Uma luz ocre preenchia a câmara, movida por velas de sebo e um braseiro ardente, ao lado da cadeira do rei.
As palavras não saíam da boca de Lianae rapidamente, mas ela não se lamentava. Se fosse possível, eles estavam fazendo com que ela se sentisse ainda mais suja do que o odioso vestido que ela ainda estava usando — mais suja que a fumaça quente que ardia nas narinas dela.
Que Deus a perdoasse; ela nunca iria voltar para o Conde.
O clima na sala ficava cada vez mais sombrio. Todos os cinco homens presentes olhavam para ela do outro lado da mesa, nenhum deles com qualquer benevolência, apesar da atrocidade, que ela tinha confessado.
Com os olhos apertados, o Rei David sentado em sua cadeira, batia os dedos na mesa, considerando as alegações dela. "E você tem provas?" Sua expressão era sóbria, seu rosto longo austero e sua face estavam ruivos como a sua barba.
Até agora, eles a tinham alimentado e principalmente a estavam tratando bem, mas Lianae era sábia o suficiente para saber que apesar destas pequenas cortesias, seu destino seria decidido aqui hoje com apenas um movimento desse dedo longo, que o rei usava para tamborilar na mesa. Ele poderia muito facilmente devolvê-la para o Conde — e por que ele deveria se importar com o que acontecesse com ela? Por que deveria ele se importar que a irmã dela tivesse morrido nas mãos de William fitz Duncan? Na verdade, seu aliado. E ainda assim, havia algo nas profundezas do olhar do rei que dava alguma esperança para Lianae — algum indício de compaixão.
"Lianae... você tem provas?" o rei persistiu.
E ela tinha. Os hematomas que William tinha feito nela estavam tão escuros e grandes que eles mostravam toda a sua raiva. Ele não ter terminado o que ele tinha começado era apenas uma mera questão de dias mais o senso irritante de diplomacia do seu irmão — por isso ela podia agradecê-lo.
E ainda assim, ela não estava comprometendo o Conde aqui hoje.
Se ela fosse profanada, fitz Duncan nunca iria querê-la de volta. Seu orgulho era grande demais, ela sendo ou não uma princesa de Moray.
Ela estava com medo de que o rei concordasse com o direito que o noivo tinha sobre ela. Era uma aliança precária entre dois homens, ambos com direito a ser rei, e ela temia que David precisasse de um motivo melhor para mantê-la fora da cama de William fitz Duncan, e qual a melhor maneira de fazer isso do que afirmar que ela tinha perdido a virgindade com outro homem?
E isso devia ter sido verdade.
Ela tinha compartilhado a cama de Keane todas as noites desde que eles se encontraram em Lilidbrugh. Devia ser fácil o suficiente para qualquer um acreditar — que um homem como Keane — tão grande, tão forte, tão viril — podia tomá-la para si e colocar sua semente dentro dela.
Mas Lianae tinha ficado tão desesperada para escapar de seu próprio destino que ela não tinha parado para pensar o que isto significaria para Keane. Culposamente, ela encontrou o olhar de Cameron. Ele sabia que suas afirmações não eram totalmente verdadeiras, embora a menos que ela quisesse provar a si mesma como uma mentirosa, as palavras dela não poderiam mais ser desfeitas. Para melhor ou pior, ela devia continuar fiel a sua estória.
Querendo chorar agora, Lianae lentamente empurrou a cadeira para longe da mesa e ficou de pé. As lágrimas eram reais. Ela não precisava fingir. Sua dor era genuína e o sabor em seus lábios era amargo — uma mistura agridoce de culpa por macular a honra de um homem que ela só tinha recorrido por causa do que ela tinha sofrido nas mãos do Conde. O medo deixava um gosto estranho na boca e uma mancha feia e grande em seu coração.
Lembrando-se que uma mulher deve fazer o que puder para sobreviver, ela lançou um olhar para os outros ocupantes da sala, depois retornou para o rei. Ela estava doida para levantar a bainha do seu vestido para mostrar ao rei os hematomas que cercavam seus tornozelos, vários círculos escuros que eram ainda visíveis mesmo após alguns dias.
"Keane fez isso?" perguntou o laird de Keppenach. Seu olhar foi direto para Luc e depois para Cameron MacKinnon. Seu tom era claramente descrente, deixando Lianae pensar o quanto Keane conhecia esse homem. Além do rei, de Luc e de Cameron, ela tinha pouca noção de quem eram essas pessoas. Mas de repente ela sentiu medo, ao olhar nos olhos nada satisfeitos de Jaime Steorling, e sua ira parecia dirigida para Lianae. Ainda assim, ela acenou certa de que era sua única opção.
Se ela não tinha confundido o som, o Rei tinha rosnado. Assustada, Lianae deu um passo para trás e um medo verdadeiro espremeu o coração dela.
Se o rei não acreditasse que ela tinha perdido sua virgindade, ele podia mandá-la de volta para Fitz Duncan. "Eu-eu estou... atrasada," ela disse correndo.
