gostaria de avisar seu amigo.
Confiando que Keane iria primeiro para Keppenach, ele continuou a seguir o caminho. Não importava as suas intenções iniciais, Dunloppe já não era uma opção, embora ele não gostasse de pensar o que Keane iria sentir depois que acordasse e visse que Lianae tinha partido. E pior, logo depois, ele perceberia que Cameron também o tinha deixado e ele se preocupava que talvez Keane pudesse acreditar que ele tinha sido traído. Agora ele estava totalmente arrependido por não ter dito para ele o que ele sabia...
Lianae de Moray era filha de Óengus.
Cameron começou a pensar nessa suposição quando eles estavam em Lilidbrugh, embora ele não tivesse certeza, até que ela falou em voz alta os nomes dos irmãos dela. Ele tinha reconhecido os nomes apenas porque Murdoch havia falado para ele sobre os rebeldes detidos em Dunràth — um fato que nem mesmo Cameron e Keane sabiam. Eles só sabiam o que David desejava que eles soubessem — que os homens estavam detidos e que alguém que andava entre eles era suspeito de espionagem. Murdoch era esse espião, pois ele sabia precisamente quem os aguardava em Dunràth.
Para piorar a situação, Cameron também tinha descoberto um pequeno frasco de dwale (47) na mochila de Murdoch, que bem podia ser o responsável por todos os seus ventres doloridos. O dwale tinha sido usado uma vez por soldados de MacBeth o que fez um exército inteiro cair, e na sequência na morte do Rei Henry, que podia ser uma trama de grandes proporções para remover os que se opusessem ao reinado de Stephen. Cameron não tinha provas, mas ele sentia nas suas entranhas que Murdoch não era uma pessoa boa. Ele já tinha sido um rato então ele podia facilmente cheirar outro rato. Para testar sua teoria, ele deu a Murdoch uma pequena porção da sua refeição, e logo depois o homem tinha ido correndo para a floresta. A única pergunta agora era porque o dwale?
Ele queria envenenar toda a tropa? Se Murdoch quisesse matar a todos, ele podia facilmente entrar em Dunràth sob o estandarte do rei para libertar os filhos de Óengus.
Será que Lianae era uma espiã também?
E Keane?
Em seu coração, Cameron orava para que essa não fosse a verdade, mas se assim fosse, seria uma coincidência infeliz Lianae ter aparecido em Lilidbrugh e Keane ter segurado toda a pilha de lixo para si mesmo. E então, aconteceu: Keane se apaixonou pela jovem rapidamente. Toda esta estória deixou Cameron com uma sensação ruim no estômago que ele preferia não explorar. Ele apenas rezava para que Keane fosse inocente, embora a verdade logo fosse ser conhecida...
As paredes de Keppenach levantaram-se diante dele como um imenso espectro cinzento pairando da neve. Com pouco vento, as bandeiras desenfreadas do Rei Leão voavam molemente nas muralhas, os bordados brilhantes dourados e vermelhos pouco visíveis através de uma enxurrada grossa de branco.
À frente deles, um dos mensageiros chamou o vigia, e depois de um momento a ponte levadiça se levantou. Os portões gemeram enquanto se abriam e Cameron sentado em sua sela, pensou de onde ele iria a partir daqui...
Segui-los para dentro?
Ou voltar para avisar a Keane?
Ele tinha apenas alguns segundos para decidir.
Se ele entrasse, ele poderia pleitear seu caso ao rei, mas se ele o fizesse... Keane, inconscientemente, seria chamado de traidor. E se Keane fosse culpado? Aonde isso levaria Cameron?
De qualquer forma, eles estavam à mercê do rei.
Com um rangido e um gemido, as correntes começaram a se mover...
O sul nunca tinha sido a direção favorita dos dún Scoti.
Caminhando através da grossa neve, o humor de Keane permanecia azedo. Seus homens não falavam nem uma palavra, mas todos o acompanhavam, exceto Murdoch. Por tudo o que ele sabia, Murdoch bem podia estar com Cameron.
Bastardo mal-humorado.
Apesar da dissidência óbvia de Cameron, esta era a última coisa que Keane esperava dele. Um soco no queixo, talvez, ou uma briga na neve, mas roubar Lianae? Ele percebeu que os homens do rei tinham suspeitado dela e ele compreendia por que. Se ele estivesse em uma posição diferente, Keane poderia ter feito exatamente a mesma coisa. Mas a única coisa que estimulou sua ira mais do que qualquer outra coisa e fez seu temperamento ficar ainda mais negro do que ele alguma vez poderia lembrar, era o simples fato de que Cameron o tinha abandonado. Alguma parte dele entendia por que, mas mesmo assim ele estava irritado.
Só brevemente ele pensou em se dirigir para o norte. Ele não acreditava que Lianae voltaria. Profundamente em suas entranhas, ele sentiu que ela estava fugindo — ela não estava à procura de seus irmãos desaparecidos, apesar do que ela tinha alegado. Não havia nenhum mistério nos seus hematomas do rosto e das pernas. Ela estava fugindo, ou ela nunca teria saído tão despreparada. E se ela estivesse inclinada a voltar, ela teria feito enquanto eles estavam em Lilidbrugh, onde ela conhecia perfeitamente o caminho de casa.
Se houvesse alguma coisa a ser dita sobre a ocasião, era isto: seus homens o seguiam sem perguntas, apesar de que eles também deviam saber o que estava por vir.
Não demorou muito para eles chegarem ao destino.
As portas de Keppenach se abriram rapidamente. Keane hesitou um momento antes de estimular seu cavalo a entrar pelos portões. No momento que eles entraram no pátio, os portões foram fechados ao mesmo tempo. E apesar disso seu cunhado era o laird desta fortaleza, os homens do rei encheram o pátio, marchando em direção a Keane e sua comitiva. Ele espiou o semblante de sua irmã em uma janela da torre, e ele sabia que a situação era terrível. Mesmo a esta distância, ele podia ver a preocupação no rosto dela.
Eles estavam cercados.
"Afastem-se," ele ordenou a seus homens, porque apesar das vestes que eles usavam, nem todos eram leais a David. Ele sabia disso, assim como qualquer outra pessoa. Levantando as mãos no ar, Keane se deslizou para fora da sua sela e seus homens o seguiram.
O laird de Keppenach apareceu na soleira da porta da fortaleza, os braços cruzados com uma expressão de mau presságio. Ele era seguido por David mac Mhaoil Chaluim.
"Keane dún Scoti!" o Marechal anunciou, assim que os pés de Keane tocaram o solo. "Sob o comando de David mac Maíl Choluim, Príncipe dos Cumbrians, Conde de Northhampton e Huntingdon, Righ Art, o Grande Rei dos Escoceses e Chefe dos Chefes, ancestral de Kenneth MacAilpín, nós devemos colocá-lo sob prisão. Largue suas armas!"
Os olhos de Keane se encontraram com os de Jaime, e Jaime deu-lhe um aceno, enquanto ele tirou sua espada da cintura e atirou-a no chão. Ele puxou o punhal da bota e também a lançou no chão. E depois pegou a faca no cinto dele. E jogou diante dele.
"Estou desarmado," ele anunciou, e de repente, os homens do rei correram para frente. Colocando seus braços atrás das suas costas, e arrastaram Keane para fora do pátio.
(47) dwale - beladona, ou qualquer outra planta soporífera