8

O tiro ecoou pelo corredor estreito e Kurt caiu para trás, torcendo-se de um modo estranho. Caiu de lado e ficou ali sem se mexer.

Surpreso, mas possuído ainda dos reflexos rápidos que usara no ringue de boxe durante metade da sua vida, Joe avançou logo. A sua mão enluvada bateu no braço do desconhecido, fazendo com que dois desses tiros acertassem na parede. Uma cabeçada, com a ajuda do capacete metálico de mergulho, fez com que o atirador se estatelasse e a arma lhe escorregasse da mão, deslizando pelo desgastado pavimento branco do corredor.

Ambos os homens se precipitaram para agarrar na pistola. Joe foi o primeiro a conseguir apanhá-la e pôs-se de pé, mas as luvas atrapalhavam-no e ele não conseguia enfiar o dedo no gatilho. O duro assaltante atacou-o, e ambos esbarraram na porta que dizia Perigo, Ressonância Magnética.

Aterraram no chão duro e foram separados pelo impacto. Prejudicado pela visão limitada através do capacete, Joe perdeu momentaneamente a pistola, deixando de ver o seu inimigo. Quando olhou em volta, não viu a pistola em lado algum, mas o homem que os tinha atacado estava a cinco metros de distância. Parecia inconsciente.

Joe levantou-se e deu um passo em frente. Sentiu uma forte vertigem, como se o estivessem a puxar para trás. Antes de poder dar mais um passo, sentiu que estava a perder o equilíbrio. Pensou logo que talvez a toxina o estivesse a afetar, mas não se tratava da sua imaginação. De facto, estava a ser puxado para trás, como se alguém lhe tivesse atado uma corda entre as omoplatas.

A razão para tal, em breve se lhe tornou óbvia. Eles tinham entrado de rompante pela porta do laboratório de ressonância magnética do hospital. Cinco metros por detrás dele havia uma máquina do tamanho de um pequeno automóvel. Estava cheia de poderosos ímanes super-resfriados que não se podiam desligar. Tendo trabalhado num hospital durante um verão, Joe conhecia bem os perigos das máquinas de ressonância magnética: qualquer coisa feita de metal ferroso, que se aproximasse demasiado, seria atraída como um feixe de atração. E Joe tinha uma garrafa de aço nas costas e um capacete também de aço na cabeça.

Debruçou-se para a frente, num ângulo de trinta graus, lutando contra a força magnética, tentando evitar que a mesma o levantasse no ar. Deu algumas passadas nessa postura, como um homem que estivesse a andar contra a violência de um furacão, contudo, a sua marcha tornava-se horrivelmente lenta.

O seu inimigo ferido estava apenas a uns dois metros, ainda a restabelecer-se da queda no chão, no entanto, apesar de todos os esforços, Joe não o conseguia alcançar.

Inclinou-se ainda mais, empurrando o corpo com mais força, e pousou o pé num local bem liso do chão. O pé escorregou-lhe, fazendo com que ele deslizasse para a frente sem o poder controlar. Foi tudo o que bastou. No instante seguinte já começava a voar pelo ar.

As suas costas embateram na superfície curva da máquina, com a cabeça a fazer um movimento brusco, contra outra parte do aparelho, e provocando um grande estrondo.

Os ímanes mantinham-no nesse lugar, com o corpo torcido. Até os pés estavam levantados, devido aos pedaços de aço que tinha nas botas, tal como o seu braço esquerdo onde havia o metal do relógio. Conseguiu no entanto libertar o braço direito da máquina, mas não foi capaz de separar da mesma qualquer outra parte do corpo.

Entretanto, o assaltante recobrara os sentidos. Levantara-se, olhara para Joe e depois abanara a cabeça como se estivesse a ter uma alucinação. Começou a rir-se e levantou a pistola que logo lhe voou das mãos e foi bater contra a cabina de controlo da máquina, mesmo ao lado de Joe.

Este tentou contorcer o corpo para a alcançar, contudo, era como se a pistola aí estivesse colada e fora do seu alcance.