Outra mentira.
Elas estavam se acumulando agora mais rápido do que Lianae poderia lembrá-las. Mas elas ajudavam no caso dela. Para dar ênfase, ela colocou uma mão em cima da sua barriga, vendo os olhos do rei olhando para ela mais uma vez, direto para a barriga dela. Nem mesmo o laird de Keppenach perdeu o gesto dela e ele compartilhou uma olhada com seu rei, arqueando sua sobrancelha.
O rei agora se virou para Cameron MacKinnon, pedindo seu conselho, ao invés de pedir ao laird de Keppenach ou a Lianae. "Você passou os últimos cinco anos muito próximo ao homem, sem falhar um só dia. Keane dún Scoti é capaz de tal coisa?"
Lianae podia ver os músculos da mandíbula de Cameron tensos. Ninguém podia imaginar o que ele iria dizer. Ela sabia que os dois homens estavam em desacordo, mas ela também sentiu sua desaprovação nas suas afirmações.
"O homem que eu conheço jamais abusaria de uma mulher," Cameron disse com uma expressão sóbria. Ele balançou a cabeça, desmentindo as declarações de Lianae. E ele atirou para Lianae outro olhar de desprezo.
Lianae quase ficou intimidada com o olhar de ódio dele. Confusa, desmotivada, ela não queria nada mais do que atirar-se sobre a mesa e pedir perdão — por mentir sobre seu amigo acima de tudo — mas se ela fizesse isso, ela bem podia ser condenada a morte. Como sua irmã Elspeth.
O olhar do rei foi direto para Lianae. Ele lhe deu um olhar aguçado. "Eu o tenho lá embaixo nas prisões," ele disse para ela, seus olhos escuros penetrantes.
Pânico levantou-se no peito de Lianae.
Keane?
Ele estava aqui?
Agora?
“Eu posso tirar a cabeça dele por causa disso," o rei continuou.
"Ah, não!" Lianae exclamou. Desesperadamente, ela abanou a cabeça. "Por favor, não!" Ela implorou. "Não foi culpa dele, Sua Graça!" E ela imediatamente caiu de joelhos.
David bateu com a palma da mão em cima da mesa, fazendo um barulho terrível. "Não foi culpa dele?" ele rugiu. "Como você pode dizer isso e no mesmo fôlego acusá-lo?"
Lágrimas quentes brotaram nos olhos de Lianae. Pelos deuses, isto estava indo de uma maneira terrivelmente errada. Ela nunca quis prejudicar Keane.
"Ele continuou para ter certeza de que você estaria segura," disse o laird de Keppenach. "Isso não parece às ações de um homem que faria o que você quer nos fazer acreditar."
Lianae abanou a cabeça, o pescoço agora muito pesado para falar. Lágrimas jorravam nos olhos dela.
"Ele agora espera pela justiça do rei."
Justiça?
Não havia nenhuma justiça neste mundo! Se houvesse o pai dela ainda estaria vivo. Ela teve que se forçar para as palavras saírem. "Ele me tratou com bondade, Sua Graça," ela confessou.
"E mesmo assim ele se forçou sobre você?"
Lianae balançou a cabeça novamente.
O rei virou seu olhar escuro, misterioso na direção de Cameron. "Eles compartilharam a mesma palete como ela alega?"
Cameron assentiu com a cabeça, mas com relutância.
"E mesmo assim você não acredita que ele abusou dela?"
Cameron abanou a cabeça com muito mais certeza, e Lianae ficou aliviada e horrorizada ao mesmo tempo. Keane era inocente, mas isso a fazia uma grande mentirosa.
"Levante-se agora, moça," o rei ordenou com sua voz de trovão.
Com os olhos arregalados e cheios de temor, Lianae imediatamente fez o que lhe foi ordenado, ficando de pé.
O laird de Keppenach falou novamente. "Você sabe o que eu faria com um homem que forçasse a minha esposa?"
Engolindo com alguma dificuldade, Lianae acenou com a cabeça mais uma vez.
A fúria do laird de Keppenach aparecia em todos os músculos do seu corpo, incluindo agora espasmos no pescoço. "Eu iria arrancar sua cabeça, cortá-la de seu corpo e depois enfiar o pau dele entre seus lábios. Então eu colocaria a cabeça dele em cima de um poste, para servir como banquete para os corvos."
Ele deixou-a pensando nessa imagem, por mais horrível que ela fosse. Lianae não agüentava mais. Suor pingava entre seus seios, apesar da época do ano. Dentro desta sala, ela se sentia abafada e sufocada.
Depois de um momento, o rei falou. "Era isto o que você esperava Lianae?"
Mais ou menos balançando a cabeça e acenando, Lianae estava apavorada pelo destino que agora ela e Keane podiam enfrentar — tudo culpa dela. De qualquer forma, era uma farsa. Se o rei a mandasse de volta para William, seria seu fim. Se ele acreditasse nela, Keane podia ir parar na forca — ou pior. Ela pensou sobre a cabeça dele num poste e... e ficou fisicamente doente. Ela cobriu a boca e tentou não vomitar.
