25

Num espaço acanhado e claustrofóbico, Kurt olhava através de uma máscara de mergulho para o vazio de uma total escuridão. Conseguia respirar devagarinho através de um pequeno regulador, tentando calcular quanto tempo se passara. Era difícil dizer. Estendido numa imobilidade completa, na escuridão e no silêncio, era o equivalente a um tanque de privação sensorial.

Tentou estender as pernas que estavam dolorosamente dormentes. Torcendo e retorcendo os pés como um pequeno animal que estivesse a tentar escavar o solo, forçou-os através dos materiais de embrulho do mesmo modo que se empurram os pés entre lençóis muito apertados, numa cama bem feita de hotel.

— Calma — ouviu-se uma voz. — Estás a dar-me pontapés nas costelas.

Kurt retirou a boca do regulador. — Desculpa — disse ele.

O facto de se ter esticado ajudara-o um pouco, mas ainda se sentia desconfortável: qualquer coisa afiada feria-o nas costas, e a palha que fora usada como isolamento dava-lhe comichões. Por fim, já tinha que lhe bastasse.

Torcendo o braço através da proteção solta, até ficar com ele em frente do rosto, conseguiu ver os pontinhos luminosos do seu relógio Doxa.

— Dez e meia — disse ele. — O evento deve estar bem vivo. É tempo de emergirmos como cigarras do solo.

— Detesto esses insetos — observou Joe. — Mas não me importarei nada de imitar um, se parares de me dar pontapés.

Kurt conseguiu abrir caminho, emergindo através da palha e da esferovite, à escuta de quaisquer sinais de perigo fora do caixote. Como não ouviu nada, carregou num botão num dos lados da máscara. Ligou uma lâmpada LED branca, semelhante a uma luz de leitura. Isso permitiu-lhe ver Joe a erguer-se, do outro lado, através da confusão.

— Isto poderá ser a tua pior ideia de sempre — murmurou Joe. — Quando contar isto ao Paul e à Gamay, eles nunca irão acreditar que este estratagema funcionou.

— Estava apenas a pensar fora da caixa — disse ele a brincar, com um tom muito sério.

— És muito engraçadinho — respondeu Joe. O seu tom sugeria que ele não estava divertido. — Há quanto tempo estavas à espera para usar isso?

— Pelo menos há uma hora — retorquiu Kurt. — Já sei qual foi o meu erro. Para a próxima temos de arranjar uma caixa maior.

— Para a próxima poderás disfarçar-te sozinho de empregado da Federal Express.

Apesar de todos os esforços para criarem um fundo falso, a palha e a esferovite tinham assentado à volta deles. O camião estivera parado no trânsito e, como último insulto, parecia que os tinham atirado a mais de meio metro do chão.

— Foi bom que eles não tivessem inspecionado este canhão que tu arranjaste — acrescentou Joe. — De um dos lados diz: «Made in China».

— E tu querias um canhão verdadeiro em cima de ti? — perguntou-lhe Kurt.

— Não me parece lá muito confortável… — respondeu o amigo.

Kurt também não pensava que fosse. — Esperemos que ao menos nos tivessem entregado na morada certa.

Kurt conseguiu libertar a outra mão e abriu um pacote de velcro que tinha prendido em volta do braço. Retirou dele um cabo fininho e pôs-se a desenrolá-lo. Ligando uma das pontas à máscara, e a outra a um pequeno cilindro que era de facto uma pequena câmara, preparou-se para dar uma vista de olhos ao que os rodeava.

— Sobe o periscópio — murmurou.

Acionando um botão na câmara, ligou-a e introduziu um fio através de um pequeno buraco no topo do caixote.

Quando as lentes ficaram focadas, uma imagem projetou-se dentro da máscara de Kurt. Era muito granulada, dado que a parte traseira do armazém estava mal iluminada

— Estás a ver algum contratorpedeiro japonês? — disse Joe, entre dentes.

Kurt tentou observar o que se passava à sua volta, rodando o fio devagarinho. — Só mar aberto. Sr. Zavala, leve o submarino para a superfície.

Kurt retirou o fio e desligou a câmara, enquanto Joe experimentava levantar a tampa do caixote. Kurt encarregou-se da sua parte, desligou a luz da máscara e juntos conseguiram fazer deslizar a cobertura.

Joe foi o primeiro a sair, Kurt seguiu-o segundos depois e ambos se esconderam por detrás do caixote até voltarem a sentir a circulação nos braços e nas pernas.

— Este sítio parece muito maior por dentro do que visto da rua — assinalou Joe.

Uma olhadela rápida revelou a Kurt que se tratava mais de um labirinto do que de um arranjo ordenado de secções. Na parte de trás, onde eles se encontravam, todos os artigos estavam arrumados no piso térreo, mas o resto do espaço encontrava-se cheio de prateleiras, em alguns lugares com a altura de três andares.

— Nunca poderemos examinar tudo isto em duas horas — observou Joe.

— A maior parte é irrelevante — disse Kurt. — Temos de nos focar nos artigos escolhidos para o leilão. Sobretudo em coisas egípcias. Creio que o que eles planeiam vender estará no piso térreo, talvez separado de tudo o resto. De modo que será melhor ignorar as prateleiras, a não ser que qualquer coisa nos chame a atenção. Tu ficas com o lado esquerdo; eu com o direito. Não demorará até chegarmos à parte da frente.

Joe assentiu com a cabeça, e pôs um pequeno auscultador no ouvido, que estava ligado a um rádio; Kurt fez o mesmo. Ambos também retiraram dos bolsos câmaras capazes de tirar fotografias digitais em infravermelho. Fotografias que poderiam examinar mais tarde.

— Mantém os olhos bem abertos — disse Kurt. — A equipa de segurança irá estar muito nervosa depois do que aconteceu na outra noite. Para além disso, preferia não ser alvejado, ou ter de os alvejar para nos proteger. Se alguma coisa acontecer, encontramo-nos aqui ou então escondemo-nos.

— Não tens de me dizer isso duas vezes — observou Joe. — Tasers e gás pimenta não irão valer de nada contra pistolas e espingardas.

Sabendo que estariam a lidar com guardas de segurança inocentes, tinham trazido com eles apenas métodos não-letais de defesa, capazes, no entanto, de dominar quem quer que eles pudessem encontrar.

— Nesse caso, não te deixes apanhar por alguém que tenha uma pistola ou uma espingarda — recomendou-lhe Kurt.

— Um bom conselho em qualquer circunstância.

Kurt sorriu e abriu os dedos num V de vitória, antes de se afastar para dentro do espaço mal iluminado diante dele.