O meliante parecia surpreendido, mas depressa se restabeleceu. Pegou numa outra arma, um punhal com uma lâmina triangular ligado a umas soqueiras de latão. Colocou os dedos nos buracos, fechou o punho e pôs-se a andar em direção a Joe.

— Talvez pudéssemos conversar acerca deste assunto — arriscou este. — Penso que precisa de ajuda, não é verdade? Talvez de um seguro médico melhor. Talvez um capaz de cobrir problemas de saúde mental.

— Será melhor que aceites o inevitável — disse o homem. — Simplificará muito as coisas.

— Simplificá-las-á talvez para ti.

O homem investiu, mas Joe conseguiu libertar uma perna e dar-lhe um pontapé na cara.

O golpe fez com que o assaltante ficasse tonto e caísse para trás; reagindo com raiva, levantou um braço e preparou-se para abrir um buraco no peito de Joe. Nesse mesmo momento, a porta abriu-se. Era Kurt, com um suporte para transfusões intravenosas na mão. Abriu mãos do mesmo e a haste metálica voou na direção deles. Acabou por trespassar o corpo do assaltante como um dardo, pregando-o à máquina, ao lado de Joe.

Este reparou na luz a desaparecer dos olhos do homem e depois dirigiu a sua atenção para Kurt. — Já era tempo de aqui chegares. Por instantes pensei que fosses assumir a posição de um inseto de pernas para o ar, durante todo o dia.

Joe conseguia ver uma amolgadela no cimo do capacete de Kurt e sangue a escorrer-lhe do rosto, por detrás da viseira em acrílico.

— Fiquei sem sentidos, mas vi logo que também não havia pressa, que te iria encontrar algures parado por aqui.

Um sorriso irónico percorreu o rosto de Joe. — Não podias deixar passar esta, pois não?

— Não, não podia.

— Bem, o melhor é não te aproximares muito, senão ficas ao meu lado, transformado num íman de frigorífico.

Kurt manteve-se à porta com as mãos a agarrarem-se ao batente para evitar ser sugado em direção à máquina. Olhou em volta. À esquerda, por detrás da parede de plexiglass, via-se a cabina de controlo da máquina de ressonância magnética vazia. — Como é que eu a posso desligar?

— Não podes — disse Joe. — Os ímanes estão sempre ligados. No hospital onde trabalhei, em El Paso, houve uma cadeira de rodas que se colou a uma máquina destas. Foram precisos seis fulanos para a despregarem.

Kurt assentiu com a cabeça e não se desviou de onde estava. A sua atenção dirigira-se ao homem que os queria matar. — Qual é afinal o problema dele?

— Para além do dardo que lhe atravessa o peito…?

— Sim, para além disso — respondeu Kurt.

— Não faço ideia — disse Joe. — Embora ache estranho que a única coisa que se mexa nesta ilha seja um lunático furioso, que nos queria matar, por um motivo que ainda me escapa.

— E isso ainda te surpreende? — perguntou Kurt. — Eu, até certo ponto, já me habituei a isso. É o tipo de coisas que nos estão sempre a acontecer. Mas o que me intriga mais é o modo como ele está vestido, ou seja, como não está… Estamos a suar as estopinhas nestes fatos, e ele andava por aí com roupa normal e sem uma máscara.

— Talvez o ar já se possa respirar — observou Joe. — O que quer dizer que eu posso…

— Não arrisques — objetou Kurt, levantando uma mão. — Mantém o equipamento até termos a certeza. Vou levar o oxigénio a essa tal Dr.ª Ambrosini. Vou ver se ela tem alguma ideia acerca do que aconteceu.

— Eu ajudava-te, mas…

Kurt sorriu. — Sim, já estou a ver que estás ligado à máquina.

— Talvez isto se deva ao magnetismo da minha personalidade.

Kurt riu-se, permitindo que Joe tivesse a última palavra, e depois começou a andar pelo corredor.