O rei olhou para ela com um brilho nos olhos. "Lianae de Moray, o que você quer que eu faça com Keane dún Scoti?"
A princípio ela não ouviu o nome que ele tinha falado. O nome escapou completamente com o terror que ela estava sentindo.
Conceder-lhe honras.
Recompensá-lo com riquezas.
Keane não merecia sua cabeça em um poste!
Lágrimas rolavam pela face de Lianae. Seu rosto estava quente. "Sua Graça, é verdade que ele não me forçou fazer nada," ela confessou. "Fiquei com ele por vontade própria."
Pelo menos era parcialmente verdade.
Ela tinha compartilhado sua palete, afinal — e tinha ido para ela por vontade própria.
O Rei David olhou para o laird de Keppenach mais uma vez e depois se virou para Lianae. "Se eu mandar meu médico para... fazer uma consulta... ele concordaria que você não é mais... virgem?"
As bochechas de Lianae começaram a queimar, mas ela conseguiu fazer um aceno — apesar da mentira.
"E você diz que você dormiu com ele por vontade própria?"
Ela sentiu como se ela fosse desmaiar. "Sim, Sua Graça."
O rei virou-se para Cameron. "E quanto a isto, MacKinnon. Isto é verdade?"
"Que ela carrega um filho de Keane? Como eu vou saber Sua Graça?"
O coração de Lianae batia fortemente enquanto ela inspecionava seu dedo — a unha roída depois de dois dias de intenso nervosismo — e incapaz de enfrentar o desprezo no olhar de Cameron. Ele agora a detestava, e ele, acima de todos os outros, sabia como ela era — uma mentirosa.
Por um longo tempo, Cameron pareceu relutante em responder, mas então ele acenou com a cabeça. "Sim, eles dormiram juntos, mas eu nunca os vi fazer nada mais do que beijar."
O olhar de Lianae se encontrou com o dele, surpresa com a sua afirmação.
Mais lágrimas apareceram em seus olhos com a lembrança dos beijos doces que ela tinha compartilhado com Keane — momentos maravilhosos que ela não trocaria por nada no mundo. E Cameron claramente tinha testemunhado pelo menos um deles. O que eles tinham compartilhado na palete na primeira manhã que ela tinha acordado ao lado dele? Ou aquele perto do riacho quando ela quase tinha lhe oferecido sua virgindade? O beijo casto na parte de trás da sua cabeça quando ele roubou o coração dela? Eram todas provas do bom caráter de Keane, porque apesar dela ter se jogado corajosamente em seus braços, todas às vezes ele a tinha afastado...
Keane foi o primeiro homem que ela tinha conhecido e de quem ela tinha gostado — que a tratou tão familiarmente e tão gentilmente, sem um traço de luxúria.
E era desta maneira que ela ia pagar-lhe?
O silêncio na sala era ensurdecedor. Os dedos do rei voltaram a bater na mesa. O som de seus dedos batendo na madeira cresceu em intensidade até que começou a combinar com o ritmo acelerado do coração de Lianae.
Eles iam enforcar um homem pelo o que ela tinha alegado?
Só para ficar claro e, para garantir que eles não iam prejudicar Keane, Lianae limpou a garganta e disse, "Eu queria me deitar com ele."
E isto era totalmente verdadeiro.
Com cada fibra do seu ser.
"E o seu noivo?" David perguntou, sentindo a necessidade de lembrá-la. "William fitz Duncan."
O coração de Lianae pareceu se espremer dolorosamente com a menção do nome do Conde. O medo paralisou a língua dela. Os olhos dela devem ter falado alto o suficiente, porque o rei suspirou e balançou uma mão em desgosto. "Muito bem." Ele acenou com a cabeça para o servo que a tinha trazido. "Acompanhe Lady Lianae aos seus aposentos."
Lianae não era uma lady; ela era uma princesa, mas no momento ela não se sentia como uma princesa. Ela se sentia baixa, inferior, ínfima — um flagelo na face da terra. Uma mentirosa. Uma covarde.
Ela só tinha intenção de continuar ela mesma e de não se casar, e no processo, ela tinha falado mal do caráter de um bom homem.
Ela queria desesperadamente se corrigir, mas a autopreservação segurou sua língua enquanto o servo a acompanhava para fora do solar. No corredor, Lianae se livrou das mãos do homem e olhou hesitante de volta para o quarto.
Fale agora ou cale a sua língua para sempre, Lianae.
Keane é inocente! Ela queria gritar.
Mas ela não fez tal coisa. Ela simplesmente ficou parada, uma imagem assombrando-a — a de Keane embaixo nas prisões, aguardando o seu fim. Em sua mente, ela o viu marchando para fora de sua cela, sendo levado para a forca e depois sendo enforcado, e tudo por culpa dela.
Ela abriu a boca para falar a verdade — não importava o que pudesse acontecer — mas a porta do solar se fechou, e antes que ela pudesse falar mais uma palavra, o homem a levou embora.