Malta
19h00
Uma espécie de chilrear, com um som agudo e estridente, perfurou a noite, no momento em que um camião de entregas estava a fazer marcha-atrás até à plataforma de carga de um enorme armazém. Este pertencia ao Museu Oceânico de Malta e continha muitos dos seus projetos em curso.
À porta do armazém, dois guardas de segurança e um operador de monta-cargas viam a aproximação do camião.
— Será que dá para imaginar que estejamos aqui parados a tomar conta das entregas — observou um dos guardas — enquanto o resto da rapaziada está no museu a apreciar as vistas?
Ao fundo da rua, limusinas e carros de luxo tinham estado a parar diante do edifício principal, onde se realizava o baile de gala. Alguns dos participantes chegavam de barco, diretamente dos seus iates.
Entre os carros, esposas e amantes, já para não se mencionar as rececionistas, com vestidos brilhantes, o guarda no armazém tinha a impressão de estar a perder qualquer coisa.
O segundo guarda encolheu os ombros. — Espera até alguém perder um brinco. Vai ser uma confusão dos diabos e nós estaremos aqui sentados, com os pés em cima de uma mesinha, a dizer que está tudo normal.
— Talvez tenhas razão — opinou o primeiro guarda, pegando numa prancheta com mola. — Vejamos o que temos aqui.
Foi até à plataforma de carga enquanto um outro guarda fechava o portão, não muito longe. Uma vedação em todo o perímetro, com arame farpado por cima, era a primeira linha de defesa. Portas de armazém que requeriam sensores, contra os quais se colocavam cartões de segurança, constituíam a segunda; mas os próprios guardas vigiavam o armazém vinte e quatro horas por dia. Desde o ataque que matara Kensington, tinham triplicado o pessoal.
O camião ficou encostado à plataforma pondo um fim, felizmente, aos apitos do alarme de aviso.
O condutor saiu, dirigiu-se à parte de trás e abriu a porta, que começou a matraquear enquanto deslizava para cima.
— Que é que tem aí para mim? — perguntou o guarda.
— Uma entrega de última hora.
O guarda olhou para dentro da caixa do camião. Um único caixote de madeira, com um comprimento de aproximadamente dois metros e meio e talvez com uma altura de metro e meio, repousava no centro do interior do camião.
— Qual é o número da fatura? — perguntou ele.
— SN-5417 — disse o condutor, olhando para a sua própria prancheta.
O guarda passou os olhos pela primeira página da sua folha de entregas, mas não encontrou nada. Depressa começou a ler a segunda página. — Aqui está. Uma adição de última hora. Onde é que estiveste? Isto deveria aqui ter chegado há uma hora.
O condutor pareceu ficar confuso com o comentário. — Começámos já tarde e a vossa grande festa está a causar um tráfego de pesadelo. Já têm muita sorte pelo facto de eu ter conseguido aqui chegar.
O segurança não duvidava disso. — Bem, vamos dar uma vista de olhos.
Tendo inserido uma enorme chave de parafusos por baixo da tampa do caixote, conseguiu abri-lo. Lá dentro, sobre uma cama de palha, via-se o cano estreito de um pequeno canhão antipessoal que era usado para disparar metralha sobre os inimigos. De acordo com a folha de entrega, viera de uma chalupa inglesa do século XVIII. Ao lado, embrulhadas em papel alcalino e protegidas por plástico com bolhas, viam-se algumas espadas.
Satisfeito, o guarda voltou-se para o operador do monta-cargas. — Leve isto para a parte de trás, ponha-o em qualquer lado que não estorve. Já lidaremos com isso logo que termine a festa.
O operador concordou com um aceno de cabeça. Ao contrário dos guardas, estava contente por ali estar, pois o turno da noite significava horas extraordinárias. Se passasse da meia-noite, como ele estava à espera que acontecesse, seria pago a dobrar. Pôs o monta-cargas a trabalhar, elevou o caixote e levou-o para a parte de trás do armazém. Rodando rapidamente, em breve estava a descer a ala central daquele grande espaço. Quando chegou ao ponto em que o novo caixote não ficaria no meio do caminho, parou.
Este foi pousado com um leve estalido. Um olhar rápido disse-lhe que a parte de baixo se tinha rachado. Encolheu os ombros. Tratava-se de uma coisa que costumava acontecer.
Retirando os garfos, fez marcha-atrás para chegar de novo à parte dianteira. As coisas iriam estar sossegadas por algum tempo. Por enquanto, ia ver televisão na sala de descanso.
Arrumou o monta-cargas, retirou o seu capacete de metal e entrou na sala. Porém, a primeira coisa que viu foi vários cadáveres no chão, dois dos quais ele reconheceu como sendo os guardas que tinham acabado de receber a nova encomenda.
Do outro lado da sala, outros guardas de segurança estavam de pé de pistolas na mão. Voltou-se para sair mas não o chegou a fazer.
Três tiros atingiram-no quase simultaneamente, acompanhados apenas pelo som abafado de um silenciador automático.
Caiu de joelhos e um quarto tiro acabou com ele. Tombou de lado no chão, perto de um dos outros trabalhadores assassinados.
Se aquele operador de monta-cargas tivesse vivido o suficiente para pensar acerca do assunto, teria reconhecido os homens com as pistolas como sendo os novos contratados, trabalhadores temporários recrutados para completarem a equipa de segurança durante o leilão. Talvez se tivesse também dado conta de um homem de rosto queimado e ferido pelo sol que estava por detrás deles. Mas morreu, antes mesmo de as sinapses do seu cérebro poderem ter registado tal facto.